CPRE e Ecoendoscopia no tratamento da pancreatite aguda recorrente pediátrica e pancreatite crônica

Ampliando a discussão sobre CPRE em pacientes pediátricos, esse post discutirá o artigo publicado por Joshi D, Shafi T, Al-Farsi U, et al., publicado no Journal of Clinical Medicine em 2024.

Introdução

A pancreatite crônica (PC) e a Pancreatite Aguda Recorrente (PAR) na população pediátrica são tipicamente causadas por variantes anatômicas (por exemplo, pâncreas divisum), malformações coledococianas, mutações genéticas no regulador da condutância transmembrana da fibrose cística (CFTR), no gene da Protease Serina tipo 1 (PRSS1), no inibidor de protease de serina tipo Kazal 1 (SPINK1), na quimotripsina C (CTRC) e nos genes da carboxipeptidase A1 (CPA1), bem como  infecções, causas autoimunes e traumas. A incidência estimada de PC na população ocidental varia entre 0,5 e 2 a cada 100.000 crianças por ano. Embora rara em crianças, é frequentemente associada com sintomas debilitantes, atraso no crescimento, desenvolvimento prejudicado, aumento dos custos com saúde e uma baixa qualidade de vida. 

Métodos

Este trabalho é uma Coorte Retrospectiva, unicêntrica, com dados coletados no King’s College Hospital, no Reino Unido, entre janeiro de 2008 e dezembro de 2022. Foram incluídos pacientes pediátricos (<18 anos) que realizaram CPRE e/ou Ecoendoscopia para PC ou PAR.

Nos casos de CPRE, um duodenoscópio pediátrico era utilizado em crianças menores que 1 ano. Quando maiores que um ano, um duodenoscópio adulto era escolhido. Quanto à ecoendoscopia, foi utilizado um ecoendoscópio com transdutor linear ou radial em pacientes maiores que 1 ano. Nos menores que 1 ano, um ultrassom endobrônquico foi utilizado.

Eventos adversos periprocedimento foram registrados e classificados de acordo com as orientações da Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal (ASGE). Durante o período de acompanhamento, os pacientes eram geralmente avaliados a cada 3 a 6 meses em uma clínica de pancreatite pediátrica. Quaisquer procedimentos endoscópicos adicionais, cirurgias ou outras intervenções—incluindo alterações nos medicamentos analgésicos—também foram registrados.

Resultados

Ao longo dos 16 anos do estudo, 562 crianças realizaram um procedimento de CPRE (n = 486) ou Ecoendoscopia (n = 76). Um total de 111 pacientes (20%) foi diagnosticado com PC e 25 pacientes foram diagnosticados com PAR. Todos os indivíduos realizaram exames de imagem pré-procedimento (ultrassom, tomografia computadorizada e/ou ressonância magnética) para confirmar a presença de PC ou PAR e para definir o melhor método endoscópico a ser utilizado.

O sintoma mais frequente foi dor abdominal (93%). Insuficiência exócrina pancreática esteve presente em 76% dos indivíduos. A maioria dos pacientes era do sexo feminino (55%), e a idade mediana da coorte foi de 11 anos (intervalo de 1 a 18 anos). 

As etiologias mais comuns da PC foram genéticas (20%), anormalidades anatômicas (22%), autoimunes (12%), cálculos biliares (7%) e criptogênica (28%). Entre os casos de pancreatite hereditária, as variantes nos genes PRSS1 e SPINK1 foram as mais prevalentes (74% dos indivíduos). As anormalidades anatômicas incluíram pâncreas divisum (n = 15), má junção pancreático-biliar (n = 10) e pâncreas anular (n = 5).

CPRE

Um total de 222 CPREs foram realizadas em 98 indivíduos com PC/PAR. Os alvos terapêuticos incluíram: estenose do ducto pancreático principal (DPP) com dilatação a montante (45%); cálculos sintomáticos no DPP associados a uma estenose (65%) ou sem estenose associada (20%); e estenose associada do ducto biliar comum inferior (5%). As estenoses do DPP foram mais frequentemente observadas na cabeça do pâncreas (70%).

A canulação bem-sucedida do ducto pancreático foi alcançado em 98% dos pacientes. Todos os pacientes realizaram uma esfincterotomia pancreática seguida de dilatação com balão (4 mm). Em 80% dos casos, foi utilizado o balão extrator, seguida da inserção de um único stent plástico na CPRE inicial em 60% dos casos.

Dos pacientes submetidos ao CPRE para PAR, 88% tiveram a colocação de stent (todos plásticos). A resolução da estenose foi mais comumente observada com stents metálicos totalmente cobertos em comparação com stents plásticos isolados (75% vs. 51%, p = 0,001). A duração média de um stent metálico foi de 3,1 meses (intervalo de 1 a 5 meses). Pacientes tratados com um stent metálico (30%) versus um único stent plástico (50%) ou múltiplos stents plásticos (10%) necessitaram significativamente menos procedimentos subsequentes para resolver a estenose (1,1 ± 0,82 vs. 2,85 ± 0,9 vs. 1,40 ± 0,82, p < 0,001).

Após a resolução da estenose do DPP, desde 2019, um stent biodegradável Archimedes foi colocado em 80% dos casos. Isso evitou a necessidade de remoção do stent do DPP durante uma futura gastroscopia.

Para o tratamento de cálculos pancreáticos, a utilização do balão extrator foi a terapêutica mais comum, com uma taxa de sucesso de 94%. No geral, o sucesso no clareamento do DPP foi de 81%, com uma mediana de 2 procedimentos para sua resolução completa.

Não ocorreram mortes durante o procedimento de CPRE. A taxa de complicação foi de 3,6%, sendo a mais comum a pancreatite pós-CPRE (n = 4), migração interna do stent do ducto pancreático (n = 1), sangramento (n = 1), perfuração (n = 1) e dessaturação (n = 1), todas classificadas como leves ou moderadas.

Após uma mediana de follow-up de 24 meses, observou-se uma melhora na dor abdominal de 76%  dos pacientes submetidos à CPRE. A CPRE com inserção de stent plástico para PAR resultou em uma redução nas internações hospitalares (2,5 vs. 1,25, p = 0,04). O IMC médio também apresentou melhora (15,5 ± 1,41 vs. 12,9 ± 1,16 kg/m², p = 0,001). Não foram disponibilizados dados acerca do controle glicêmico, e 3% dos pacientes necessitaram de cirurgia pancreática para controle dos sintomas.

Ecoendoscopia

Um total de 54 procedimentos de ecoendoscopia foram realizados em 48 pacientes. A indicação terapêutica mais comum foi drenagem de uma coleção líquida pancreática (65%). A indicação diagnóstica mais frequente foi a avaliação de uma massa pancreática ou linfadenopatia adjacente (20%), seguida pela avaliação de um cisto pancreático (15%). 

A biópsia com agulha fina (FNB) revelou características de fibrose crônica em cinco pacientes, inflamação compatível com doença relacionada a IgG4 em dois pacientes e alterações inflamatórias inespecíficas em quatro pacientes.

No grupo de pacientes com coleção líquida pancreática, sete pacientes foram submetidos a uma tentativa de drenagem utilizando um stent plástico de Tennenbaum. Em quatro pacientes (56%), o stent foi colocado com sucesso. Nos outros três casos, não foi possível posicionar o stent, sendo realizada, em vez disso, uma aspiração por agulha fina (FNA). A partir de 2017, os stents metálicos autoexpansíveis com aposição luminal (LAMSs) passaram a estar disponíveis e foram preferencialmente utilizados para drenagem de coleções com ou sem necrose. Nos 25 pacientes que realizaram cistogastrostomia guiada por Ecoendoscopia com LAMS, o stent foi colocado com sucesso em todos os casos.  

A maioria das massas pancreáticas estava localizada na cabeça do pâncreas (64%), com o restante observado no corpo do pâncreas. Em 88% das biópsias (todas realizadas com FNB), foi obtida uma amostra de tecido adequada para permitir uma avaliação histológica precisa.

A taxa de sucesso da Ecoendoscopia foi de 89%. Complicações pós-procedimento foram observadas em dois casos (4%), incluindo sepse (n = 1) e pancreatite (n = 1). Estas complicações foram classificadas como leve, sem necessidade de procedimentos adicionais.

Discussão

Já consolidado em pacientes adultos, o uso da CPRE e da ecoendoscopia em pacientes pediátricos vem se mostrando atrativo. No entanto, alguns cuidados amplamente utilizados em adultos, como o uso de AINE via retal, não foram amplamente utilizados em pacientes pediátricos neste estudo.

Foi demonstrado, neste estudo, a eficácia do uso de stents plásticos e metálicos, com uma taxa de resolução de estenose superior observada com os últimos. Observou-se também, uma melhora na dor abdominal em mais de dois terços dos pacientes submetidos à CPRE, uma redução nas internações hospitalares em pacientes com PAR e uma melhora no IMC. Além disso, não foram demonstrados eventos adversos após a endoscopia. 

Além do seu uso para PC, existem outras indicações para o uso da Ecoendoscopia e da CPRE em pacientes pediátricos, incluindo o manejo de doenças biliares com estenose, biópsia hepática guiada por EUS, colangioscopia e pancreatoscopia, embolização guiada por EUS de varizes gástricas e medição da pressão portal. Esses procedimentos são, em teoria, possíveis em pacientes pediátricos e podem ser utilizados se considerados apropriados. 

O advento da nova tecnologia de stents biodegradáveis pode ter seu uso difundido, principalmente em pacientes pediátricos. Disponível em 2019, o stent Archimedes foi adotado como o stent preferido para uso profilático em casos adultos e pediátricos. Na presente coorte, o stent Archimedes de degradação rápida foi utilizado no CPRE de seguimento após a resolução da estenose do DPP. O seu principal benefício é poupar o paciente de um novo procedimento, o qual, em pacientes pediátricos, é realizado frequentemente sob anestesia geral.

Em resumo, este estudo demonstra a segurança, eficácia e os benefícios a longo prazo da aplicação de CPRE e Ecoendoscopia em crianças com PC e PAR, como parte de uma abordagem multidisciplinar.

Comentários

Apesar dos procedimentos biliopancreáticos endoscópicos não serem frequentes na faixa etária pediátrica, há indicações precisas tanto para o diagnóstico quanto no tratamento. A Sociedade Japonesa de Endoscopia Pediátrica contabilizou 238 CPREs entre os anos de 2000 e 2004, onde, no mesmo período, foram realizadas 5059 endoscopias digestivas alta.

De acordo com a Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal e a Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica, a CPRE e a ecoendoscopia estão indicadas nos seguintes casos:

  1. Síndrome Colestática neonatal, onde os exames de imagem não são suficientes para definir o diagnóstico, a fim de evitar cirurgias desnecessárias;
  2. Em crianças maiores que 1 ano de idade com quadro de colestase, não definido por exame de imagem; nos casos de suspeita de cistos de colédoco, colangite esclerosante primária e anomalias anatômicas da junção biliopancreática; na avaliação de pacientes com crises de pancreatite aguda recorrentes (PAR) e em crianças com pancreatite crônica (PC).

Quando indicada, a CPRE apresenta uma sensibilidade de 86% e uma especificidade de 94% para o diagnóstico de atresia das vias biliares. No âmbito terapêutico, os procedimentos mais frequentemente realizados incluem a papilotomia endoscópica com remoção de cálculos biliares e pancreáticos, a inserção de próteses plásticas nas vias biliares e pancreáticas, além da remoção de parasitas da via biliar, como Ascaris lumbricoides e Fasciola hepatica.

A CPRE e a ecoendoscopia devem ser realizadas sob anestesia geral em todas as crianças com até 12 anos de idade, enquanto a sedação profunda é uma alternativa viável para adolescentes. Em relação à segurança do paciente, a proteção radiológica deve ser intensificada para áreas sensíveis como gônadas, tireoide, mama e retina nesta faixa etária. Para a prevenção de pancreatite aguda pós-CPRE, o uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) é recomendado apenas para crianças com idade superior a 14 anos.

Mesmo nos dias atuais, há uma limitação significativa devido à falta de equipamentos específicos para a realização da CPRE e da ecoendoscopia em crianças menores de 1 ano ou com peso inferior a 10 kg, já que a fabricação de aparelhos pediátricos foi descontinuada. Em crianças com peso superior a 10 kg submetidas à CPRE, o duodenoscópio terapêutico adulto pode ser utilizado. Para os casos em que a ecoendoscopia é indicada, o ecoendoscópio adulto pode ser empregado em crianças com mais de 15 kg, enquanto o ultrassom endobrônquico (EBUS) é uma opção viável para crianças abaixo desse peso. As Tabelas 1 e 2 apresentam os duodenoscópios atualmente comercializados no mundo, enquanto a Tabela 3 sugere a seleção desses aparelhos de acordo com o peso e a idade. Os modelos de ecoendoscópios disponíveis estão nas Tabelas 4 e 5, sendo que a Tabela 6 apresenta a seleção desses dispositivos com base na idade e no peso.

Fabricante Modelo Diâmetro externo da extremidade distal (mm)   Comprimento de trabalho (mm) Diâmetro interno do canal (mm)
Olympus TJF-160F/160VF 13,2 1240 4,2
TJF-Q180V 13,7 1240 4,2
JF-260V 12,6 1240 3,7
TJF-260V 13,5 1240 4,2
TJF-Q190V/Q290V 13,5 1249 4,2
FUJIFILM ED-580T 13,1 1250 4,2
ED-580XT 13,1 1250 4,2
PENTAX ED32-i10 12,5 1250 3,2
ED34-i10T2 13,6 1250 4,2

Tabela 1. Duodenoscópios padrão para adultos.

Fabricante Modelo Diâmetro externo da extremidade distal (mm) Comprimento de trabalho (mm) Diâmetro interno do canal (mm)
Olympus PJF 8,8 1130 2,0
PJF-7.5 8,0 1030 2,0
PJF-240 8,0 1230 2,0

Tabela 2. Duodenoscópios finos para neonatos, lactentes e crianças (produtos descontinuados).

Endoscópio Idade Peso
Duodenoscópios finos <1–2 anos <10 kg
Duodenoscópios padrão >1–2 anos >10 kg

Tabela 3. Seleção de endoscópios com base na idade e no peso.

Fabricante Modelo Diâmetro Distal (mm) Canal Interno (mm) Transdutor / Ângulo
Olympus GF-UC160P-OL5 14,2 2,8 Convexo / 150°
GF-UCT160-OL5 14,6 3,7 Convexo / 150°
GF-UE260-AL5 13,8 2,2 Radial / 360°
GF-UCT180/260 14,6 3,7 Convexo / 180°
TGF-UC180J/260J 14,6 3,7 Convexo / 90°
GF-UE190/290 13,4 2,2 Radial / 360°
FUJIFILM EG-530UL2 14,2 2,2 Linear
EG-580UR 11,4 2,8 Radial / 360°
EG-580UT 13,9 3,8 Convexo / 150°
PENTAX EG34-J10U 12,9 2,8 Convexo / 150°
EG36-J10UR 10,4 10,4 10,4
EG38-J10UT 14,3 4,0 Convexo / 150°

Tabela 4. Ecoendoscópios padrão (EUS) para adultos.

Fabricante Modelo Diâmetro Distal (mm) Canal Interno (mm) Transdutor / Ângulo
Olympus BF-UC160F 6,9 2,0 Convexo / 80°
BF-UC180F/260FW 6,9 2,2 Convexo / 60°
BF-UC190F/290F 6,6 2,2 Convexo / 65°
FUJIFILM EB-530US 6,7 2,0 Convexo / 65°
PENTAX EB-1970UK 7,4 2,0 Convexo / 75°
EB19-J10U 7,3 2,2 Convexo / 75°

Tabela 5. Broncoendoscópios (EBUS).

Endoscópio Idade Peso
Broncoendoscópios (EBUS) <3–4 anos <15 kg
Ecoendoscópio padrão >3–4 anos >15 kg

Tabela 6. Seleção de endoscópios com base na idade e no peso

Radan Keil e colaboradores realizaram uma análise retrospectiva de uma série de casos envolvendo 626 pacientes pediátricos submetidos a 856 CPREs ao longo de um período de 18 anos. Em crianças com menos de 1 ano ou peso inferior a 12 kg, foram utilizados duodenoscópios de 7,5 mm com canal de trabalho de 2 mm, sendo a principal dificuldade o uso limitado de acessórios disponíveis para este tipo de aparelho. Para crianças entre 1 e 3 anos, foram empregados duodenoscópios diagnósticos com diâmetro de 11 mm e canal de trabalho de 3,2 mm. A partir dos 3 anos de idade, foi possível utilizar duodenoscópios terapêuticos com 13,5 mm de diâmetro e canal de trabalho de 4,2 mm.

As principais indicações para a realização da CPRE neste estudo foram a avaliação de casos de obstrução biliar e pancreatite crônica em todas as faixas etárias. A posição pronada foi a preferida para a realização do procedimento. O índice global de sucesso foi de 94,6%, enquanto o maior índice de insucesso (7,8%) ocorreu no grupo de pacientes com menos de 1 ano de idade, embora não tenha havido diferença estatisticamente significativa entre as diferentes faixas etárias.

A CPRE com finalidade terapêutica foi realizada em 58,8% dos procedimentos, dos quais 13% foram destinados ao tratamento de condições pancreáticas e 10,2% envolveram crianças com menos de 1 ano de idade. Entre as 23 CPREs realizadas em pacientes dessa faixa etária, apenas uma papilotomia foi realizada, e 20 stents de 5 Fr foram introduzidos na via biliar. Nessa faixa etária, houve apenas um caso de perfuração, sem relatos de pancreatite. A incidência global de pancreatite foi de 1,6%.

Sendo assim, tanto a CPRE quanto a ecoendoscopia podem ser considerados procedimentos seguros na faixa etária pediátrica, incluindo crianças com peso inferior a 10 kg. O principal desafio, no entanto, permanece sendo a disponibilidade de equipamentos e acessórios adequados no mercado.

Referências

  1. Joshi D, Shafi T, Al-Farsi U, Keane MG, Grammatikopoulos T, Kronfli R, Makin E, Davenport M, Hayward E, Pool A, Reffitt D, Devlin J, Harrison P. Endoscopic Retrograde Cholangio-Pancreatography and Endoscopic Ultrasound in the Management of Paediatric Acute Recurrent Pancreatitis and Chronic Pancreatitis. J Clin Med. 2024 Sep 18;13(18):5523. doi: 10.3390/jcm13185523. PMID: 39337011; PMCID: PMC11432529.
  2. Keil R, Drábek J, Lochmannová J, Šťovíček J, Koptová P, Wasserbauer M, Frýbová B, Šnajdauf J, Matouš J, Kotalová R, Rygl M, Hlava Š. ERCP in infants, children, and adolescents-Different roles of the methods in different age groups. PLoS One. 2019 Jan 17;14(1):e0210805. doi: 10.1371/journal.pone.0210805. PMID: 30653580; PMCID: PMC6336232.
  3. Agarwal J, Nageshwar Reddy D, Talukdar R, Lakhtakia S, Ramchandani M, Tandan M, Gupta R, Pratap N, Rao GV. ERCP in the management of pancreatic diseases in children. Gastrointest Endosc. 2014 Feb;79(2):271-8. doi: 10.1016/j.gie.2013.07.060. Epub 2013 Sep 21. PMID: 24060520.
  4. Zeng JQ, Deng ZH, Yang KH, Zhang TA, Wang WY, Ji JM, Hu YB, Xu CD, Gong B. Endoscopic retrograde cholangiopancreatography in children with symptomatic pancreaticobiliary maljunction: A retrospective multicenter study. World J Gastroenterol. 2019 Oct 28;25(40):6107-6115. doi: 10.3748/wjg.v25.i40.6107. PMID: 31686766; PMCID: PMC6824283.
  5. Tringali A, Thomson M, Dumonceau JM, Tavares M, Tabbers MM, Furlano R, Spaander M, Hassan C, Tzvinikos C, Ijsselstijn H, Viala J, Dall’Oglio L, Benninga M, Orel R, Vandenplas Y, Keil R, Romano C, Brownstone E, Hlava Š, Gerner P, Dolak W, Landi R, Huber WD, Everett S, Vecsei A, Aabakken L, Amil-Dias J, Zambelli A. Pediatric gastrointestinal endoscopy: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) and European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) Guideline Executive summary. Endoscopy. 2017 Jan;49(1):83-91. doi: 10.1055/s-0042-111002. Epub 2016 Sep 12. PMID: 27617420.
  6. Tagawa M, Morita A, Imagawa K, Mizokami Y. Endoscopic retrograde cholangiopancreatography and endoscopic ultrasound in children. Dig Endosc. 2021 Nov;33(7):1045-1058. doi: 10.1111/den.13928. Epub 2021 Feb 25. PMID: 33423305.
  7. Liu QY, Gugig R, Troendle DM, Bitton S, Patel N, Vitale DS, Abu-El-Haija M, Husain SZ, Morinville VD. The Roles of Endoscopic Ultrasound and Endoscopic Retrograde Cholangiopancreatography in the Evaluation and Treatment of Chronic Pancreatitis in Children: A Position Paper From the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition Pancreas Committee. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2020 May;70(5):681-693. doi: 10.1097/MPG.0000000000002664. PMID: 32332479.

Como citar este artigo

Ide E. e Dall’Agnol MK. Endoscopic Retrograde Cholangio-Pancreatography and Endoscopic Ultrasound in the Management of Paediatric Acute Recurrent Pancreatitis and Chronic Pancreatitis. Endoscopia Terapeutica. 2025 vol. I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/endoscopic-retrograde-cholangio-pancreatography-and-endoscopic-ultrasound-in-the-management-of-paediatric-acute-recurrent-pancreatitis-and-chronic-pancreatitis/




Artigo comentado: Over-the-scope clip as first-line treatment of peptic ulcer bleeding: a multicenter randomized controlled trial (TOP Study)

Publicado por Soriani et al. na Endoscopy em maio de 2024 (1).

Introdução

As hemorragias digestivas altas (HDA) são frequentes na prática clínica e sua principal etiologia envolve as úlceras pépticas. Recentemente, os “over-the-scope clips” (OTSC) vêm sendo empregados para a hemostasia em úlceras pépticas, inclusive como primeira linha. Estudos envolvendo diferentes etiologias demonstraram melhores resultados para o OTSC quando comparado ao tratamento padrão com clipes convencionais (“through-the-scope clips” – TTSC) (2-4). Visando compreender melhor a eficácia do OTSC, este estudo inclui apenas HDA por úlcera péptica, randomizando o tratamento para OTSC ou TTSC.

Métodos

O estudo foi conduzido em cinco centros europeus. Pacientes com HDA submetidos a EDA em até 24h da admissão com classificação de Forrest Ia, Ib e IIa (inclusive após remoção de coágulo) foram randomizados para OTSC ou TTSC. Nos casos de Forrest I submetidos a terapia com TTSC, associou-se rotineiramente o tratamento com solução de adrenalina conforme recomendação do Guideline da ESGE (5). Neste mesmo grupo, as úlceras Forrest IIa poderiam ter terapia associada com adrenalina ou não. Não houve limite na quantidade de clipes empregada em ambos os grupos.

O desfecho primário foi ressangramento em 30 dias; os secundários correspondem a sucesso clínico, necessidade de nova EDA, necessidade de transfusão de concentrado de hemácias, tempo de internação, mortalidade em 30 dias e complicações associadas a terapia endoscópica.

Resultados

Entre 2018 e 2022, foram incluídos 112 pacientes (OTSC = 61 x TTSC = 51). Todos os pacientes foram classificados como Forrest I ou IIa (15 casos após remoção de coágulo) e receberam altas doses de IBP peri-procedimento (dose não especificada). Os grupos foram similares considerando as características dos pacientes (uso de AINE, anticoagulantes, antiplaquetários, DAOC, alterações hemodinâmicas, RNI, Hb, etc) e da úlcera (tamanho, topografia, Forrest, etc).

Apenas um paciente no grupo do OTSC recebeu um segundo clipe. No grupo TTSC, a média foi de 2 clipes (variação de 1 a 8) e 28/51 receberam injeção de solução de adrenalina.

Em relação ao desfecho primário, não houve diferença entre os grupos: OTSC 1/61 paciente (1,6%) x TTSC 2/51 (3,9%) apresentaram ressangramento dentro de 30 dias (RR = 0,42 (95%CI 0,04 – 4,53, P = 0,47). Todos os casos foram tratados adequadamente em uma segunda endoscopia: o sangramento no grupo do OTSC foi resolvido com clipes convencionais e os dois casos do braço TTSC foram resolvidos, um com OTSC, e outro com método térmico.

No tocante aos desfechos secundários, a hemostasia inicial foi maior no grupo do OTSC: 98.4% (60/61) x 78.4% (40/51) (RR = 1,25, 95%CI 1,08 – 1,45, P = 0,003). O caso de insucesso inicial do OTSC foi tratado com TTSC; dos 11 casos de insucesso inicial do TTSC, 10 foram resolvidos com OTSC e um precisou associar ainda, método térmico e pó hemostático. Vale ressaltar que dos 11 casos de falha do TTSC, 7 eram úlceras fibróticas e 3 localizadas na parede posterior do bulbo.

Não houve diferença em termos de transfusão sanguínea (p = 0,66), tempo de internação (p = 0,92) e mortalidade em 30 dias (p = 0,18).

Não houve eventos adversos relacionados à terapia endoscópica.

Discussão

Com o desenvolvimento de novas tecnologias, é interessante compreender seu papel e vantagens em relação a outros métodos. Devemos considerar que os métodos que temos atualmente para hemostasia das úlceras pépticas, sendo os principais térmicos e TTSC associados ou não à injeção de adrenalina, são altamente eficazes na grande maioria dos casos. De antemão, reconhecemos limitações principalmente dos TTSC para úlceras fibróticas, de grandes dimensões, e em posições desfavoráveis, como parede posterior do bulbo e pequena curvatura gástrica. Neste contexto, e ainda em casos de falha de um método prévio, ou seja, como terapia de resgate, percebe-se o maior benefício potencial dos OTSC.

O trabalho exposto mostra justamente este resultado, uma vez que o posicionamento/estabilização do cap e maior abrangência tecidual pelos OTSC favorecem este método em casos previamente reconhecidos como de difícil abordagem com os TTSC. A diferença em termos de resultados apresentou-se basicamente no crossover com uso de OTSC em casos de falha de TTSC (11 casos, sendo 7 úlceras fibróticas e 3 na parede posterior do bulbo). Nos demais casos, permanece a impressão de uma alta eficácia dos métodos convencionais (como TTSC) que justifica seu uso, mesmo com os OTSC disponíveis. Por outro lado, também é adequado optar pelos OTSC nestas ocasiões, uma vez que esta recurso apresenta eficácia e segurança similares.

Em outras palavras, em situações “comuns”, podemos optar pelos TTSC ou pelos OTSC, porém em situações em que os TTSC apresentam pior desempenho (ex.: úlceras fibróticas, localização em parede posterior de bulbo e pequena curvatura de corpo gástrico), os OTSC devem ser empregados como primeira escolha.

Esta colaboração foi muito importante em termos de conduta baseada em evidências, pois foi o primeiro trabalho que randomizou OTSC e TTSC no contexto exclusivo de úlceras pépticas. Se por um lado, poderia haver a impressão de que existe uma superioridade em quase todas as situações, do outro, poderia existir o receio de dificuldade técnica e eventos adversos associados. Como habitual, nenhum dos extremos foi demonstrado e cabe o reconhecimento dos benefícios e limitações de cada método para o melhor emprego do arsenal terapêutico disponível. Novos estudos, a experiência prática e o aprimoramento das tecnologias certamente poderão elaborar ainda mais as discussões, bem como aumentar a eficácia das terapias hemostáticas endoscópicas.

Para mais informações sobre HDA clique: abordagem inicial, plano de ação e outras recomendações.

Referências

  1. Soriani P, Biancheri P, Bonura GF, et al. Over-the-scope clip as first-line treatment of peptic ulcer bleeding: a multicenter randomized controlled trial (TOP Study). Endoscopy. 2024;56(9):665-673. doi:10.1055/a-2303-4824. 38599622.
  2. Jensen DM, Kovacs T, Ghassemi KA, Kaneshiro M, Gornbein J. Randomized Controlled Trial of Over-the-Scope Clip as Initial Treatment of Severe Nonvariceal Upper Gastrointestinal Bleeding. Clin Gastroenterol Hepatol. 2021;19(11):2315-2323.e2. doi:10.1016/j.cgh.2020.08.046.
  3. Meier B, Wannhoff A, Denzer U, et al. Over-the-scope-clips versus standard treatment in high-risk patients with acute non-variceal upper gastrointestinal bleeding: a randomized controlled trial (STING-2). Gut. 2022;71(7):1251-1258. doi:10.1136/gutjnl-2021-325300.
  4. Bapaye J, Chandan S, Naing LY et al. Safety and efficacy of over-the-scope clips versus standard therapy for high-risk nonvariceal upper GI bleeding: systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc 2022; 96: 712–720 doi:10.1016/j.gie.2022.06.032.
  5. Gralnek IM, Stanley AJ, Morris AJ, et al. Endoscopic diagnosis and management of nonvariceal upper gastrointestinal hemorrhage (NVUGIH): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline – Update 2021. Endoscopy. 2021;53(3):300-332. doi:10.1055/a-1369-5274.



Uso da Terapia Endoscópica a Vácuo no Manejo de Fístula Esofágica Pós-Tireoidectomia

Relato de Caso

Paciente masculino, 46 anos, natural de Arapiraca-AL, apresentou queixa de massa cervical volumosa, rouquidão e discreta disfagia, com piora recente. Os sintomas tiveram início há três anos. Foi diagnosticado com tumoração na tireoide, sendo confirmada, por citologia aspirativa com agulha fina, a presença de carcinoma medular em estágio avançado, associado a linfonodomegalia e paralisia do nervo laríngeo recorrente direito.

O paciente foi submetido a uma tireoidectomia total com esvaziamento cervical bilateral em sua cidade de origem. Durante a cirurgia, houve lesão do esôfago cervical, prontamente reparada com rafia. Para monitoramento no pós-operatório, optou-se pela colocação de um dreno tubular, além da passagem de uma sonda nasoenteral (SNE) para alimentação precoce. No sétimo dia de pós-operatório, o paciente apresentou dor e inchaço cervical, associados a febre e deterioração do estado geral. Um teste oral com azul de metileno evidenciou extravasamento de conteúdo pelo dreno cervical. O paciente foi transferido para um hospital terciário de referência em Maceió, onde foi internado na UTI geral. Uma endoscopia à beira do leito identificou uma fístula esofagotorácica localizada abaixo do cricofaríngeo, no esôfago proximal, comunicando-se com a cavidade torácica facilmente acessada com o endoscópio.

Figura 1: cavidade por visão endoscópica.

A cavidade apresentava exsudato espesso e amarelado, aderente às superfícies e com contaminação grosseira por saliva e debris, vistos no vídeo e fotos a seguir:



Figura 2: cavidade com exsudato espesso e amarelado.

Figura 3: O ápice pulmonar direito foi visualizado.

Realizou-se uma toalete cavitária com soro fisiológico 0,9%, seguida pela instalação de um sistema de terapia a vácuo (técnica modificada) com sonda nasogástrica Nº 18. Após a primeira troca, observou-se melhora significativa do quadro clínico e laboratorial, permitindo a alta da UTI para a enfermaria após o terceiro dia de terapia com pressão negativa.

Na terceira troca, era evidente a melhora na contaminação e redução do tamanho da cavidade, que se encontrava recoberta por tecido de granulação. A evolução endoscópica positiva acompanhou-se de uma melhora clínica significativa do paciente, que permaneceu estável e sem sinais de septicemia.



Vídeo de evolução após a terceira troca.



Vídeo de evolução após a quarta troca.



Vídeo de evolução após a sexta troca.

Foram necessárias seis trocas do sistema à vácuo, realizados semanalmente até o fechamento completo da cavidade e resolução em definitivo da fístula.

O relatório patológico descreve: carcinoma medular da tireoide, tumor que mede 4 x 3,3 cm (classificação de estadiamento pT3b pN1b M0). Houve invasão linfática (8 de 10 linfonodos).

Discussão

A perfuração e o extravasamento de conteúdo esofágico são condições graves e potencialmente fatais, frequentemente levando ao desenvolvimento de sepse, com uma taxa de mortalidade variando entre 12% e 50%. O prognóstico piora significativamente com o atraso no início do tratamento: a mortalidade aumenta de 7,4% para 20,3% quando a intervenção ocorre após 24 horas do evento, ressaltando a importância crítica da identificação e intervenção precoces.

A perfuração do esôfago cervical é comumente associada a complicações decorrentes de procedimentos esofágicos ou intubação traqueal. A alta mortalidade relacionada a essa condição deve-se à anatomia do esôfago proximal, que facilita o acesso de bactérias e enzimas digestivas ao mediastino, levando ao desenvolvimento de uma condição grave, a mediastinite, além de empiema, sepse e síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.

Diversos tratamentos para perfurações esofágicas são descritos na literatura, mas ainda não há um procedimento considerado padrão-ouro. As abordagens podem ser conservadoras ou cirúrgicas. A abordagem conservadora inclui antibioticoterapia, nutrição parenteral e drenagem torácica, sendo indicada para pacientes selecionados com perfurações bem contidas, contaminação mínima e sem sinais de obstrução ou sepse. Já a abordagem cirúrgica pode variar desde rafia primária até esofagectomia com reconstrução imediata ou tardia do trato gastrointestinal, além de drenagem extensa do mediastino. Ambos os tratamentos visam prevenir a disseminação de conteúdo para o mediastino, eliminar e controlar a infecção, manter o estado nutricional do paciente e assegurar a integridade e continuidade do trato digestivo. O diagnóstico e a intervenção imediatos permanecem de importância vital.

A tireoidectomia (total ou parcial) é o tratamento de escolha para neoplasias da tireoide, sendo as principais complicações o hematoma cervical, hipoparatireoidismo transitório e lesão do nervo laríngeo recorrente. A perfuração inadvertida do esôfago é uma complicação rara. Devido à raridade desse evento, há escassez de dados na literatura, o que torna seu manejo mais desafiador.

Nesse contexto, novas terapias têm emergido e ganhado popularidade, como o uso de endoclipes e stents metálicos. Em 2003, a terapia endoscópica a vácuo (EVT) surgiu como uma alternativa, inicialmente empregada para o fechamento de fístulas de anastomose em cirurgias retais. A terapia endoscópica assistida por vácuo para fechamento de vazamentos de anastomose foi desenvolvida para superar as limitações do tratamento convencional não cirúrgico.

O fechamento de feridas cirúrgicas com pressão negativa é uma modalidade terapêutica bem estabelecida e amplamente utilizada desde 1997 para o tratamento de lesões abertas crônicas. Esse método é aplicado em diversas especialidades, como cirurgia geral, ortopedia, plástica e vascular. O procedimento consiste em selar o sítio cirúrgico com um adesivo e aplicar pressão subatmosférica. O aumento da vascularização aliado à redução da colonização bacteriana são fatores essenciais para o sucesso dessa terapia, acelerando a reparação da ferida e preparando o leito até sua cobertura definitiva por meio de diversos métodos de reconstrução tecidual.

Na EVT, o objetivo é criar um ambiente com pressão negativa que estimula o crescimento de tecido de granulação, preenchendo a cavidade e reduzindo a presença de fibrina e tecido necrótico. Esse preenchimento contínuo da cavidade com tecido de granulação resulta em uma diminuição progressiva do diâmetro e profundidade da cavidade durante as sessões subsequentes, promovendo o fechamento do defeito transmural e acelerando a cicatrização.

Um estudo de Luttikhold et al., multicêntrico realizado em cinco hospitais de três países europeus, avaliou o sucesso do fechamento de perfurações esofágicas com EVT, alcançando uma taxa de 89%. As indicações para o uso da EVT no trato gastrointestinal incluem defeitos transmurais agudos, precoces e crônicos da parede esofágica e da junção esofagogástrica. Há evidências publicadas de sucesso no fechamento de vazamentos em linhas de sutura após ressecções oncológicas e procedimentos bariátricos, além de perfurações iatrogênicas e rupturas espontâneas. A duração média do tratamento até o fechamento completo varia entre 11 e 28 dias, sendo o intervalo de troca do dispositivo um fator crucial para o sucesso da terapia.

A técnica da esponja modificada, confeccionada com sonda nasogástrica, gaze e adesivo antimicrobiano, é uma abordagem segura e relativamente simples, que se apresenta como uma alternativa eficaz para o manejo de defeitos do trato gastrointestinal. O EVT modificado é de fácil inserção e permite intervalos maiores entre as trocas do sistema. Sua relação custo-efetividade tem o potencial de expandir seu uso, democratizando o acesso à técnica e impactando significativamente o tratamento de casos desafiadores, contribuindo para desfechos mais favoráveis.

REFERÊNCIAS

  1. Esophageal fistula complicating thyroid lobectomy. Nicholas D. Ward, Cortney Y. Lee, James T. Lee, and David A. Sloan. Journal of surgical case reports (JSCR), Jan 2015;
  2. Cost-effective modified endoscopic vacuum therapy for the treatment of gastrointestinal transmural defects: step-by-step process of manufacturing and its advantages. Moura, Diogo et al. VIDEOGIE, Volume 6, No. Dec. 2021;
  3. Current treatment and outcome of esophageal perforations in adults: systematic review and meta-analysis of 75 studies. Biancari F, D’Andrea V,  Paone R, Di Marco C,  Savino G, Koivukangas V, Saarnio J, Lucenteforte E. World J Surg. Fev 2013;
  4. Endoscopic vacuum therapy in the upper gastrointestinal tract: when and how to use it. Gutschow CA, Schlag C, Vetter D. Langenbecks Arch Surg. May 2022;
  5. Endoluminal vacuum-assisted closure (E-Vac) therapy for postoperative esophageal fistula: successful case series and literature review. Rubicondo C, Lovece A, Pinelli D, Indriolo A, Lucianetti A, Colledan M. World Journal Surgical Oncology. Nov. 2020;
  6. The use of endoluminal vacuum (E-Vac) therapy in the management of upper gastrointestinal leaks and perforation. Nathan R. Smallwood,   James W. Fleshman,   Steven G. Leeds &   J. S. Burdick. Surgical endoscopy. Set 2015;
  7. Endoscopic vacuum therapy for esophageal perforation: a multicenter retrospective cohort study. Luttikhold J, Pattynama LMD, Seewald S, Groth S, Morell BK, Gutschow CA, Ida S, Nilsson M, Eshuis WJ, Pouw RE. Endoscopy. Sep. 2023.



Primary Needle-Knife Fistulotomy Versus Conventional Cannulation Method in a High-Risk Cohort of Post-Endoscopic Retrograde Cholangiopancreatography Pancreatitis

Publicado no American Journal of Gastroenterology (AJG) em 2020 Referência: Jang SI, Kim DU, Cho JH, et al. Primary Needle-Knife Fistulotomy Versus Conventional Cannulation Method in a High-Risk Cohort of Post-Endoscopic Retrograde Cholangiopancreatography Pancreatitis. Am J Gastroenterol. 2020 Apr;115(4):616-624. doi: 10.14309/ajg.0000000000000480. PMID: 31913191.

Introdução

A maior parte das publicações relacionadas à CPRE, envolve medidas para reduzir a incidência de pancreatite aguda (post-ERCP pancreatitis – PEP), cuja incidência chega a 14,1% em pacientes de alto risco (1). Talvez o fator de risco passível de intervenção mais relevante seja o trauma de cateterização (2), motivo pelo qual, alguns artigos passaram a estudar o acesso por fístula infundibular ou infundibulotomia sem tentativas prévias de canulação transpapilar. A hipótese é que, com uma incisão mais distante do ducto pancreático principal (DPP)/óstio papilar, haja menor edema local e incidência de PEP. Por outro lado, questiona-se a segurança e eficácia desta estratégia.

Métodos

Este trabalho é multicêntrico (7 centros na Coréia do Sul), que incluiu apenas pacientes de alto risco para PEP, randomizando pacientes para cateterização convencional transpapilar (conventional cannulation methods – CCM) ou para infundibulotomia (needle-knife fistulotomy – NKF) “upfront”, sem tentativas transpapilares prévias.

No grupo CCM, as tentativas eram limitadas a 10 minutos, 5 cateterizações do ducto pancreático principal (DPP) ou mais de uma injeção de contraste no DPP. Nestes casos, ocorria uma espécie de crossover, sendo realizada a NKF. Ainda no grupo da CCM, a técnica do duplo fio guia poderia ser empregada.

No grupo da NKF, buscou-se manter uma distância de ao menos 5 mm entre a incisão e o óstio da papila. Foi utilizada a unidade eletrocirúrgica VIO 300D, com o endocut I, efeito 2, duração e intervalo de corte 3. Após a cateterização, o acesso era ampliado com papilótomo ou dilatação balonada.

AINEs via retal e hiper-hidratação com ringer-lactato não foram utilizados. Como profilaxia de PEP, houve apenas o uso de stent pancreático, cuja passagem ocorreu de acordo com a avaliação momentânea do endoscopista. O follow-up foi realizado apenas até o terceiro dia após a CPRE. Uma vez que sangramentos tardios podem ocorrer até 1-2 semanas, a avaliação deste evento adverso apresenta um viés importante

Resultados

CCM: 97 pacientes → 87 canulações (89,7% de sucesso) x 10 casos que foram para NKF (acesso à via biliar bem sucedido nos 10). Vale ressaltar que os 10 pacientes submetidos a NKF neste grupo não foram incluídos na análise final – isso apresenta importante limitação metodológica, uma vez que são pacientes com manipulação relevante da papila, logo de alto risco para PEP, podendo subestimar a incidência de PEP neste grupo.

NKF: 98 pacientes → 96 canulações (97,9% de sucesso) x 1 caso em foi tentado CCM (sem sucesso) e 1 com acesso à via biliar apenas após procedimento combinado com radiointervenção.

O estudo considerou maior sucesso técnico no grupo da NKF (89,7% x 97,9%, p = 0,005). Os 10 casos considerados como insucesso no grupo da CCM foram resolvidos com NKF, revelando a eficácia da estratégia empregada pela maioria dos endoscopistas, na qual a NKF é um método “de resgate” – aproximadamente 90% de sucesso transpapilar e os outros 10% foram resolvidos com NKF.

Em relação aos eventos adversos, houve 8 casos de PEP com CCM e nenhum com NKF (9,2% x 0%; p = 0,001). Não houve diferença na incidência de sangramento, perfuração, hiperamilasemia assintomática (lembrar que não é considerado um evento adverso ou complicação), colangite ou colecistite entre os grupos.

Como esperado, houve mais passagem de stents pancreáticos (p = 0,048), cateterizações (p = 0,017) e injeções de contraste (não significativo) no DPP no grupo da CCM, já que o mesmo não está presente na topografia da fístula suprapapilar, exceto em casos de canal comum longo.

O tempo total de procedimento e de canulação foi maior no grupo da NKF. Isso pode ser explicado pela exclusão de pacientes submetidos a CCM com tempo de canulação prolongado, conforme exposto pelos autores.

Os desfechos clínicos com diferença estatística e os eventos adversos são sumarizados na tabela 1.

Desfechos clínicos
CCM NKF p
Sucesso técnico 89/97 (89,7%) 96/98 (97,9%) 0,005
Número de canulações do DPP 18 (20,7%)  8 (8,3%) 0,017
Número de injeções de contraste do DPP 4 (4,6%)  3 (3,1%) 0,606
Passagem de stent pancreático 6 (6,9%) 1 (1,0%) 0,048
Tempo de canulação  171,5 +/- 173,0 min 257,2 +/- 219,6 min 0,004
Tempo total de procedimento 766,9 +/- 375,2 min 907,6 +/- 458,8 min 0,025
Eventos adversos
PEP 8 (9,2%) 0 (0%) 0,001
Sangramento 1 (1,1%) 3 (3,1%) 0,363
Perfuração 0 (0%) 0 (0%) > 0,999
Colecistite 0 (0%) 0 (0%) > 0,999
Colangite 2 (2,3%) 3 (3,1%) 0,733
Hiperamilasemia assintomática 15 (17,2%) 13 (13,5%) 0,489

Discussão

O trabalho traz um resultado muito expressivo, com uma redução importante na incidência de PEP com a estratégia de NKF “upfront”, sem manipulação do óstio papilar. A redução da taxa de PEP foi bastante superior a estratégias preconizadas como o uso de AINEs, hiper-hidratação, emprego de corte puro (ou endocut efeito 1) na papilotomia e uso de stent pancreático (2, 3).

Os resultados vão de encontro ao mecanismo de trauma de canulação como possível principal fator modificável na profilaxia de PEP (2)

Entretanto, alguns questionamentos são levantados em relação à estratégia NKF:

Em primeiro lugar, a morfologia da papila é sabidamente relevante no sucesso desta técnica, a qual fica muito limitada, por exemplo em papilas diminutas e planas. O trabalho avaliou apenas a semelhança da morfologia da papila entre os grupos – não houve seleção de casos de acordo com a morfologia favorável, o que parece mais adequado na prática clínica (possivelmente a melhor estratégia é direcionar os casos em que haja morfologia favorável para NKF “upfront”). Além disso, excluiu 2 casos em que a papila apresentava morfologia desfavorável para NKF.

Outro ponto importante é a curva de aprendizado, não havendo consenso a esse respeito. Uma vez que trata-se de uma técnica avançada e exige expertise em CPRE, existe a recomendação (não consensual) de ser empregada apenas por endoscopistas com > 300 CPREs supervisionadas e > 80% de canulação transpapilar.

A técnica em si, com exposição de cerca de 3 mm da ponta do estilete (needle-knife), incisão gradual, aprofundando planos e reavaliando o tecido exposto (e sabendo identificar a parede e mucosa do colédoco), mantendo-se a uma distância mínima de 3 mm do óstio também é muito importante para o sucesso e menor incidência de complicações.

Deve-se ainda, considerar que, pela menor abertura da incisão final da NKF em relação à incisão desde o óstio papilar (CCM), alguns cálculos de grandes dimensões podem ser de extração mais difícil.

O trabalho também nos permite concluir que a NKF é um método seguro, uma vez que apresenta menor incidência de PEP e semelhante incidência dos demais eventos adversos quando comparado à CCM.

Outros trabalhos na literatura apresentam resultados similares, destacando-se:

  1. Estudo randomizado por Furuya et al., publicado em 2018 (4): PEP: NKF 1/51 = 2% x CCM 5/51 = 9,8% (p não significativo); 100% de sucesso na canulação biliar no grupo da NKF x 39/51 = 76,5% na CCM, sendo os outros 12 casos bem sucedidos com fístula de resgate.
  2. Revisão sistemática e metanálise por Mutneja et al, publicado em 2021 (5): tendência a menor incidência de PEP com NKF 3/253 (1,2%) x 16/238 (6,7%), p = 0,06; com taxas de sucesso no acesso à via biliar (p = 0,28) e de outros eventos (p = 0,59) similares entre os grupos.

Em resumo, a despeito das limitações do trabalho e considerações a respeito da NKF, já há evidência para embasar esta técnica “upfront” para endoscopistas com adequada expertise, especialmente em papilas com morfologia favorável e pacientes de alto risco para PEP.

Referências

  1. Kochar B, Akshintala VS, Afghani E, et al. Incidence, severity, and mortality of post-ERCP pancreatitis: a systematic review by using randomized, controlled trials. Gastrointest Endosc. 2015;81(1):143-149.e9. doi:10.1016/j.gie.2014.06.045, PMID: 25088919.
  2. Pereira Funari M, Ottoboni Brunaldi V, Mendonça Proença I, et al. Pure Cut or Endocut for Biliary Sphincterotomy? A Multicenter Randomized Clinical Trial. Am J Gastroenterol. 2023;118(10):1871-1879. doi:10.14309/ajg.0000000000002458. PMID: 37543748.
  3. Buxbaum JL, Freeman M, Amateau SK, et al. American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on post-ERCP pancreatitis prevention strategies: summary and recommendations. Gastrointest Endosc. 2023;97(2):153-162. doi:10.1016/j.gie.2022.10.005. PMID: 36517310.
  4. Furuya CK, Sakai P, Marinho FRT, et al. Papillary fistulotomy vs conventional cannulation for endoscopic biliary access: A prospective randomized trial. World J Gastroenterol. 2018;24(16):1803-1811. doi:10.3748/wjg.v24.i16.1803. PMID: 29713133.
  5. Mutneja HR, Bhurwal A, Attar BM, Vohra I, Tejeda EP, Verma S, Kumar V, Demetria M. Efficacy and safety of primary needle-knife fistulotomy in biliary cannulation: a systematic review and meta-analysis. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2021 Dec 1;33(1S Suppl 1):e71-e77. doi: 10.1097/MEG.0000000000002238. PMID: 34284413.

Como citar este artigo

Funari MP. Primary Needle-Knife Fistulotomy Versus Conventional Cannulation Method in a High-Risk Cohort of Post-Endoscopic Retrograde Cholangiopancreatography Pancreatitis. Endoscopia Terapeutica 2024 vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/primary-needle-knife-fistulotomy-versus-conventional-cannulation-method-in-a-high-risk-cohort-of-post-endoscopic-retrograde-cholangiopancreatography-pancreatitis/




Pure Cut ou Endocut para Esfincterotomia Biliar? Um Estudo Multicêntrico Randomizado

Publicado no American Journal of Gastroenterology (AJG) em 2023

Introdução

Há grande preocupação com os eventos adversos pós-CPRE. Dentre eles, o que gera maior preocupação é a pancreatite pós-CPRE (post-ERCP pancreatitis – PEP) devido à sua incidência (1,6 – 9,7%) e potencial de gravidade (1-3). Múltiplas medidas como anti-inflamatórios (AINEs) via retal, hiper-hidratação com ringer lactato e passagem de prótese pancreática foram postulados para a prevenção deste evento adverso. Considerando, entre os mecanismos fisiopatológicos da PEP, a disseminação de energia térmica na região da papila (proximidade com o óstio pancreático), alguns trabalhos investigaram melhor esta relação (corrente elétrica e PEP). Deste modo, existe a hipótese que o corte puro cause menos dano térmico e menos pancreatite que correntes mistas como o blend ou endocut. Por outro lado, há a preocupação de um possível aumento da incidência de sangramento diante de um menor poder de coagulação (corte puro). Recentemente, foi publicado na AJG (American Journal of Gastroenterology), um estudo randomizado multicêntrico (FMUSP e FMRP) comparando o corte puro com o corte pulsado ou Endocut (configuração recomendada pela ERBE – endocut I, efeito 2) empregados na papilotomia endoscópica. Clique aqui para saber mais sobre configurações de bisturi elétrico.

Métodos

Pacientes com papila virgem submetidos à CPRE com canulação transpapilar primária (sem técnicas de pré-corte, esfincterotomia transpancreática ou infundibulotomia/fístula) foram randomizados para corte puro ou pulsado (Endocut). A randomização foi realizada após a confirmação do acesso à via biliar e definição de que a papilotomia seria realizada.
Não foram incluídos pacientes com CPRE/papilotomia prévia, variações anatômicas (pós-operatório) e com coagulopatia.
As unidades eletrocirúrgicas foram:

  • Corte pulsado (Endocut)

    • ERBE VIO 300 ou VIO 3 (ERBE), Endocut I, efeito 2, duração de corte 3 e ciclo de corte 3 conforme recomendado pelo fabricante e amplamente utilizado em grandes centros em todo o mundo

  • Corte puro

    • SS-200E (WEM) corte puro 30-50W ou ICC 200 (ERBE) AUTO CUT 30-50W (efeito 3).

Como profilaxia de PEP, os pacientes de risco receberam hiper-hidratação com ringer lactato e, em raros casos, prótese pancreática (clique aqui para saber mais sobre profilaxias). AINEs via retal não foram utilizados devido sua indisponibilidade nos centros incluídos. O desfecho primário foi a incidência de PEP e os principais secundários foram sangramento e perfuração/papilotomia em zíper. Pancreatite e sangramento foram definidos e graduados segundo os critérios de Cotton (tabela 1). Consideramos apenas perfuração relacionada à papilotomia (Stapfer tipo II).

Tabela 1 – Critérios de Cotton para pancreatite e sangramento relacionados à CPRE (4)

Sangramento (tardio)
Leve queda de Hb < 3 g/dL, evidência clínica do sangramento; sem necessidade de transfusão
Moderada transfusão < 4 concentrados de hemácias (CH), sem necessidade de procedimento
Grave transfusão >= 5 CH e/ou necessidade de arteriografia ou cirurgia
Pancreatite pós-CPRE
Leve Quadro clínico compatível + amilase > 3x o valor de referência após 24h do procedimento + readmissão ou prolongamento da internação até 2-3 dias (diagnóstico exige readmissão ou prolongamento da internação)
Moderada Hospitalização por 4-10 dias
Grave Hospitalização > 10 dias ou complicação local (infecção/ pseudocisto/ pancreatite hemorrágica) ou necessidade de intervenção (drenagem percutânea/ cirurgia)

Resultados

Entre 2019 e 2021, 550 pacientes foram incluídos (272 no grupo do corte puro e 278 no endocut). As características de base foram semelhantes entre os grupos (incluindo fatores de risco para PEP e sangramento).

Pancreatite (PEP)

A incidência total de PEP foi de 4,0%, sendo maior no braço do endocut (5,8% vs 2,2%, P = 0,034).
A análise univariada revelou o número de tentativas > 5 (p = 0,004) e o Endocut (p = 0,034) como fatores de risco.
Na análise multivariada, houve uma tendência para o Endocut (p = 0,052), sendo o número de tentativas > 5 (p = 0,005) o principal fator de risco para PEP.

Sangramento imediato (durante o procedimento)

Em 18% dos casos houve sangramento imediato acima do esperado, sendo que 9% (metade) exigiram intervenção endoscópica (os outros 9% foram autolimitados). As análises uni e multivariadas revelaram idade (OR 1,013; IC 95% 1,000 – 1,025; p = 0.046), dilatação balonada da papila (OR 2,120; IC 95% 1,275 – 3,524; p = 0.004), injeção de contraste no ducto pancreático (OR 2,287; IC 95% 1,010 – 5,177; p = 0.047) e corte puro (OR 2,554; IC 95% 1,594 – 4.093; p < 0.001) como fatores de risco.

Nenhum destes casos apresentou repercussão hemodinâmica e todos foram controlados durante o mesmo procedimento, por meio de corrente de coagulação, injeção de solução de adrenalina e colocação de hemoclipes. Nenhum caso precisou de stent metálico ou procedimentos adicionais com radiologia intervencionista ou cirurgia.

Sangramento tardio (após o procedimento)

A incidência de sangramento tardio foi de 1,4%. O endocut se mostrou como fator de risco para este evento adverso (p = 0,047).

Perfuração/ papilotomia em zíper

Não houve casos de perfuração relacionada à papilotomia (p = 1,0).
Ocorreu apenas um caso de papilotomia em zíper, no grupo do Endocut.

Discussão

A fisiopatologia e os trabalhos publicados sobre o assunto, apontam para maior lesão térmica e maior incidência de PEP com o emprego de maior proporção de coagulação. Vale a pena ressaltar, que um trabalho comparando blend e corte puro foi interrompido precocemente devido maior incidência de PEP com o blend, reforçando este mecanismo fisiopatológico (5). A comparação fica evidente na tabela abaixo (tabela 2), que traz os resultados de todos os estudos randomizados publicados sobre o assunto.

Tabela 2 – Sumário dos ECRs comparando a incidência de PEP com os modos de corte puro e pulsado

Corte puro Corte pulsado (Endocut)
Ellahi et al. 2001 (6) 0/31 (0%) 5/55 (9,1%)
Kida et al. 2004 (7) 1/43 (2,3%) 4/41 (9,8%)
Norton et al. 2005 (8) 1/134 (0,75%) 3/133 (2,3%)
Funari et al. 2022 (9) 6/272 (2,2%) 16/278 (5,8%)
Total 8/486 (1,6%) 28/501 (5,6%)

O corte puro se associa a maior incidência de sangramento intra-procedimento. Porém esses sangramentos são controlados de modo relativamente simples e não se mostraram relacionados a sangramento tardio (com repercussão clínica). Além disso, houve mais sangramentos tardios com o Endocut. Hipóteses para estes achados são: (1) a identificação e tratamento de vasos durante o procedimento que não sangrariam durante a CPRE inicial (com o endocut) e, portanto, não seriam tratados, podendo apresentar sangramento tardio e (2) maior progressão de lesão térmica com o endocut, atingindo vasos mais calibrosos nos dias pós procedimento, porém ser capaz de promover sua coagulação.

Além disso, os trabalhos não mostraram associação do tipo de corrente elétrica com a perfuração e papilotomia descontrolada (em zíper). De qualquer forma, ressalta-se a importância de cuidado e treinamento para a papilotomia com corte puro, uma vez que não há interrupção automática da onda de corte como com o corte pulsado.

Resumindo, segundo os trabalhos analisados, o emprego de maior proporção de coagulação com o modo Endocut está associada a maior incidência de PEP e, talvez, de sangramentos tardios. O corte puro está associado a maior incidência de sangramento imediato (sem repercussão clínica). Logo, parece razoável preferir empregar o corte puro de modo rotineiro na papilotomia.

Vale uma ressalva importante para os endoscopistas familiarizados com o Endocut. O trabalho seguiu a recomendação atual do fabricante (ERBE), com o efeito 2. Lembramos que o efeito 1 não libera corrente de coagulação entre as ondas de corte (ausência do gráfico azul), funcionando como um corte puro pulsado (imagem 1).

Portanto, podemos utilizar o corte puro ou o endocut efeito 1 (corte puro pulsado), minimizando o efeito negativo da corrente elétrica com maior poder de coagulação na papilotomia.

Imagem 1 – Corte pulsado (Endocut): ilustração gráfica dos diferentes efeitos

Material adicional sugerido para aprofundar no assunto:

Guideline ASGE – Electrosurgical generators

Guideline ESGE – The use of electrosurgical units

Revisão sistemática e metanálise sobre o assunto

  • Funari MP, Ribeiro IB, de Moura DTH, et al. Adverse events after biliary sphincterotomy: Does the electric current mode make a difference? A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Clin Res Hepatol Gastroenterol. 2020 Oct;44(5):739-752. doi: 10.1016/j.clinre.2019.12.009. Epub 2020 Feb 20. PMID: 32088149.

Referências

  1. Williams EJ, Taylor S, Fairclough P, Hamlyn A, Logan RF, Martin D, Riley SA, Veitch P, Wilkinson ML, Williamson PR, Lombard M. Risk factors for complication following ERCP; results of a large-scale, prospective multicenter study. Endoscopy. 2007 Sep;39(9):793-801. doi: 10.1055/s-2007-966723. PMID: 17703388.
  2. Freeman ML, Nelson DB, Sherman S, Haber GB, Herman ME, Dorsher PJ, Moore JP, Fennerty MB, Ryan ME, Shaw MJ, Lande JD, Pheley AM. Complications of endoscopic biliary sphincterotomy. N Engl J Med. 1996 Sep 26;335(13):909-18. doi: 10.1056/NEJM199609263351301. PMID: 8782497.
  3. Kochar B, Akshintala VS, Afghani E, Elmunzer BJ, Kim KJ, Lennon AM, Khashab MA, Kalloo AN, Singh VK. Incidence, severity, and mortality of post-ERCP pancreatitis: a systematic review by using randomized, controlled trials. Gastrointest Endosc. 2015 Jan;81(1):143-149.e9. doi: 10.1016/j.gie.2014.06.045. Epub 2014 Aug 1. PMID: 25088919.
  4. Cotton PB, Lehman G, Vennes J, Geenen JE, Russell RC, Meyers WC, Liguory C, Nickl N. Endoscopic sphincterotomy complications and their management: an attempt at consensus. Gastrointest Endosc. 1991 May-Jun;37(3):383-93. doi: 10.1016/s0016-5107(91)70740-2. PMID: 2070995.
  5. Elta GH, Barnett JL, Wille RT, Brown KA, Chey WD, Scheiman JM. Pure cut electrocautery current for sphincterotomy causes less post-procedure pancreatitis than blended current. Gastrointest Endosc. 1998 Feb;47(2):149-53. doi: 10.1016/s0016-5107(98)70348-7. PMID: 9512280.
  6. Ellahi W, Franklin E, Kasmin, Seth A, Cohen, Jerome H, et al. Israel Medical Ctr, North Div, New York NY. ‘‘Endocut’’ technique versus pure cutting current for endoscopic sphincterotomy: a comparison of complication rates. Gastrointest Endosc [Internet] 2001;53:AB95, http://dx.doi.org/10.1016/S0016-5107(01)80137-1.
  7. Kida M, Kikuchi H, Araki M, Takezawa M, Watanabe M, Kida Y, et al. Randomized Control Trial of EST with Either Endocut Mode or Conventional Pure Cut Mode. Gastrointest Endosc [Internet] 2004;59:P201, http://dx.doi.org/10.1016/ S0016-5107(04)00930-7.
  8. Norton ID, Petersen BT, Bosco J, Nelson DB, Meier PB, Baron TH, Lange SM, Gostout CJ, Loeb DS, Levy MJ, Wiersema MJ, Pochron N. A randomized trial of endoscopic biliary sphincterotomy using pure-cut versus combined cut and coagulation waveforms. Clin Gastroenterol Hepatol. 2005 Oct;3(10):1029-33. doi: 10.1016/s1542-3565(05)00528-8. PMID: 16234050.
  9. Pereira Funari M, Ottoboni Brunaldi V, Mendonça Proença I, Aniz Gomes PV, Almeida Queiroz LT, Zamban Vieira Y, Eiji Matuguma S, Ide E, Prince Franzini TA, Lera Dos Santos ME, Cheng S, Kazuyoshi Minata M, Dos Santos JS, Turiani Hourneaux de Moura D, Kemp R, Guimarães Hourneaux de Moura E. Pure Cut or Endocut for Biliary Sphincterotomy? A Multicenter Randomized Clinical Trial. Am J Gastroenterol. 2023 Oct 1;118(10):1871-1879. doi: 10.14309/ajg.0000000000002458. Epub 2023 Jul 7. PMID: 37543748.

Como citar este artigo

Funari MP. Pure Cut ou Endocut para Esfincterotomia Biliar? Um Estudo Multicêntrico Randomizado. Endoscopia Terapeutica 2024 Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/pure-cut-ou-endocut-para-esfincterotomia-biliar-um-estudo-multicentrico-randomizado/




Relação entre uso pré-operatório de semaglutida e estase gástrica: estudo retrospectivo envolvendo pacientes submetidos a endoscopia eletiva

Artigo original

Silveira SQ, da Silva LM, de Campos Vieira Abib A, de Moura DTH, de Moura EGH, Santos LB, Ho AM, Nersessian RSF, Lima FLM, Silva MV, Mizubuti GB. Relationship between perioperative semaglutide use and residual gastric content: A retrospective analysis of patients undergoing elective upper endoscopy. J Clin Anesth. 2023

Medicamentos análogos ao GLP-1 são utilizados no tratamento de diabetes e da obesidade, sendo observado o recente aumento do uso destes medicamentos, particularmente como auxílio em terapêuticas para perda de peso. Um dos principais representantes desta classe de medicamentos é a semaglutida (ozempic), cujo tempo de meia vida é de 7 dias, permitindo administração semanal o que auxilia na popularização de seu uso. Estas drogas podem trazer implicações para procedimentos anestésicos por reduzirem o esvaziamento gástrico, identificada em algumas publicações. 

Métodos

Estudo retrospectivo observacional realizado em único centro entre julho de 2021 e março de 2022 em um hospital terciário Brasileiro para realização de endoscopia digestiva alta. Foram excluídos do estudo pacientes com obstrução do trato digestivo, volvo gástrico, hemorragia digestiva alta, status de ASA maiores ou iguais a 4, cirurgia abdominal recente (até 2 meses), procedimentos endoscópicos de emergência, endoscopia associada a procedimentos cirúrgicos, insuficiência renal crônica ou doença hepática, acalasia, divertículo de Zenker, linite plástica, uso crônico de opióides/dependência química, pacientes em unidade de terapia intensiva, uso de de medicamentos que conhecidamente inferem com o esvaziamento gástrico (antidepressivos tricíclicos, opióides, procinéticos, antagonistas histamínicos) e registros médicos incompletos. Foram excluídos do estudo pacientes com uso de outros análogos de GLP-1 que não a semaglutida.

O objetivo primário foi identificar a presença de resíduo gástrico aumentado como qualquer quantidade de resíduo sólido do esôfago ao piloro ou drenagem superior a 0,8mL/Kg de líquido no dreno de aspiração. O volume de resíduo gástrico foi classificado em pequeno, médio ou volumoso de acordo com estimativa do endoscopista. O objetivo secundário foi a identificação de episódios de broncoaspiração.

Todos os exames foram realizados com acompanhamento de anestesista, sendo realizada sedação ou anestesia geral. Diversos dados demográficos foram coletados como sexo, idade, IMC, cirurgias prévias, ASA, tempo de jejum, presença e tipo de diabetes; sintomas digestivos como nausea, vômitos, dispepsia ou distensão abdominal no dia da endoscopia.

Os pacientes foram divididos em dois grupos, um deles de pacientes expostos a uso subcutâneo de semaglutida (grupo SG) e outro grupo de pacientes sem uso de semaglutida por ao menos 30 dias antes da endoscopia (grupo NSG). A semaglutida foi utilizada para o tratamento de diabetes ou como terapia para perda de peso. Independente da indicação, a orientação foi de interromper o uso de semaglutida nos 10 a 14 dias que antecederam o exame endoscópico embora alguns pacientes não tenham seguido esta orientação.

Resultados

Foram incluídos 404 pacientes no estudo, sendo 33 no grupo SG (semaglutida) e 371 no outro grupo. A idade média foi de 50 anos (39-64), 48,5% feminino, obesidade em 19,9% dos pacientes e presença de sintomas digestivos em 6,4% (n=26). A principal indicação para uso de semaglutida foi promover perda de peso (87,8%) enquanto em 12,2% dos casos o medicamento foi usado para controle de diabetes. Os pacientes foram classificados em ASA I (19,3%), ASA II (71%) e ASA III (9,7%) , enquanto os pacientes ASA IV foram excluídos do estudo. O intervalo de jejum para líquidos claros foi de 9,3h (5 – 12,8h) e para sólidos de 14,5h (12,2 a 28,7h) . A maioria dos pacientes (n=392; 97%) foi submetida a exame sob sedação profunda enquanto 12 (3%) realizaram exame sob anestesia geral.

Foi observado aumento do resíduo gástrico em 6,7% (27) dos pacientes dos quais 24,2% (8) no grupo SG e 5,1% (19) no grupo NSG (p<0,001). Resíduos sólidos foram identificados em 85,2% dos pacientes com resíduo gástrico elevado cujo volume foi estimado pelo endoscopista como baixo (25,9%), moderado (25,9%) e elevado (48,1%). Não houve relação entre o volume de resíduo encontrado e o uso de semaglutida (p=0,99). Não houve variável específica associada à elevação do resíduo gástrico no grupo de pacientes SG.

O uso de semaglutida [PR=4,73 (95% IC 2,67-13-98)] e a presença de sintomas digestivos [PR=6,1 (2,67-13,98)] estiveram associados a aumento do resíduo gástrico enquanto a realização simultânea de endoscopia e colonoscopia demonstrou fator protetor com menor risco de resíduo gástrico elevado [PR=0,13 (0,15-0,78)].

O intervalo de tempo de interrupção da semaglutida em pacientes que apresentaram resíduo gástrico foi de 10 dias (6-15) enquanto os pacientes sem resíduo gástrico aumentado foi de 11 (7,75 a 12,5 dias) (p=0,67). 

Foi encontrado apenas 01 caso (0,24%) de broncoaspiração , o qual ocorreu em um paciente de 63 anos, IMC 37,7 Kg/m2 , hipertenso, com cirurgia prévia (bypass gástrico), sem sintomas digestivos, submetido a exame sob sedação profunda. O paciente interrompeu o uso de semaglutida 11 dias antes do exame e apresentava tempo de jejum adequado (12,4h sem líquidos/sólidos).

Comentários

Inibidores da GLP-1 como a semaglutida têm sido utilizados com frequência para auxiliar na perda de peso (nesta publicação mais de 85% dos pacientes), no entanto não é infrequente encontrar pacientes utilizando estes medicamentos sem o adequado acompanhamento médico aumentando o risco de complicações e efeitos adversos da droga. Na realização de exames sob sedação/anestesia deve-se considerar que pode ocorrer retardo do esvaziamento gástrico elevando o risco de broncoaspiração, fato este que pode ser subestimado pelos pacientes ou até mesmo por colegas médicos.

O grupo da semaglutida (grupo SG) esteve associado com risco de resíduo gástrico aumentado [PR 5,15 (1,92 – 12,92)] o que potencialmente pode incrementar o risco de efeitos adversos durante anestesia/sedação. Foi identificada ainda uma incidência de resíduo gástrico sólido de 5,7% no estudo, chegando a 4,6% com a exclusão do grupo da semaglutida. A incidência é maior do que a relatada em uma série retrospectiva publicada por Bi et al envolvendo mais de 85000 pacientes, a qual teve como achado incidência de 3% de resíduo gástrico em pacientes submetidos a endoscopia. Nesta última, foi evidenciado risco elevado para achado de resíduo gástrico sólido em pacientes com diabetes tipo 1 (OR=1,7 p<0,001), diabetes tipo 2 (OR=1,4  p<0,001), amiloidose (OR=1,7 p<0,001), anormalidades estruturais do trato digestivo (estenose ou cirurgia esofágica, gástrica, duodenal; fundoplicatura) (OR =2,6 p<0,001) e gastroparesia (identificada em cintilografia) (OR=4,8 p<0,001). Ressalta-se que a incidência de resíduo gástrico em exames endoscópicos pode ser relevante e algumas condições podem aumentar esse risco. Dentre as condições citadas nestas publicações, as de maior risco foram anormalidades do trato digestivo alto (estenoses/cirurgias prévias), gastroparesia e uso de semaglutida.

Em contrapartida foi observado um fator protetor [PR=0,25; IC95% (0,16-0,39)] em relação à presença de resíduo gástrico sólido quando a endoscopia foi realizada em conjunto com colonoscopia quando comparada a endoscopia realizada isoladamente. Não é possível atribuir este resultado a um fator isolado visto que para a realização do preparo intestinal realiza-se alteração no tipo de dieta (isenta de resíduos) e são utilizadas soluções que podem acelerar o trânsito intestinal.

O uso de semaglutida causa sintomas gastrointestinais com frequência como náuseas, vômitos e diarreia, sendo uma das principais causas da interrupção do medicamento.

A presença concomitante de semaglutida e sintomas gastrointestinais esteve associada a maior risco de resíduo gástrico elevado (PR=16,5; 9,08 – 34,91) sendo importante ressaltar que pacientes no grupo semaglutida sem sintomas digestivos ainda tiveram risco elevado de apresentar resíduo gástrico (PR=9,8 – 5,6 a 17,66).

Ocorreu apenas um caso de broncoaspiração na publicação em um paciente idoso que apresentava outros fatores de risco para aumento do resíduo gástrico como cirurgia gástrica prévia, obesidade além do uso de semaglutida (interrompida 11 dias antes do exame) apesar de estar com tempo de jejum adequado (12,4h).

A Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) publicou recente guideline sobre o uso de análogos de GLP-1 ressaltando o risco elevado de resíduo gástrico e consequente broncoaspiração nestes pacientes. Há recomendação geral para suspender a injeção dos medicamentos por uma semana antes do procedimento ou cirurgia, independente de dose, tempo de administração ou indicação do uso da droga.

Pacientes com sintomas gastrointestinais severos como náuseas/vômitos importantes, distensão ou dor abdominal no dia do exame ou cirurgia possuem risco elevado para broncoaspiração sendo recomendado adiar procedimentos eletivos. Pacientes sem sintomas gastrointestinais que não tenham suspendido os medicamentos como orientado podem realizar ultrassonografia para avaliar presença de resíduo gástrico ou serem submetidos a anestesia com as devidas precauções considerando paciente como “estômago cheio”.

Referências

  1. Silveira SQ, da Silva LM, de Campos Vieira Abib A, de Moura DTH, de Moura EGH, Santos LB, Ho AM, Nersessian RSF, Lima FLM, Silva MV, Mizubuti GB. Relationship between perioperative semaglutide use and residual gastric content: A retrospective analysis of patients undergoing elective upper endoscopy. J Clin Anesth. 2023
  2. Bi D, Choi C, League J, Camilleri M, Prichard DO. Food Residue During Esophagogastroduodenoscopy Is Commonly Encountered and Is Not Pathognomonic of Delayed Gastric Emptying. Dig Dis Sci. 2021 Nov;66(11):3951-3959.
  3. Joshi GP, Abdelmalak BB, Weigel WA et al. American Society of Anesthesiologists Consensus-Based Guidance on Preoperative Management of Patients (Adults and Children) on Glucagon-Like Peptide-1 (GLP-1) Receptor Agonists – American Society of Anesthesiologists (ASA) Task Force on Preoperative Fasting (jun 2023)

Como citar este artigo

Ferreira F. Relação entre uso preoperatório de semaglutida e estase gástrica: estudo retrospectivo envolvendo pacientes submetidos a endoscopia eletiva. Endoscopia Terapeutica, 2023 vol. II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/relacao-entre-uso-pre-operatorio-de-semaglutida-e-estase-gastrica-estudo-retrospectivo-envolvendo-pacientes-submetidos-a-endoscopia-eletiva/




CPRE em pacientes pediátricos

A colangiopancreatografia retrograde endoscópica (CPRE) é um dos procedimentos mais desafiadores dentro da endoscopia. Não somente pela dificuldade técnica, mas pela variedade de patologias, variações anatômicas e principalmente pelas complicações graves envolvidas, inclusive óbito.

Dentre os desafios encontrados está a CPRE em pacientes pediátricos. Muitas dúvidas envolvem o tema devido a pouca frequência em que é indicado este procedimento nesta faixa etária.

Ramin Nikman e cols (1). realizaram uma mini revisão da literatura baseada em um caso clínico de colangite desencadeada por coledocolitíase, resolvida por CPRE com sucesso. Comentaremos a seguir as principais peculiaridades da CPRE em criança baseada na revisão desses autores.

A litíase biliar é rara em crianças com prevalência variando de 0,13% a 0,3%, porém a sua prevalência aumenta na adolescência e em crianças com obesidade, podendo chegar a 6,1%. A causa mais frequente são as doenças hemolíticas (20%-30%), outras causas são as anomalias congênitas, obesidade, nutrição parenteral total, cistos de colédoco e prematuridade.

A indicação da CPRE em crianças é menor que no adulto (3.3% e 4% de acordo com Felux e cols. e Lou e cols.) não somente pela pouca frequência das patologias pancreatobiliares, mas também por limitações técnicas que diminuem sua indicação. Uma delas é a limitação do tamanho do aparelho. Os duodenoscópios convencionais só podem ser utilizados em crianças com mais de 10 kg de forma geral, limitando a aplicação desta alternativa terapêutica.

Uma avaliação detalhada com exames de imagem é fundamental para uma indicação correta da CPRE. No caso apresentado neste artigo, foi realizada ultrassonografia do abdome superior, demonstrando uma vesícula hiper distendida com espessamento de sua parede, além de dilatação do hepatocolédoco ocasionada por um cálculo no seu segmento intrapancreático. A colangiorressonância confirmou o diagnóstico e caracterizou uma vesícula biliar localizada à esquerda do ligamento redondo, anomalia rara que pode estar associada a ausência do segmento IV e a má formação das ramificações da veia porta. A vesícula biliar à esquerda do ligamento redondo é uma anomalia rara variando de 0,1% a 1,2%.

Em outro artigo, Fumihiro Terasaki descreve em detalhes estas alterações anatômicas e as classifica, concluindo que nestes casos de anomalia de implantação do ligamento redondo há mudança significativa do volume dos segmentos III e IV do fígado.

Os aparelhos disponíveis para CPRE disponíveis no Brasil são todos terapêuticos com diâmetro da ponta distal maior que 13 mm. A Olympus só fabrica atualmente o modelo TJF-190 e TJF-170. A Fujinon tem os modelos ED-580T e ED-580XT. Nestes casos temos uma limitação significativa de uso, sendo indicados apenas para crianças com peso superior a 10 kg. Felux J. utilizou o duodenoscópio convencional para adultos em crianças com peso superior a 12,5 kg e um pediátrico (Olympus PJF160) para crianças menores (com até 6 meses de idade); já Lou utilizando um duodenoscópio Olympus JF240, com 11,5 mm, realizou uma CPRE com sucesso em lactente de 3 meses (peso de 7,5 kg). Estes aparelhos não estão disponíveis comercialmente no Brasil.

Em resumo a CPRE em crianças é um procedimento de escolha para tratamento de patologias biliares, principalmente a coledocolitíase, porém com limitação de tamanho dos aparelhos disponíveis. A avaliação prévia através da colangiorressonância é importante, a fim de evitar uma CPRE puramente diagnóstica e de antever possíveis anomalias anatômicas.

Referências

  1. Stone removal in a 5-year-old child with extrahepatic biliary obstruction using ERCP: A case report and a mini-review. Niknam R, Mortazavi SMM, Jahromi MG, Davoodi M, Soheili M, Ataollahi M, Moshfeghinia R. Clin Case Rep. 2023 Jul 27;11(8): e7620. doi: 10.1002/ccr3.7620. PMID: 37520769; PMCID: PMC10374985.
  2. Felux J, Sturm E, Busch A, Zerabruck E, Graepler F, Stüker D, Manger A, Kirschner HJ, Blumenstock G, Malek NP, Goetz M. ERCP in infants, children and adolescents is feasible and safe: results from a tertiary care center. United European Gastroenterol J. 2017 Nov;5(7):1024-1029. doi: 10.1177/2050640616687868. Epub 2017 Jan 11. PMID: 29163969; PMCID: PMC5676540.
  3. Terasaki F, Yamamoto Y, Sugiura T, Okamura Y, Ito T, Ashida R, Ohgi K, Aramaki T, Uesaka K. Analysis of right-sided ligamentum teres: The novel anatomical findings and classification. J Hepatobiliary Pancreat Sci. 2021 Feb;28(2):221-230. doi: 10.1002/jhbp.856. Epub 2020 Nov 17. PMID: 33135376.
  4. Lou Q, Sun J, Zhang X, Shen H. Successful Therapeutic ERCP in a 99-Day-Old Child with Common Bile Duct Stones: A Case Report and Discussions on the Particularities of the ERCP in Children. Front Pediatr. 2020 Jul 28;8:435. doi: 10.3389/fped.2020.00435. PMID: 32850548; PMCID: PMC7399065.

Como citar este artigo

Ide E. CPRE em pacientes pediatricos Endoscopia Terapeutica 2023, vol. 2. Disponível em: 
endoscopiaterapeutica.net/pt/cpre-em-pacientes-pediatricos-2/




Em até quantas horas deve ser realizada uma endoscopia numa HDA?

O momento ideal para a realização de uma endoscopia no sangramento gastrointestinal agudo há muito tempo vem sendo objeto de debate, seja em estudos ou mesmo nas ligações noturnas entre emergencistas e endoscopistas.

Já é bem definido que a endoscopia deve ser realizada em até 24 horas da entrada do paciente no hospital, entretanto os resultados eram conflitantes com relação ao benefício da endoscopia em até 6 horas.

Imagine um caso de um paciente hígido, que chegou ao PS às 22h apresentando relato de hematêmese de pequena monta após ingestão de carne e vinho, com sinais vitais e hemograma estáveis. O que devemos fazer?

Muitos endoscopistas já passaram por essa situação. Claro que o paciente deve ser prioridade. No entanto, os hospitais, especialmente os pequenos, não têm pessoal e equipamentos suficientes disponíveis 24 horas por dia. Qual é a conduta adequada nesta situação?

Até agora o estudo mais aceito para responder essa pergunta foi publicado no New England Journal of Medicine em 2020, por um grupo de Hong Kong que produziu um ensaio clínico randomizado com 516 pacientes (referência 1).

Os pacientes que apresentavam sinais evidentes de sangramento gastrointestinal alto agudo (hematêmese, melena ou ambos) e que apresentavam alto risco de ressangramento ou morte (Glasgow-Blatchford ≥12) foram elegíveis para o estudo. 

Tradicionalmente a intervenção endoscópica é indicada numa pontuação ≥ 7, sendo que numa pontuação ≥ 12, atrasos na endoscopia (em teoria) aumentariam significativamente a mortalidade do paciente.

Figura 1: escala de Glasgow Blatchford

Foram excluídos pacientes com menos de 18 anos, incapazes de assinar o termo de consentimento, grávidas ou com doença terminal. Também não foram incluídos pacientes com choque hipotensivo refratário, os quais necessitavam de intervenção urgente.

Resultados

Os pacientes foram randomizados em dois grupos:

  • grupo endoscopia urgente: realizou o procedimento dentro de 6 horas
  • grupo endoscopia precoce: foi submetido a endoscopia na manhã seguinte e dentro de 24 horas após a avaliação no PS.

Ambos os grupos receberam infusão intravenosa de inibidores da bomba de prótons (IBP) e tratamento endoscópico adequado quando necessário.

Comparando os grupos endoscopia urgente e endoscopia precoce não foram encontradas diferenças significativas com relação a mortalidade (8,9% x 6,6%, IC 95% = -2,3% a 6,9%) ou na taxa de ressangramento (10,9% X 7,8%, IC 95% = -1,9 a 8,1). 

No grupo da endoscopia urgente, foram observados mais casos de úlceras com sangramento ativo e estigmas importantes de sangramento (66,4% X 47,8%), o que resultou em um tratamento endoscópico mais frequente. No entanto, essa maior frequência de terapia endoscópica não se traduziu em uma redução na incidência de ressangramento ou de morte.

Por outro lado, o grupo da endoscopia precoce recebeu supressão ácida durante a noite, o que reduziu o número de úlceras com sangramento ativo e estigmas importantes de sangramento. Isso sugere que a supressão ácida antes da endoscopia pode diminuir a necessidade de tratamento endoscópico.

Discussão

Entretanto este estudo apresenta algumas limitações, além do fato de não incluir pacientes com choque hipotensivo persistente, o serviço tem disponível 24 horas por dia um endoscopista em treinamento e um endoscopista sênior. Outra particularidade desse estudo é baixo número de casos de sangramento de origem varicosa, assim os resultados podem não ser reprodutíveis em outras localidades com alto índice de varizes esofagogástricas.

Em suma, este estudo não encontrou evidências de que a endoscopia urgente (≤ 6 horas) reduza a mortalidade e ressangramento em pacientes com HDA, estáveis hemodinamicamente, mesmo nos casos de alto risco (Glasgow–Blatchford ≥ 12). 

Portanto, a realização da endoscopia dentro de 24 horas após a avaliação inicial continua sendo a abordagem recomendada e pensando especialmente na nossa realidade em que a realização de um procedimento fora do horário tradicional pode trazer dificuldades extras, em especial pela falta de recursos adequados (equipe de apoio habituada a procedimento endoscópicos por exemplo) corrobora ainda mais essa conduta. 

No entanto devemos sempre ter em mente que esses resultados não são generalizáveis para pacientes com choque hipotensivo refratário, os quais requerem intervenção urgente, e eventualmente em algum subgrupo ainda não estudado.

Pontos-chave

  • Não foram encontradas diferenças significativas na mortalidade e ressangramento na endoscopia em 6 horas X 24 horas
  • Tratamento clínico (IBP) diminui a necessidade de terapia endoscópica
  • HDA com choque hipotensivo persistente e na suspeita de sangramento varicoso a endoscopia ainda deve ser realizada imediatamente

Quer saber mais sobre o tema?

Referências

  1. Lau JYW, Yu Y, Tang RSY, Chan HCH, Yip HC, Chan SM, Luk SWY, Wong SH, Lau LHS, Lui RN, Chan TT, Mak JWY, Chan FKL, Sung JJY. Timing of Endoscopy for Acute Upper Gastrointestinal Bleeding. N Engl J Med. 2020 Apr 2;382(14):1299-1308. doi: 10.1056/NEJMoa1912484. PMID: 32242355.
  2. Lau JYW. Management of acute upper gastrointestinal bleeding: Urgent versus early endoscopy. Dig Endosc. 2022 Jan;34(2):260-264. doi: 10.1111/den.14144. Epub 2021 Oct 11. PMID: 34551156.
  3. Kusano C. Can we find a precise timing for endoscopic intervention in gastrointestinal bleeding? Dig Endosc. 2022 May;34(4):750-752. doi: 10.1111/den.14265. Epub 2022 Feb 24. PMID: 35199391.

Como citar este artigo

Oliveira JFD. Em até quantas horas deve ser realizada uma endoscopia numa HDA? Endoscopia Terapêutica 2023 Vol 2. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/em-ate-quantas-horas-deve-ser-realizada-uma-endoscopia-numa-hda/




Como melhorar sua taxa de detecção de adenoma com técnicas não-tecnológicas

A colonoscopia é o exame padrão ouro para detecção e prevenção do câncer colorretal (CCR). Quanto maior a taxa de detecção de adenoma (ADR – adenoma detection rate) do endoscopista, menor a taxa do CCR de intervalo. As técnicas empregadas pelo endoscopista durante a realização da colonoscopia estão relacionadas com sua ADR. Endoscopistas com altas ADR possuem técnicas minuciosas para realização do exame, especialmente durante a retirada do aparelho. 

Em maio de 2023, foi publicado no World Journal of Gastrointestinal Endoscopy um artigo interessante que resumiu as evidências de técnicas simples durante a colonoscopia e seus efeitos na ADR: tempo mínimo de retirada do aparelho, mudar o paciente de posição e retrovisão no cólon direito. Ei-las:

Tempo de retirada do aparelho

O tempo de retirada é o tempo que o endoscopista leva para avaliar a mucosa do ceco ao canal anal após a intubação cecal. Uma boa técnica de retirada envolve inspeção cuidadosa atrás de dobras e flexões, distensão adequada da luz do cólon, lavagem da mucosa e aspiração de todo excesso de líquido e resíduo fecal. Endoscopistas que realizam colonoscopias de alta qualidade provavelmente levam mais tempo realizando essas manobras – o que aumenta seu tempo de retirada. 

Atualmente, o tempo mínimo para retirada do aparelho em programas de rastreamento é 6 minutos, que é suficiente para detectar adenomas avançados. Um estudo sugeriu que aumentar esse tempo para 6 – 10 minutos pode aumentar a detecção de adenomas menores e lesões do cólon direito. As lesões adenomatosas do cólon direito são mais difíceis de detectar. Elas podem ser mais planas e progridem mais rapidamente para CCR. Passar mais tempo avaliando a mucosa durante a retirada, porém sem realizar manobras como exames repetidos dos segmentos do cólon e distensão adequada da luz do órgão podem não aumentar a ADR. 

Lesões serrilhadas sésseis, por sua própria aparência, são mais difíceis de detectar. A maioria dos estudos que avaliaram o tempo mínimo de retirada não abordaram a detecção de lesões serrilhadas sésseis. Porém dois estudos relataram que a taxa de detecção destas lesões também aumenta com o aumento do tempo de retirada. 

Uma meta-análise recente mostrou um aumento na ADR com tempo de retirada de 9 minutos, quando comparado a retirada de 6 – 9 minutos. Porém, aumentar o tempo de retirada somente, sem adoção de outras técnicas para melhorar a avaliação da mucosa, provavelmente não será tão eficaz no aumento da ADR.

Será que o tempo de retirada é uma técnica que aumenta a ADR ou endoscopistas com boas técnicas de colonoscopia (o que aumenta a ADR) levam mais tempo para retirar o aparelho?

Mudar o paciente de posição

Uma manobra essencial na técnica de colonoscopia é a adequada distensão da luz durante a retirada do aparelho. Mudar o paciente de posição neste momento leva o ar para uma posição mais alta, movimentando o líquido e facilitando a distensão. Porém a mudança de decúbito do paciente na retirada não é uma técnica realizada de rotina, ficando comumente a critério do endoscopista. 

A mudança de posição dinâmica durante o exame é realizada da seguinte maneira: decúbito lateral esquerdo para avaliação do ceco, cólon ascendente e ângulo hepático; posição supina para o cólon transverso; e decúbito lateral direito para o ângulo esplênico, cólon descendente e cólon sigmoide. 

Um estudo controlado, randomizado e multicêntrico com 1.072 pacientes – o maior até agora comparando a posição dinâmica com manter o paciente na mesma posição durante a retirada – mostrou significativo aumento na ADR na posição dinâmica (42,4%) quando comparado com o grupo na posição decúbito lateral esquerdo (33%). Este estudo mostrou ainda que os endoscopistas com uma ADR mais baixa (<35%) tiveram um aumento significativo em sua ADR com a posição dinâmica em comparação com endoscopistas com ADR mais altas (>35%). 

Um outro estudo que randomizou 776 pacientes para “mudança de posição que o endoscopista realiza habitualmente” ou para posição dinâmica não mostrou aumento na ADR dos endoscopistas. Este estudo foi único pois, ao contrário dos outros, a retirada do grupo controle não ficava limitada somente ao decúbito lateral esquerdo – e sim à mudança que o endoscopista julgasse necessária.

Um meta-análise recente mostrou que a mudança de posição dinâmica durante a retirada aumenta a ADR. As recomendações da meta-análise para adoção da mudança de posição foram: decúbito lateral esquerdo para o cólon direito, supina para o cólon transverso e decúbito lateral direito para o cólon esquerdo.

A mudança de posição dinâmica durante a colonoscopia pode melhorar a ADR dos endoscopistas – porém com evidências ainda conflitantes.

Retrovisão no cólon direito

Acredita-se que a retrovisão no cólon direito aumente a detecção de pólipos em pontos cegos. A colonoscopia deixa de detectar mais lesões no cólon direito que esquerdo, possivelmente porque estes pólipos não são vistos atrás das pregas e flexuras. Há ainda o fato que os endoscopistas tem dificuldade de detectar lesões serrilhadas sésseis, que são mais comuns no cólon direito. 

A retrovisão no cólon direito é uma manobra fácil de realizar, com taxa de sucesso variando de 82 a 96% e baixo índice de complicação. 

Em um estudo controlado e randomizado, 850 pacientes foram randomizados para uma segunda avaliação no cólon direito na visão frontal ou na retrovisão. Não houve diferença significativa na ADR entre as duas formas no segundo exame. 

Um outro estudo observacional com 1.020 pacientes avaliou a retirada de 3 examinadores no cólon direito: 2 em visão frontal e um terceiro em retrovisão. Houve aumento estatisticamente significativo na ADR na retirada em retrovisão em comparação com as retiradas em visão frontal combinadas. Porém os examinadores fizeram uso de cap no colonoscópio, sendo este então um fator confundidor. 

Um outro estudo controlado, randomizado e multicêntrico com 692 pacientes que repetiram a avaliação do cólon direito em visão frontal e retrovisão não mostrou diferença significativa entre os tipos de retirada. Houve aumento na detecção de lesões serrilhadas sésseis no segundo exame, também sem diferença significativa entre a visão frontal e a retrovisão. Esse estudo corrobora as evidências que uma segunda avaliação do cólon direito aumenta a ADR, qualquer que seja a forma de retirada adotada – visão frontal ou retrovisão.

Uma meta-análise recente mostrou que a detecção adicional de adenomas foi menor em retrovisão em 4 estudos controlados e randomizados do que na visão frontal. Esta meta-análise mostrou ainda que, em 6 estudos observacionais, a ADR foi maior em exames cominados com retrovisão (duas avaliações: visão frontal e retrovisão) que em uma única retirada em visão frontal ou ainda dupla avaliação em visão frontal.

As evidências sugerem que o endoscopista deve considerar uma segunda avaliação do cólon direito durante a colonoscopia. Mais informações são necessárias antes que se recomende que a segunda avaliação deva ser feita em retrovisão.

Referências:

Rajivan R, Thayalasekaran S. Improving polyp detection at colonoscopy: Non-technological techniques. World J Gastrointest Endosc 2023; 15(5): 354-367

DOI: https://dx.doi.org/10.4253/wjge.v15.i5.354

Como citar este artigo

ARRAES L. Como melhorar sua taxa de detecção de adenoma com técnicas não-tecnológicas Disponível em: Endoscopia Terapeutica 2023, vol. 1. endoscopiaterapeutica.net/pt/como-melhorar-sua-taxa-de-deteccao-de-adenoma-com-tecnicas-nao-tecnologicas/




Protrusão no leito de uma polipectomia com alça fria. Afinal, do que se trata? Ressecção incompleta? Devo me preocupar?

Embora tenha sido descrita há cerca de trinta anos, a polipectomia com alça fria (sem uso de eletrocautério) ganhou destaque crescente na última década.

Se no quesito custo a polipectomia com alça fria (PAF) se favorece, pela menor utilização de insumos, evidências de ressecção incompleta de pólipos trouxeram dúvidas quanto à eficácia da técnica.  Baixas taxas de lesão residual são observadas com essa técnica, ao menos em lesões < 5 mm. 

No entanto, os estudos raramente avaliam a base do leito da ressecção, dando mais atenção para seus limites laterais.

Protrusões pálidas e de aspecto fibroso são observadas com frequência nos leitos de polipectomia com alça fria (protrusão em leito de polipectomia fria – PLPF), no entanto, sua frequência, preditores e sua composição são desconhecidos. De forma empírica, alguns sugerem se tratar de produto de ressecção incompleta, estruturas vasculares ou elementos submucosos condensados mecanicamente.

Artigo comentado

O objetivo desse estudo publicado na GIE em 2015 (Tutticci N et al, 2015) foi trazer respostas para algumas dessas questões.  

  • Estudo prospectivo observacional em centro único.
  • Foram incluídos pacientes que tiveram em sua colonoscopia ao menos um pólipo menor ou igual a 1 cm removido por PAF.
  • Foram excluídos casos onde não foi recuperado o espécime ou aqueles em que um pólipo maior que 1 cm foi retirado no mesmo procedimento.
  • As PLPF foram definidas como áreas elevadas no leito de ressecção e todas foram biopsiadas e enviadas à patologia separadamente.
  • Os desfechos primários foram a frequência e achados histológicos das PLPF. 

De 102 pacientes, 88 foram considerados para análise (Figura 1). As principais indicações de colonoscopia foram investigação de sintomas (56%), seguimento endoscópico (27%), sangue oculto positivo (10%) e rastreamento (8%).

No estudo, 257 pólipos foram removidos (tabela 1). Nestes, foram identificados 36 PLPF (tabela 2). Nenhuma associação com a ocorrência de PLPF foi demonstrada por sexo, localização do pólipo, morfologia (Paris 0-IIa versus outras) ou histopatologia serrilhada.

O tamanho do pólipo foi associado com a presença de PLPF (>6 mm [28,6%] versus <6 mm [9,8%]; RR, 2,92; P < 0,001), sendo essa a única variável associada com PLPF também na análise multivariada (OR, 3,684 [95% IC, 1,788-7,593]; P <0,001). 

Nas polipectomias, houve pequenos sangramentos controlados no procedimento em dois pacientes. Não houve sangramentos tardios ou outros eventos adversos.  

Pacientes do estudo
Características dos pólipos
Características das PLP

As PLPF se mostraram frequentes (14%), estiveram associadas a pólipos maiores que 6 mm, sendo compostas, nesta amostra, predominantemente por submucosa e muscular da mucosa, sem componentes vasculares ou tecido residual do pólipo ressecado. Os autores, portanto, não apontam para a necessidade de tratamento adicional da protrusão como ressecção, ablação ou clipagem.  

Há, no entanto, um ponto de atenção relativo à alta frequência da presença de muscular da mucosa nas PLPF (80%), o que levanta a possibilidade de ressecções incompletas estarem associadas à presença das protrusões. Um artigo posterior reforça essa preocupação, demonstrando maior incidência de ressecção mucosa incompleta em PAF com PLPF. Isso poderia ter maior importância em lesões com histologia mais avançada, que não estão representadas na amostra do estudo (apenas 1 caso de displasia de alto grau, sem PLPF neste caso). Os autores sugerem que a presença de PLPF no leito da polipectomia de um pólipo com displasia de alto grau poderia, hipoteticamente, apontar para a presença de tecido displásico residual.  

Os autores levantam outras questões em sua discussão. Qual seria a profundidade de ressecção desejável em polipectomias com alça fria? Qual seria o impacto de diferentes desenhos de alças e diferentes características do fio na ocorrência de PLPs?

E você? Tem utilizado a técnica de polipectomia com alça fria? Como tem se comportado ao se deparar com essas protrusões? 

Referências Bibliográficas

  1. Tutticci N, Burgess NG, Pellise M, Mcleod D, Bourke MJ. Characterization and significance of protrusions in the mucosal defect after cold snare polypectomy. Gastrointest Endosc. 2015 Sep;82(3):523-8. doi: 10.1016/j.gie.2015.01.051. Epub 2015 Apr 22. PMID: 25910666. 
  2. Shichijo S, Takeuchi Y, Kitamura M, Kono M, Shimamoto Y, Fukuda H, Nakagawa K, Ohmori M, Arao M, Iwatsubo T, Iwagami H, Matsuno K, Inoue S, Matsuura N, Nakahira H, Maekawa A, Kanesaka T, Higashino K, Uedo N, Fukui K, Ito Y, Nakatsuka SI, Ishihara R. Does cold snare polypectomy completely resect the mucosal layer? A prospective single-center observational trial. J Gastroenterol Hepatol. 2020 Feb;35(2):241-248. doi: 10.1111/jgh.14824. Epub 2019 Sep 10. PMID: 31389623. 

Como citar este artigo

Rodrigues R. Protrusão no leito de uma polipectomia com alça fria. Afinal, do que se trata? Ressecção incompleta? Devo me preocupar? Endoscopia Terapeutica, 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/protrusao-no-leito-de-uma-polipectomia-com-alca-fria-afinal-do-que-se-trata-resseccao-incompleta-devo-me-preocupar/