Gastroplastia Endoscópica

A técnica de Gastroplastia Endoscópica (ESG – Endoscopic Sleeve Gastroplasty) consiste na utilização de um dispositivo de sutura endoscópica (Apollo Overstitch) acoplado na extremidade de endoscópio de duplo canal para confecção de plicaturas na parede gástrica, tornando-o com aspecto tubulizado e, portanto, reduzindo seu volume.

As suturas podem ser realizadas em padrões distintos, iniciando-se em corpo distal, podendo ser restritas a corpo ou incluir parte do fórnix gástrico. A realização de suturas em antro não está indicada.

 

 

Gastroplastia Endoscópica (ESG - Endoscopic Sleeve Gastroplasty)

Imagem esquemática evidenciando o padrão de sutura em quadrado/retângulo (A) e padrão em “U” (B) para facilitar a compreensão, embora, na prática, as suturas sejam realizadas com uma distância maior entre si.

A população-alvo do procedimento é composta por pacientes que, apesar de serem obesos, não são candidatos à cirurgia bariátrica ou recusam o procedimento cirúrgico.

A perda de peso associada a ESG varia entre 16 e 19% do peso total e de 47 a 55% do excesso de peso após um ano do procedimento, de acordo com as maiores séries publicadas.

As principais complicações do procedimento estão associadas à dor ou vômitos que necessitem de prolongamento do internamento hospitalar, sangramento e coleções perigástricas (relato de tratamento conservador e laparoscopia).

Revisão sistemática e meta-análise publicada no ano passado abrangeu oito estudos, no período entre 2016 e 2019, envolvendo 1772 pacientes submetidos a ESG:

  • Perda de peso total de 16,5% em um ano e de 17,2% em dois anos.
  • Taxa de eventos adversos de 2,2% predominantemente por prolongamento do internamento hospitalar por náuseas ou dor (1%), sangramento (0,5%) e vazamento perigástrico/coleção (0,48%).
  • Nessa publicação foram avaliados 3 coortes retrospectivas e 5 prospectivas, a maior delas, envolvendo 1000 pacientes, foi de caráter prospectivo.

 

Estudo prospectivo realizado no Brasil envolvendo 233 casos de ESG, todos utilizando mesmo padrão de sutura (em U), encontrou valores semelhantes em relação à perda de peso total após 6 meses (17,1%) e um ano (19,7%).

Gastroplastia Endoscópica (ESG - Endoscopic Sleeve Gastroplasty)

Estudo contrastado de ESG: POI e após 12 meses; ABCD Arq Bras Cirurgia 2017.

Gastroplastia Endoscópica (ESG - Endoscopic Sleeve Gastroplasty)

Etapas para realização da sutura: Com o fio já posicionado no porta agulha(*), é realizado o posicionamento da hélice/helix (**) na região desejada. Tração da helix trazendo o tecido para dentro do dispositivo de sutura. Na última imagem, liberação do fio(***).

Gastroplastia Endoscópica (ESG - Endoscopic Sleeve Gastroplasty)

Imagem endoscópica de ESG mostrando início da tunelização do estômago.

O Brasil é um dos principais expoentes no campo da cirurgia e endoscopia bariátrica e, recentemente, publicou o Consenso Brasileiro sobre ESG, envolvendo 1828 procedimentos realizados por 47 endoscopistas.

Foi relatado pelo grupo taxa de eventos adversos maiores de 0,8% (15 casos), principalmente por sangramento manejados por tratamento conservador ou endoscópico. Dentre as outras causas de eventos adversos foram citados dor abdominal por persistência de pneumoperitônio (3 casos), vômitos persistentes (1 caso), insuficiência respiratória sem necessidade de ventilação mecânica, no pós-operatório imediato (1 caso, paciente com DPOC), e três casos que necessitaram de intervenção cirúrgica por laparoscopia: dois abscessos retrogástricos e uma perfuração de vesícula biliar. Houve um caso de óbito por tromboembolismo pulmonar no 5º DPO em paciente hipertenso, com sequela de AVC e IMC de 31 Kg/m2.

Dentre os principais pontos de consenso (concordância de 70% ou mais dos participantes), cita-se:

  • Indicação: IMC ideal entre 30 e 35 Kg/m2, com IMC mínimo de 27 Kg/m2;
  • Contraindicação absoluta: úlceras ativas em corpo ou fórnix gástrico (com ou sem sinais de sangramento), gastropatia congestiva, polipose gástrica, varizes esofágicas ou gástricas, distúrbios psiquiátricos não tratados/compensados.

 

Técnica de Gastroplastia Endoscópica:

  • Procedimento realizado sob supervisão anestésica e intubação traqueal, uso de antibioticoprofilaxia de rotina, insuflação gástrica usando CO2, não realizar suturas em antro.
  • A técnica de sutura mais utilizada foi em quadrado/retângulo, em média sendo utilizadas 4 a 6 suturas por caso.
  • O procedimento pode ser realizado em caráter ambulatorial.
  • Recomenda-se uso de IBPs, ondansetrona, buscopan, analgésicos e dexametasona no pós-operatório imediato e manutenção de IBPs por 1 a 3 meses após procedimento.

 

Considerações sobre a Técnica de Gastroplastia Endoscópica:

A técnica é bastante promissora, segura, com bons resultados nos primeiros dois anos após o procedimento, obedecendo aos critérios determinados pela ASGE e ASMBS. Uma das principais limitações do método está relacionada ao custo ainda muito elevado do procedimento, tanto pelo custo do próprio dispositivo e do treinamento em manejá-lo quanto pela necessidade de dispor de aparelho de duplo canal, overtube e insuflador de CO2.

Embora já seja realizada há certo tempo, muitos cirurgiões e endoscopistas ainda desconhecem a técnica ou não conhecem bem as diversas publicações sobre o tema, o que acaba gerando comparações entre a técnica de ESG e a cirurgia de sleeve, sem levar em consideração que tanto seus resultados como suas indicações são distintas.

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Como citar esse artigo:

Ferreira F. Gastroplastia Endoscópica. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/gastroplastia-endoscopica/

 

Referências

  1. Laparoscopic Sleeve Gastrectomy After Endoscopic Sleeve Gastroplasty: Technical Aspects and Short-Term Outcomes; Aayed R Alqahtani, Mohamed Elahmedi, Yara A Alqahtani, Abdullah Al-Darwish; Obes Surg 2019 Nov;29(11):3547-3552
  2. Gastroplastia sleeve endoscópica para tratamento da obesidade: dois anos de experiência; Gontrand Lopez-Nava, MP Galvão, I Bautista-Castaño, JP Fernandez-Corbelle, M Trell, N Lopez; ABCD Arq Bras Cir Dig 2017;30(1):18-20
  3. Safety and short‑term effectiveness of endoscopic sleeve gastroplasty using overstitch: preliminary report from a multicenter study; Surgical Endoscopy; Manoel Galvao Neto, Rena C. Moon, Luiz Gustavo de Quadros, Eduardo Grecco, Admar Concon Filho, Thiago Ferreira de Souza, Luis Augusto Mattar, Jose Americo Gomides de Sousa, Barham K. Abu Dayyeh, Helmut Morais, Felipe Matz, Muhammad A. Jawad, Andre F. Teixeira; Surgical endoscopy 2019
  4. Brazilian Consensus on Endoscopic Sleeve Gastroplasty – Manoel Galvão Neto, Lyz Bezerra Silva, Luiz Gustavo de Quadros, Eduardo Grecco, Admar Concon Filho, Artagnan Menezes Barbosa de Amorim, Marcelo Falcao de Santana, Newton Teixeira dos Santos et al; Obesity Surgery 2020
  5.  Efficacy and Safety of Endoscopic Sleeve Gastroplasty: A Systematic Review and Meta-Analysis – Abdellah Hedjoudje, Barham Abu Dayyeh, Lawrence J. Cheskin, Atif Adam, Manoel Galvão Neto, Dilhana Badurdeen, Javier Graus Morales, Adrian Sartoretto, Gontrand Lopez Nava, Eric Vargas, Sui Zhixian, Lea Fayad, Jad Farha, Mouen A. Khashab, Anthony N. Kalloo, Aayed R. Alqahtani, Christopher Thompson, and Vivek Kumbhari; Clinical Gastroenterology and Hepatology 2019
  6. Re-suturing after primary endoscopic sleeve gastroplasty (ESG) for obesity – Gontrand Lopez-Nava , Ravishankar Asokkumar , Anuradha Negi , Enrique Normand , Inmaculada Bautista ; Surg Endosc 2020 Jun 24

 

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Endoscopia no terceiro espaço

A endoscopia digestiva é uma especialidade médica jovem e em franco desenvolvimento. Nas últimas quatro ou cinco décadas, evoluímos de meros espectadores do trato digestivo através de fibroscópios para endoscopistas intervencionistas munidos de videoendoscópios de alta definição com uma ampla gama de acessórios. Alguns marcos históricos dessa evolução foram as primeiras: polipectomia (1969); papilotomia com retirada de cálculo (1974); gastrostomia endoscópica (1979); ligadura elástica (1990) (SIVAK, 2006).

A terapêutica na superfície luminal do aparelho digestivo, também chamada de “primeiro espaço” teve um grande marco histórico nos anos 2000. O desenvolvimento da dissecção submucosa (ESD) permitiu ressecções em monobloco de grandes lesões, assim como ressecções curativas de neoplasias precoces. Os acessórios criados para atender às necessidades desta técnica foram importantes na criação e aprimoramentos de diversos outros procedimentos (SIVAK, 2006).

 

Conceito de cirurgia endoscópica transluminal por orifícios naturais

O conceito de cirurgia endoscópica transluminal por orifícios naturais (NOTES) surgiu em 2004 com a proposta de peritonioscopia transgástrica (KALLOO, 2004). Acessar a cavidade peritoneal com o endoscópico, o dito “segundo espaço”, encontrou impasses técnicos que impediram seu crescimento. O NOTES, contudo, deixou de herança um grande avanço para a endoscopia terapêutica com o surgimento do conceito de túnel submucoso com “flap” de mucosa formando uma válvula de segurança (SUMIYAMA, 2007).

Essa técnica abriu as portas para a exploração do “terceiro espaço” e o surgimento de novas possibilidades com a endoscopia submucosa. Em 2008, Inoue tratou a primeira acalasia através de uma miotomia endoscópica da cárdia por um túnel submucoso. Surgia o POEM, abrindo um universo de novas possibilidades terapêuticas por endoscopia.

Por um longo período, a muscular própria foi considerada uma fronteira onde o endoscopista não deveria intervir diante do risco de perfuração. Com o desenvolvimento da técnica de tunelização submucosa, este limite deixou de existir. Patologias de abordagem exclusivamente cirúrgica passaram a contar com a opção de tratamento endoscópico eficaz, seguro e com o mínimo de invasão no organismo.

Nesta sessão do site Endoscopia Terapêutica, faremos uma breve revisão das aplicações da endoscopia no terceiro espaço: POEM e suas variantes Z-POEM, D-POEM, G-POEM, assim como o STER.

 

POEM

Em 2010, Inoue publicou a primeira série de casos de miotomia endoscópica peroral (POEM) para o tratamento da acalasia da cárdia, lançando para o mundo uma nova opção terapêutica. Nos anos subsequentes, um grande número de publicações comprovou sua segurança e eficácia, elevando rapidamente o POEM para uma opção terapêutica ao lado da tradicional cardiomiotomia a Heller e da dilatação pneumática.

O grande atrativo do POEM é a possibilidade de oferecer uma miotomia precisa sem a necessidade de incisão cirúrgica. A técnica consiste na injeção de solução cristaloide ou, de preferência, coloide na submucosa, confeccionando um coxim para a incisão mucosa que permite o acesso do endoscópio ao terceiro espaço. Esta mucosectomia deve ser feita no mínimo 2,0 cm acima do início da miotomia para garantir a formação de uma válvula pelo flap de mucosa e submucosa. A confecção do túnel entre a submucosa e a muscular própria através de dissecção eletrocirúrgica tem sua extensão definida pelo endoscopista a depender do comprimento da miotomia necessária. A secção da musculatura pode ser dirigida à camada circular da muscular própria ou envolver também a longitudinal – não há evidência da superioridade de uma ou outra técnica (LIU, 2020).

 

Etapas da tunelização submucosa e realização da miotomia da camada circular.

Etapas da tunelização submucosa e realização da miotomia da camada circular.

 

A precisa separação entre a submucosa e a muscular própria permite um controle da extensão e da profundidade da miotomia que normalmente não é possível na cirurgia. Essa versatilidade tornou o POEM a primeira escolha terapêutica nos distúrbios espásticos do esôfago como a acalasia do tipo Chicago III ou o esôfago em quebra-nozes. Nos subtipos Chicago I e II de acalasia, o POEM possui eficácia equivalente a Heller (Kahrilas AGA), mas com o tempo cirúrgico significativamente menor no POEM (MOURA; WERNER).

Contudo, o refluxo gastroesofágico (DRGE) continua sendo um ponto a ser melhorado na técnica, com incidências que variam de 10 a 70%, dependendo do conceito usado para a definição de DRGE e do continente do estudo (LIU, 2020). Na prática, a maior parte destes pacientes são assintomáticos ou portadores de erosões classe “A” ou “B” de Los Angeles. Sintomas relevantes ou graus mais severos de DRGE na endoscopia ocorrem em uma minoria dos pacientes. Mesmo assim, a supressão ácida e o acompanhamento endoscópico faz parte do seguimento pós-operatório.

 

Z-POEM e D-POEM

A tunelização da submucosa permitiu uma abordagem mais precisa do septo dos divertículos esofágicos. A dissecção rente à muscular própria permite a precisa secção do septo até sua base, local que frequentemente não é abordado na septotomia tradicional, pelo risco de perfuração ou surgimento de fístula com risco de mediastinite (para saber mais sobre Z-POEM, confira o post clicando neste link).

A maior série publicada de pacientes com divertículo de Zenker tratados por Z-POEM envolveu 75 pacientes com controle sintomático em 92% dos pacientes e sem complicações tardias (Yang, 2020).

O tratamento dos divertículos de esôfago médio e epifrênicos (D-POEM) segue o mesmo princípio com a vantagem de ser possível estender a miotomia o quanto for necessário para o tratamento dos distúrbios espásticos frequentemente presentes nesses casos. A abordagem cirúrgica, classicamente indicada, possui uma precisão limitada para a extensão e profundidade da miotomia do corpo esofágico, com maior risco de lesão transmural. Tal evento é raro no D-POEM, conferindo à técnica um perfil eficaz e seguro (MAYDEO, 2019).

 

Fístula esofagopleural com formação de abscesso torácico no pós-operatório de diverticulectomia epifrênica videotoracoscópica.

Fístula esofagopleural com formação de abscesso torácico no pós-operatório de diverticulectomia epifrênica videotoracoscópica. O esôfago distal apresentava distúrbio espástico associado. Procedido com a passagem de duas próteses plásticas do tipo duplo pig-tail de 7F na fístula seguida de POEM com miotomia longa da camada circular do esôfago na face contralateral.

 

G-POEM

 

Gastroparesia

A gastroparesia é produto de uma peristalse não coordenada do antro com o momento de relaxamento pilórico. Esta patologia pode ser idiopática, diabética ou iatrogênica. Quando medidas clínicas falham, o tratamento cirúrgico tradicional é a piloroplastia, visando facilitar o esvaziamento gástrico.

O mesmo princípio é obtido pela endoscopia do terceiro espaço com secção da musculatura pilórica sob visão direta e preservando as demais camadas do trato digestivo. A piloromiotomia endoscópica através de tunelização submucosa é referida genericamente na literatura como G-POEM.

Mohan e colaboradores conduziram uma metanálise que comparou os resultados de G-POEM em 332 pacientes versus a piloroplastia cirúrgica em 375 pacientes, identificando taxa de sucesso clínico equivalentes (75,8% x 77,3%) (MOHAN, 2019). Tal achado posiciona a endoscopia como uma boa opção terapêutica nos casos de gastroparesia refratária (saiba mais sobre G-POEM clicando neste link).

 

Estenose da gastrectomia vertical Sleeve

A presença de sintomas como disfagia, vômitos, intolerância alimentar, perda de peso acelerada e doença do refluxo gastroesofágico no pós-operatório de gastrectomia vertical deve levantar a suspeita clínica de estenose. Esse evento adverso ocorre entre 0,1 e 4% das cirurgias.

Apesar de não haver consenso na literatura sobre seu manejo, habitualmente iniciamos com sessões de dilatação pneumática. Nos casos de falência terapêutica, as próximas etapas que seguem são o uso de prótese e finalmente cirurgia de conversão para by-pass.

Contudo, a estenotomia gástrica através da tunelização submucosa, genericamente incluída na categoria G-POEM, tem mostrado resultados promissores na resolução dos casos refratários. O racional consiste na secção da musculatura gástrica sob visão direta. A estenose é tratada seguindo o mesmo princípio da seromiotomia cirúrgica, mas com maior precisão, minimizando o risco de perfuração transmural (DE MOURA, 2019). Tais características não são oferecidas por nenhuma outra modalidade terapêutica.

 

Estenostomia de “twist” gástrico por túnel submucoso. Imagens de uma estenostomia de “twist” gástrico por túnel submucoso. Esta paciente também, além da




Quiz! Você já viu essa lesão antes?

Paciente de 21 anos, com quadro de DRGE, submetida a EDA, sendo vista em esôfago cervical a imagem abaixo.

 

Referências

  1. L. Lenz, G. Luz, A. Felipe-Silva, F. Nakao, E. Libera, D. Chaves, B. Sugai , R. Rohr. Tiny fibrovascular polyps of the esophagus as incidental findings – look carefully or you might miss them. Endoscopy 2011; 43: E392. DOI: 10.1055/s-0030-1256950
  2. Sultan PK, et al. Fibrovascular polyps of the esophagus. J Thorac Cardiovasc Surg 2005;130:1709-10. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jtcvs.2005.05.043



Máscara cirúrgica versus N95

Artigo comentado: COVID-19 pandemic and personal protective equipment shortage: protective efficacy comparing masks and scientific methods for respirator reuse1

 

Neste mês, foi publicado na Gastrointestinal Endoscopy por Boskoski et al1 um artigo sobre o que existe de evidências científicas sobre EPIs, especialmente uma comparação do uso de máscaras cirúrgicas com os respiradores do tipo N95 e uma análise crítica dos métodos científicos para reutilizar os respiradores.

Esse trabalho é de grande importância devido à escassez dos equipamentos de proteção individuais (EPIs), especialmente de N95s, durante a pandemia. Por exemplo, em enquete da SOBED2, 22% dos endoscopistas relataram que fizeram exames sem EPIs apropriados e 42% experimentaram dificuldades para obtê-los. E esse não é um problema exclusivamente brasileiro, em pesquisa com vários centros internacionais, apenas 57% dos endoscopistas afirmaram usar N95s.3

Voltando ao trabalho de Boskoski et al1, vejamos os principais pontos abordados.

 

Definições

Máscaras cirúrgicas são geralmente mais folgadas e descartáveis, criando uma barreira física entre a boca e o nariz do usuário e potenciais contaminantes do ambiente. Variam de acordo com a qualidade e os níveis de proteção

Respiradores N95 bloqueiam pelo menos 95% dos aerossóis (< 5 mm) e partículas do tamanho de gota (5-50 mm). Seu uso requer um teste de ajuste inicial e periódico, e eles são associados à baixa tolerância por causa da resistência à respiração e pelo calor. Os respiradores N95 correspondem ao modelo europeu de máscara filtrante padrão 2 (FFP2 – Filtering Face Piece 2), que tem pelo menos 94% da capacidade do filtro.

Purificadores de ar elétricos são respiradores à bateria que fornecem fluxo de ar positivo através de um filtro; eles fornecem proteção da cabeça e do pescoço. Contudo, os purificadores de ar são associados à maior percepção de secura dos olhos e são de longe o EPI mais caro.

*** Procedimento de alto risco é todo aquele gerador de aerossol.

 

Método: Pesquisa no PubMed, Scopus, Cochrane e Google Scholar. Dos 25 artigos encontrados, selecionaram os 15 mais importantes.

 

Resultados

Quanto à comparação:

  • Na revisão sistemática da Cochrane de 2011, a N95 não foi inferior às máscaras cirúrgicas em termos de eficácia na prevenção de transmissão viral.
  • Isto está de acordo com o trabalho caso-controle de Hong Kong clássico que demonstrou que máscaras cirúrgicas e N95 têm similar efeito protetivo.
  • Em análise quantitativa, N95 e máscara cirúrgica foram igualmente eficazes na prevenção da disseminação de transcriptase reversa do vírus influenza.
  • Dois Trials (um com enfermeiras, outro com profissionais de saúde em geral) confirmaram que não existem diferenças significativas entre a taxa de influenza entre o grupo que usou máscara cirúrgica com o grupo com N95.
  • Outra metanálise que ambos são efetivos na proteção contra síndrome respiratória aguda grave.
  • E numa revisão sistemática atualizada em fevereiro deste ano, não foram encontradas diferenças significativas na prevenção nos casos de influenza com confirmação laboratorial, infecções virais respiratórias também com diagnóstico laboratorial e nos quadros clínicos influenza-like.
  • Os purificadores de ar elétricos foram propostos durante a epidemia de Ebola com a ideia de que oferecessem um grau de proteção maior que as N95. Entretanto, isso ainda não foi objeto de investigação científica rigorosa.

Quanto aos métodos de reutilização das N95:

  • Óxido de etileno, peróxido de hidrogênio e radiação por micro-ondas já foram testados, mas sem sucesso devido a diversas causas: odores desagradáveis, quebra da integridade ou por falha na descontaminação.
  • A radiação ultravioleta foi considerada o método mais eficiente para descontaminação dos respiradores N95.

 

Discussão, conclusões e perspectivas do artigo

Os autores reafirmam que os profissionais de saúde, em geral, devem usar máscaras cirúrgicas, ficando as N95 reservadas para profissionais que realizam procedimentos de alto risco (geradores de aerossol). Recomenda-se que uma N95 pode ser utilizada no atendimento a vários pacientes sem removê-la, mas que um período maior que 4 horas deve ser evitado; que apesar da radiação ultravioleta ser o método mais promissor, doses suficientes podem não alcançar todas as áreas internas do respirador; e que cada respirador pode tolerar um número limitado de desinfecções.

Por último, lembram que enfrentamos, aproximadamente, uma pandemia a cada 10 anos. E que o problema do uso inapropriado de EPIs ainda não foi solucionado.

 

Comentários pessoais

  • Realmente, a grande conclusão deste trabalho é que, para profissionais de saúde, em geral, as máscaras cirúrgicas parecem ser semelhantes às N95 para prevenção de infecções respiratórias virais.
  • Todos os estudos incluídos neste artigo foram de outros vírus respiratórios, principalmente o influenza. Apesar das semelhanças com o coronavírus, sabemos que existem diferenças marcantes e que isso pode refletir também no modo de prevenção desses vírus.
  • Nossa realidade é bem diferente dos estudos clínicos anteriores. As N95s, quando disponíveis, são utilizadas por longos períodos, muitas vezes por mais de 15 dias. Esses longos períodos poderiam diminuir sua efetividade? E, nessas situações, as máscaras cirúrgicas poderiam ser mais adequadas? Outro fato é o desconforto, sendo comum ficar ajustando as N95 com as mãos. Isso não seria uma fonte de contaminação?
  • Se é racional que as máscaras são semelhantes no geral, qual seria a razão para serem diferentes em procedimentos de alto risco. Poderíamos extrapolar se são semelhantes para a endoscopia também? Acredito que ainda seja cedo. Estudos prospectivos e randomizados da máscara cirúrgica com a N95 em nosso setor são aguardados. Mas um ponto chama a atenção nesta pandemia: o número de colegas endoscopistas contaminados foi muito menor que o esperado para um procedimento gerador de aerossol. E o número é ainda menor considerando os casos nos quais se atribuiu nossa atividade profissional como sendo a causa da transmissão. Assim sendo, há algumas suposições para essa menor taxa de infecção. Os EPIs estão sendo realmente eficazes? E mesmo nos lugares onde o EPI não é completo, por exemplo, sem a N95, a taxa foi maior? Um estudo observacional bem feito responderia essa pergunta. E mais: um procedimento de curta duração, como uma endoscopia alta num paciente assintomático e não contactuante ainda assim deveria ser realmente considerado procedimento de alto risco?
  • Temos ainda muitos questionamentos, e espero que sejam respondidos até o final desta pandemia ou, quem sabe, que sirvam de lição para uma próxima.

 

Como citar este artigo:

Lenz L. Máscara cirúrgica versus N95. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/mascara-cirurgica-versus-n95/

 

Referências 

  1. Boskoski I, Gallo C, Wallace M, Costamagna G. COVID-19 pandemic and personal protective equipment shortage: protective efficacy comparing masks and scientific methods for respirator reuse. Gastrointestinal Endoscopy. 2020; 92 (3): 519-523.
  2. Arantes VN, Martins BC, Seqatto R, Milhomen-Cardoso DM, Franzini TP, Zuccaro AM, et al. Impact of coronavirus pandemic crisis in endoscopic clinical practice: Results from a national survey in Brazil. Endosc Int Open. 2020;08(06):E822–9.
  3. Alboraie M, Piscoya A, Lenz L et al. The global impact of COVID-19 on gastrointestinal endoscopy units: An international survey of endoscopists. 2020 In press.



Quiz! Erosão vs. neoplasia em cólon?

Paciente masculino, 58 anos, realizando primeira colonoscopia para rastreamento de câncer colorretal. Apresentou o seguinte achado no cólon sigmoide:

erosão vs. neoplasia em cólon?

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Aerossóis e transmissibilidade na prática endoscópica: a dúvida que paira no ar

Desde março de 2020, quando a OMS definiu que estávamos diante de uma pandemia de consequências desconhecidas, uma grande mobilização da comunidade científica mundial buscou acúmulo de conhecimento sobre o novo vírus, porém, por meses à frente, ainda agiríamos no escuro em muitas situações, contando com muito menos informação de qualidade do que gostaríamos.  

No quesito transmissibilidade, por exemplo, muito se assumiu como verdade a partir do comportamento de outros coronavírus, dada a semelhança estrutural do SARS-CoV-2 com seus predecessores.  

Ainda em março, aqui no site, alguns artigos trouxeram uma parte importante do que já era conhecido e relevante (links abaixo).  

 

Infelizmente, quase nada tratava especificamente do comportamento viral no ambiente da endoscopia. Na verdade, até recentemente a endoscopia digestiva estava fora da lista de procedimentos geradores de aerossóis, havendo apenas a evidência de disseminação bacteriana demonstrada por culturas de amostras de face shields usadas por endoscopistas. Apesar disso, medidas para a redução da transmissão por aerossóis foram e seguem recomendadas. E muitas perguntas seguiram sem respostas. Endoscopia de fato produz aerossol? O vírus em suspensão é capaz de infectar alguém durante ou após o exame? 

Recentemente, uma revisão buscou tratar do assunto com olhar voltado à prática endoscópica. Nessa revisão, intitulada “Extent of infectious SARS-CoV-2 aerosolisation as a result of oesophagogastroduodenoscopy or colonoscopy”, os autores selecionaram 26 artigos dentre 3745 inicialmente localizados. 

Foram incluídos estudos que relatassem riscos por aerossol em pacientes com COVID-19, tendo sido excluídos os não relacionados à COVID-19, com metodologia considerada fraca, não escritos em inglês, e aqueles não indexados à PubMed. 

Flow chart com eligibilidade, inclusão e exclusão de artigos.

Figura 1  Flow chart com elegibilidade, inclusão e exclusão de artigos.

Os autores relatam que os estudos selecionados na revisão sugerem alta infectividade por contato e por gotículas, no entanto, afirmam não haver em sua amostra nenhum estudo clínico que demonstre carga viral presente no aerossol, não sendo possível a definição de uma “dose” infectante, mas afirma que isso pode corresponder a algumas centenas de partículas virais. Entenda-se por dose a menor quantidade de partículas virais necessárias para iniciar uma infecção. 

Abaixo, estão listadas algumas afirmações colocadas pelos autores em sua discussão: 

  • Não se isolou vírus em amostras fecais, independente da concentração de RNA viral nas fezes. 
  • Não há relato de casos de transmissão fecal-oral até o momento, apesar da presença de RNA viral em amostras fecais.  
  • O pico de concentração viral, nas diversas amostras ocorre antes do 5º dia de sintomas, sugerindo a patogenicidade e infectividade em período de sintomas discretos, semelhantes aos de outras infecções respiratórias altas. 
  • Quanto ao risco de infecção, a endoscopia digestiva alta diagnóstica ou terapêutica é um procedimento de alto risco, sendo a endoscopia baixa considerada de risco baixo a moderado. 
  • O estudo reconhece como conflitantes as evidências de que há aerossolização durante procedimentos endoscópicos, mas reforça a necessidade de medidas para redução do risco de contaminação por essa via. 
  • Afirma não haver relatos confirmados de transmissão por aerossol. 
  • Cita as recomendações da OMS quanto à necessidade de troca de ar nos ambientes. Menciona, sem maior detalhamento, que para circulação segura, sem máscara FFP3, deve haver troca de, ao menos, 6 vezes o volume de ar, sendo de 12 vezes em ambientes com pressão negativa. 
  • Cita ainda que, em amostras de escarro, a carga viral média é de 7 x 106 cópias/ml e que amostras com carga menor que 10nunca resultaram em isolamento de vírus viável, sugerindo uma possível “dose” capaz de gerar replicação e infecção clínica. 

 

Figura 2 - Agregado das amostras e dias de início dos sintomas.

Figura 2 Agregado das amostras e dias de início dos sintomas.

Figura 3 Resultados agregados de sucesso de isolamento viral em diferentes dias desde o início dos sintomas.

Figura 4 Sucesso de isolamento viral e carga viral da amostra.

A revisão apresenta dificuldades para trazer, de fato, luz ao assunto, seja por limitações em seu desenho, seja pela escassez de informações na literatura

Em resumo, as evidências que sustentam o papel da aerossolização como via de transmissão de COVID-19 na prática endoscópica são limitadas até o momento e o assunto ainda carece de melhor entendimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Harding H, Broom A, Broom J. Aerosol-generating procedures and infective risk to healthcare workers from SARS-CoV-2: the limits of the evidence. J Hosp Infec 105, 4, P717-725, Aug 01, 2020.https://doi.org/10.1016/j.jhin.2020.05.037 
  2. Johnston ER, Habib-Bein N, Dueker JM, Quiroz B, Corsaro E, Ambrogio M, et al. Risk of bacterial exposure to the endoscopist’s face during endoscopyGastrointest Endosc 2019;89:818e24. https://doi.org/10.1016/j.gie.2018.10.034. 
  3. Hussain A, Singhal T, EL-Hasani S. Extent of infectious SARSCoV-2 aerosolisation as result of oesophagogastroduodenoscopy or colonoscopy. Br J Hosp Med. 2020. https://doi.org/10.12968/hmed.2020.0348 

 

Como citar esse artigo:

Rodrigues R. Aerossóis e transmissibilidade na prática endoscópica: a dúvida que paira no ar. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/aerossois-e-transmissibilidade-na-pratica-endoscopica-a-duvida-que-paira-no-ar/

 

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Paciente, sexo feminino, 68 anos, procurou o ambulatório de gastroenterologia em maio de 2018 com queixa de plenitude pós-prandial e desconforto abdominal há 2 anos. Como antecedentes, apresentava diabetes mellitus tipo 2, hipotireoidismo, DPOC tabágico (25 maços/ano), dislipidemia, apendicectomia e herniorrafia incisional. Dentre os exames diagnósticos de rotina solicitados, identificou-se, através de ultrassom de abdome, uma lesão sólido-cística em corpo pancreático indeterminada, medindo cerca de 3 cm. Não havia histórico de pancreatite ou cirurgia pancreatobiliar prévia.

Fig. 1 – A colangiorressonância apresentava este aspecto:

Acentuada dilatação e tortuosidade do ducto pancreático principal (flechas verdes) com sinais de comunicação fistulosa com o estômago ao nível do corpo pancreático (flecha azul).

Autores

Eduardo Aimore Bonin (1), Raquel Canzi Almada de Souza (1), Renata Pereira Mueller (1), Sergio Ossamu Ioshii (1), José Celso Ardengh (2).

(1) Complexo Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.

(2) Hospital 9 de Julho, Setor de Endoscopia, São Paulo, SP, Brasil, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Endoscopia, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Referências

  1. Kobayashi G., Fujita N., Noda Y., Ito K., Horaguchi J., Obana T. Intraductal papillary mucinous neoplasms of the pancreas showing fistula formation into other organs. J Gastroenterol. 2010;45(October, 10):1080–1089.
  2. Mizuta Y, Akazawa Y, Shiozawa K, Ohara H, Ohba K, Ohnita K, Isomoto H, Takeshima F, Omagari K, Tanaka K, Yasutake T, Nakagoe T, Shirono K, Kohno S. Pseudomyxoma peritonei accompanied by intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas. Pancreatology. 2005; 5(4-5):470-4.
  3. Ravaud S., Laurent V., Jausset F., Cannard L., Mandry D., Oliver A. CT and MR imaging features of fistulas from intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas to adjacent organs: a retrospective study of 423 patients. Eur J Radiol. 2015;84(November, 11):2080–2088.
  4. Ravaud S., Laurent V., Jausset F., Cannard L., Mandry D., Oliver A. CT and MR imaging features of fistulas from intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas to adjacent organs: a retrospective study of 423 patients. Eur J Radiol. 2015;84(November, 11):2080–2088.
  5. Patel A, Allen A, Kuwahara J, Tracy Wadsworth T, Loeffler DM, Xie KL. Intraductal papillary mucinous neoplasm complicated by a gastropancreatic fistula Radiol Case Rep. 2019 Mar; 14(3): 320–323.

 

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Estudo controlado e randomizado em pacientes com cálculos biliares grandes

Endoscopia Terapêutica

Recentemente, foi publicado na Endoscopy por Korugue e colaboradores o resultado de um estudo japonês multicêntrico, controlado e randomizado, em que pacientes com cálculos biliares grandes foram alocados em dois grupos: dilatação balonada da papila com balão dilatador grande (DBP) sem esfincterotomia ou somente esfincterotomia isolada.

O estudo foi realizado em 19 centros japoneses. Todos os pacientes com idade de 60 anos ou mais que foram encaminhados para CPRE por cálculos grandes do ducto biliar comum (maior ou igual a 10 mm) foram colocados no estudo. Para permitir o uso da dilatação balonada da papila, o tamanho do colédoco distal precisava ser maior ou igual a 12 mm e não apresentar sem estenose distal.

PROCEDIMENTOS:

* Dilatação sem papilotomia: após a canulação biliar, dilatação com balão grande tipo CRE (Boston) foi realizada. O tamanho máximo da dilatação foi determinado de acordo com o tamanho dos cálculos, mas não excedia o diâmetro do colédoco distal. O balão era desinsuflado imediatamente após a perda da cintura. Pacientes sem dilatação ou com estenose do colédoco distal eram relocados para o grupo da papilotomia.

* Papilotomia sem dilatação: após a canulação, a papilotomia foi feita, podendo ser completa (até a prega duodenal) ou média (cerca de 2/3 da completa).

papilotomia

CÁLCULOS DOS RESULTADOS:

A análise do estudo foi planejada inicialmente em duas etapas. Na primeira etapa, foram avaliados os resultados a curto prazo, como a eficácia da remoção do cálculo. Na segunda etapa, resultados a longo prazo, como eventos biliares tardios (os pacientes serão seguidos por 5 anos). Nesse estudo, eles relatam a análise de curto prazo, da primeira etapa.

O resultado primário foi a taxa de remoção completa do cálculo em uma única sessão. Os resultados secundários foram a taxa geral de remoção completa do cálculo, uso de litotripsia, tempo de procedimento, eventos adversos iniciais e custos do procedimento.

RESULTADOS:

Pacientes

Um total de 181 pacientes foram inscritos entre fevereiro de 2013 a janeiro 2015, sendo 91 randomizados para o grupo dilatação balonada da papila (DBP) e 90 para o grupo da papilotomia isolada (PI). Após exclusão de 10 pacientes, 171 foram colocados na análise (86 no grupo dilatação e 85 no grupo papilotomia).

Eficácia em remover o cálculo

A taxa de remoção completa do cálculo em uma única sessão foi significativamente maior no grupo da dilatação: 90,7% (78/86) vs. 78,8% (67/85) da papilotomia.

Embora o grupo da dilatação tenha tido taxa alta de cálculos maiores que 15 mm, o uso da litotripsia não foi frequente 30,2% (26/86) vs. 48,2% (41/85) da papilotomia.

A taxa de remoção completa usando somente um único acessório não foi alta em grupo algum: < 5% com basket e cerca de 30% com balão extrator.

O tempo e o custo do procedimento foram semelhantes nos dois grupos.

A análise do subgrupo de 67 pacientes que tinham cálculos maiores que 15 mm mostrou que: remoção completa do cálculo em sessão única foi maior no grupo da DBP (85,4%) comparado ao grupo da papilotomia isolada (53,8%). Uma diferença absoluta na taxa de remoção completa do cálculo entre DBP e papilotomia foi mais proeminente naqueles com cálculos maiores que 15 mm: 31,6% comparado com 11,9%.

A necessidade de litotripsia nesse grupo com cálculos maiores de 15 mm também foi maior: 43,9% no grupo DBP e 69,2% no grupo papilotomia.

papilotomia

papilotomia

Segurança

Os efeitos adversos precoces foram semelhantes: 9,3% DBP vs. 9,4% papilotomia. Pancreatite ocorreu em 4,7% no grupo DBP e 5,9% no grupo papilotomia, todas classificadas com leve. Não houve mortes dentro de 30 dias.

DISCUSSÃO

Muitos estudos comparativos prospectivos têm sido feitos para avaliação da DBP, com ou sem papilotomia. Não há diferença significativa na remoção completa do cálculo nos estudos, porém dois deles demonstraram uma maior taxa de remoção completa do cálculo em uma só sessão na DBP com papilotomia quando comparada à papilotomia isolada. Houve dois estudos comparando a DBP sem papilotomia com a papilotomia, mas esse estudo foi o primeiro a mostrar a superioridade da DBP sem papilotomia sobre a papilotomia isolada, com taxa de remoção completa em uma sessão única de 90,7 % (contra 78,8% no grupo da papilotomia, com p=0,04).

A DBP pode ser realizada com ou sem papilotomia prévia. Enquanto a papilotomia completa (até a prega transversal) foi relatada como sendo fator de risco para hemorragia após dilatação em um estudo multicêntrico, a segurança da DBP sem papilotomia gera preocupação, incluindo sobre o risco de pancreatite. Nos estudos controlados e randomizados prévios, a papilotomia prévia não teve efeito sobre a remoção completa do cálculo nem sobre os efeitos adversos. As vantagens da DBP sem papilotomia são a natureza simples do procedimento e seu custo. Em pacientes com divertículo periampular, com anatomia alterada cirurgicamente ou naqueles em uso de agentes antitrombóticos, a DBP sem papilotomia é o tratamento de primeira escolha para cálculos grandes.

Sobre as limitações do estudo: os endoscopistas não eram blindados para o tipo de procedimento, mas o limite de tempo para cada procedimento foi de 1 hora; foi definido como cálculo grande quando maior ou igual a 10 mm, mas a vantagem do DBP sem papilotomia foi maior em cálculos > 15 mm. Além disso, foram selecionados somente pacientes > 60 anos por causa da ausência de dados nos resultados a longo prazo pós-DBP sem papilotomia, o que também limita a generalização do estudo. Uma análise dos resultados a longo prazo será conduzida sobre as alterações biliares após 5 anos. DBP sem papilotomia pode potencialmente preservar a função do esfíncter quando comparada com a esfincterotomia. A função do esfíncter preservada após comparada com a papilotomia.

Em resumo, dilatação balonada da papila com balão grande sem papilotomia alcançou uma taxa significativamente maior de remoção completa do cálculo em uma única sessão, sem aumentar os eventos adversos. Os resultados a longo prazo, como cálculos recorrentes do ducto biliar comum, devem ser avaliados no futuro.

Considerações:

  • No Brasil, o grupo do Serviço de Endoscopia Gastrointestinal do Hospital das Clínicas (FMUSP) realizou uma metanálise envolvendo 9 estudos controlados randomizados e 1.230 pacientes com coledocolitíase (611 pacientes submetidos a papilotomia isolada e 619 submetidos papilotomia e dilatação com balão) em que não se observou diferença na taxa de remoção de cálculos como desfecho primário, no entanto a dilatação balonada da papila com papilotomia obteve menor necessidade de litotripsia mecânica. Não foram observadas, ainda, diferenças estatísticas nas taxas de eventos adversos (pancreatite, sangramento e perfuração).

  • A Endoscopy publicou na última edição um editorial sobre esse trabalho, escrito pelo Prof. James Lau, denominado “Endoscopic papillary large ballon dilation: more questions than answers” em que ele interroga o que aprendemos com esse trabalho, citando:

    • Os pacientes devem ser selecionados cuidadosamente;
    • Os cálculos devem ser grandes (> 10 mm) para justificar a dilação com balão grande e a porção distal do ducto também deve ser suficientemente dilatada para acomodar o balão;
    • O balão não deve ser inflado além do diâmetro máximo do colédoco distal;
    • Quando a papilotomia sabidamente será difícil como nos pacientes com gastrectomia a Billroth II ou com coagulopatia, a dilatação com balão grande é uma solução legítima a aceitável.

Referências:

  1. Kogure Hirofume et al. Multicenter randomized trial of endoscopic papillary large balloon dilation without sphincterotomy versus endoscopic sphincterotomy for removal of bile duct stones: MARVELOUS trial. Endoscopy 2020; 52 (09): 736-744. DOI: 10.1055/a-1145-3377
  2. Lau, J. Endoscopic papillary large balloon dilation: more questions than answers Endoscopy 2020; 52(09): 745 – 746 DOI: 10.1055/a-1189-3035
  3. Moura, EGH; Sakai, P.; Bernardo, V.M. Série Manual do Médico-Residente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Volume Endoscopia Baseada em Evidências 2017.



Achados Ecográficos na Pancreatite Crônica

As pancreatites crônicas (PC) se caracterizam, do ponto de vista anátomo-patológico, pela fibrose progressiva do parênquima glandular, inicialmente focal e, a seguir, difusa por todo o pâncreas. Do ponto de vista evolutivo, geralmente, há persistência das lesões, mesmo com a retirada do fator causal, determinando alterações pancreáticas residuais anatômicas e funcionais.

A ecoendoscopia tem um papel importante no diagnóstico dessa patologia, sobretudo das formas mais leves e iniciais da doença, que não são identificadas pelos métodos de imagem convencionais e para as quais os testes funcionais pancreáticos apresentam uma sensibilidade relativamente baixa.

O último consenso relativo aos critérios necessários para estabelecer o diagnóstico ultrassonográfico de pancreatite crônica foi designado de Critérios de Rosemont. Essa classificação baseou-se na experiência de autoridades na matéria. Foram estabelecidos critérios maiores (A e B) e menores.

Critérios maiores A:

  • Focos hiperecoicos com cone de sombra;
  • Cálculos do ducto pancreático principal.

Critério maior B:

  • Lobularidade contígua do parênquima.

Critérios menores:

  • Cistos;
  • Ducto pancreático principal com contorno irregular;
  • Ducto pancreático principal dilatado;
  • Ramos secundários dilatados;
  • Parede ductal hiperecoica;
  • Faixas hiperecoicas;
  • Focos hiperecoicos sem cone de sombra;
  • Lobularidade não contígua do parênquima.

Apesar dessa classificação ser muito complexa, ainda é a mais utilizada na prática. E para que o diagnóstico de pancreatite crônica seja estabelecido, os critérios ultrassonográficos são analisados da seguinte forma:

Diagnóstico de certeza:

  • presença de dois critérios maiores A;
  • presença de um critério maior A + um critério maior B;
  • presença de um critério maior A + pelo menos três critérios menores.

Os achados são sugestivos de PC quando há:

  • presença de, pelo menos, 5 critérios menores;
  • presença de um critério maior B + pelo menos 3 critérios menores;
  • presença de um critério maior A + menos três critérios menores.

Os achados são indeterminados para PC quando há pelo menos:

  • presença de 3 a 4 critérios menores e nenhum critério maior;
  • presença apenas de um critério maior B ou com menos três critérios menores.

Os achados são NEGATIVOS para PC quando há:

  • presença de apenas 2 critérios menores e nenhum critério maior.

O achados ultrassonográficos usualmente encontrados nos casos de PC são:

As imagens ultrassonográficas abaixo são de um paciente com pancreatite crônica. Nas imagens, notamos alguns critérios que corroboram com esse diagnóstico.

Ecoendoscopia setorial exibindo lobularidade difusa do corpo pancreático associada a estrias longitudinais hiperecoicas.

Ecoendoscopia setorial exibindo lobularidade difusa do corpo pancreático associada a estrias longitudinais hiperecoicas.

Mesmos achados da figura anterior, porém com range maior.

Focos hiperecoicos com sombra acústica posterior.

Lobularidade difusa do parênquima.

Clique nos links abaixo e assista aos vídeos de alguns pacientes com pancreatite crônica submetidos à EUS:

EUS Pancreatite crônica 1

EUS Pancreatite crônica 2

EUS Pancreatite crônica 3

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