Quiz – Lesão plana de esôfago médio.

Homem, 70 anos, hipertenso, previamente hígido, foi referenciado à EDA por sintomas dispépticos de início recente. Etilista social de pequena quantidade, nunca fumou. Negava perda de peso ou disfagia. Exame físico sem anormalidades.

 

Imagem com luz branca

Na transição parede lateral direita/posterior, distando cerca de 24 cm da ADS, observa-se lesão não polipóide plana, esbranquiçada, de aspecto rugoso, formato irregular, porém bem delimitada, medindo cerca de 25mm no maior eixo.

 

Cromoscopia eletrônica com NBI

IPCL exibindo discreta dilatação, sinuosidade, calibre irregular e variação de formas.

 

Cromoscopia com Lugol

Presença de extensa área iodo-negativa em exata correspondência a lesão descrita na luz branca e na cromoscopia com NBI




Caso clínico: Doença de Crohn de íleo terminal e válvula ileocecal.

Paciente M.D., sexo feminino 36 anos. Diagnóstico de Doença de Crohn após falha de tratamento de fístula perineal complexa, de difícil controle clínico em 2014.
Em 2014, foi encaminhada para proctologista, que realizou colonoscopia, detecatndo ulcerações profundas em íleo terminal, deformidade de vávula íleocecal e leve proctite (figuras 1 a 5) As biópsias confirmaram padrão histológicos sugestivo de Doença de Crohn. Também foi realizada a época tomografia computadorizada, que evidenciou espessamento de segmento de cerca de 10 cm do íleo terminal.

Figura 1 :  Proctite Leve


Figura 2 : Proctite leve


Figura 3 : Íleite terminal com ulcerações


Figura 4 : Íleite terminal com ulcerações



Figura 5 : CecoFoi iniciado então terapia com Adalimumabe + Azatioprina e tratamento com seton da fístula, sendo que a paciente apresentou melhora clínica, com remissão e marcadores inflamatórios com melhora.
Em 2016,durante acompanhamento, foi detectado aumento de calprotectina fecal, sendo realizada nova colonoscopia, que demostrava recidiva da doença em íleo terminal, agora sendo possível apenas a avaliação dos primeiros centímetros do íleo terminal, já se notando estenose ileal e dificuldade de entrada na válvula íleocecal, por deformidade da mesma. (figuras 6 a 8).

Figura 6: Ceco


Figura 7 : Íleo Terminal


Figura 8 : Íleo Terminal


Devido a recidiva, optou-se por otimizar a dose de Adalimumabe semanal, mantendo o paciente bem ate junho de 2016.
Em dezembro de 2016, paciente apresentou novo aumento de calprotectina fecal, optando-se agora pela troca de medicamento em uso. Iniciou-se Infliximabe associado a azatioprina, mantendo-se o paciente em remissão. Uma colonoscopia realizada ao fim de 2017 mostrava agora um estenose em válvula íleocecal, não sendo possível avaliar o íleo terminal adequadamente (figuras 9 e 10).

Figura 10 : Estenose de válvula íleo cecal.


Figura 9 : Estenose de válvula íleo cecal.


 
Paciente se manteve assintomático, com remissão clínica e laboratorial até dezembro de 2018, quando começou a apresentar quadros de suboclusão e dor abdominal alguma horas após se alimentar. Nova colonoscopia confirmou o quadro de estenose de vávula ileocecal (figuras 11 a 13)

Figura 11: Ceco


Figura 12: Válvula ileocecal


Figura 13: Válvula íleocecal.


Assim, devido aos achados da colonoscopia, associado a sintomatologia, optou-se por realizar a dilatação de válvula íleocecal. Em tempo, paciente se recusou a realizar enteroressonância, por fobia, para avaliar outras possíveis estenoses ileais.
Para a dilatação, utilizou-se balão tipo C.R.E., guiado, estagiado nos tamanhos 12-13,5-15mm, preenchido com água, mantendo-se cerca de um minuto em cada estágio (três minutos no último estágio), sendo a dilatação repetida duas vezes antes da retirada do balão:

É possivel avaliar ao final do vídeo, que não havia doença ao nível da estenose, que era curta, e com nítida dilatação do íleo terminal a montante. Também se verifica a presença de grande úlceração isolada em íleo terminal, sugestiva de reativação da doença.
Hoje, passados dois meses da dilatação, paciente segue assintomática, tendo sido reajustada a dose de Infliximabe.
 
 
 




Eficácia do Amplatzer (cardiac septal occluder) no tratamento de fístula e deiscência após cirurgia bariátrica

A endoscopia digestiva possui um papel fundamental no suporte e tratamento do paciente com fístula após cirurgia bariátrica através de diferentes técnicas, incluindo uso de endopróteses, terapia a vácuo e técnicas de drenagem interna através de septotomia ou pigtail. Analisamos o excelente trabalho publicado na edição deste mês da Gastrointestinal Endoscopy que contou com Dr. Diogo Moura e Dr. Eduardo Moura como autores.

Artigo: Efficacy of the cardiac septal occlude in the treatment of post-bariatric surgery leaks and fistulas.  Publicado na Gastrointestinal endoscopy em março de 2019 (Volume 89)

 Os autores realizaram um estudo avaliando o tratamento endoscópico de fístula após cirurgia bariátrica com o uso off-label de uma prótese utilizada habitualmente para tratamento de defeitos cardíacos (persistência de ducto atrial/ventricular), com elevada taxa de sucesso.

Métodos:

 

Estudo multicêntrico retrospectivo envolvendo 9 hospitais terciários (Brasil, Colombia, Estados Unidos e Venezuela), no período de 2012 a 2018. Foram incluídos pacientes com diagnóstico de fístula após gastrectomia vertical (GV) ou bypass gátrico em Y de Roux (BGYR) para tratamento com Amplatzer tanto para casos de falha terapêutica de outros métodos endoscópicos tanto como terapia primária.

Prótese: O Amplatzer é uma prótese metálica autoexpansível de nitinol e polyester, em formato de ampulheta/carretel, de diversos tamanhos. O diâmetro da “cintura” da prótese (localizada dentro do orifício fistuloso) varia entre 18mm e 38mm, com extensão de 3-7mm. As extremidades proximal e distal (“bordas” intragástrica / intracavitária) variam entre 9 e 54mm. O sistema introdutor possui calibre entre 5-12Fr e comprimento de até 80cm o que não permite seu uso através do endoscópio. Para permitir o uso da prótese por endoscopia foi realizada uma adaptação através do uso de um empurrador de prótese biliar (7-10Fr) como sistema de liberação – a prótese era liberada do introdutor original e depois tracionada (encapada) dentro do empurrador com auxílio de pinça. As próteses eram selecionadas de acordo com o diâmetro do orifício fistuloso, devendo ter ao menos mais de 50% do calibre da fístula.

Imagem do dispositivo com sistema introdutor

Procedimento: Realizado por endoscopia com controle radiológico, sob sedação ou anestesia geral, sem necessidade de internamento hospitalar permitindo manejo ambulatorial dependendo das condições clínicas do paciente.  Exame contrastado era realizado logo após o procedimento para confirmar adequada oclusão da fístula. A progressão da dieta seguia os seguintes parâmetros: dieta zero (24h) seguida de 3 dias de líquida total, 3 dias de pastosa/soft solids e posteriormente dieta livre. Era prescrito uso de omprazol por 30 dias; controle com esofagograma e endoscopia após 4-6 semanas.

Sequencia de imagens evidenciando (A): fístula associada a bloqueio inflamatório (B): introdução do dispositivo (C):prótese liberada (D): exame de controle

 

Resultados:
43 pacientes foram submetidos ao tratamento dos quais 65,1% do sexo feminino, 34,9% sexo masculino, com fístulas gastrocutaneas (n=38), gastropleural (n=3) e gastrobronquica (n=2). A maior parte dos pacientes com fístulas tardias e crônicas (81,4%), seguido de precoces (entre 1-6 semanas; 5 pacientes) e agudas (n=3, 6,9%). Houve sucesso técnico em todos os casos,  com sucesso no fechamento da fístula em exame de controle em 39 dos 43 casos (90,7%).

Todos os cinco pacientes com fístulas precoces tiveram recidiva da fístula nos primeiros 30 dias e foram submetidos a troca das próteses por modelos mais calibrosos com adequado sucesso terapêutico nos exames de controle, sem outras intervenções.

Ausência de vazamento em exame contrastado (esquerda) ; re-epitelização sobre borda interna do dispositivo (direita)

Dos 4 casos de falha terapêutica (9,7%), três eram casos agudos e uma fístula tardia gastropleural onde havia uma cavidade não drenada.  Nos casos agudos, foi observada melhora inicial porém houve retorno da drenagem cutânea após 72h. Nestes, foi observado alargamento do orifício fistuloso – em todos foi realizada remoção da prótese com pinça de corpo estranho/alça polipectomia e posicionada prótese metálica autoexpansível por 6 semanas, com resolução da fístula. O paciente da fístula gastrocutânea teve piora clinico-laboratorial e foi submetido a gastrectomia total por decisão do cirurgião assistente.

 Comentários:

 

Trata-se de um trabalho muito interessante, envolvendo (mais) um método endoscópico minimamente invasivo para o tratamento de fístula pós bariátrica com grande potencial para se sedimentar como uma excelente opção, caso esses resultados sejam reproduzidos posteriormente. Os autores buscaram 20 estudos publicados como relato de caso, entre 2006 e 2018 envolvendo 23 pacientes tratados com este modelo de dispositivo, para fístulas benignas (não apenas bariátrica) com resolução da fístula em 18 casos (78,26%) o que nos sugere que estes resultados podem ser reproduzidos.

Todas as complicações e casos de falha terapêutica foram em casos agudos e precoces salvo por um caso mais complexo de paciente com fistula gastropleural em paciente sem a cavidade drenada. É possível que a oclusão aguda com estes dispositivos, em uma cavidade abdominal não drenada mantenha o processo infecioso em atividade e não permita a cicatrização da fístula.

É importante ressaltar que todos os casos de fístula aguda (até 7 dias), embora com pequena casuística (n=3), apresentaram falha terapêutica e houve alargamento do diâmetro da fístula com o dispositivo. Todos foram tratados com sucesso no estudo utilizando próteses metálicas tradicionais porém é importante considerar a possibilidade de agravamento da fístula nestes casos.

As próteses metálicas autoexpansíveis tem resultados expressivos no tratamento de fistulas agudas e precoces embora haja grande debate sobre o modelo a ser utilizado (totalmente ou parcialmente recobertas, esofágicas off-label ou bariátricas). Técnicas de drenagem interna com pigtails, septotomia + dilatação e terapia a vácuo possuem melhor eficácia em fistulas crônicas no entanto em todos casos há necessidade de re-intervenção.

Neste estudo, o amplatzer teve desempenho excelente nos casos tardios/crônicos onde não houve complicação, re-intervenção e obteve sucesso de 100%, justamente no grupo onde os outros métodos encontram mais dificuldades seja por menor eficácia (próteses) seja pela necessidade de re-intervenções (outros métodos).

A prótese em questão já está disponível no Brasil, sendo utilizada em cardiologia, o que facilita seu emprego e realização do novos estudos para comprovar sua eficácia.




QUIZ !! Rastreio do câncer colorretal

 




Quiz LESÃO CÍSTICA SIMPLES INTRA-ABDOMINAL PERIPANCREÁTICA

Paciente feminina, 41 anos, história de desconforto epigástrico recorrente associado a náuseas e plenitude pós-prandial, apresentando períodos de melhora quando em uso de omeprazol 20 mg. A paciente é tabagista e portadora de hipertensão arterial sistêmica e nefrolitíase. Nega antecedente de neoplasia ou tratamento oncológico, trauma abdominal ou cirurgia prévia. Exame físico sem particularidades. Investigação iniciada com endoscopia digestiva alta, esta sem alterações.

Ao ultrassom de abdomen presença de imagem incidental ovalada, anecoica, com septações, adjacente ao pâncreas e artéria renal direita, medindo 40 x 30 mm, sem fluxo ao doppler colorido, a qual não foram atribuídos sintomas. Realizado complementação diagnóstica com Tomografia computadorizada (TC) de abdomen a qual evidenciou imagem hipodensa, ovalada, de paredes finas, sem realce à injeção de contraste, localizada adjacente ao processo uncinado, entre o polo inferior do rim direito e a veia cava inferior, medindo 4,3 x 3,4 x 4,1 cm nos maiores diâmetros.




TRANSPLANTE DE MICROBIOTA FECAL

O transplante de microbiota fecal (TMF) ou transplante fecal consiste na infusão de fezes de um doador saudável no trato gastrointestinal de um paciente que possua alguma doença relacionada a alteração da flora intestinal.

Os primeiros relatos de TMF são de 1700 anos atrás em que um médico chinês administrava suspensões de fezes humanas por via oral a pacientes com intoxicação alimentar e/ou diarreia grave. Em 2013 foi publicado na New England Journal of Medicine o primeiro estudo bem desenhado sobre o sucesso do TMF em infeções por Clostridium difficile e que a partir daí tem motivado inúmeros outros trabalhos relacionados ao tema.

A indicação formal do TMF atualmente é nas infecções recorrentes por Clostridium difficile com uma taxa de cura de até 90%.

Há estudos em andamento de TMF em outras doenças gastrintestinais (doença inflamatória intestinal, síndrome do intestino irritável) assim como em doenças endócrinas (obesidade, síndrome metabólica), neurológicas (Parkinson, esclerose múltipla), hematológicas (PTI, GVHD) e psiquiátricas (autismo).

Para o bom andamento do TMF é necessário uma equipe multidisciplinar (médico assistente quer seja o clínico, gastroclínico ou geriatra, infectologista e o endoscopista) alinhada e com protocolo bem estabelecido no serviço.

ETAPAS DO PROCEDIMENTO

  1. ESCOLHA DO DOADOR

O doador pode ser aparentado ou não. Este deverá passar por um screening infeccioso rigoroso e um questionário quanto a presença de outras doenças que possam inviabilizar a doação.

  1. COLETA, PREPARO E ADMINISTRAÇÃO DO MATERIAL

O doador deve chegar no laboratório do dia do procedimento e o tempo ideal entre a coleta das fezes e a infusão do material é de 6 horas. O peso fecal deve ser no mínimo de 50g e o volume total da suspensão é de 100 a 200ml, que será infundido a depender da rota escolhida. Há opção também de congelar o material mas é preferível a utilização de fezes frescas (vide imagem abaixo).

  1. ROTA DE ADMINISTRAÇÃO

Segundo os artigos publicados até o momento todas as 5 rotas estudadas apresentam resultados semelhantes. Desta maneira o TMF pode ser realizado por:

  • Endoscopia digestiva alta com sonda nasogástrica/nasoenteral
  • Enteroscopia anterógrada
  • Colonoscopia
  • Retosigmoidoscopia
  • Enema

O que vai determinar a escolha do método será a condição clínica do paciente e experiência do endoscopista. Na via alta é sugerido infundir no intestino delgado até 100ml lentamente através da sonda nasoenteral ou pelo próprio canal de acessório ou por um cateter spray. Na rota baixa sugere-se infundir a maior quantidade possível do material (média de 200ml) no íleo terminal e cólon direito.

  1. CUIDADOS PRÉ, PERI E PÓS TMF

O preparo do exame é o jejum adequado e nos casos de a rota escolhida ser baixa pode ser realizado preparo intestinal com solução de manitol ou polietilenoglicol.

Alguns cuidados podem ser tomados, no entanto ainda nada consensual, tais como:

  • Uso de inibidores de bomba de prótons
  • Uso de procinéticos
  • Uso de antidiarreicos (loperamida)

É preconizada a infusão de cerca de 100ml do material fecal de forma lenta quando utilizada a via alta ao passo que quando o TMF é feito por via baixa utilizam volumes pouco maiores (cerca de 200ml).

  1. EVENTOS ADVERSOS

Os eventos adversos podem ocorrer em até 30% dos casos sendo geralmente nas primeiras 48 horas pós procedimento e tratados conservadoramente. Os mais comuns são febre, diarreia, cólicas abdominais e eructações. Já foram descritos casos raros de óbito por regurgitação com broncoaspiração do material fecal e perfuração por megacolon tóxico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até o momento a única indicação do TMF com evidência científica comprovada é nas infecções graves por Clostridium difficile. Por conta do aumento na incidência e morbimortalidade relacionada a infecção pelos C difficile o transplante de microbiota fecal tem sido um boa opção terapêutica nos casos selecionados. No Brasil ainda não há um regimento bem definido para o procedimento e são poucos centros que tem feito o TMF. No entanto com as descobertas recentes da influência da microbiota intestinal na resposta imune, pode ser que no futuro novas indicações surjam e o TMF seja um procedimento largamente utilizado no nosso país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Bennet JD, et al. Lancet. 1989 Jan 21;1(8630):164.
  2. Zhang F, et al. Am J Gastroenterol. 2012 Nov;107(11):1755
  3. Van Nood E, et al. N Engl J Med. 2013 Jan 31;368(5):407-15
  4. Cammarota G, et al. Gut 2017;66:569–580
  5. Mullish BH, et al. Gut 2018;0:1–22
  6. Choi HH, et al. Clin Endosc. 2016 May;49(3):257-65



SANGRAMENTO TARDIO PÓS-MUCOSECTOMIA DE CÓLON. SERÁ QUE PODEMOS EVITAR ESSE DRAMA?

Introdução

A mucosectomia é um procedimento endoscópico amplamente realizado em todo o mundo para o tratamento de lesões superficiais do TGI.  Consiste basicamente na injeção submucosa de fluidos para elevação da lesão, seguida do corte e consequente remoção da mesma usando alças diatérmicas.

A grande maioria desses procedimentos é realizada de forma ambulatorial, com altas taxas de sucesso e baixa incidência de complicações imediatas e tardias. As complicações mais comuns são o sangramento, perfuração e a síndrome pós-polipectomia, de injúria térmica dos tecidos.

Sangramento

O sangramento é o evento adverso tardio mais comum associado ao procedimento de mucosectomia de cólon, com uma incidência que varia entre 2 e  10%. Na maioria das vezes ocorre até 7 dias após  a mucosectomia, com alguns autores descrevendo sangramento até 30 dias após o procedimento.

Os sangramentos tardios geralmente são de grande monta e podem acarretar consequências clínicas importantes como choque hipovolêmico e instabilidade hemodinâmica, com necessidade de admissão hospitalar, hemotransfusões, reintervenções endoscópicas e, por vezes, intervenção radiológica ou cirúrgica.

Um fato interessante em relação aos sangramentos tardios, é que não há nenhum tipo de profilaxia com eficácia comprovada, para sua prevenção. Será que existem meios para prever os quadros de sangramento pós mucosectomia  e, dessa maneira, evitar esses eventos?

Fatores de risco para sangramento

Vários autores em diferentes países vêm fazendo esses mesmos questionamentos e vamos fazer aqui uma compilação dos estudos mais recentes.

No passado, vários fatores foram relacionados aos quadros de sangramento tardio, como por exemplo, ocorrência de sangramento imediato, tamanho e localização das lesões, uso de antitrombóticos, experiência do endoscopista, técnica de mucosectomia utilizada, dentre outros.

Nos últimos anos, no entanto, diferentes grupos que se dedicam ao estudo de desfechos pós ressecções endoscópicas têm observado que o aspecto do leito de ressecção imediatamente após o procedimento é, talvez, o fator mais importante associado aos quadros de sangramento tardio.

A aparência dos leitos de ressecção pode variar bastante. Podemos ter leitos aparentemente “limpos” aonde é possível observar somente o aspecto das fibras submucosas, orientadas obliquamente, com aspecto areolar, que se cruzam no leito de ressecção. Essas fibras podem, por vezes, exibir corantes azuis (índigo carmine e azul de metileno) como mostrado na Figura 1.

Podemos, contudo, observar leitos de ressecção com inúmeras alterações como vasos visíveis, exibindo diferentes calibres, vasos seccionados, áreas de fibrose, exposição e lesões da camada muscular, além de estigmas de coagulação (Figura 2).

Kim e colaboradores mostraram em um estudo publicado em 2017, que envolveu 505 pacientes, que o aspecto alterado do leito de ressecção teve forte associação com episódios de sangramento tardio (que ocorreu em 2,7% dos casos do estudo). Os autores identificaram duas situações distintas, que mereceram destaque:

  • presença de estigmas ou injúrias por coagulação – graduadas em leve (sem estigmas), moderada (pequena quantidade de debris brancos no leito de ressecção) e acentuadas (debris brancos cobrindo o leito de ressecção)
  • presença de vasos visíveis e seccionados.

 

Lesões por coagulação acentuadas (OR 16,79 95% CI 1,82-145,55) e presença de vasos seccionados (OR 18,91 95% CI 3,10-115,18) foram as variáveis que associaram-se de forma independente a episódios de sangramento tardio.

Timothy Elliot e colaboradores, conduziram um estudo interessante que foi publicado em 2018 na Endoscopy, para investigar fatores envolvidos com sangramento tardio pós-mucosectomias. O estudo envolveu 330 pacientes, com uma taxa de sangramentos tardios de 6,7% (necessidade de internação hospitalar), sendo que metade dos pacientes internados precisaram de hemotransfusões.

Os autores destacaram que nenhuma variável clínica (gênero, idade, presença de comorbidades, uso de anti-trombóticos), ou associada à lesão (tamanho, localização, técnica utilizada para mucosectomia) teve associação com sangramento tardio. As variáveis que tiveram associação foram as alterações do leito de ressecção, como presença de fibras musculares expostas (p = 0,03) e presença de hematomas na submucosa (chamados pelos autores de “red spots” – p = 0,05). Essas duas alterações, de acordo com os autores, estão associadas a lesões térmicas  e mecânicas de vasos submucosos, o que eleva o risco de sangramento tardio.

Na edição de Março de 2019 da revista Gastrointestinal Endoscopy, foi publicado um artigo original do serviço de endoscopia do grupo de New South Wales de Sydney na Austrália, dedicado a descrever quais alterações observadas nos leitos de ressecção pós-mucosectomias, estariam relacionadas ao sangramento tardio.

O grupo, com grande experiência em mucosectomias colorretais, conduziu um estudo prospectivo que envolveu 501 lesões ressecadas em 501 pacientes, com uma taxa de sangramento tardio de 6% (30 casos).

Foi observada que a presença de três ou mais vasos visíveis no leito de ressecção, independente do calibre dos mesmos, foi um forte preditor de sangramento tardio (p=0,016) e que nenhuma outra característica do leito de ressecção (herniação de vasos, calibre, presença de fibrose, dentre outras) se correlacionou com sangramento tardio. Vasos submucosos visíveis foram mais frequentes em lesões de cólon esquerdo e, nessa localização os vasos eram mais calibrosos, numerosos e herniados, em relação a lesões ressecadas em cólon direito.

Como resultado dos procedimentos habituais de mucosectomia, temos a formação de um leito de ressecção que se assemelha a uma úlcera. A inspeção cuidadosa dessas úlceras artificiais, ou seja, desses leitos de ressecção, não faz parte das rotinas da maioria dos serviços e parece trazer informações preciosas em relação ao risco de sangramento tardio. Não há, até o momento, nenhuma recomendação estabelecida em relação a cuidados com leito de ressecção pós mucosectomias, diferente do que ocorre com ESD (dissecção submucosa).

A avaliação das alterações nos leitos de ressecção (presença de vasos, aspecto e quantidade de vasos, além da presença de estigmas de coagulação), pode ser extremamente útil para guiar medidas preventivas de sangramento instituindo rotinas para o uso racional de clipes endoscópicos, de coagulação com plasma de argônio, dentre outros. A adoção da prática de inspeção detalhada dos leitos de ressecção pode, ainda, melhorar um aspecto pouco valorizado no Ocidente: a documentação fotográfica sistemática e adequada dos procedimentos realizados.

Essas medidas têm potencial para reduzir o impacto do sangramento tardio, tanto em termos de repercussões clínicas para os pacientes, quanto em termos de custos para o sistema de saúde.

REFERÊNCIAS:

Gwang-Un Kim, Myeongsook Seo, Eun Mi Song, et al. Association between the ulcer status and the risk of delayed bleeding after the endoscopic mucosal resection of colon J Gastroenterol Hepatol.2017 32(11):1846-1851.

Timothy R. Elliott, Zacharias P. Tsiamoulos, Siwan Thomas-Gibson et al. Factors associated with delayed bleeding after resection of large nonpedunculated colorectal polyps. Endoscopy 2018 50(8): 790-99.

Lobke Desomer, David J. Tate, Farzan F. Bahin et al. A systematic description of the post-EMR defect to identify risk factors for clinically significant post-EMR bleeding in the colon. Gastrointest Endosc 2019 89(3): 614-24.

 

Fotos para discussão

 

EMR 1

EMR 2

 




Diagnóstico e tratamento endoscópico da esofagite eosinofílica e suas complicações

 




Artigos comentados – Março 2019

 

Bom dia a todos! Vamos iniciar o mês de março com uma pequena seleção de artigos científicos publicados recentemente que acredito ser de interesse de muitos colegas. Foi difícil filtrar e escolher apenas 3 artigos dentro de vários interessantes que saíram ultimamente. Boa leitura!

 

ARTIGO 1: Erradicação completa do Barrett deve ser o objetivo da terapia endoscópica

 

A Terapia Endoscópica de Barrett é cada vez mais utilizada para o tratamento de displasia e adenocarcinoma intramucoso. O tratamento ideal é a ressecção endoscópica (mucosectomia ou ESD) podendo ser combinada com ablação por radiofrequência ou APC-híbrido do epitélio remanescente.

Embora o objetivo seja alcançar a erradicação completa da metaplasia intestinal (ER-MI), a terapia endoscópica, algumas vezes, só é capaz de alcançar a erradicação completa da displasia (EC-D), permanecendo ainda focos de MI no epitélio remanescente.

Nesta meta-análise de 40 estudos (n = 4410) com 12.976 pacientes-anos de acompanhamento total, Sawas et al avaliaram o risco de recorrência de displasia após EC-D versus após ER-MI.

A recidiva de displasia foi relatada em 274/4061 (5%) dos pacientes que obtiveram ER-MI versus 58/349 pacientes (12%) daqueles que atingiram EC-D (RR 2,8).

Da mesma forma, a recorrência de HGD / câncer foi significativamente maior naqueles pacientes que alcançaram apenas EC-D (6%) versus ER-MI (3%; IC95%: 2-4%) (RR 3,6). Nos estudos que relataram a localização anatômica das recidivas, a maioria deles (77%) localizava-se na região da junção gastroesofágica.

Comentário: A erradicação completa de todo o esôfago de Barrett deve ser o objetivo da terapia endoscópica. Qualquer metaplasia intestinal residual que persista tem o potencial de progressão neoplásica. A maioria das recidivas ocorre na região da junção gastroesofágica, e esta área deve ser cuidadosamente examinada durante a endoscopia de vigilância pós ressecção/ablação endoscópica.

 

Sawas T, Alsawas M, Bazerbachi F, et al. Persistent intestinal metaplasia after endoscopic eradication therapy of neoplastic Barrett’s esophagus increases the risk of dysplasia recurrence: meta-analysis. Gastrointest Endosc 2018 Dec 7. (clique no link: https://doi.org/10.1016/j.gie.2018.11.035)

 

 

ARTIGO 2: Retrovisão no cólon ascendente versus segundo exame na visão frontal: resultados de uma meta-análise

 

  • Lesões no cólon direito são frequentemente perdidas durante o exame padrão de colonoscopia.
  • Estudos mostraram que a retrovisão no cólon ascendente pode aumentar a taxa de detecção de adenomas. Outros estudo mostraram que um segundo exame na visão frontal também é capaz de aumentar esses índices.
  • O objetivo desta meta-análise foi comparar as taxas de perda de adenoma e as taxas de detcção de adenoma entre os dois métodos.
  • Foram selecionados 4 estudos com 1882 pacientes.
  • As taxas de perda de adenoma no cólon direito variaram de 8-13% e não houve diferença entre as duas técnicas com relação a essa taxa.
  • O segundo exame de visão frontal no cólon direito aumentou a TDA em 10% (p<.01)
  • A retrovisão no cólon ascendente aumentou a TDA em 6% (p<.01)

 

Comentários: O exame cuidadoso do cólon direito é fundamental para não deixar passar desapercebido lesões sésseis neste segmento. Em especial, os adenomas serrilhados são lesões difíceis de diagnosticar devido sua natureza plana e muito semelhante à mucosa normal adjacente. Limpar as secreções, tirar as bolhas com simeticona, olhar atrás das pregas e finalmente, associar uma destas duas técnicas (ou ambas) pode aumentar sua taxa de detecção de adenomas.

 

Increasing adenoma detection rates in the right side of the colon comparing retroflexion with a second forward view: a systematic review. Madhav Desai, Mohammad Bilal, Nour Hamade, et al. Gastrointest Endosc 2019, Mar .(Clique no link: https://doi.org/10.1016/j.gie.2018.09.006)

 

ARTIGO 3: Biópsias de LST colorretais aumentam fibrose e podem dificultar a ressecção

 

Estudo retrospectivo realizado no Hospital Universitário de Osaka comparou os achados de fibrose submucosa em lesões de crescimento lateral (LSTs) com biópsias prévias versus sem biópsias prévias.

A realização de biópsias previamente à ressecção dobrou o índice de fibrose submucosa severa (20% vs 10% – p=.03).

Não houve diferença entre os grupos com relação ao desfecho do tratamento, ou seja, ressecção completa em bloco e eventos adversos.

Comentários: a propedêutica endoscópica pré-operatória talvez seja um dos maiores desafios para o colonoscopista. Avaliar a lesão com uso de corantes, examinar detalhadamente sua superfície (de preferência com magnificação de imagens) e decidir a melhor estratégia de ressecção é tarefa que exige dedicação e experiência do endoscopista.

Não raramente recebemos pacientes cuja colonoscopia prévia foram feitas múltiplas biópsias! Sinceramente não vejo um bom motivo nem para fazer um único fragmento de biópsia, quanto mais múltiplas. O fato de vir adenocarcinoma no fragmento de anátomo não é contraindicação para ressecção endoscópica. Da mesma forma, o resultado de adenoma de baixo grau ou de alto grau não garante que em alguma outra região da lesão não possa se esconder um adenocarcinoma invasivo.

Não há nada de errado em estudar a lesão, documentar bem e não mexer na lesão num primeiro momento, deixando para decidir com calma posteriormente, conversando com paciente e familiares sobre a melhor estratégia terapêutica, seja por via endoscópica em caráter ambulatorial, ou internado no centro cirúrgico, ou mesmo decidir pela cirurgia.

Embora este estudo não tenha demonstrado impacto negativo nos resultados da ressecção pela fibrose, não podemos nos esquecer que se trata de um centro japonês avançado com alta expertise em ESD. Certamente esses resultados não podem ser extrapolados para centros ocidentais com baixo volume de terapêutica.

Fukunaga S, Nagami Y, Shiba M, et al. Impact of preoperative biopsy sampling on severe submucosal fibrosis on endoscopic submucosal dissection for colorectal laterally spreading tumors: a propensity score analysis. Gastrointest Endosc. 2019 Mar;89(3) (clique no link: https://doi.org/10.1016/j.gie.2018.07.032)




Câncer gástrico precoce – Diagnóstico com cromoscopia e magnificação

Paciente 66 anos, sexo feminino, sem queixas, veio para exame de endoscopia digestiva alta (EDA) para avaliação pré-operatória (gastroplastia redutora).

Após lavagem abundante da câmara gástrica com água e simeticona, identificada gastrite atrófica com metaplasias intestinais em antro, e lesão deprimida suspeita (0-IIc / Classificação de Paris), medindo cerca de 1,5 cm, localizada na grande curvatura para parede anterior de antro distal, fotos a seguir:

Exame com luz branca.

Exame com luz branca.

Exame com cromoscopia com BLI-bright.

Exame com cromoscopia óptica com LCI.

 

Após identificação da lesão com luz branca e com uso da cromoscopia óptica, realizada avaliação com uso da magnificação, sendo possível observar com mais detalhes a linha demarcatória, e a irregularidade das criptas e da vascularização no leito da lesão:

A biópsia demonstrou adenocarcinoma bem diferenciado, intramucoso. A paciente foi então encaminhada para realização de estadiamento com ecoendoscopia, que evidenciou que lesão não apresentava sinais de invasão da submucosa, e não se observaram linfonodomegalias (eusT1aN0Mx).

Paciente foi então encaminhada para realização de ressecção da lesão gástrica pela técnica de dissecção endoscópica da submucosa (ESD) com o Dr Nelson Miyajima (H. Nipo-Brasileiro).

Procedimento ocorreu sem intercorrências. E o AP evidenciou adenocarcinoma bem diferenciado, restrito a mucosa, ausência de invasão linfovascular, e margens livres (estadiamento pTis).

 

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