Endoscopia Terapêutica – Vencedor do Prêmio Boston Scientific de Endoscopia

O site Endoscopia Terapêutica foi o grande ganhador do primeiro prêmio Boston Scientific da Endoscopia Brasileira na categoria “tecnologias em prol do paciente”.

São quase 5 anos de bastante trabalho, buscando trazer conteúdo científico sério, confiável e de fácil entendimento a todos.

Acreditamos que a troca de experiências seja a melhor forma de aprendizado e crescimento individual. Desta forma, o ensinamento e aprendizado através desta plataforma online, de livre acesso, dedicada aos especialistas em endoscopia, com possibilidade de comentários e discussões, torna possível a democratização do conhecimento, além de propiciar uma ferramenta de consulta online de fácil acesso a todos.

Agradecemos o apoio, as críticas, e o feedback que recebemos de todos os colegas nesta jornada. Nesse post, gostaríamos de compartilhar um pouco do histórico e dos bastidores do site.

 

Histórico

São quase 5 anos de bastante trabalho, mas também de muitas alegrias. Começamos com uma equipe pequena e com o passar do tempo fomos agregando pessoas fantásticas e comprometidas que construíram o conteúdo que o site tem hoje.

Podemos dizer que é uma das maiores, se não a maior, base de dados online em endoscopia digestiva escrita em língua portuguesa.

Além da nossa equipe, contamos também com participação de endoscopistas nacionais e internacionais que nos enviam casos e resumos para serem compartilhados, dividindo seus conhecimentos e experiências!

 

Agradecimento aos diversos colegas autores de posts do endoscopia terapêutica

 

Números

Hoje o site tem acessos frequentes de todos os estados do país, de quase todos os países da América Latina e também de Portugal, América do Norte, Europa e países africanos que falam português.  São mais de 30.000 acessos todos os meses!  Além dos números, temos um retorno bastante positivo de colegas, seja pessoalmente ou através de  e-mail ou mensagens. É isso que nos mantém motivados a continuar esse trabalho.

 

Tráfego no site no ano de 2019

 

Sessões por dispositivos. Maioria dos usuários utiliza smartphones

 

 

A Premiação

Para coroar esse ano tivemos uma grande surpresa! O site recebeu o primeiro prêmio Boston Scientific da Endoscopia Brasileira na categoria “Uso de novas tecnologias em prol do paciente”.

Devido ao seu grande acervo de informação e facilidade de navegação o site se tornou uma fonte de referência para sanar as pequenas dúvidas que os médicos têm durante a sua atividade.

Isso facilita a vida dos profissionais de saúde que tem  informações de  fácil acesso  no celular ao alcance da mão e impacta diretamente nos pacientes que recebem um tratamento correto e atualizado.

Da esquerda para a direita:  Equipe Endoscopia Terapêutica com Renzo Ruiz, Bruno Medrado, Ivan Orso, Bruno Martins, Felipe Salles, Matheus Franco, Daniela Milhomen, Livia Arraes, Maria Sylvia e Gerson Brasil ao lado do presidente da SOBED Jairo Silva Alves e do time da Boston Scientific.

 

Agradecemos à todos os profissionais que acessam, comentam, contribuem e acompanham o site.  Sem o apoio e reconhecimento de vocês não teríamos chegado até aqui.

 

Um grande abraço,

Equipe Endoscopia Terapêutica

 

Felipe Salles – Diretor geral,   Bruno Martins – Editor chefe,   Ivan Orso – co-editor chefe.

 




Mucocele de Apêndice – Qual o papel da Colonoscopia?!

CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

O termo Mucocele do Apêndice refere-se à obstrução e dilatação do lúmen apendicular devido ao acúmulo de substância mucoide.

Apesar de frequentemente utilizado, esse termo é ambíguo, sendo mais apropriado para descrever uma aparência de imagem ao invés de uma entidade patológica, uma vez que a natureza e o comportamento clínico das lesões mucinosas apendiculares englobam desde processos neoplásicos a não neoplásicos, sejam benignos ou malignos.

Embora a literatura mais antiga sobre o tema falhe na distinção entre lesões benignas e neoplásicas, a classificação das lesões mucinosas apendiculares sofreu um refinamento significativo ao longo dos anos. Em 2012, o Grupo Internacional de Oncologia de Superfície Peritoneal (PSOGI) desenvolveu uma classificação de consenso que ajudou a resolver grande parte da confusão em torno da terminologia diagnóstica:

 

  • Lesões mucinosas NÃO NEOPLÁSICAS do apêndice
    • Mucoceles simples ou cistos de retenção– caracterizados por alterações epiteliais degenerativas devido à obstrução (por exemplo, fecalito) e distensão, sem qualquer evidência de hiperplasia da mucosa ou neoplasia. Também são chamadas de mucoceles inflamatórias ou obstrutivas

 

  • Lesões mucinosas NEOPLÁSICAS do apêndice
    • Pólipos serrilhados do apêndice (5-25%) – Podem se apresentar com ou sem displasia. Apesar de lembrarem as lesões serrilhadas do cólon, possuem características moleculares diferentes
    • Neoplasias mucinosas do apêndice (63 a 84%)– são tumores mucinosos displásicos que podem ser classificadas como de baixo grau (LAMN) ou de alto grau (HAMN)
    • Adenocarcinomas mucinosos do apêndice (11 a 20%)– diferentemente das neoplasias mucinosas, apresentam um caráter francamente infiltrativo. Eles podem ser classificados como adenocarcinomas mucinosos moderadamente diferenciados ou pouco diferenciados (presença de células em anel de sinete)

 

MANIFESTAÇÃO CLÍNICA

A mucocele do apêndice é um achado incomum, com incidência relatada de 0,2% a 0,3% das amostras de apendicectomia.

Os pacientes geralmente são assintomáticos (50% dos casos) ou apresentam sintomas inespecíficos.

O sintoma mais frequente é dor abdominal no quadrante inferior direito. Uma massa abdominal é ocasionalmente palpável. Com menos frequência, os pacientes podem apresentar dor tipo cólica intermitente associada à intussuscepção da mucocele; obstrução intestinal por efeito de massa; sangramento gastrointestinal; sintomas genitourinários devido à obstrução do ureter direito ou bexiga;  abdome agudo por ruptura da mucocele ou sepse.

 

DIAGNÓSTICO ENDOSCÓPICO

Uma proporção significativa de todas as mucoceles é descoberta incidentalmente em imagens abdominais (TC, RNM, USG) e colonoscopias para investigação de dor abdominal ou rastreamento de câncer colorretal, ou ainda  durante cirurgias abdominais não relacionadas.

A aparência endoscópica típica da mucocele é de uma lesão subepitelial revestida por mucosa íntegra e brilhante, projetando-se sobre o lúmen apendicular, com o óstio localizado no centro do abaulamento (“sinal do vulcão”), eventualmente entrando e saindo do ceco conforme a respiração, bem como com drenagem de exsudato inflamatório hialino.

Por se tratarem de lesões subepiteliais, onde a mucosa subjacente é normal, as biópsias endoscópicas não são diagnósticas e consequentemente não devem ser realizadas.

“Sinal do Vulcão” (Imagem: arquivo pessoal)

Drenagem de exsudato inflamatório hialino (Imagem: arquivo pessoal)

Ausência de anormalidades à cromoscopia virtual com NBI (Imagem: arquivo pessoal)

 

A Ecoendoscopia (miniprobes) também pode ser realizada para ajudar a excluir outras lesões subepieliais, como lipomas, tumores neuroendócrinos e linfangiomas. A ultrassonografia endoscópica pode confirmar a natureza cística da mucocele, que se apresenta anecóica ou hipoecóica. Além disso, a invasão estromal, sugestiva de adenocarcinoma mucinoso, também pode ser observada. Pelos desafios no diagnóstico citológico dessas lesões e em virtude do risco da disseminação peritoneal, não se recomenda punção das mesmas.

Nos pacientes onde a mucocele foi detectada incidentalmente pela colonoscopia, com ou sem Ecoendoscopia, uma TC abdominal deve ser realizada para confirmar o diagnóstico e excluir outras etiologias. Por outro lado, quando detectada através de imagens abdominais (TC, RNM ou USG), a colonoscopia também pode ser usada para avaliar existência de outras lesões apendiculares, bem como para determinar se há envolvimento do ceco, o que seria compatível com a invasão local de um adenocarcinoma.

 

TRATAMENTO

Mucoceles do apêndice menores que 2 cm raramente são malignas, enquanto aquelas maiores que 6 cm são geralmente consideradas malignas e  com alto risco de ruptura (20%).

Embora seja uma doença rara, a aparência endoscópica da mucocele de apêndice é característica e permite um diagnóstico pré-operatório preciso. O reconhecimento da doença e a ressecção cirúrgica são obrigatórios devido ao potencial de transformação maligna, bem como para impedir a ruptura da mesma, o que promove o desenvolvimento do pseudomixoma peritoneal.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  1. Karakaya K et al. Appendiceal mucocele: Case reports and review of current literature. World J Gastroenterol 2008 April 14; 14(14): 2280-2283
  2. Zanati S et al. Colonoscopic diagnosis of mucocele of the appendix. GASTROINTESTINAL ENDOSCOPY Volume 62, No. 3 : 2005
  3. Cordero-Ruiz P et al. Appendiceal mucocele in a young patient – does size matter? Endoscopy 2011; 43: E243
  4. Ponsky J. An endoscopic view of mucocele of the appendix. GASTROINTESTINAL ENDOSCOPY Volume 23, No. 1 : 1976
  5. Nakagawa T. Colonoscopic diagnosis of mucocele of the appendix. GASTROINTESTINAL ENDOSCOPY Volume 39, No. 5 : 1993



QUIZ – Esofagite: Quando realizar biópsias?

Considerando os quadros de esofagite, em qual das situações abaixo não há indicação da realização de biópsias esofágicas ?




Dilatação da papila duodenal maior com balão para remoção de cálculos difíceis

Colelitíase está presente em cerca de 10-20 % da população americana, sendo que 10-15 % destes pacientes irão cursar com coledocolitíase (1).

Mais de 90% dos cálculos de colédoco são extraídos apenas com papilotomia e varredura. Porém 10 % das coledocolitíases são representadas por cálculos gigantes (> 15 mm), que geralmente necessitam de procedimentos adicionais à papilotomia para sua extração.

Vários trabalhos na literatura comprovam que a dilatação da papila com balão após papilotomia é uma técnica simples,  segura e eficaz no tratamento dos cálculos gigantes de colédoco, substituindo na maioria dos casos a tradicional litotripsia mecânica. Acrescenta-se que é uma técnica mais rápida, fato que diminui a quantidade de radiação a qual o paciente é exposto durante o procedimento(2,3).

Indicações:

Presença de cálculos de colédoco gigantes ou não, quando a papilotomia não foi suficiente para permitir a retirada do cálculo.

Contraindicação:

A principal contraindicação deste procedimento é a presença de desproporção acentuada entre o cálculo e o colédoco distal, seja pela presença de estenose ou não.

Técnica

A técnica consiste na realização da papilotomia seguido da passagem do balão dilatador transpapilar, mantendo-o 80% da sua extensão dentro do colédoco, e 20% na luz duodenal.

A escolha do diâmetro do balão depende do tamanho do cálculo e da via biliar distal:

  • Cálculo/ colédoco distal 12-14 mm: balão 12-15 mm
  • Cálculo/ colédoco distal 15-17 mm: balão 15-18 mm
  • Cálculo/ colédoco distal 18-20 mm: balão 18-20 mm

O balão é preenchido com contraste para avaliação da cintura radiológica e insuflado até o diâmetro desejado de acordo com a pressão indicada no balão. O desaparecimento da cintura indica a ruptura do esfíncter, sendo fundamental para permitir a passagem do cálculo.

O tempo de permanência do balão insuflado não está padronizado na literatura, podendo ficar entre 30 seg a 3 minutos. A intenção de não desinsuflar o balão precocemente é somente por fins hemostáticos, visto que após o rompimento da “cintura”, ou seja, das fibras musculares do esfíncter, não há necessidade de manter o balão insuflado; não é isso que fará a dilatação mais efetiva, ao contrário do que muitos colegas ainda acreditam !

Após a dilatação da papila retira-se o balão e realiza-se a varredura com balão extrator ou basket.

Importante ressaltar que a dilatação deve ser precedida pela papilotomia, pois diversos estudos mostram que apenas a dilatação, sem uma esfincterotomia prévia, aumenta muito o índice de pancreatite.

Comentário

Pessoal, apesar do post ser sobre dilatação balonada da papila maior, vou me permitir comentar uma situação que vejo ocorrer com frequência mesmo com colegas experientes. É sobre a impactação do basket (cesto de Dormia) na papila.

Eu NÃO uso basket, a não ser que tenha um litotriptor de emergência disponível durante o procedimento ou que o basket seja do tipo Trapezoid RX, o qual permite a destruição dos cálculos através do acoplamento a uma pistola de pressão.

Já vi diversos colegas em situações difíceis quando o basket fica preso na papila e não é possível nem empurrá-lo e nem tracioná-lo, fazendo com que na maioria das vezes a resolução do caso seja através de uma cirurgia (já vi colegas conseguirem passar um balão dilatador em paralelo ao basket impactado e resolver a situação, mas isso não é o habitual). Nesses casos, quando a cirurgia não pode ser realizada de imediato, o paciente por vezes recebe alta com um fio de aço exteriorizado por uma das narinas ou o protegem com um acessório de silicone e o mesmo permanece no estômago até que a cirurgia possa ser realizada. Em casos de cálculos grande o risco dessa complicação é ainda maior ! Minha conduta nessas situações é a passagem de uma prótese plástica e agendamento de uma segunda abordagem em 6 semanas. Diversas vezes me surpreendi com a grande diminuição do tamanho do cálculo causado pelo atrito com a prótese após esse período, o que tornou a extração muito mais fácil e segura.

Recentemente com a introdução em nossa prática diária do SpyGlass, o qual possibilita a fragmentação e remoção desses cálculos sem maiores problemas, não vejo o porquê correr o risco de uma impactação com o uso do basket. De qualquer forma, essas situações citadas anteriormente são exceções, e taxa de sucesso na remoção dos cálculos gigantes através de uma esfíncterotomia associada à dilatação atinge cifras de 95% com índice de complicações não superiores a pacientes que realizam apenas a esficterotomia (4).

Saiba mais conferindo esses artigos relacionados

Video: dilatacao-balonada-da-papila-duodenal

https://endoscopiaterapeutica.net/pt/litotripsia-intraductal-na-colangiopancreatografia-retrograda-endoscopica/

Referências

  1. Everhart JE, Khare M, Hill M, Maurer KR. Prevalence and ethnic differences in gallbladder disease in the United States. 1999 Sep;117(3):632-9.
  2. Itoi T, Itokawa F, Sofuni A et al. Endoscopic sphincterotomy combined with large balloon dilation can reduce the procedure time and fluoroscopy time for removal of large bile duct stones. Am J Gastroenterol 2009;104:560–5.
  3. Stefanidis G, Viazis N, Pleskow D, Manolakopoulos S, Theocharis L, Christodoulou C, et al. Large balloon dilation vs. mechanical lithotripsy for the management of large bile duct stones: a prospective randomized study. Am J Gastroenterol. 2011 Feb;106(2):278-85.
  4. Shim C, Kim JW, Lee TY, Cheon YK .Is Endoscopic Papillary Large Balloon Dilation Safe for Treating Large CBD Stones? Saudi Gastroenterol 2016;22(4):251-9



Recanalização endoscópica após obstrução completa do esôfago proximal

Paciente do sexo masculino de 65 anos evoluindo com afagia 6 meses após completar radio e quimioterapia para CA de laringe.
Realizou exame contrastado em que não houve passagem do meio de contraste para o esôfago e endoscopia confirmando obstrução completa logo abaixo do cricofaríngeo.
 

EED com ausência de progressão do contraste para o esôfago. Imagem endoscópica da obstrução e falha na tentativa de passagem de fio guia através da estenose.


 
O vídeo abaixo demonstra o tratamento da estenose completa através da técnica de Rendezvous utilizando um endoscópio via oral e outro endoscópio slim retrogradamente através da gastrostomia.

 
O paciente permaneceu com a prótese durante 3 semanas.  O plano era manter 4 semanas mas o paciente solicitou a remoção devido à intolerância.   Após a remoção foi iniciado programa de dilatação seriado associado ao uso de corticóide oral  (via gastrostomia) por um período de 8 semanas.
Atualmente ainda está em programa de dilatação (5 meses pós procedimento).  Mantém estenose anelar ao nível do cricofaríngeo com necessidade de dilatação a cada 15 dias com sondas guiadas indo até 14 mm.   Está apto à engolir saliva e comida pastosa e mantém terapia com fonoaudiólogo para reabilitação da deglutição.




GASTROPATIAS

Depois de muitas tentativas de padronizar a classificação histológica das gastropatias, hoje ainda vemos divergências de opiniões. A classificação de Sydney atualizada tem se mostrado a mais reconhecida e amplamente utilizada na atualidade. Ela classifica as lesões em termos de morfologia, topografia e possíveis etiologias (aguda, crônica ou específica).

Gastropatia refere-se a dano e regeneração de células epiteliais, sem ou com mínimo processo inflamatório. Para avaliar a etiologia, uma história completa é necessária, avaliando o uso de medicamentos, histórico de cirurgias prévias e fatores de risco. As causas de maior destaque são:

 

Gastropatias erosivas hemorrágicas agudas são caracterizadas por desenvolvimento de hemorragia e erosão após  exposição da mucosa a algum agente agressor ou por baixa perfusão.

As lesões na superfície do epitélio costumam estar associadas a uma perda na barreira mucosa que pode ocorrer por dano direto: refluxo biliar, uso de AINE, abuso de álcool, alendronato, sais de ferro; por isquemia da mucosa com hipóxia do tecido: sepse, queimaduras, uso de cocaína, trauma ou pela associação das duas condições como em alguns agentes antineoplásicos. Nos casos de TCE pode ocorrer um aumento na produção de gastrina, o que aumentaria a secreção ácida causando lesão direta.

A ruptura da barreira de proteção gástrica permite que o fator agressor penetre até a lâmina própria causando danos a vasculatura, estimulando nervos, liberando histamina e outros mediadores inflamatórios. O dano tecidual aumenta após a reperfusão com liberação de radicais livres e infiltração de neutrófilos. Nos casos específicos de AINE o dano ainda é aumentado pela diminuição das prostaglandinas (que atuariam na estimulação da barreira protetora de muco e bicarbonato).

Clinicamente pode se apresentar como dor abdominal, pirose, náusea, vômito e hematêmese. O sangramento pode ocorrer de 3 a 10 dias do evento agressor e pode variar de sangue oculto nas fezes até a sangramento massivo. Na endoscopia pode se visualizar, geralmente, hemorragia petequial difusa e aparecimento de pequenas erosões vermelhas ou pretas.

Úlceras de estresse usualmente ocorrem geralmente no corpo e fundo gástrico, próximo a transição esofagogástrica. Costumam ser múltiplas, rasas e o tamanha varia de 0,5 a 2cm de diâmetro.

As lesões por AINE e álcool envolvem todo o estômago desde o início, apesar das alterações ficarem mais evidentes em antro. As erosões nessas condições costumam ser mais facilmente reepitelizadas que nas gastropatias isquêmicas.  Algumas outras condições tem suas particularidades como exposto na tabela.

O tratamento das gastropatias hemorrágicas erosivas agudas deve incluir o afastamento do fator agressor/ condição desencadeante; o uso de IBP e terapêutica específica para lesão focal.

 

GASTROPATIA REATIVA

A exposição por longos períodos a agentes agressores da mucosa pode levar a alterações da mesma (discreta inflamação, graus variados de hiperplasia foveolar, edema, proliferação de musculatura lisa da lâmina própria, congestão e dilatação vascular). O uso crônico de AINE, alendronato ou refluxo biliar são as principais causas desta condição.

  • Associada a Refluxo Biliar

Incompetência do piloro, motilidade duodenal alterada ou estoma podem acarretar refluxo biliar levando a dor abdominal, vômito bilioso e perda de peso;  conhecido como gastropatia do refluxo biliar. Podem sofrer alterações adaptativas na maioria dos casos, porém em alguns casos pode acarretar erosões e úlceras. O tratamento definitivo geralmente é cirúrgico (revisão de Y de Roux), que melhora os sintomas em 50-90% dos casos.

  • Associada a AINE

O uso crônico de AINE obedece ao mesmo padrão de adaptabilidade na maior parte dos usuários, reduzindo o sangramento e as erosões; no entanto, quando ocorre falha na adaptação ao AINE o paciente pode apresentar sangramento por erosões ou úlceras. Essa falha costuma ser mais prevalente em pacientes com H. pylori.

 

 

VASCULAR

  • Gastropatia hipertensiva portal (GHP)

Ocorre geralmente associada a cirrose ou trombose de veia porta. A hipertensão portal nessas situações geram um aumento do fluxo sangüíneo que irrigam os vasos gástricos.

A gravidade da GHP está relacionada a pressão portal, o grau de resistência vascular hepática e o grau de redução da perfusão hepática. É comum que o diagnóstico da GHP ocorra durante endoscopia de rastreio para varizes de esôfago. No entanto pode ocorrer sangramento crônico em 3-60% dos casos e sangramento agudo em 2 -12%.

Os achados endoscópicos são caracterizados por enantema associado a fino rendilhado branco sobreposto dando a aparência de pele de cobra, pode também ocorrer red spots  ou black/brown spots. Sua localização costuma ser em fundo e corpo proximal mas pode se estender para antro.

Casos de GHP leve podem mimetizar outras condições e então a realização de biópsias poderia ajudar no diagnóstico (sempre atentar a coagulopatia). Casos mais graves costumam cursar com hemorragias subepiteliais e aumento da vasculatura semelhante a angioma.

O tratamento na profilaxia primária consiste em beta bloqueador não seletivo para manter uma freqüência cardíaca (FC) em torno de 50-55 bpm. Em casos de sangramento crônico deve-se repor ferro e se houver uma queda de hemoglobina abaixo de 7 deve ser realizada transfusão.

Nos casos de sangramento agudo deve ser lançado mão de droga vasoativa (Octreotide por 2 dias, ou Somatostatina por 3 dias, ou Terlipressina 2-5 dias), ressuscitação volêmica, manter a hemoglobina entre 7-8 nos cirróticos, os portadores de cirrose também devem receber antibiótico profilaxia para PBE. Em pacientes refratários pode ser lançado mão de TIPS, shunt cirúrgico ou transplante hepático.

 

  • Ectasia vascular antral gástrica (GAVE)

Ocorre devido a dilatação de pequenos vasos da região antral. Na histologia nota-se ectasia vascular, além de trombos, proliferação celular e fibro-hialinização. Apresenta-se com enantema petequial e que por vezes podem ser lineares, podendo ter aparência de estômago em melancia.

Apesar de sua etiologia não ser bem definida pode estar associada a cirrose, doenças autoimunes, insuficiência renal crônica, cardiopatia isquêmica ou transplante de medula óssea. Pode levar a anemia e raramente a hemorragia digestiva. O tratamento consiste na ablação das lesões com plasma de argônio ou heater probe.

 

Referências

1.    Dixon MF, Genta RM, Yardley JH, Correa P. Classification and grading of gastritis. The updated Sydney System. International Workshop on the Histopathology of Gastritis, Houston 1994. Am J Surg Pathol 1996; 20:1161.
2.    Carpenter HA, Talley NJ. Gastroscopy is incomplete without biopsy: clinical relevance of distinguishing gastropathy from gastritis. Gastroenterology 1995; 108:917.
3.    Marrone GC, Silen W. Pathogenesis, diagnosis and treatment of acute gastric mucosal lesions. Clin Gastroenterol 1984; 13:635.
4.    Silen W. The clinical problem of stress ulcers. Clin Invest Med 1987; 10:270.
5.    Franke A, Teyssen S, Singer MV. Alcohol-related diseases of the esophagus and stomach.
Dig Dis 2005; 23:204.
6.    Kvietys PR, Twohig B, Danzell J, Specian RD. Ethanol-induced injury to the rat gastric mucosa. Role of neutrophils and xanthine oxidase-derived radicals. Gastroenterology 1990; 98:909.
7.    Minalyan A, Gabrielyan L, Scott D, et al. The Gastric and Intestinal Microbiome: Role of Proton Pump Inhibitors. Curr Gastroenterol Rep 2017; 19:42.
8.    Haig A, Driman DK. Iron-induced mucosal injury to the upper gastrointestinal tract. Histopathology 2006; 48:808.
9.    Nam SY, Choi IJ, Park KW, et al. Risk of hemorrhagic gastropathy associated with colonoscopy bowel preparation using oral sodium phosphate solution. Endoscopy 2010; 42:109.
10. Petras RE, Hart WR, Bukowski RM. Gastric epithelial atypia associated with hepatic arterial infusion chemotherapy. Its distinction from early gastric carcinoma. Cancer 1985; 56:745.
11. Gourgoutis G, Das G. Gastrointestinal manifestations of cocaine addiction. Int J Clin Pharmacol Ther 1994; 32:136.
12. Dixon MF, O’Connor HJ, Axon AT, et al. Reflux gastritis: distinct histopathological entity? J Clin Pathol 1986; 39:524.
13. Sobala GM, King RF, Axon AT, Dixon MF. Reflux gastritis in the intact stomach. J Clin Pathol 1990; 43:303.
14. Graham DY, Malaty HM, Goodgame R. Primary amino-bisphosphonates: a new class of gastrotoxic drugs–comparison of alendronate and aspirin. Am J Gastroenterol 1997; 92:1322.
15. Weinstein WM, Buch KL, Elashoff J, et al. The histology of the stomach in symptomatic patients after gastric surgery: a model to assess selective patterns of gastric mucosal injury. Scand J Gastroenterol Suppl 1985; 109:77.
16. Shafique K, Araujo JL, Veluvolu R, et al. Mitochondrial Iron Accumulation in Parietal and Chief Cells in Iron Pill Gastritis Following Billroth II Gastrectomy: Case Report Including Electron Microscopic Examination. Ann Clin Lab Sci 2017; 47:354.
17. Cheli R, Giacosa A, Marenco G, et al. Chronic gastritis and alcohol. Z Gastroenterol 1981; 19:459.
18. Oddsson E, Binder V, Thorgeirsson T, et al. A prospective comparative study of clinical and pathological characteristics in Icelandic and Danish patients with gastric ulcer, duodenal ulcer, and X-ray negative dyspepsia. II. Histological results. Scand J Gastroenterol 1978; 13:489.
19. Uppal R, Lateef SK, Korsten MA, et al. Chronic alcoholic gastritis. Roles of alcohol and Helicobacter pylori. Arch Intern Med 1991; 151:760.

20. Roth SH, Bennett RE. Nonsteroidal anti-inflammatory drug gastropathy. Recognition and
response. Arch Intern Med 1987; 147:2093.
21. Shorrock CJ, Rees WD. Mucosal adaptation to indomethacin induced gastric damage in man–studies on morphology, blood flow, and prostaglandin E2 metabolism. Gut 1992; 33:164.
22. Konturek SJ, Brzozowski T, Majka J, et al. Adaptation of the gastric mucosa to stress. Role of prostaglandin and epidermal growth factor. Scand J Gastroenterol Suppl 1992; 193:39.
23. Silvoso GR, Ivey KJ, Butt JH, et al. Incidence of gastric lesions in patients with rheumatic disease on chronic aspirin therapy. Ann Intern Med 1979; 91:517.
24. Larkai EN, Smith JL, Lidsky MD, Graham DY. Gastroduodenal mucosa and dyspeptic symptoms in arthritic patients during chronic nonsteroidal anti-inflammatory drug use. Am J Gastroenterol 1987; 82:1153.
25. Davenport HW. Salicylate damage to the gastric mucosal barrier. N Engl J Med 1967; 276:1307.
26. Sloan JM. Acute haemorrhage gastritis and acute infective gastritis, gastritis caused by physi cal agents and corrosives, uraemic gastritis. In: Gastrointestinal and Oesophageal Patholog y, Whitehead R (Ed), Churchill Livingstone, Edinburgh 1989. p.385.
27. Hernandez LA, Grisham MB, Twohig B, et al. Role of neutrophils in ischemia-reperfusion- induced microvascular injury. Am J Physiol 1987; 253:H699.

Confira também: H. pylori




QUALIDADE NA ENDOSCOPIA DE URGÊNCIA

A qualidade dos serviços de saúde pode ser medida através da comparação do desempenho de um indivíduo ou um grupo, com relação a um ideal ou uma referência1.

Os indicadores de qualidade podem ser divididos em 3 categorias:

  • Estruturais (qualidade do endoscópio, acessórios disponíveis e estrutura hospitalar)
  • Processos (desempenho durante o cuidado)
  • Resultados (taxas comparativas como taxa de hemostasia primária ou eventos adversos)

 

Além disso os indicadores de qualidade podem ser avaliados em três tempos: pré, intra e pós-procedimento.

 

Pré-Procedimento:

  • Guidelines de referência: os serviços de endoscopia devem possuir guidelines dos procedimentos endoscópicos seguindo as recomendações nacionais e internacionais2
  • Indicação apropriada: discutir caso e indicação com equipe solicitante1
  • Planejamento de sedação: escolha da melhor sedação visto quadro clínico, local para realização (sala de urgência, UTI ou centro cirúrgico)1
  • Termo de consentimento: não essencial em casos de risco iminente ou se paciente impossibilitado de prestar o consentimento em situações de risco intermediário (não sendo encontrado o responsável legal)3
  • Avaliação de risco: história clínica, exame físico e estabilização clínica2  
  • Documentação em prontuário1
  • Antibioticoprofilaxia: fluoroquinolonas em cirróticos com HDA4; 5 e nas CPREs com risco de drenagem incompleta, transplantado hepático ou neutropênico5
  • Drogas vasoativas (terlipressina, octreotide ou somatostatina) na suspeita de HDA varicosa6
  • Inibidor de bomba de prótons (IBP) em pacientes com sangramento digestivo7
  • Conferência pré-exame (time-out): confirmar paciente, história, exames e materiais disponíveis1  
  • Tempo para realização do procedimento: menos de 24H da admissão no PS2

 

Intra-Procedimento:

  • Documentação fotográfica: >10 imagens8
  • Monitorização do paciente: FC, saturação O2 e PA1
  • Documentação do uso de agentes reversores (flumazenil e naloxona): evitar uso indiscriminado8
  • Interrupção do procedimento devido à sedação: foi escolhida técnica adequada?
  • Exame completo: EDA mínimo de 7 minutos entre introdução e retirada, colonoscopia > 6 minutos de retirada8; 9
  • Biópsias em úlceras gástricas sem estigmas de sangramento: excluir neoplasias8  
  • Tipo e local de sangramento na descrição do laudo: facilitar a identificação da lesão em eventual reabordagem, bem como estimativa do risco8
  • Utilização de terapia dupla nas úlceras pépticas: maior taxa de sucesso10
  • Taxa de hemostasia primária: necessidade de radiologia intervencionista 1
  • Tempo de fluoroscopia na CPRE: experiência é inversamente proporcional ao tempo de escopia11

 

Pós-Procedimento:

  • Critérios de alta da unidade de endoscopia para leito de origem: score de Aldrete ≥ 8 (avalia consciência, atividade motora, respiração, PA e saturação de O2, variando a nota de 0 a 10)

  • Orientação pós-procedimento por escrito: dieta, medicamentos, retorno às atividades cotidianas e contato em caso de eventos adversos8
  • Laudo detalhado, porém sucinto12; 13
  • Aviso de resultado crítico: integração do endoscopista, patologista e médico solicitante2  
  • Eventos adversos: documentação e busca ativa2
  • Taxa de sucesso clínico1
  • Uso do IBP pós-hemorragia péptica1
  • Pesquisa de H. pylori: plasma sanguíneo tem efeito bactericida podendo levar a falsos negativos na pesquisa durante a HDA. Se houver sangramento ativo realizar a pesquisa preferencialmente por anatomopatológico, porém se resultado negativo, realizar nova pesquisa em até 1 mês.14
  • Programas de educação médica continuada: incentivo das instituições a realização de aulas, convenções, palestras e congressos

 

Em suma, uma endoscopia de urgência de qualidade é um exame em que os pacientes são submetidos a um procedimento com indicação adequada, onde diagnósticos relevantes são reconhecidos ou excluídos, com a terapêutica fornecida apropriada, minimizando os possíveis riscos em todas as etapas.

 

LEIA MAIS SOBRE ENDOSCOPIA DE URGÊNCIA:

 

 

Bibliografia

1                      RIZK, M. K.  et al. Quality indicators common to all GI endoscopic procedures. Gastrointest Endosc, v. 81, n. 1, p. 3-16, Jan 2015. ISSN 1097-6779. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25480102 >.
2                      VALORI, R.  et al. Performance measures for endoscopy services: A European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) quality improvement initiative. United European Gastroenterol J, v. 7, n. 1, p. 21-44, Feb 2019. ISSN 2050-6406. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30788114 >.
3                      GODINHO, A. M.; LANZIOTTI, L. H.; MORAIS, B. S. D. Termo de consentimento informado: a visão dos advogados e tribunais. Revista Brasileira de Anestesiologia, v. 60, p. 207-211,  2010. ISSN 0034-7094. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-70942010000200014&nrm=iso >.
4                      CHAVEZ-TAPIA, N. C.  et al. Meta-analysis: antibiotic prophylaxis for cirrhotic patients with upper gastrointestinal bleeding – an updated Cochrane review. Aliment Pharmacol Ther, v. 34, n. 5, p. 509-18, Sep 2011. ISSN 1365-2036. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21707680 >.
5                      KHASHAB, M. A.  et al. Antibiotic prophylaxis for GI endoscopy. Gastrointest Endosc, v. 81, n. 1, p. 81-9, Jan 2015. ISSN 1097-6779. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25442089 >.
6                      DE FRANCHIS, R.; FACULTY, B. V. Expanding consensus in portal hypertension: Report of the Baveno VI Consensus Workshop: Stratifying risk and individualizing care for portal hypertension. J Hepatol, v. 63, n. 3, p. 743-52, Sep 2015. ISSN 1600-0641. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26047908 >.
7                      SREEDHARAN, A.  et al. Proton pump inhibitor treatment initiated prior to endoscopic diagnosis in upper gastrointestinal bleeding. Cochrane Database Syst Rev, n. 7, p. CD005415, Jul 2010. ISSN 1469-493X. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20614440 >.
8                      PARK, W. G.  et al. Quality indicators for EGD. Gastrointest Endosc, v. 81, n. 1, p. 17-30, Jan 2015. ISSN 1097-6779. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25480101 >.
9                      KAMINSKI, M. F.  et al. Performance measures for lower gastrointestinal endoscopy: a European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) quality improvement initiative. United European Gastroenterol J, v. 5, n. 3, p. 309-334, Apr 2017. ISSN 2050-6406. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28507745 >.
10                   BARACAT, F.  et al. Endoscopic hemostasis for peptic ulcer bleeding: systematic review and meta-analyses of randomized controlled trials. Surg Endosc, v. 30, n. 6, p. 2155-68, 06 2016. ISSN 1432-2218. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26487199 >.
11                   BARON, T. H.  et al. Quality indicators for endoscopic retrograde cholangiopancreatography. Am J Gastroenterol, v. 101, n. 4, p. 892-7, Apr 2006. ISSN 0002-9270. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16635233 >.
12                   AABAKKEN, L.  et al. Standardized endoscopic reporting. J Gastroenterol Hepatol, v. 29, n. 2, p. 234-40, Feb 2014. ISSN 1440-1746. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24329727 >.
13                   LIEBERMAN, D.  et al. Standardized colonoscopy reporting and data system: report of the Quality Assurance Task Group of the National Colorectal Cancer Roundtable. Gastrointest Endosc, v. 65, n. 6, p. 757-66, May 2007. ISSN 0016-5107. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17466195 >.
14                   COELHO, L. G. V.  et al. IVTH BRAZILIAN CONSENSUS CONFERENCE ON HELICOBACTER PYLORI INFECTION. Arq Gastroenterol, v. 55, n. 2, p. 97-121, 2018 Apr-Jun 2018. ISSN 1678-4219. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30043876 >.




Pneumatose intestinal

A pneumatose intestinal (PI) pode ser um achado incidental em um paciente assintomático e que se resolve espontaneamente ou pode ser visto em condições associadas à necrose intestinal e indica a necessidade de cirurgia de emergência.

 

Causas:

A PI é idiopática (15 %) ou secundária (85%) a uma ampla variedade de doenças gastrointestinais e não gastrointestinais:

  • Abdome agudo: isquemia/infarto intestinal, perfuração, obstrução, tiflite;
  • Perda de barreira mucosa: úlcera péptica, doença de crohn, retocolite ulcerativa, ingestão de cáusticos;
  • Infecções: clostridium difficile, tuberculose, AIDS, Citomegalovírus;
  • Causas pulmonares: asma, DPOC, fibrose cística, ventilação mecânica;
  • Procedimentos endoscópicos: EDA, colonoscopia, escleroterapia, CPRE;
  • Dismotilidade gastrointestinal: diabetes, esclerodermia, estenose pilórica, pseudobstrução intestinal;
  • Causas imunológicas: corticóide, quimioterapia, transplante, doenças linfoproliferativas, sarcoidose.

 

A PI pode afetar o intestino delgado, cólon ou ambos. Os cistos podem estar confinados à mucosa, submucosa ou subserosa, ou envolver todas as três camadas. Cistos subserosos são mais comumente vistos na pneumatose do intestino delgado, enquanto os cistos submucosos são mais comumente vistos na pneumatose cólica (como no caso em questão).

 

Sintomas:

A maioria dos pacientes com PI é assintomática. Os principais sintomas relacionados à PI cólica são: diarréia, hematoquezia, dor abdominal, distensão abdominal e constipação. A avaliação de pacientes com suspeita de PI deve incluir uma história, exame físico, laboratório, exames de imagens e endoscópicos.

A PI pode ser descoberta incidentalmente na colonoscopia. Na dúvida diagnóstica pode-se prosseguir a investigação com ultrassonografia endoscópica. Cistos variam em tamanho de alguns milímetros a vários centímetros. Os cistos da submucosa costumam ter uma aparência pálida ou azulada e, quando biopsiados, podem desinflar rapidamente com um chiado audível.

 

Tratamento:

A exploração cirúrgica de emergência é indicada para pacientes com PI e sinais de peritonite, acidose metabólica e aeroportia. Em pacientes que não necessitam de laparotomia exploradora de emergência, o manejo é baseado na gravidade dos sintomas.

A causa subjacente da PI deve ser tratada em todos os pacientes, independentemente da presença de sintomas. Pacientes assintomáticos não necessitam de terapia adicional. Pacientes com sintomas leves podem ser tratados como pacientes ambulatoriais, com uma combinação de antibióticos e uma dieta elementar. Para pacientes com sintomas moderados a graves que necessitam de hospitalização, sugere-se combinação de antibióticos, dieta elementar e oxigenoterapia.
Referências:

  1. Davila AD, Willenbucher RF. Other diseases of the colon and rectum. In: Sleisenger & Fordtran’s Gastrointestinal and Liver Disease, 6th ed, Feldman M, Scharschmidt B, Sleisenger M (Eds), WB Saunders Company, Philadelphia 1998. p.1979.
  2. Ribaldone DG, Bruno M, Gaia S, et al. Endoscopic ultrasound to diagnose pneumatosis cystoides intestinalis (with video). Endosc Ultrasound 2017; 6:416.
  3. Chaput U, Ducrotté P, Denis P, Nouveau J. Pneumatosis cystoides intestinalis: an unusual cause of distal constipation. Gastroenterol Clin Biol 2010; 34:502.ric
  4. Eric Goldberg, J Thomas Lomont. Uptodate: Pneumatosis intestinalis

 




Caso clínico: Importância do exame cuidadoso da câmara gástrica!

Paciente feminina, 63 anos, veio para realização de endoscopia digestiva alta por epigastralgia esporádica. Sem outros sinais de alarme.
Abaixo vídeo do exame:

Percebam a importância em lavar adequadamente a câmara gástrica, com objetivo de visualizar toda a mucosa do estômago. Adicionalmente, realizada insuflação adequada do órgão e uso de escopolamina endovenosa. Nesse caso foi observada uma lesão elevada (0-IIa), na grande curvatura para parede anterior da transição corpo-antro, medindo cerca de 1,5 cm. Fotos abaixo:


 
A biópsia mostrou adenocarcinoma bem diferenciado com foco de invasão da submucosa. Imagem abaixo gentilmente cedida pelo Dr Heinrich Seidler:
 

As setas em azul mostram o componente intramucoso da lesão, e a seta preta o foco de invasão na submucosa.


 
Paciente foi submetido a gastrectomia subtotal com linfadenectomia. O exame da peça operatória mostrou adenocarcinoma tubular bem diferenciado com invasão da submucosa, e acometimento de 01 linfonodo de 33 (1/33). Estadiamento: pT1bN1
 
Para acessar mais um post de neoplasia gástrica precoce, clique AQUI!
 




Anatomia endoscópica pós cirurgia bariátrica

Obesidade é uma doença complexa, crônica e incurável. O aumento contínuo da incidência e da necessidade de tratamentos mais precoces e efetivos, coloca o endoscopista em um papel importante na equipe multidisciplinar de tratamento da obesidade. A cirurgia bariátrica é o padrão ouro de tratamento nos casos graves e com comorbidades associadas. A cirurgia bariátrica metabólica pode ser indicada em pacientes com obesidade grau 1 e falha do tratamento clínico do diabetes. Atualmente as técnicas mais realizadas são o Bypass gástrico em Y de Roux e Gastrectomia Vertical.

 

Bypass gástrico em Y de Roux

No Bypass gástrico em Y de Roux o estômago é grampeado e seccionado com o intuito de formar um pequeno reservatório (bolsa gástrica) de aproximadamente 20 a 40ml. O estômago remanescente, assim como o duodeno e os primeiros 50 cm de jejuno, ficam permanentemente excluídos do trânsito alimentar. O pequeno reservatório gástrico é então anastomosado a uma alça jejunal isolada em Y, término-lateral. Atualmente em desuso, o anel bariátrico é colocado proximalmente a uma distância de 1,5 cm da anastomose gastrojejunal, reduzindo o diâmetro da luz gástrica para cerca de 12 mm. As secreções provenientes do estômago e do duodeno exclusos desembocam no jejuno por uma segunda anastomose que pode variar conforme a técnica, de 50 cm a 150 cm abaixo do reservatório gástrico.

Durante a endoscopia, é avaliado o tamanho e a integridade da bolsa gástrica, especialmente a linha de sutura, o calibre e a posição do anel (se presente), bem como o diâmetro da anastomose e a mucosa do jejuno proximal.

O esôfago tem aspecto normal seguido de uma bolsa gástrica tubular de 5-7cm de extensão logo abaixo da linha Z, por vezes é visualizada a linha de sutura.

Imagem 1: Bolsa gástrica e anastomose gastrojejunal

Imagem 1: Bolsa gástrica e anastomose gastrojejunal

Quando colocado, o anel é posicionado externamente à bolsa, visto como uma impressão anelar em torno de 12 mm na parte mais distal. A imagem endoscópica é de um estreitamento com convergência de pregas, sendo importante descrever a distância entre o anel e a anastomose gastrojejunal, pois o deslizamento distal do anel associado a sintomas importantes, pode indicar a necessidade da sua retirada.

Imagens 2 e 3. Anel bariátrico em posição anterior à anastomose gastrojejunal em by-pass gástrico em Y de Roux.

Imagens 2 e 3. Anel bariátrico em posição anterior à anastomose gastrojejunal em by-pass gástrico em Y de Roux.

A anastomose gastrojejunal deve ser examinada com atenção, pois é local comum de úlceras e corpos estranhos como grampos e fios de sutura. Recomendamos rotineiramente medir o diâmetro da anastomose, comparando com uma pinça de corpo estranho aberta ou outro acessório que permita uma medição objetiva ou por comparação.

Imagem 4: Anastomose gastro-jejunal regular com diâmetro aproximado de 1,7cm. Cortesia do Dr, Maurício Spagnol.

Imagem 4: Anastomose gastro-jejunal regular com diâmetro aproximado de 1,7cm. Cortesia do Dr, Maurício Spagnol.

A partir da anastomose, identificam-se duas alças intestinais: A alça interposta é curta, em ângulo agudo e, por ter o fundo cego, evitamos o termo aferente. Já a alça alimentar é longa e disposta quase no mesmo eixo da bolsa, variando de 50 a 150cm de comprimento, alguns descrevem como alça eferente.

Imagem 5. Alças jejunais interposta e alimentar. Grampo metálico parcialmente exposto na luz, junto à anastomose gastrojejunal

Imagem 5. Alças jejunais interposta e alimentar. Grampo metálico parcialmente exposto na luz, junto à anastomose gastrojejunal.

Gastrectomia Vertical

Na Gastrectomia Vertical (Sleeve) se confecciona um tubo gástrico vertical, através da ressecção da grande curvatura e do fundo gástrico, que se estende até o antro, próximo ao piloro.

Na avaliação endoscópica identifica-se estômago e junção esofagogástrica normais. Após a transição esofagogástrica, há um tubo longo paralelo à pequena curvatura que é o estômago tunelizado, de diâmetro variável, com expansão limitada pela linha de secção gástrica. É importante descrever o eixo da linha de sutura e a distância entre o final da linha de grampeamento e o piloro. A porção distal do segmento tubular é angulada para dificultar o esvaziamento gástrico. Após a angulação na incisura angularis, observam-se o piloro e duodeno que estão preservados.

Imagem 6. Remanescente gástrico com calibre reduzido, sendo evidenciada cicatriz de sutura longitudinal.

Imagem 6. Remanescente gástrico com calibre reduzido, sendo evidenciada cicatriz de sutura longitudinal.

 

Banda Gástrica Ajustável

A técnica de colocação da Banda Gástrica Ajustável (BGA) se traduz na introdução de uma prótese de silicone por videolaparoscopia na porção alta do estômago, sendo o diâmetro interno da banda regulado por injeção de líquido no dispositivo, posicionado na parede abdominal, através de um mecanismo percutâneo de insuflação. O órgão ganha a configuração de uma ampulheta; é um método puramente restritivo, sem exclusão gástrica.

No exame endoscópico dos pacientes com BGA, identificam-se tipos variáveis de compressão extrínseca circunferencial na porção proximal do estômago. Instantes após a entrada do endoscópio no estômago, identifica-se a impressão anelar na mucosa gástrica, distando aproximadamente 3cm da linha Z, levando a formação de uma pequena bolsa. À manobra de retrovisão, nota-se a impressão anelar envolvendo uniformemente toda a circunferência do órgão. É importante medir o tamanho da bolsa e a distância da Linha Z até a impressão da banda, isto permite eventual diagnóstico de deslocamento da banda ou dilatação da bolsa.

Imagens 7 e 8 – Impressão de banda gástrica em visão do fundo gástrico em retroversão do endoscópio. Imagens 7 e 8 – Impressão de banda gástrica em visão do fundo gástrico em retroversão do endoscópio.

Imagens 7 e 8 – Impressão de banda gástrica em visão do fundo gástrico em retroversão do endoscópio.

 

Gastroplastia Endoscópica

A Gastroplastia Endoscópica, também chamada de Endosutura Gástrica (ESG Endoscopic Sleeve Gastroplasty) não é uma intervenção cirúrgica. Através de um equipamento de sutura acoplado ao endoscópico são realizados pontos totais visando a aproximação de serosa com serosa no corpo gástrico e em alguns casos no fundo gástrico. Incialmente observamos a redução da luz, mas após alguns meses o resultado esperado são retrações cicatriciais e diminuição da distensibilidade do estômago.

No exame endoscópico de pacientes submetidos à gastroplastia endoscópica notamos aderências entre pregas, retrações cicatriciais ou pontes de mucosa. O principal achado endoscópico que deve observado e descrito é distensibilidade gástrica diminuída à insuflação de ar. A presença de fios soltos é comum em pacientes com perda de peso sustentada. O emagrecimento e manutenção do peso se dá principalmente pela diminuição da complacência gástrica e provavelmente retardo do esvaziamento gástrico.

Imagem 9: Imagem endoscópica do equipamento de sutura Apollo Overstitch

Imagem 9: Imagem endoscópica do equipamento de sutura Apollo Overstitch

 

Imagens 10 e 11: Corpo gástrico distal do mesmo paciente antes e imediatamente após a gastroplastia endoscópica. Imagens 10 e 11: Corpo gástrico distal do mesmo paciente antes e imediatamente após a gastroplastia endoscópica.

Imagens 10 e 11: Corpo gástrico distal do mesmo paciente antes e imediatamente após a gastroplastia endoscópica.

 

Imagens 12, 13 e 14. Pontes de mucosa com retração cicatricial, fios de sutura, tubulização do corpo gástrico e distensibilidade diminuída à insuflação.

 

Imagens 12, 13 e 14. Pontes de mucosa com retração cicatricial, fios de sutura, tubulização do corpo gástrico e distensibilidade diminuída à insuflação.

Imagens 12, 13 e 14. Pontes de mucosa com retração cicatricial, fios de sutura, tubulização do corpo gástrico e distensibilidade diminuída à insuflação.

Imagens 12, 13 e 14. Pontes de mucosa com retração cicatricial, fios de sutura, tubulização do corpo gástrico e distensibilidade diminuída à insuflação.

 

Confira também:  Anatomia endoscópica pós cirurgia bariátrica

 

AUTORES

Eduardo Usuy Jr - Gastroenterologista e Endoscopista

Eduardo Usuy Jr.
Gastroenterologista e Endoscopista
Ex Presidente da SOBED SC
Coordenador de Assuntos Digitais da FBG
Membro da ABE (Association for Bariatric Endoscopy) da ASGE
Membro Associado da SBCBM e ABESO
Andre Hofstaetter - Gastroenterologista
Andre Hofstaetter
Gastroenterologista
Membro do Corpo Clínico da Clínica Gástrica de Florianópolis
Residência Médica no Hospital de Clínicas de Porto Alegre

 

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

  1. American Society for Gastrointestinal Endoscopy Standards of Practice Committee, Evans JA, Muthusamy VR, et al. The role of endoscopy in the bariatric surgery patient. Gastrointest Endosc 2015; 81:1063.
  2. Huang CS, Forse RA, Jacobson BC, Farraye FA. Endoscopic findings and their clinical correlations in patients with symptoms after gastric bypass surgery. Gastrointest Endosc 2003; 58:859.
  3. Obstein KL, Thompson CC. Endoscopy after bariatric surgery (with videos). Gastrointest Endosc 2009; 70:1161.
  4. Baker MT. The history and evolution of bariatric surgical procedures. Surg Clin North Am 2011: 91(6):1181-201
  5. Hedjoudje A, Dayyeh BA, Cheskin LJ, Adam A, Neto MG, Badurdeen D, Morales JG, Sartoretto A, Nava GL, Vargas E, Zhixian S, Fayad L, Farha J, Khashab MA, Kalloo AN, Alqahtani AR, Thompson C, Kumbhari V. Efficacy and Safety of Endoscopic Sleeve Gastroplasty: a Systematic Review and Meta-Analysis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2019 Aug 20.
  6. Liu P, Zheng CZ. Long-term outcomes and a cause of high rate of loss to follow-up after laparoscopic adjustable gastric banding in obese patients. Zhonghua Wei Chang Wai Ke ZA Zhi 2013
  7. Dayyeh BK, Lautz DB, Thompson CC. Gastrojejunal stoma diameter predicts weight regain after Roux-en-Y gastric bypass. Clin Gastroenterol Hepatol. 2011
  8. Endoscopic sleeve gastroplasty: Case report, technique and literature review. Loo H, Chan WK, Galvao Neto M. J Dig Dis. 2017 ct;18(10):598-603.