Artigo Comentado – International consensus recommendations for difficult biliary access

Comentários do artigo – International consensus recommendations for difficult biliary access      

A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) é o procedimento de escolha para o tratamento das enfermidades biliopancreáticas e o acesso biliar é a etapa inicial fundamental do procedimento. O acesso biliar difícil pode ocorrer pela dificuldade da passagem do aparelho até a papila em pacientes com anatomia cirúrgica alterada, como anastomose em Billroth II ou em Y de Roux  e/ou pela tentativa de canulação seletiva da via biliar , neste caso tanto em paciente com anatomia normal ou cirurgicamente alterada. A canulação difícil aumenta os riscos de complicações pós-cpre, particularmente pancreatite (PEP) e perfuração. Vários métodos são utilizados para superar um acesso biliar difícil, como as técnicas alternativas de acesso seletivo da via biliar utilizadas após a falha da canulação convencional da CPRE,  como as técnicas de pré corte ou a utilização do duplo fio guia, além da utilização de procedimentos mais avançados com o uso de equipamentos especiais, como o ecoendoscópio e o enteroscópio com seus acessórios e dispositivos específicos, além do uso da drenagem biliar percutânea. Estas técnicas e procedimentos mais complexos tem riscos significativos, necessitam de treinamentos específicos e de prioridades e critérios nas suas utilizações.

Objetivo do estudo: Criar um consenso internacional de recomendações baseado em evidência para auxiliar os endoscopistas biliopancreáticos a enfrentar os desafios do acesso biliar difícil

Desenho do estudo: – Participaram do estudo especialistas em endoscopia biliopancreática avançada de vários países. – Foram realizadas as pesquisas na literatura ( MEDLINE, Cochrane, Library e Embase ) em 3 áreas :

  • Acesso biliar difícil em anatomia normal
  • Acesso biliar difícil em anatomia alterada
  • Acesso biliar guiado (ecoendoscopia e/ou percutâneo)

Primeiro: foram enviados eletronicamente aos membros do consenso para avaliação das recomendações de acordo com nível de evidência e grau de recomendação. Segundo: Foi realizado uma reunião em julho de 2015 em Taipei ( Taiwan ) onde foram revisadas e discutidas as recomendações . Consenso foi considerado alcançado quando 80% ou mais dos votos indicaram “aceitar completamente” ou “aceitar com alguma reserva”. A recomendação foi rejeitada quando 80% ou mais dos votos “rejeitar completamente” ou “rejeitar com alguma reserva”. O nível de evidência e o grau de recomendação foram avaliados e 13 recomendações alcançaram o consenso.

Resultado das recomendações do consenso:

1- Acesso biliar difícil é definido pela incapacidade de canulação seletiva da via biliar pela técnica convencional de cateterização pela CPRE em 10 minutos ou até 5 tentativas ou pela falha em acessar (chegar) a papila maior. Nível de evidência II-A, Grau de recomendação B, Votação A 56%, B 44%, C 0%, D 0%, E 0%

2- Quando o acesso biliar endoscópico é difícil, técnicas alternativas podem ser necessárias. Estas requerem habilidades específicas e estão potencialmente associadas a um maior risco de eventos adversos. Nível de evidência III, Grau de recomendação C, Votação A 94%, B 0%, C 6%, D 0%, E 0%.

3- Medidas profiláticas contra a PEP (pancreatite pós-cpre), como a utilização de supositório de anti-inflamatório não esteroide via retal e ou a passagem de prótese pancreática são recomendados na falha da canulação biliar convencional. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 94%, B 0%, C 6%, D 0%, E 0%.

4- Quando a canulação biliar é difícil, técnicas como o pré corte (“precut”) e a utilização do duplo fio guia (primeiro deixa no ducto pancreático e o segundo na tentativa de acesso biliar) são recomendados. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 94%, B 6%, C 0%, D 0%, E 0%.

5- Todas as técnicas de pré corte apresentam altas taxas de sucesso de canulação biliar. A técnica de fistulotomia (“needle-knife fistulotomy” – NKF) com estilete parece ter menos eventos adversos. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 56%, B 38%, C 6%, D 0%, E 0%.

6- Paciente com reconstrução a Billroth II, tanto o endoscópio de visão frontal quanto o duodenoscópio de visão lateral apresentam taxas de acessos biliares comparáveis. O uso do duodenoscópio de visão lateral pode estar associado a maior risco de perfuração. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 62,5%, B 37,5%, C 0%, D 0%, E 0%.

7- Paciente com anatomia cirurgicamente alterada, particularmente com anastomose em Y de Roux , a enteroscopia assistida por dispositivo pode facilitar o acesso a papila ou anastomose bilioentérica. Nível de evidência I-A, Grau de recomendação A, Votação A 81%, B 19%, C 0%, D 0%, E 0%.

8- Quando há falha na canulação através da papila pelo métodos convencionais ou se a papila não é acessível, o acesso biliar ecoguiado é uma método viável para drenagem das vias biliares obstruídas. Nível de evidência I-A, Grau de recomendação A, Votação A 81%, B 19%, C 0%, D 0%, E 0%.

9- Onde ambos os acessos biliares guiados por ecoendoscopia são possíveis, a abordagem transduodenal, quando apropriada, parece ser mais segura que o acesso transgástrico. Nível de evidência II-B, Grau de recomendação B, Votação A 81%, B 19%, C 0%, D 0%, E 0%.

10- A drenagem biliar ecoguiada ( “EUS-BD” ) pode ser realizada com altas taxas de sucesso e aceitáveis taxas de eventos adversos em mãos experientes. Nível de evidência I-A, Grau de recomendação A, Votação A 77%, B 23%, C 0%, D 0%, E 0%.

11- O acesso trans-hepático percutâneo é um método viável de intervenção biliar quando os métodos endoscópicos falham ou não são apropriados. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 81%, B 13%, C 6%, D 0%, E 0%.

12- O acesso trans-hepático percutâneo e o acesso biliar ecoguiado ( “EUS-BD” ) parecem ser comparáveis em termos de eficácia e podem ser apropriados em paciente com anatomia cirurgicamente alterada. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 56%, B 31%, C 13%, D 0%, E 0%.

13- Na presença de estenose duodenal significativa, a dilatação endoscópica com balão e ou prótese enteral seguida de canulação biliar convencional pode ser considerada. As técnicas de acesso biliar ecoguiada ( “EUS-BD” ) ou trans-hepático percutâneo são abordagens alternativas de primeira linha. Nível de evidência III, Grau de recomendação C, Votação A 75%, B 19%, C 6%, D 0%, E 0%.

Comentários É importante enfatizar que frente a um caso de via biliar difícil em que o endoscopista não tenha segurança e recursos para avançar, é melhor parar o procedimento e encaminhar o paciente para centros de referência. O desenvolvimento da ecoendoscopia e da enteroscopia com auxílio de acessórios e dispositivos específicos permitiram um avanço no tratamento das enfermidades biliopancreáticas de acesso biliar difícil, através das várias técnicas de drenagens biliares ecoguiadas e do uso da enteroscopia e de seus dispositivos no acesso e tratamento das vias biliares de pacientes com anatomia cirurgicamente alterada. Diante destes avanços, faltava uma metodologia e clareza sobre os melhores passos seguintes em caso de falha. Este consenso esclarece e orienta cada passo no acesso biliar difícil de acordo com as melhores evidências disponíveis. Estas recomendações auxiliam o endoscopista biliopancreático, mas considero que estes procedimentos avançados devam ser realizados em centros de endoscopia biliopancreático de referência e nas mãos de endocopistas habilitados e experientes, devido aos altos riscos de complicações.

Referência: Wei-Chih Liao, et al. International consensus recommendations for difficult biliary access. Gastrointestinal  Endoscopy volume 85, No.2 : 2017. DOI : 10.1016/j.gie.2016.09.037




Hiperinsuflação espontânea de balão intragástrico

 

Paciente 35 anos, IMC 32,  submetida a colocação de balão intragástrico há 6 semanas.

Procedimento de implante: SF 500 ml + 20 ml de azul de metileno.

Apresentou boa evolução após o procedimento, com progressão habitual da dieta e perda de 8 kg no período.

Há 1 semana iniciou quadro de dor em região lombar, sem relação com a posição ou movimentação, associada a náuseas, empachamento, desconforto abdominal e alguns episódios de vômitos.

Ao EF chamava atenção uma região endurecida à palpação de epigástrio/ HCE (Balão?).

 

Exames laboratoriais:

  • Amilase: 356; Lipase:1330
  • Na 142; K 3,7
  • Hb 13,7; Leuco 10.500
  • U 38; Cr 0,9

 

Solicitado RX de abdômen:

 

Realizada endoscopia digestiva alta com anestesia geral:

a) Balão impactado no corpo distal, rechaçando a incisura angularis; b) balão colonizado por fungos, dificultando a visualização do nível hidroaéreo em seu interior; c) balão mobilizado novamente para corpo proximal/fundo; d) idem b).

Presença de resíduos alimentares em pequena quantidade. BIG apresentava colonização fúngica em sua superfície, dificultando a visualização do nível hidroaéreo. Chamou atenção o volume relativamente normal do BIG. Esperava encontrar o balão bem volumoso, dificultando inclusive a passagem do aparelho para o antro, mas isso não aconteceu. A incisura estava achatada, comprimindo o antro, devido impactação no corpo distal. Era possível sua mobilização para o fundo, porém em poucos segundos ele retornava para sua posição habitual.

Realizada retirada do BIG sem intercorrências.

 

Evolução

Paciente permaneceu internada e repetiu exames laboratoriais no dia seguinte, apresentando normalização das enzimas pancreáticas. Bilirrubinas e enzimas hepáticas sem anormalidades. USG de abdomen apresentou microcálculos em vesícula biliar, sem dilatação do colédoco.

Apresentou melhora da dor, aceitando bem dieta leve e recebeu alta hospitalar.

 

Fisiopatologia

O mecanismo de hiperinsuflação espontânea do balão intragástrico ainda é desconhecido. Os dados na literatura são escassos e não permitem uma conclusão. Uma hipótese é que exista alguma relação com infecção por fungos ou bactérias anaeróbias. No entanto, não há uma explicação plausível para essa colonização:

  • durante o procedimento de inserção do BIG (por contaminação do líquido)?
  • defeito da válvula?
  • porosidade do material?
  • alguma condição intrínseca ao paciente?

 

A hiperamilasemia transitória provavelmente ocorre devido compressão do balão no corpo do pâncreas, especialmente no ponto em que este cruza com a coluna dorsal.

E você? Já teve algum caso semelhante? Como foi a evolução?

 




QUIZ! – Lesão plano-elevada em cólon

 

Paciente masculino, 30 anos, tem diagnóstico de doença de Crohn desde 25 anos, em controle clínico há 3 anos. Evoluiu com melena maciça há 1 mês, sendo submetido à endoscopia digestiva alta, que não apresentou alterações. Em seguida, foi realizada colonoscopia, onde foram identificados os seguintes achados no cólon sigmoide:

 

 

 




CPRE: usar fio-guia curto ou longo?

 

Artigo publicado na Am J Gastroenterology em dezembro 2016 por Buxbaum J e col

Na maioria dos casos, a canulação do ducto biliar é a parte mais desafiadora da CPRE. A dificuldade na canulação está associada à pancreatite pós-CPRE.

Os fios-guias longos clássicos, que atravessam todo o comprimento do duodenoscópio e dos acessórios, são controlados pelo assistente para auxilar a canulação. Recentemente, sistemas com fios-guias curtos foram desenvolvidos, em que todo o fio-guia, exceto sua parte mais distal (5-50 cm distais), pode ser “descascado” do papilótomo, permitindo que o endoscopista controle diretamente o fio-guia durante a canulação.

Uma pesquisa recente nos EUA revelou que 43% dos endoscopistas preferem o sistema de fio-guia curto que é controlado pelo próprio endoscopista, em comparação com 33% que preferiam o sistema de fio-guia longo controlado pelo assistente.

Uma abordagem adicional freqüentemente usada para facilitar a canulação é o uso de papilótomo com tamanho menor. Teoricamente, os papilótomos de pequeno diâmetro podem permitir o acesso a vias biliares mais diminutas.

Fio-guia controlado pelo endoscopista

Objetivos:

O objetivo do estudo foi avaliar a segurança e a eficácia da canulação controlada pelo endoscopista versus canulação controlada pelo assistente, e avaliar também a eficácia e segurança da canulação com uso papilótomos de menor diâmetro versus papilótomos de diâmetro padrão.

Métodos:

Ensaio-clínico randomizado e controlado realizado na Los Angeles County + University of Southern California Medical Center.

Os pacientes foram randomizados usando um design fatorial 2 × 2 para a canulação com fio-guia controlado pelo endoscopista e controlado  pelo assistente numa proporção 1:1,  e uso do papilótomo de menor diâmetro (ponta de 3,9 Fr) versus papilótomo padrão (ponta de 4,4 Fr) numa proporção também de 1:1.

A canulação guiada por fio-guia foi utilizada em todos os casos. Injeção de contraste foi usada apenas como uma manobra de salvamento se o avanço do fio não fosse possível.

O fio-guia de 450 cm com ponta reta foi utilizado (Jagtome Rx Biliary System; Boston Scientific; Natick, MA, EUA). Fio-guia de 0,025 polegadas foi utilizado naqueles randomizados para o papilótomo de 3,9Fr, e fio-guia de 0,035 polegadas naqueles randomizados para o papilótomo de 4.3Fr.

Foram incluídos pacientes submetidos a primeira CPRE com indicação de canulação biliar padrão, incluindo coledocolitíase, fístula e obstrução biliar.

Análise estatística:

A hipótese inicial era que haveria uma diferença de 10% na taxa de canulação bem-sucedida (85-95%). Um tamanho de amostra com 498 pacientes foi calculado para demonstrar uma diferença significativa entre os grupos. Como este foi o primeiro ensaio-clínico controlado e randomizado sobre esse tema, foi planejada uma análise intermediária quando 200 pacientes estivem incluídos no estudo.

Resultados:

O estudo foi interrompido após a análise intermediária, com 216 pacientes randomizados, devido a uma taxa significativamente menor de eventos adversos no grupo canulação controlada pelo endoscopista comparada com o grupo canulação controlada pelo assistente: 3/109 (2,8%) vs. 12/107 (11,2 %), p = 0,016; principalmente devido a uma menor taxa de pancreatite pós-CPRE: 3/109 (2,8%) vs. 10/107 (9,3%), p = 0,049 (Figura abaixo).

Houve uma tendência (estatisticamente não significativa: p = 0.106) de menor taxa de complicações, em especial pancreatite pós-CPRE, com o uso do papilótomo de menor diâmetro quando comparado com o uso do papilótomo padrão.

A diferença na taxa da canulação biliar bem-sucedida entre os grupos canulação controlada pelo endoscopista versus controlada pelo assistente foi não significativa:  -0,5% (IC 95%: 12,0 a 11,1%); sendo também não significativa na comparação com papilótomo de menor diâmetro versus diâmetro padrão: -0,9% (IC 95%: 12,5 a 10,6%).

Comentários:

Inicialmente, a canulação biliar era obtida com uso das cânulas de CPRE seguida de injeção de contraste. Um grande impacto na abordagem da canulação foi o advento dos papilótomos no lugar das cânulas, com base em ensaios clínicos que demonstram uma eficácia superior com os papilótomos. O fio-guia na ponta distal do papilótomo permite uma flexibilização variável na direção do ducto biliar, com melhora no acesso biliar. Mais recentemente, a passagem por fio-guia em detrimento a injeção de contraste foi adotada para confirmar o acesso biliar e melhorar a segurança do procedimento. A abordagem guiada pelo fio reduziu consistentemente as taxas de pancreatite pós-CPRE em 8-15% em comparação com a injeção de contraste.

Embora seja amplamente aceito que a injeção de contraste no ducto pancreático é o principal fator responsável da pancreatite pós-CPRE, estudos recentes revelaram que a passagem do fio-guia no ducto pancreático é também um fator causal importante.

Uma das conseqüências potencialmente mais graves da passagem do fio no ducto pancreático é a perfuração traumática do ducto, que é especialmente propensa a acontecer com a passagem às cegas do fio-guia em pacientes com ductos tortuosos. Tal perfuração pode levar a fístulas e pancreatite grave.

Se a passagem do fio-guia para o ducto biliar é o objetivo, e evitar a passagem do fio-guia no ducto pancreático é um componente importante para a segurança do procedimento, isso implica em uma pergunta, quem seria o melhor para controlar o fio-guia: o endoscopista ou o assistente?

Esse estudo publicado em dezembro de 2016 na American Journal of Gastroenterology por Buxbaum e colaboradores demonstrou que a canulação controlada pelo endoscopista reduziu a taxa de eventos adversos, em especial de pancreatite pós-CPRE.

Os resultados desse estudo parecem intuitivos, pois é um fato estabelecido que o trauma mecânico repetitivo da papila, e do ducto pancreático em particular, está associado à pancreatite pós-CPRE. Com o endoscopista controlando o fio-guia, a quantidade de força usada para avançar o fio-guia pode ser substancialmente reduzida, pois há um uso mais apropriado da força, direção e profundidade na manipulação do fio-guia na abordagem controlada por endoscopista.

Dados também já disponíveis na literatura sugerem tempo de uso da fluoroscopia e tempo de procedimento mais curtos com o uso do fio-guia controlado pelo endoscopista (Fazel A, et al. Gastrointest Endosc. 2006).

Artigo deste post:

Buxbaum J, Leonor P, Tung J, Lane C, Sahakian A, Laine L. Randomized Trial of Endoscopist-Controlled vs. Assistant-Controlled Wire-Guided Cannulation of the Bile Duct. Am J Gastroenterol. 2016 Dec;111(12):1841-1847.




QUIZ! Qual o diagnóstico e conduta?

 

Paciente de 73 anos, diabético insulino-dependente, com queixa de náuseas, vômitos, dor e distensão abdominal há cerca de 3 dias com parada de eliminação de fezes e flatos há 24h, período no qual teve importante piora do quadro álgico. Ao exame evidencia-se desidratado, FC=130bpm, PA=90x50mmHg, com distensão abdominal difusa e dor à palpação, porém sem sinais de irritação peritoneal. Exames laboratoriais evidenciam anemia (Hb 10,6 g/dl) e  leucocitose (16.300/mm3, sem desvio à esquerda). RX abdomen a seguir:

 




CPRE em pacientes submetidos a Bypass Gástrico

 
É sabido que a obesidade é um grave problema de saúde pública e que a cirurgia bariátrica constitui arma poderosa no arsenal terapêutico contra essa enfermidade. Sabe-se, também, que a rápida perda de peso relacionada ao BYPASS GÁSTRICO EM Y DE ROUX (BGYR) é fator de risco para colelitíase e suas complicações como coledocolitíase e pancreatite biliar. Sendo assim, a colecistectomia e a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) são frequentemente indicadas neste grupo de pacientes.
Entretanto, o acesso à via biliar após BGYR constitui um desafio para o endoscopista, visto que este acesso somente é obtido via enteroscopia ou via estômago excluso, através de confecção de gastrotomia para introdução do duodenoscópio.
 

Técnicas endoscópicas para acesso à papila:

1. CPRE via enteroscopia:  a CPRE por enteroscopia é  bem descrita mas parece estar associada a resultados modestos. Entre as limitações, pode-se citar a dificuldade de canulação pela visão tangencial da papila, instabilidade do aparelho, ausência de elevador, dificuldade de utilização dos acessórios devido ao pequeno diâmetro do canal de trabalho e o trajeto tortuoso que o aparelho pode fazer.
Kuga et al publicaram em 2008 uma série de 6 casos de pacientes com anatomia em Y de Roux e submetidos a CPRE em que foi obtido um índice de sucesso em 83,3%1.
A dificuldade de disponibilidade de materiais é o grande limitante desta opção. Uma alternativa publicada pelo grupo do ICESP 5 consiste no uso da enteroscopia para acessar a papila; retirada do enteroscópio; secção do overtube (tomando-se cuidade de clampear o canal de ar com um Kelly) e inserção de um gastroscópio, cujo canal de trabalho comporta a maioria dos acessórios de CPRE.
2. CPRE- transgástrica (CPRE-TG): realizada introduzindo-se o duodenoscópio através de uma gastrotomia no estômago excluso, tem se mostrado uma alternativa viável e, aparentemente, com bons índices de sucesso. Existem duas possibilidades técnicas para acesso ao estômago excluso (ambas com auxílio da laparoscopia):

  1. Realização de gastrotomia na parede anterior do estômago excluso e colocação de um trocater de 15 a 18 mm no quadrante superior esquerdo, por onde passará o duodenoscópio. Geralmente o trocater permanece no estômago em direção a grande curvatura o que permite direcionar o aparelho para o piloro. A conversão para cirurgia aberta raramente é realizada ;
  2. Maturação temporária de um gastrostoma na pele, com acesso direto do duodenoscópio (sem auxílo de trocarter);

.

Veja no vídeo a seguir um exemplo de CPRE-TG para tratamento de coledocolitíase:

Revisão da literatura

Uma revisão sistemática publicada em 2017 analisou 26 estudos, que compilaram 509 CPRE-TG, publicados entre 2007 e 2016 2;

  • 6 estudos foram prospectivos e 20 foram retrospectivos. Não houve estudo controlado e randomizado.
  • Taxa de sucesso em CPRE-TG foi maior que 95%, o que é comparado com CPRE em anatomia padrão e superior aos 60-70% alcançados com CPRE via enteroscopia.
  • Taxa de complicações de 14%, a maioria considerada leve e tratada de forma conservadora, como infecção e sangramento do sítio da gastrotomia, porém houve complicações mais graves relacionadas à própria técnica como pneumotórax hipertensivo, perfurações que necessitaram de tratamento cirúrgico e hérnias incisionais. Com relação a CPRE propriamente, a principal complicação é pancreatite pós-CPRE, seguida de perfuração e sangramento.

 
Um estudo retrospectivo, com 85 CPRE-TG realizadas entre 2004 e 2014, observou uma taxa de complicação de 19%, sendo 88% relacionados à via de acesso e não à CPRE propriamente, a maioria leve. Não houve mortes ou pancreatite grave. Intervenções adicionais, incluindo reparo por laceração na parede posterior do estômago e transfusão sanguínea ocorreram em 4,7% dos casos. Outras complicações que necessitaram de abordagem cirúrgica foram perfuração duodenal e drenagem de abscesso de parede abdominal3.
No Brasil, Falcão et al publicaram estudo com 20 pacientes submetidos a CPRE transgástrica laparoscópica , com sucesso na papilotomia em todos os casos, sem intercorrências maiores4.

CPRE por enteroscopia: A) identificação da papila duodenal maior (seta); B) radioscopia; C) dilatação abalonada da papila; D) retirada do cálculo


CPRE-TG assistida por trocarter

Conclusão

Portanto, a CPRE-TG parece ser um método seguro e altamente efetivo na abordagem dos pacientes com BGYR, sendo imprescindível uma ótima interação entre as equipes cirúrgica e endoscópica.
A CPRE via enteroscopia, embora com resultados mais modestos, pode ser favorecida quando uma intervenção de urgência é indicada (em alças não tão longas).
 

Referências:
  1. Kuga R., Furuya Jr. C.K., Hondo F.Y., Ide E., Ishioka S., Sakai P. ERCP Using Double-Balloon Enteroscopy in Patients with Roux-en-Y Anatomy. Dig Dis 2008; 26(4): 330-5.
  2. Banerjee N., Parepally M., Byrne T.K., PullatT R.C., Coté G.A., Elmunzer B.J. Systematic review of transgastric ERCP in Roux-en-Y Bypass Transgastric patients. Surg Oes Relat Dis 2017; 13(7): 1236-1242.
  3. Grimes K.L, Maciel V.H, Mata W., Arevalo G., Singh K., Arregui M.E. Complications of Laparoscopic Transgastric ERCP in patients with Roux-en-Y Gastric Bypass. Surg Endosc 2015; 29 (7): 1743-9.
  4. Falcao M., Campos J.M., Galvao-Neto M., Ramos A., Secchi T., Alves E., Franca E., Maluf-Filho, Ferraz A. Transgastric Endoscopic Retrograde Cholangiopancreatography for the Management of Biliary Tract Disease after Roux-en-Y Gastric Bypass Treatment of Obesity. Obes Surg 2012; 22 (6): 872-876.
  5. Franco MC, Safatle-Ribeiro AV, Gusmon CC, Ribeiro MS, Maluf-Filho F. ERCP with balloon-overtube-assisted enteroscopy in postsurgical anatomy. Gastrointest Endosc. 2016 Feb;83(2):462-3.



Técnica modificada para realização da gastro-jejunostomia endoscópica percutânea

Modified technique for percutaneous endoscopic gastrojejunostomy placement

Rev. Col. Bras. Cir. 2017; 44(4): 413-415

 

INTRODUÇÃO

A realização da gastrostomia endoscópica percutânea (PEG) proporciona nutrição enteral segura e a longo prazo em pacientes com disfagia ou ingestão oral insuficiente(1).

No entanto, as complicações relacionadas à nutrição gástrica, como pneumonia por aspiração e vazamento periostomal grave, podem impedir o uso da PEG. A nutrição jejunal pode superar essas complicações com o fornecimento de dieta após o piloro(2) .

A alimentação jejunal é comumente obtida colocando-se uma extensão jejunal através de um tubo de PEG existente. Este procedimento é referido como gastrojejunostomia endoscópica percutânea (PEG-J). A PEG-J tem algumas indicações frequentes como (3):

  • gastroparesia grave
  • obstrução pilórica
  • pacientes com gastrostomia, mas com refluxo gastroesofágico grave, e aspirações pulmonares de repetição

 

Diversas técnicas para realização da PEG-J já foram relatadas na literatura, com significativas variações técnicas entre elas e diferentes impactos na taxa de sucesso do procedimento. Neste artigo sugerimos modificações à técnica inicialmente descrita por Sibille et al. 4 , para minimizar o risco de uma de suas principais complicações: a migração da extensão jejunal de volta para o estômago.

 

RELATO TÉCNICO

A técnica modificada que estamos sugerindo deve ser realizada por um endoscopista juntamente com outro médico ou um auxiliar. Após a realização da gastrostomia endoscópica percutânea (PEG) como descrito por Gauderer, Ponsky e Izant com uma sonda de 24 Fr, o gastroscópio deve ser reintroduzido no estômago e posicionado logo abaixo da junção gastroesofágica (Figura 1). O estômago deve ser mantido insuflado enquanto o auxiliar avança o anteparo interno da sonda de gastrostomia em direção ao piloro. Eventualmente pode ser necessário usar a ponta do endoscópio para guiar a direção correta do anteparo e, se esta manobra falhar, um pinça de corpo estranho pode ser usada para carregar o anteparo interno da sonda em direção ao piloro, conforme descrito por Sibille et al. 4. Uma vez que o anteparo interno estiver posicionado na região pré-pilórica, a sonda de gastrostomia deve ter seu lúmen bem lubrificado com gel. Em seguida, o auxiliar avança suavemente a extensão jejunal através do lúmen da sonda de gastrostomia para passar o piloro em direção ao intestino delgado (a extensão jejunal atravessará diretamente o piloro sem o uso de um fio-guia). Neste ponto, o auxiliar puxa ligeiramente de volta a sonda de gastrostomia apenas para permitir que o endoscopista possa apreender a extensão jejunal com uma pinça de corpo estranho. Esta manobra irá assegurar a posição da extensão jejunal até o final do procedimento. Sob controle da visão endoscópica, o auxiliar novamente puxa a sonda de gastrostomia de volta em direção à parede gástrica até sentir resistência, o que indica que o anteparo interno está em contato novamente com a parede gástrica. Finalmente, a extremidade proximal da extensão jejunal deve ser conectada à sonda de gastrostomia e tanto a pinça como o gastroscópio são então removidos.

DISCUSSÃO

Os pacientes em condições críticas e geriátricos frequentemente necessitam de nutrição enteral, que é preferível à parenteral. No entanto, o esvaziamento gástrico é comumente prejudicado por gastroparesia, particularmente em pacientes com diabetes ou com comorbidades graves(4,6). Para permitir um fluxo adequado da dieta enteral para o intestino delgado e diminuir a regurgitação ou aspiração, a dieta deve ser fornecida após o ângulo de Treitz. Assim, a PEG-J ainda é a melhor opção para esses pacientes. Além disso, a PEG-J possibilita a sucção gástrica para reduzir a regurgitação.

O procedimento de colocação de uma PEG-J, entretanto, é muitas vezes um desafio técnico. Neste artigo demonstramos uma técnica modificada para a colocação da PEG-J com objetivo de evitar a principal dificuldade do procedimento: formação de alça na extensão jejunal dentro do estômago.

Fluoroscopia e fio-guia não são necessários com o uso desta técnica. Na verdade, o fio-guia em si não impede a possibilidade de formação de alça enquanto se avança a extensão jejunal. E a visão endoscópica após o posicionamento da extensão jejunal no intestino delgado torna a fluoroscopia desnecessária.

Além disso, não foi adotada a técnica de passagem inicial de um fio-guia, conforme descrito por DeLegge et al. (7), pois em alguns casos esta abordagem tornou a extensão jejunal mais rígida, e impediu a passagem da extensão do bulbo para o segunda porção duodenal.

CONCLUSÕES

O passo chave na nossa técnica modificada é o posicionamento da sonda de gastrostomia junto ao piloro enquanto a extensão jejunal é avançada através do duodeno. Esta simples manobra, realizada sob controle visual, evitou a formação de alça dentro do estômago na extensão jejunal, que muitas vezes pode complicar o procedimento e torná-lo mais demorado.

Após a realização de diversos casos, tive dificuldade em posicionar alguns anteparos na região pré-pilórica devido à desvios do piloro, fato que por vezes impediu o sucesso do procedimento. Portanto, comecei “intubar” o piloro com anteparo interno posicioná-lo no bulbo duodenal (sempre com auxílio de uma pinça; de corpo estranho se possível). Veja foto abaixo. Com essa manobra observei que a taxa de sucesso aumentou consideravelmente.

E você ? Também já sofreu para passar uma sonda dessas ? Relate sua experiência para nós. Assim todos poderemos aprender juntos !

REFERÊNCIAS

1. Toh Yoon EW, Yoneda K, Nakamura S, Nishihara K. Percutaneous endoscopic transgastric jejunostomy (PEG- -J): a retrospective analysis on its utility in maintaining enteral nutrition after unsuccessful gastric feeding. BMJ open Gastroenterol. 2016;3(1):e000098. Erratum in: BMJ Open Gastroenterol. 2016;3(1):e000098corr1.

2. Zhang Z, Xu X, Ding J, Ni H. Comparison of postpyloric tube feeding and gastric tube feeding in intensive care unit patients: a meta-analysis. Nutr Clin Pract. 2013;28(3):371-80.

3. DiSario JA. Endoscopic approaches to enteral nutritional support. Best Pract Res Clin Gastroenterol. 2006;20(3):605-30.

4. Sibille A, Glorieux D, Fauville JP, Warzée P. An easier method for percutaneous endoscopic gastrojejunostomy tube placement. Gastrointest Endosc. 1998;48(5):514-7.

5. Gauderer MW, Ponsky JL, Izant RJ Jr. Gastrostomy without laparotomy: a percutaneous endoscopic technique. J Pediatr Surg. 1980;15(6):872-5. 6. Heyland D, Cook DJ, Winder B, Brylowski L, Van deMark H, Guyatt G. Enteral nutrition in the critically ill patient: a prospective survey. Crit Care Med. 1995;23(6):1055-60. 7. DeLegge MH, Patrick P, Gibbs R. Percutaneous endoscopic gastrojejunostomy with a tapered tip, nonweighted jejunal feeding tube: improved placement success. Am J Gastroenterol. 1996;91(6):1130-4

 




QUIZ ! Lesão pancreática, você acerta o diagnóstico ?

Paciente sexo feminino, 47 anos, com antecedente de hemangioblastoma de retina e tumores de células renais. Faz exames de rotina, com achado de lesão pancreática.

Complementou-se a avaliação com ressonância magnética de abdomen e ecoendoscopia, com os seguintes achados :

Ecoendoscopia

Ressonancia magnética de abdomen.

 

 




Balão intragástrico : O volume utilizado influencia os resultados ou sintomas ?

 

O balão intragástrico, hoje é um importante método no auxílio terapêutico para tratamento da obesidade, como terapia primária associada a modificações de estilo de vida, ou como preparatório para procedimentos de maior porte, como os cirúrgicos.

Dentre os vários fatores que podem influenciar  no resultado obtido com o balão intragástrico, um dos mais empíricos, sempre foi o volume de líquido a ser utilizado para insuflar o balão. Em geral, o volume utilizado varia entre 400ml (balão com diâmetro de 9,2cm ) a 700ml (11 cm de diâmetro).

Tamanho aparente do estômago, tipo físico do paciente (brevilíneo ou longilíneo), alto ou baixo, ou seja, vários fatores pareciam influir na escolha do volume a ser utilizado, e em última análise, valia a experiência do endoscopista. Aparentemente, o volume utilizado também seria um dos responsáveis pelos efeitos colaterais, e melhores resultados (maior volume, maior saciedade).

Assim, visando entender se há relação entre o volume do balão e os resultados obtidos, tolerabilidade e eventos adversos, foi conduzida esta metaanálise1.

  • Metodologia:

Foram selecionados estudos em que havia a citação do volume utilizado no balão (para este estudo incluídos apenas estudos com balão Orbera-Apollo Endosurgery – BIB), com resultados de perda de peso em seis meses (total de excesso de peso perdido – TBWL).  Foram incluídos 55 estudos, com as seguintes distribuições dos pacientes (resultados/eventos adversos x volume do balão) :

44 estudos:

%TBWL -5549 pacientes

· 4 (IMC 30-40)

· 31 (IMC 40-50)

·   9 (IMC > 50)

 

42 estudos :

Taxas de retirada precoce – 5326 pacientes

10 estudos :

Refluxo gastroesofágico – 681 pacientes

 

 

 

8 estudos :

Esofagite – 1434 pacientes

 

 

 

 

8 estudos :

Taxas de migração – 1845 pacientes

 

 

 

10 estudos:

Úlcera – 455 pacientes

 

 

 

 

 

  • Resultados:

O TBWL no estudos em seis meses foi  de 13,2% (12,2-14,0). Não há associação entre o volume do balão e os resultados de TBWL (exceto para estratificação por IMC (de 40 a 50), onde aparentemente há ganho de 0,5 % de TBWL para cada 100ml do balão (p=0,03).  Não há relação entre o volume do balão e sintomas de DRGE (p=0,64), taxa de retirada precoce (p=0,1) ou úlceras (p=0,09). Entretando, maiores volumes foram associados a menores taxas de migração (p<0,001), sendo a taxa de migração de 2,26% quando o volume era menor que 600ml e 0,5% se maior (p=0.004). Maiores volumes também foram associados a maior incidência de esofagite, sendo de 9,4% se o volume menor que 600ml e 2,4% se maior.

  • Conclusões

Concluem que não há relação do volume do balão e eficácia do balão em perda de peso, e na tolarabilidade. Um maior volume entretanto pode reduzir alguns eventos adversos, como esofagite e migração do balão. Assim, também concluem que um volume de 600 ml e um volume adequado pelo estudo.

 

Qual sua experiência com balão intragástrico ? Já teve intercorrências ? Participe das discussões no campo de comentários e em nosso mural !

Bibliografia :




Quiz! Diarreia e úlceras no cólon

Paciente de 64 anos com quadro de perda de peso, dor abdominal, febre não aferida e diarreia com muco e sangue ha 3 meses.

Realizou colonoscopia que demonstrou várias ulcerações no cólon e íleo terminal, que foram biopsiadas.