Tratamento do Divertículo de Zenker por Z-POEM

 

Divertículo de Zenker (DZ) são protrusões saculiformes da mucosa e submucosa esofágica que ocorre na parede posterior da junção faringoesofágica, logo acima do músculo cricofaríngeo (MCF), com prevalência entre 0,01% e 0,1%.

O tratamento endoscópico ganhou espaço nas últimas décadas sobre o tratamento cirúrgico, visto ser um tratamento minimamente invasivo, com menor morbidade e eficaz.

Várias técnicas endoscópicas foram descritas como a diverticulotomia (link), uso de ultracision, plasma de argônio, etc. Os resultados das técnicas endoscópicas estão resumidos a seguir:

  • Sucesso clínico entre 56% e 100%
  • Eventos adversos média de 15%
  • Recidiva clínica 10,5%

 

Essa recidiva relativamente alta é atribuída a dificuldade em se identificar com precisão o final do músculo cricofaríngeo, o que pode levar a septotomia incompleta. Por outro lado, a secção além do limite do músculo pode abrir comunicação com o mediastino e consequente risco infeccioso.

Neste cenário surgiu a possibilidade de aplicar uma nova técnica endoscópica, baseada na experiência prévia com o POEM (miotomia esofágica perioral) utilizada para tratamento da acalásia. Esse novo procedimento foi apelidado de Z-POEM ou D-POEM, ou seja, a miotomia do divertículo de Zenker com criação de um túnel submucoso.

As vantagens teóricas dessa técnica seriam:

  1. Melhor identificação e secção completa do músculo cricofaríngeo
  2. Possibilidade de fechar a mucosa com clipes, trazendo menos dor, possibilitando cicatrização mais rápida e minimizando riscos infecciosos.

 

Indicação

  • Diverticulotomia do Zenker está indicada nos pacientes com DZ que apresentam disfagia, regurgitação, engasgos ou pneumonia de aspiração.

 

Avaliação pré-procedimento

  • Deglutograma contrastado
  • Endoscopia digestiva alta
  • Pré-operatório para anestesia geral (ECG, RX tórax, exames laboratoriais com coagulograma)

 

Cuidados pré-operatórios:

  • Recomendamos dieta líquida na véspera do procedimento e jejum de 12 horas para evitar presença de resíduos alimentares no interior do divertículo
  • Antibióticos de amplo espectro na indução anestésica.

 

Sedação e posicionamento sugerido

  • Anestesia geral
  • Nossa preferência é pelo DLE, embora alguns autores realizem o procedimento na posição supina

 

Materiais necessários

  • Agulha de esclerose
  • Cap, de preferência o cap cônico.
  • Faca de dissecção submucosa (Hybrid-knife Erbe)
  • Bisturi elétrico Erbe com função endocut
  • Pinça hemostática (coagrasper ou hot-biopsy Boston)
  • Insuflador de CO2 (imprescindível). Recomendado baixo fluxo para evitar enfisema subcutâneo

 

Passos técnicos do procedimento

  • Injeção e secção da mucosa 2 cm acima do septo do DZ
  • Criação do túnel submucoso
  • Identificação do septo (MCF)
  • Dissecção meticulosa do septo na sua face anterior e posterior.
  • Secção do septo
  • Revisão da hemostasia
  • Fechamento da mucosa com clips

 

Cuidados pós-operatórios

  • Antibióticos. EV são mantidos por 24horas após o procedimento e na alta são substituídos por ATB via oral por 5-7 dias (solução líquida de amoxicilina ou amoxicilina + clavulanato).
  • Aguá e chá frio podem ser iniciados 6 horas após o procedimento.
  • Dieta líquida no primeiro PO, com progressão gradual para dieta pastosa e dieta leve conforme ausência de dor e boa aceitação via oral.
  • IBP por 4 semanas.
  • Controle endoscópico em 3 meses

 

Video do Procedimento

 

Procedimento realizado por Dr. Nelson Miyajima + Dr. Bruno Martins

 

Resultados

O maior estudo até então foi publicado este ano na GIE. [2]

  • Estudo internacional multicêntrico envolvendo 10 instituições
  • 75 pacientes, média idade 73 anos
  • Sucesso técnico 97% (73/75)
  • Eventos adversos em 6,7% (5/75)
    • 1 sangramento leve tratado de forma conservadora
    • 4 perfurações (1 grave e 3 moderadas)
  • Tempo médio do procedimento 52 minutos
  • Média de estadia hospitalar 1,8 dias
  • Sucesso clínico 92% (69/75)
  • Média de follow-up 291 dias
  • Com 12 meses de follow-up, um paciente referiu recidiva dos sintomas

 

Conclusões: 

O tratamento endoscópico do divertículo de Zenker utilizando a técnica do Z-POEM é promissora, eficaz e apresenta bons resultados.

Imagina-se que essa técnica possa oferecer uma resposta mais duradoura a longo prazo, visto possibilitar a secção completa do músculo cricofaríngeo com segurança, já que a mucosa pode ser fechada com clipes ao término do procedimento.

No entanto, estudos com follow-up a longo prazo ainda são necessário para nos certificarmos da resposta duradoura do procedimento.

Tampouco existem estudos comparando o Z-POEM com a técnica tradicional, embora existam estudos em andamento. Os resultados desses estudo são aguardados ansiosamente.

 

Referências:

 

  1. Li QL, Chen WF, Zhang XC, et al. Submucosal Tunneling Endoscopic Septum Division: A Novel Technique for Treating Zenker’s Diverticulum. Gastroenterology. 2016;151(6):1071‐1074. doi:10.1053/j.gastro.2016.08.064
  2. Yang J, Novak S, Ujiki M, et al. An international study on the use of peroral endoscopic myotomy in the management of Zenker’s diverticulum. Gastrointest Endosc. 2020;91(1):163‐168. doi:10.1016/j.gie.2019.04.249
  3. Maydeo A, Patil GK, Dalal A. Operative technical tricks and 12-month outcomes of diverticular peroral endoscopic myotomy (D-POEM) in patients with symptomatic esophageal diverticula. Endoscopy. 2019;51(12):1136‐1140. doi:10.1055/a-1015-0214

 

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Como citar esse artigo:

Martins, BC. Tratamento do Divertículo de Zenker por Z-POEM. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/tratamento-do-diverticulo-de-zenker-por-z-poem/

 




Algoritmo diagnóstico simples para detecção de câncer gástrico precoce através da magnificação endoscópica (MESDA-G)

O primeiro passo para o diagnóstico do câncer gástrico precoce (CGP) é identificar uma lesão suspeita usando a luz branca convencional. Nesse método, é importante prestar atenção nas mudanças sutis de cor e morfologia da mucosa. As pistas são: alteração da cor (eritema ou palidez), mudanças morfológicas na superfície (protrusão, elevação ou depressão), pregas afinadas ou interrompidas, sangramento espontâneo, alteração abrupta no padrão vascular ou mucoso, perda de brilho na mucosa. No caso de componente ulceroso, uma lesão suspeita pode ser detectada como alterações sutis na mucosa ao redor da úlcera.

Preparação adequada e uso de técnica apropriada são extremamente importantes para detecção de CGP.

Após identificar uma lesão que potencialmente é uma neoplasia, o segundo passo é procurar uma linha demarcatória entre a lesão e a mucosa adjacente. Devemos sempre olhar de fora para o centro da lesão, da mucosa normal à mucosa alterada. Se não houver demarcação nítida, trata-se de uma lesão benigna. O uso de corantes como índigo-carmim e/ou a magnificação endoscópica melhora a visualização das características da mucosa e facilita a diferenciação entre a lesão cancerosa e a mucosa ao redor.

O terceiro passo é procurar alterações nos padrões de microvascularização e microssuperfície DENTRO da linha demarcatória (Classificação VS). Caso uma das duas esteja presente, o diagnóstico de neoplasia gástrica precoce pode ser feito, conforme o algoritmo abaixo:

Algoritmo diagnóstico simples de Magnificação endoscópica para câncer gástrico (MESDA-G). LD: linha demarcatória; IPMV: irregularidade do padrão microvascular; IPMS: irregularidade do padrão de microssuperfície

 

MAGNIFICAÇÃO ENDOSCÓPICA DA MUCOSA GÁSTRICA NORMAL

 

Para detectar uma lesão suspeita, é de extrema importância entender os achados endoscópicos da mucosa gástrica normal. Com isso, podemos identificar os fatores de alto risco (infecção por H. pylori, atrofia e metaplasia), distinguir lesões neoplásicas de não neoplásicas e determinar as margens do tumor.

 

MUCOSA DE GLÂNDULAS FÚNDICAS NORMAL

A mucosa fúndica normal está presente no corpo gástrico sem nenhuma alteração patológica como por exemplo inflamação ou atrofia secundária à infecção por H. pylori.

Neste padrão, os capilares formam uma rede de vasos em forma de favo de mel em volta das criptas e desembocam nas vênulas coletoras.

A cromoscopia com magnificação da mucosa fúndica normal é caracterizada por uma superfície epitelial onde a abertura das criptas é vista como oval ou redonda circundada por uma estrutura de coloração branca (epitélio marginal da cripta). As vênulas coletoras possuem distribuição regular (RAC, regular arrangement of collecting venules) e possuem coloração esverdeada (ciano), conforme demonstrado na figura 2

Figura 2: Magnificação endoscópica da mucosa do tipo fúndico.

 

MUCOSA DE GLÂNDULAS PILÓRICAS NORMAL

A mucosa pilórica normal está presente no antro gástrico sem nenhuma alteração patológica como por exemplo inflamação ou metaplasia secundária à infecção por H. pylori. Nesse caso, as glândulas desembocam obliquamente e não perpendicularmente como no padrão fúndico, dando um aspecto reticular com sulcos. Os capilares formam alças em espiral ou mola (figura 3).

 

Figura 3: Magnificação endoscópica da mucosa do tipo pilórico.

 

MUCOSA DE GASTRITE CRÔNICA ASSOCIADA A PYLORI

A infecção persistente do H. pylori causa inflamação, atrofia e metaplasia intestinal na mucosa gástrica.

A magnificação endoscópica na mucosa fúndica associada à inflamação crônica mostra distribuição anômala das aberturas de criptas, assim como aberturas elípticas ou em forma de sulcos com coloração branca. Os capilares podem ou não ser observados ao redor das aberturas de criptas.

Os achados da magnificação na mucosa atrófica consistem em formas vilosas ou granulares dilatadas, com capilares em espiral. A metaplasia intestinal está frequentemente associada à atrofia e envolve a formação das cristas azul clara (Light blue crest), conforme demonstrado nas figuras 4 e 5.

Figura 4: Magnificação de mucosa atrófica de corpo gástrico.

 

 

Figura 5: Light blue crest.

OBS: A distinção entre mucosa normal e gastrite crônica na mucosa pilórica ainda não está claramente elucidada.

 

METAPLASIA

A infecção crônica pelo H. pylori induz alterações biomoleculares na mucosa gástrica, fazendo com que ela se assemelhe ao fenótipo intestinal (metaplasia intestinal). A metaplasia intestinal é fator de risco para câncer gástrico.

Na endoscopia com luz branca, a metaplasia intestinal apresenta-se superficialmente elevada ou com áreas planas esbranquiçadas (figura 6). Também pode aparecer como placas da mesma cor da mucosa adjacente ou até áreas ligeiramente deprimidas e avermelhadas.

O NBI pode contrastar as diferenças de coloração entre a mucosa metaplásica e não-metaplásica. Com a magnificação, a estrutura da microssuperfície da mucosa gástrica normal tem o aspecto foveolar no corpo e reticular no antro, enquanto a microssuperfície da metaplasia intestinal geralmente apresenta um padrão viliforme ou em sulcos, mimetizando a mucosa antral normal ou mucosa intestinal (figura 7). Além disso, o epitélio da metaplasia intestinal é mais turvo quando comparado à mucosa não metaplásica

Uma fina linha de luz azul pode ser observada na crista ou giro da superfície epitelial, chamada de Light blue crest (LBC). O LBC é possivelmente originado pela reflexão da luz através da borda em escova presente na metaplasia intestinal (figura 5).

 

Figura 6: Metaplasia gástrica intestinal no antro: área esbranquiçada e ligeiramente elevada.

 

Figura 7: Magnificação endoscópica: a mucosa metaplásica apresenta um padrão de sulcos.

 

COMENTÁRIOS

O diagnóstico de câncer gástrico precoce é desafiador e requer conhecimento, prática e tempo. Este artigo propõe um algoritmo simplificado, de fácil aplicabilidade na prática clínica por endoscopistas não experientes.

O reconhecimento de uma lesão potencialmente maligna começa com a luz branca convencional. O foco deve ser nas alterações sutis da mucosa, como a cor e a superfície. Devemos sempre examinar de fora para o centro da lesão. Com o auxílio da cromoscopia e magnificação, pode-se avaliar as alterações do padrão microvascular e de microssuperfície. Para isso, é de extrema importância o conhecimento do aspecto endoscópico e anatômico da mucosa gástrica normal, das alterações inflamatórias secundárias à infecção pelo H. Pylori e das alterações precursoras (metaplasia intestinal, atrofia).

O critério simplificado proposto no MESDA-G classifica uma lesão como câncer quando a mesma é bem delimitada e com padrão irregular na cor (vascularização) e/ou superfície. A presença de uma linha demarcatória evidente entre a mucosa normal e a mucosa alterada está sempre presente nas lesões superficiais do estômago.

Nas lesões benignas (úlceras pépticas, gastrites erosivas), apesar de muitas vezes haver linha demarcatória, sua distribuição espacial é simétrica e a mucosa ao redor é regular.

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Muto M, Yao K, Kaise M, et al. Magnifying endoscopy simple diagnostic algorithm for early gastric cancer (MESDA-G). Dig Endosc. 2016;28(4):379‐393.




Caso Clínico – Punção Ecoguiada Retrógrada por via Transgástrica

Caso Clínico

A punção aspirativa por ecoendoscopia é um procedimento seguro e eficaz para o diagnóstico citopatológico de lesões
mediastinais.
Apresentamos caso punção aspirativa ecoguiada que foi foi realizada de forma retrógrada através de uma gastrostomia,
devido à abertura bucal limitada por trismo.
Paciente masculino, 42 anos, com CEC de orofaríngeo que apresentou resposta parcial à quimio-radioterapia e, portanto,
estava sendo avaliado para cirurgia. A PET-CT mostrou lesão mediastinal hipermetabólica. No planejamento oncológico
deste paciente, se a lesão mediastinal fosse um foco metastático, a cirurgia estaria contra-indicada. A tentativa
inicial de punção por ecoendoscopia falhou pois o aparelho de ecoendoscopia não pôde ser passado através da boca devido
ao trismo induzido por radiação.
Após discussão multidisciplinar, procedeu-se à punção ecoguiada retrógrada da massa mediastinal através da gastrostomia
preexistente (vídeo após o texto).
O procedimento foi realizado sob anestesia geral. A sonda de gastrostomia existente foi removida e substituído por um
trocarte laparoscópico de 15 mm após dilatação em série do trato de gastrostomia. Um gastroscópio padrão foi passado
através do trocarte e dois clips foram colocados na cárdia para ajudar na identificação da transição esofagogástrica
(TEG) durante a passagem do ecoendoscópio. Um ecoendoscópio radial (GF-UE160-AL5, Olympus, Tóquio, Japão) foi inserido
através do trocarte e avançado de forma retrógrada através da TEG até a visualização ultrassonográfica da massa
mediastinal (Figura 1). O ecoendoscópio radial foi então trocado por um ecoendoscópio linear (UC140P-AL5, Olympus,
Tóquio, Japão) para realização da punção aspirativa ecoguiada. Foram realizadas duas passagens com uma agulha de 22G,
com diagnóstico citopatológico em sala (ROSE) de carcinoma (Figura 2). O ecoendoscópio linear e o trocarte foram
removidos e uma sonda de gastrostomia balonada foi colocada. A patologia final confirmou a metástase do CEC. O paciente
recebeu alta no mesmo dia sem complicações e iniciou a imunoterapia paliativa posteriormente.
Passagem transgástrica do ecoendoscópio radial.
Punção ecoguiada retrógrada por via transgástrica.

 
Link na referência abaixo:
Matheus C Franco , Andrew T Strong , Prabhleen Chahal , Joseph Veniero , Brian Burkey , John J Vargo , Amit Bhatt.  Transgastric Retrograde
Endoscopic Ultrasound Sampling of a Mediastinal Mass in a Patient With Radiation-Induced Trismus. Endoscopy 2017;
49(07): E177-E178.

 




Papel da Colangioscopia na avaliação das Estenoses Biliares Indeterminadas

Homem, 45 anos, sem comorbidades, previamente hígido, passou a apresentar icterícia + colúria + acolia fecal há 30 dias, associada a desconforto em região do hipocôndrio direito, sem outros sintomas.
Durante investigação realizou RNM de ABD que evidenciou área de estenose imediatamente abaixo da confluência dos ductos hepáticos, todavia sem identificação de uma massa ou lesão óbvia. Apresentava bilirrubina total de  19mg/dL à custa de bilirrubina direta. Marcadores tumorais normais: CEA 0,5 ng/mL / CA 125 8,7 U/mL / CA 19-9 26,07 U/mL. Demais exames laboratoriais sem anormalidades significativas.
Referenciado ao nosso serviço de Endoscopia, foi optado pela realização de uma Colangioscopia com biópsia direta da estenose.
Realizada Colangioscopia digital através do sistema SpyGlass DS®, sendo identificada uma lesão polipoide com projeções papilares, friável, exibindo vasos aberrantes e conferindo signifivativa redução assimétrica da luz, localizada ao nível da confluência dos ductos hepáticos. Feitas biópsias sob visão direta (SpyBite®).




Havia patologista em sala para avaliação citológica, que constatou amostras significativas com o seguinte resultado:

Restante do material seguiu para análise histopatológica:

Procedida drenagem endoscópica bilateral com aposição de dois stents biliares plásticos, sendo um de 10Fr x 10cm na via biliar direita e outro de 7Fr x 10cm na via biliar esquerda:


PAPEL DA COLANGIOSCOPIA NA AVALIAÇÃO DAS ESTENOSES BILIARES INDETERMINADAS

A Colangioscopia Peroral foi descrita pela primeira vez na década de 1970 e até recentemente muitas limitações impediam que ela se tornasse um procedimento de rotina na prática diária da endoscopia. Dois endoscopistas experientes eram necessários para o sistema mãe-filha. Os endoscópios disponíveis eram frágeis, difíceis de montar, com capacidade de manobra limitada, de baixa qualidade de imagem e longo tempo de procedimento.
O sistema de Colangioscopia direta SpyGlass® (Boston Scientific, Marlborough, Massachusetts) foi introduzido em 2007, sendo desenvolvido para exame com um único operador. Utilizando uma sonda óptica acoplada a um cateter descartável, esse dispositivo de deflexão quadrilateral poderia ser inserido pelo canal de trabalho de um duodenoscópio e avançar através da papila. Apesar dos avanços significativos na usabilidade e melhora nas imagens, esse sistema ainda tinha várias limitações, incluindo qualidade de imagem abaixo do ideal e durabilidade da sonda.
Em 2015, foi lançado o novo SpyGlass DS®, primeiro sistema totalmente digital de colangioscopia com operador único. Isso proporcionou uma resolução de imagem mais alta, maior nitidez, melhor manuseabilidade e versatilidade no uso de acessórios, corrigindo as deficiências da geração anterior. Corrigindo muitas das limitações de seu antecessor, esse novo sistema consistia em um dispositivo descartável com configuração, ergonomia e qualidade de imagem notavelmente aprimoradas.
Como a maioria das estenoses biliares provém de uma causa maligna, um diagnóstico precoce e preciso é extremamente importante, especialmente no caso de uma neoplasia em estágio inicial, potencialmente curável. Uma repercussão igualmente significativa do diagnóstico incorreto da estenose indeterminada é a desnecessária intervenção cirúrgica em pacientes com estenose benigna.
Faz-se necessário definir o conceito de estenose biliar indeterminada. Na maioria das publicações postula-se que se refere a:

  • Estenose cuja etiologia não foi estabelecida por radiologia (não possui uma massa óbvia em imagens transversais)
  • A CPRE com biópsia transpapilar e/ou escovado falhou em elucidar.

 
Observem que destacamos o “E” pois, apesar de ser o entendimento majoritário, há divergências no sentido de considerar que estas duas condições seriam aditivas. Ou seja, a aparência radilógica não conclusiva de malignidade conferiria o status de indeterminada, dispensando a realização da CPRE.
É fato que a CPRE com biópsia transpapilar e/ou escovado continua sendo o procedimento padrão em muitos serviços nesses casos, sobretudo pela indisponibilidade da Colangioscopia. Porém, diante dos resultados atualmente publicados e muito promissores com as biópsias guiadas pela Colangioscopia, é possível que haja mudança nesta sequência propedêutica.
Foi demonstrado que o uso do SpyGlass® e biópsia direta (SpyBite®) altera as decisões de gerenciamento clínico em 64% dos pacientes. O sistema possui uma sensibilidade de 76,5% para diagnóstico de estenose biliar indeterminada, comparado com 29,4% e 5,9% de sensibilidade usando biópsia transpapilar às cegas ou escovado citológico, respectivamente.
Independentemente da instrumentação escolhida, as principais características macroscópicas usadas para determinar a malignidade das lesões do ducto biliar durante a Colangioscopia peroral são vasos dilatados e tortuosos, estenose infiltrativa (definida como margens irregulares com oclusão parcial do lúmen), superfície irregular e friabilidade (fácil sangramento); por outro lado, lesões benignas geralmente têm superfície lisa, sem vasos ou massa. No entanto, apesar dessas características bem definidas que distinguem lesões neoplásicas de não neoplásicas, muitos diagnósticos incorretos são feitos devido à falta de correlação entre esses aspectos macroscópicos e a histologia.
A oportunidade de visualização direta da árvore biliar levou a tentativas contínuas de classificação dos achados, a fim de estabelecer critérios padronizados e amplamente aceitos para o diagnóstico endoscópico / macroscópico.
Embora existam características colangioscópicas indicativas de malignidade, os critérios diagnósticos ainda são pouco uniformizados. Um estudo de Sethi et al, publicado em 2014, inspeciona a precisão visual da colangioscopia de operador único entre 9 especialistas que avaliaram 27 videoclipes de acordo com nove critérios. A concordância interobservador sobre todos os critérios foi de fraca a ruim. A fragilidade do estudo consiste no baixo número de videoclipes e na baixa qualidade dos vídeos.
O advento da Colangioscopia com imagem digital e um ângulo de visão mais amplo levou a novas pesquisas na avaliação visual e classificação de lesões biliares. Estudos publicados por Shah et al, Navaneethan et al, Turowski et al, entre outros, baseados na experiência com o SpyGlass DS ®, relatam uma alta sensibilidade da impressão visual do endoscopista, aproximando-se de 100%. Os procedimentos foram realizados por um único endoscopista experiente que tinha acesso prévio ao prontuário clínico do paciente, o que poderia ser considerado uma fraqueza desses estudos.
Uma proposta para um novo sistema de classificação dos achados colangioscópicos foi publicada em 2018 por Robles-Medranda et al.

  • Os autores propuseram dividir as lesões em 2 grupos: não neoplásicos e neoplásicos.
  • O estudo baseia-se em 305 pacientes submetidos a Colangioscopia de operador único com a primeira e a segunda geração do SpyGlass ®
  • Protocolo de dois estágios: retrospectivo para análise de imagem e preparação da classificação e prospectivo para validação da proposta.
  • Na segunda etapa, os resultados de sensibilidade, especificidade, VPP e VPN da imagem para lesão neoplásica foram os seguintes: 96,3%, 92,3%, 92,9% e 96%.
  • Houve boa concordância entre os observadores, maior com especialistas (κ> 80%) do que com não especialistas (κ 64,7% -81,9%).

 

Lesões Não Neoplásicas
Tipo 1 Padrão viloso A – Micronodular
B- Viloso sem vascularização
Tipo 2 Padrão polipóide A – Adenoma
B- Granular sem vascularização
Tipo 3 Padrão inflamatório Padrão fibroso e congestivo (regular ou irregular) com vascularização regular
 
Lesões Neoplásicas
Tipo 1 Padrão plano Superfície plana e lisa OU superfície irregular com vascularização irregular ou aracneiforme E sem ulceração
Tipo 2 Padrão polipóide Polipóide com fibrose e vascularização irregular ou aracneiforme
Tipo 3 Padrão ulcerado Padrão ulcerado e infiltrativo irregular, com ou sem fibrose, e com vascularização irregular ou aracneiforme
Tipo 4 Padrão em favo de mel Padrão fibroso alveolado com ou sem vascularização irregular ou aracneifome

 

Medranda-Robles et al. Endoscopy. 2018 Nov;50(11):1059-1070.


Medranda-Robles et al. Endoscopy. 2018 Nov;50(11):1059-1070.


 
Em Fevereiro deste ano (2020), Sethi et al propuseram 8 critérios visuais para as lesões biliares na Colangioscopia digital de operador único, intitulado de Classificação de Monaco:

  1. Presença de estenose, e se a estenose fosse assimétrica ou simétrico.
  2. Presença de lesão, e se a lesão tinha tamanho maior que um quarto (25%) do diâmetro do ducto ou um nódulo (tamanho menor que um quarto do diâmetro do ducto) ou tinha aparência polipóide.
  3. Características da mucosa, que eram lisas ou granulares.
  4. Projeções papilares, e se essas projeções eram como dedos (longos) ou curtas.
  5. Ulceração.
  6. Vasos anormais.
  7. Cicatrizes, e se as cicatrizes eram locais ou difusas.
  8. Pit pattern exuberante.

 

Sethi et al. J Clin Gastroenterol. 2020 Feb 7.


 

  • Usando estes critérios, a concordância interobservador e a acurácia diagnóstica foram melhores em comparação aos estudos anteriores.
  • Apesar dos resultados encorajadores com a Colangioscopia de operador único digital, os critérios endoscópicos ainda não estão totalmente estabelecidos e não podem ser aplicados independentemente.
  • Atualmente, técnicas de otimização visual como Narrow Band Imaging (NBI) e Cromoendoscopia são objeto de estudo, mas não são rotineiramente utilizadas na prática clínica.
  • Há falta de consenso sobre terminologia e descrição dos resultados, por esta razão, a histologia continua sendo o padrão-ouro para o diagnóstico.
  • Uma série de revisões sistemáticas, meta-análises e estudos estão disponíveis, analisando a capacidade da Colangioscopia para o diagnóstico visual e histológico de estenoses biliares indeterminadas.
  • A maioria dos estudos é retrospectiva e os dados disponíveis são referentes à geração mais antiga SpyGlass ® e outras plataformas de  Colangioscopia.
  • A despeito destas limitações, A Colangioscopia digital de operador única está associada a alta sensibilidade e especificidade na interpretação visual de estenoses biliares e neoplasias indeterminadas, devendo ser considerada rotineiramente na investigação diagnóstica destas entidades.

 
Referências Bibliográficas

  1. Amrita Sethi et al. Digital Single-operator Cholangioscopy (DSOC) Improves Interobserver Agreement (IOA) and Accuracy for Evaluation of Indeterminate Biliary Strictures: The Monaco Classification. J Clin Gastroenterol. 2020 Feb 7. doi: 10.1097/MCG.0000000000001321. Online ahead of print.
  2. Carlos Robles-Medranda et al. Reliability and accuracy of a novel classification system using peroral cholangioscopy for the diagnosis of bile duct lesions. Endoscopy. 2018 Nov;50(11):1059-1070. doi: 10.1055/a-0607-2534.Epub 2018 Jun 28.
  3. Petko Karagyozov et al. Role of digital single-operator cholangioscopy in the diagnosis and treatment of biliary disorders. World J Gastrointest Endosc 2019 January 16; 11(1): 31-40. DOI: 10.4253/wjge.v11.i1.31.
  4. Pedro Victor Aniz Gomes de Oliveira et al. Efficacy of digital single‑operator cholangioscopy in the visual interpretation of indeterminate biliary strictures: a systematic review and meta‑analysis. Surgical Endoscopy 2020 Apr 27. doi: 10.1007/s00464-020-07583-8.
  5. Sunguk Jang et al. The efficacy of digital single-operator cholangioscopy and factors affecting its accuracy in the evaluation of indeterminate biliary stricture. Gastrointestinal Endoscopy (2019). doi: https://doi.org/10.1016/j.gie.2019.09.015.
  6. Udayakumar Navaneethan et al. Digital single-operator cholangiopancreatoscopy (soc) in the diagnosis and management of pancreatobiliary disorders: a multicenter clinical experience (with video). Gastrointestinal Endoscopy  (2016), doi: 10.1016/j.gie.2016.03.789.



GEEW Fireworks – 21-23 junho

 

Para quem não conhece, o curso ao vivo de Bruxelas (GEEW) é um dos cursos mais tradicionais de endoscopia, e serviu de inspiração para que o Prof. Paulo Sakai implantasse um curso semelhante em nosso meio, o qual é celebrado todo ano durante o Gastrão.

Em virtude da Pandemia, o GEEW foi cancelado pela primeira vez em 37 anos.

No entanto, o comitê organizador do GEEW organizou uma seleção com os melhores procedimentos dos últimos 4 anos, os quais estarão disponíveis sem custos nos dias originalmente reservados para o evento: 21, 22 e 23 de junho.

O evento pode ser acessado no endereço: https://live-endoscopy.com

Vale a pena se programar!

 

Aliás, esse ano o Gastrão e o curso internacional de Endoscopia do HCFMUSP, organizado pelo Prof. Eduardo Moura, será realizado online nos dias 10 a 12 de outubro.

 

Abaixo segue as palavras dos Profs. Jaques Deviere e Arnaud Lemmers.

 

“Dear colleagues and friends,

As you may have heard previously, we have cancelled our GEEW meeting for the first time after 37 years in line due to the Covid crisis.

Nevertheless, we are still willing to promote education and we have organised, at the same dates, a “GEEW Best of Firework” which will make available, during the 3 days initially planned for the meeting the best edited live video sequences from our last 4 workshops.

This is a gift we want to offer to anybody interested in therapeutic endoscopy. There will be of course absolutely no charge and we believe it will be of interest to any physician interested in therapeutic endoscopy. We join to this mail a short presentation describing the program and how to connect.

If you would like to follow us directly, please fill your contacts details in the following link or follow us in social media (https://live-endoscopy.com/contact).

We hope you will find it useful.

With our best regards”

 

 




QUIZ ! Vamos ver se você acerta essa ?

Paciente do sexo masculino, 55 anos, com queixa de pirose, é submetido à endoscopia digestiva alta, onde identifica-se a seguinte imagem no esôfago:




Dicas em colonoscopia: intubação cecal.

 

A intubação cecal ou mesmo do íleo-terminal é um importante critério de qualidade em colonoscopia. Ela pode ser extremante frustrante no início da curva de aprendizado do residente, sendo que mesmo profissionais experientes podem encontrar casos desafiadores. O objetivo deste artigo é solidificar conhecimentos da prática diária para que possamos atingir esse objetivo inicial.

 

Anatomia da dor

O cólon é fixado pelo mesentério à parede abdominal posterior. É o alongamento do mesentério, e não a distensão, o principal responsável pelo desconforto abdominal durante a colonoscopia. Sempre que o instrumento é avançado, o mesentério retossigmoide é esticado o que leva ao quadro álgico sendo que nas pessoas mais jovens, especialmente nas mulheres onde o cólon tende a envolver o útero, a dor pode ser bastante intensa.

A única maneira de aliviar o desconforto é puxar o instrumento e relaxar a tensão. Em pacientes idosos ou obesos, o mesentério é mais complacente e se estende mais facilmente, geralmente sem dor.

 

Posição do paciente

Tradicionalmente o exame é iniciado com o paciente em decúbito lateral esquerdo. Uma mudança na posição do paciente pode, em alguns casos, ajudar o colonoscópio a avançar, particularmente eu uso esse recurso apenas após falha nas manobras de compressão abdominal. Entretanto muitos endoscopistas usam a mudança de posição de maneira sistemática para melhorar a configuração do cólon, especialmente o cólon sigmoide e descendente, onde a posição em decúbito dorsal ou lateral direita, frequentemente abre angulações agudas e ajuda no avanço do colonoscópio.

 

Gás X água

Sempre que possível, o dióxido de carbono deve ser usado para insuflar o intestino, e não o ar, o qual é eliminado mais lentamente podendo contribuir para o desconforto pós-procedimento. O cólon é como um balão cujo comprimento e diâmetro diminuem com a remoção do gás. Ao avançar o instrumento, assim que uma visão luminal for obtida, o gás deve ser aspirado para diminuir a tensão e tornar o eixo do instrumento mais estável. Por sua vez, isso minimiza o comprimento do cólon, reduzindo o potencial de formação de angulações a montante.

Outra opção é o preenchimento do cólon com água e não com gás. Não há regra sobre o volume de água, devendo ser pelo menos o suficiente para ver a direção luminal. Se o preparo estiver abaixo do ideal, faça a trocas de água conforme necessário. Quando forem encontradas bolsas de gás aspire-as. O enchimento de água mantém o cólon curto o que pode ajudar muito em alguns casos.

Figura 1. Esquema do impacto do enchimento de água e gás durante a inserção no cólon (a) Insuflação de gás na posição em decúbito lateral esquerdo. O gás (setas) distende e alonga o cólon, movendo o sigmoide medialmente abdome e o cólon transverso em direção à pelve. (b) O enchimento de água na posição em decúbito lateral esquerdo faz com que o sigmoide se deite no abdômen esquerdo, e o cólon permaneca mais curto e mais estreito em comparação com a insuflação de gás.

 

Compressão abdominal

Seu objetivo é diminuir a formação de alças direcionando o aparelho, sendo que raramente precisa ser aplicada por mais de 30 a 60 segundos. O conceito baseia-se que quando uma alça é sentida deve-se retificar o aparelho, pressionar nessa localização e após isso progredir o instrumento.

Tendo em vista que a maioria das alças são feitas no cólon sigmoide podemos iniciar realizando uma compressão sobre a área suprapúbica quando a ponta do colonoscópio retificada está entre 20 e 30 cm da borda anal ou uma compressão do quadrante inferior esquerdo, à medida que o instrumento está progredindo em direção à flexão esplênica ou cólon transverso.

Um erro comum é o técnico simplesmente empurrar o abdômen diretamente em uma direção posterior, mas pode-se obter um maior sucesso empurrando do flanco em direção à linha média ou empurrando o abdome inferior em uma direção superior. Outro ponto é que em pacientes obesos, quatro mãos podem ser úteis na compressão. Na figura 2 temos um esquema dos locais de compressão de acordo com a formação de alças.

 

Figura 2. Locais e direções padrões da compressão abdominal: A. para alça em sigmoide. B. para passar a flexão esplênica. C. para alça em transverso. D. para passar do ascendente ao ceco.

 

Casos específicos

 

Cólon redundante

 Devido ao fato desse paciente tradicionalmente apresentar o cólon dilatado, pode muitas vezes ter histórico de preparo inadequado ou mesmo constipação crônica. Devemos nos certificar se esse paciente não necessita de um preparo diferenciado;

– Evite usar colonoscópios pediátricos pois esses têm uma maior tendências a formação de alças;

– Utilização de água ou invés de ar;

– Manobras de compressão abdominal;

– Mudança de decúbito;

– Overtube pode ser utilizado em casos extremos.

 

Angulação em sigmoide

– Principal causa é a doença diverticular;

– Utilização de aparelhos de menor diâmetro (colonoscópios pediátricos, enteroscópios ou mesmo gastroscópios);

– Utilização de água para evitar aumento de angulações e barotrauma.

 

Hérnias

– A hérnia inguinal esquerda é resolvida reduzindo a hérnia manualmente antes do procedimento e mantendo-se a mão sobre a abertura. Depois que a ponta do instrumento passa pelo cólon sigmoide, o problema está resolvido;

– Nos casos de hérnias em topografia de cólon transverso o paciente deve ser colocado em decúbito dorsal sendo que a hérnia deve ser reduzida com pressão manual e preferencialmente realizar a distensão do cólon com água ao invés de gás. Se encontrada uma resistência fixa não progredir o aparelho devido ao risco de iatrogenia.

 

Conclusão

Devemos ter em mente que o paciente merece o melhor tratamento possível, assim dedicando nossa total atenção tendo consciência dos nossos limites. Não podemos deixar de ter humildade para encaminhar o paciente a um colega mais experiente quando necessário.

Outro ponto importante é descrever as manobras utilizadas nos laudos, a fim de se contribuir com futuros exames nos casos desafiadores.

 

Referências

Waye JD, Thomas-Gibson S. How I do colonoscopy. Gastrointest Endosc. 2018;87(3):621‐624. doi:10.1016/j.gie.2017.09.002

Rex DK. How I Approach Colonoscopy in Anatomically Difficult Colons. Am J Gastroenterol. 2020;115(2):151‐154. doi:10.14309/ajg.0000000000000481




Será que você sabe os principais aspectos endoscópicos desta doença?!

Mulher, 47 anos, previamente hígida, submeteu-se à Ecoendoscopia devido a achado incidental de lesão à TC ABD, realizada por queixas dispépticas há 2 meses. Não possui comorbidades ou histórico familiar de neoplasia do trato gastrointestinal. Nega perda de peso e possui exame físico normal.

Ecoendoscopia:

Presença de lesão hipoecóica, arredondada, homogênea, medindo 8x5mm, Doppler + na periferia, sem comunicação com o ducto pancreático principal, localizada no corpo pancreático.

Foram realizadas punções ecoguiadas com agulha 22G (FNA) e patologista em sala para avaliação (ROSE):

Agrupamentos de pequenas dimensões constituídos por células epiteliais exibindo citoplasma delicado, núcleos arredondados com cromatina fina e eventual pequeno nucléolo. Imunohistoquímica: Ki-67 positivo (< 2%)

 

 

 

 

Diante da história clínica, achados ecoendoscópicos e citopatológicos, qual a alternativa CORRETA acerca desta doença?!

 

 

 

 




Devemos incluir a manometria esofágica de alta resolução na avaliação do paciente com doença do refluxo gastroesofágico?

 

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é de enorme importância na rotina do gastroenterologista e do endoscopista. Com uma prevalência de aproximadamente 31% da população (1), de acordo com recentes dados norte-americanos, ela é um dos principais motivos de consulta ao gastroenterologista. Destaca-se, ainda, que os portadores desta condição têm importante impacto em sua qualidade de vida, conforme estudos realizados em diferentes partes do mundo (2,3).

Notável também é o volume de recursos envolvidos na abordagem da DRGE. Estima-se que, só nos EUA, o gasto anual com a doença seja da ordem de 9 a 10 bilhões de dólares anuais (4), considerando-se exames diagnósticos e uso de medicamentos, particularmente os inibidores da bomba de prótons (IBP´s).

Estas drogas são as mais utilizadas no tratamento da doença, com ótimos resultados na maioria dos casos, porém as recentes preocupações com potenciais efeitos adversos com seu uso prolongado (5), amplamente divulgada pela mídia e já objeto de um outro post aqui no Endoscopia Terapêutica (clique nesse link para acessar), reforçam a necessidade de um diagnóstico mais preciso da DRGE, evitando-se, assim, uso desnecessário de medicamentos.

Neste contexto, uma publicação científica muito relevante é o Consenso de Lyon (6), que aborda o uso dos exames no moderno diagnóstico da DRGE.

O Consenso dá grande importância à manometria de alta resolução (MAR), com mais de 3 das 9 páginas da publicação referindo-se a ela.

Mas, devemos solicitar de rotina a manometria para pacientes com DRGE?

Em primeiro lugar, precisamos ressaltar os avanços representados pela nova tecnologia, a alta resolução, em comparação com a manometria convencional:

  • Ela conta com um número muito maior de sensores (24 a 30), em geral espaçados a cada 1 ou 2 cm, em comparação com a tecnologia anterior.
  • Isto permite uma avaliação muito mais detalhada da motilidade esofágica, inclusive com a introdução de novos parâmetros (métricas), que já são amplamente utilizados na literatura médica mundial.
  • Destaca-se, ainda, uma interface gráfica mais amigável, com maior facilidade de aprendizado, maior acurácia diagnóstica para os distúrbios da motilidade esofágica e maior concordância inter-observadores (7).
  • A única desvantagem potencial seria o custo mais elevado. Apesar disto, a alta resolução é tecnologia amplamente utilizada a nível mundial, suas métricas são as utilizadas nos mais recentes artigos publicados na literatura e, mesmo no Brasil, seu uso é crescente, contribuindo muito para isto a disponibilidade de equipamento de fabricação nacional, de ótima qualidade e com custo relativamente acessível.

Particularmente, na DRGE a MAR é fundamental para a localização do esfíncter esofágico inferior em pacientes que serão submetidos a pHmetria ou impedâncio-pHmetria, permitindo, assim, o adequado posicionamento dos sensores de pH. Ela possibilita também afastar diagnósticos alternativos, cujos sintomas podem se confundir com a DRGE, especialmente a acalasia.

Destaca-se ainda que a MAR permite a avaliação dos eventos essenciais na fisiopatologia da doença:

  1. Função de barreira da junção esôfago-gástrica (JEG)
  2. Peristalse do corpo esofágico.

 

1.  FUNÇÃO DE BARREIRA DA JUNÇÃO ESÔFAGOGÁSTRICA

  • Pressão da junção esofagogástrica (PR JEG) e integral de contratilidade da JEG (EGJ-CI): Estas são as duas métricas utilizadas para quantificar a função de barreira da JEG. A PR JEG é expressa em mmHg (8) e, mais recentemente, a integral de contratilidade da JEG (EGJ-CI), aferida em mmHg/cm (6) é considerada a medida mais promissora para avaliar a competência da junção, aferindo o seu vigor contrátil.

  • Morfologia da JEG: A MAR permite, ainda, a avaliação da morfologia da JEG, através da análise da posição relativa do esfíncter esofágico inferior (EEI), propriamente dito, em relação à crura diafragmática. Assim, classifica-se esta morfologia em tipo I, quando o EEI e a crura estão em posição coincidente. Os tipos 2 e 3 representam ruptura anatômica da morfologia normal da JEG, como ocorre na hérnia hiatal, com separação entre os seus dois principais componentes, diferenciando-os a magnitude desta separação. O tipo 2 refere-se a uma separação menor que 3 cm, enquanto o tipo 3 descreve separação entre EEI e crura, maior ou igual a 3 cm.

Type I: complete overlap of CD and LES components with single peak on the spatial pressure variation plot; Type II: double-peaked pressure zone with the interpeak nadir pressure grater than gastric pressure (separation of 1-2cm); Type III: double-peaked pressure zone with the interpeak nadir pressure less than or equal to gastric pressure

2.  PERISTALSE DO CORPO ESOFÁGICO

A peristalse normal do corpo esofágico é mecanismo fundamental ao adequado clearance de qualquer material que possa ser refluído para o esôfago, representando importante mecanismo anti-refluxo. A principal métrica que avalia a peristalse na MAR é a integral de contratilidade distal do corpo esofágico, designada pela sigla DCI. Ela expressa o vigor da contração esofágica em sua zona pós transicional e é aferida em mmHg.s.cm. Contrações normais tem valor de DCI acima de 450 mmHg.s.cm. Valores entre 100 e 450 designam contrações classificadas como fracas. Já valores abaixo de 100 mmHg.s.cm classificam a contração como falha.

A Classificação hierarquizada de Chicago (figura 3), que rege a MAR, classifica como distúrbio maior da motilidade esofágica a ausência de peristalse, entre outros. Deve-se considerar a possibilidade de acalasia quando isto ocorre. Ela caracteriza, ainda, como distúrbio menor da peristalse, a motilidade esofágica ineficaz (MEI), quando se observa a presença de 50% ou mais de contrações falhas ou fracas, em qualquer proporção. Esta situação é frequente na DRGE (figura 4). Há na Classificação, também, a peristalse fragmentada, descrita quando ocorrem 50% ou mais de deglutições fragmentadas, com break maior que 5 cm (figura 5).

A MAR permite, ainda na avaliação da peristalse do corpo esofágico, a realização de testes provocativos, com o intuito de se avaliar a reserva peristáltica do corpo em pacientes com MEI ou peristalse ausente. O consenso de Lyon sugere a realização destes testes. Destaca-se, neste contexto, o teste de múltiplas deglutições rápidas (figuras 6 e 7), de mais fácil aplicação. A ausência de reserva peristáltica pode estar relacionada a maior incidência de disfagia no pós operatório em pacientes com DRGE (9).

Considerando ainda a avaliação da disfagia no pós-operatório de cirurgia anti-refluxo, estudos mostram que um outro parâmetro da MAR, a integral de relaxamento da JEG (IRP), fundamental no diagnóstico da acalasia, apresenta-se mais elevado em pacientes operados que apresentam disfagia prolongada (10,11,12) e a sua avaliação pode auxiliar a discriminar pacientes que podem beneficiar-se da dilatação endoscópica com balão. No paciente operado, a presença de duas zonas de alta pressão separadas ao nível da JEG é forte preditor da recorrência do refluxo gastro-esofágico (12). Ainda, há relação inversa entre a integral de contratilidade do corpo distal (DCI) no pré-operatório e o risco de disfagia após a cirurgia (10), considerando-se risco mais elevado para valores médios de DCI abaixo de 1000 mmHg.s.cm.

Diversos estudos mostram que há forte associação entre refluxo ácido à pHmetria e alterações nos parâmetros da MAR, como redução da pressão da JEG, redução da EGJ-CI, alteração na morfologia da JEG (tipos 2 e 3) e motilidade esofágica ineficaz (MEI) ou peristalse fragmentada.

Na nossa casuística, que será apresentada no próximo DDW e publicada como abstract no Gastroenterology, comparando-se pacientes com refluxo bem estabelecido à pHmetria, de acordo com o Consenso de Lyon (exposição ácida esofágica > 6%, n= 156) com pacientes sem refluxo ácido (exposição ácida < 4%, n= 162), observamos diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos em relação à pressão da JEG  e EGJ-CI (p<0,001), morfologia alterada da JEG (p=0,003) e diagnóstico de MEI (p=0,008). A análise de regressão logística mostrou que a PR JEG foi o melhor preditor independente de refluxo patológico (OR=3.078, 95%CI=1,894-5.004; p<0.001). Assim, concluímos que as métricas da MAR utilizadas para a avaliação da função de barreira da JEG, bem como aquelas que avaliam a peristalse do corpo esofágico são úteis para diferenciar pacientes com refluxo patológico dos indivíduos com refluxo apenas fisiológico.

O consenso de Lyon estabelece um grupo de pacientes, classificado como indeterminado ou borderline para refluxo patológico. Utilizando-se os testes diagnósticos mais importantes, este grupo inclui pacientes com esofagite erosiva graus A e B na classificação de Los Angeles, além de pacientes com pHmetria indicando exposição esofágica ao ácido entre 4 e 6% do tempo (figura 8).

De acordo com o consenso, as alterações acima descritas na MAR podem ser usadas para ajudar na definição destes casos classificados como borderline. Os nossos dados reforçam o uso adjunto destas métricas neste grupo de pacientes.

Em conclusão, a MAR é ferramenta importante na avaliação da DRGE, embora ela não seja necessária em todos os pacientes. Ainda que ela não possibilite isoladamente o diagnóstico definitivo de refluxo ácido, ela permite excluir acalasia, auxiliar na adequação técnica da pHmetria, predizer risco aumentado de disfagia no pós operatório, avaliar sintomas no pós operatório e, também, auxiliar no diagnóstico de refluxo em pacientes classificados como borderline à pHmetria e/ou à endoscopia digestiva.
Referências:
  1. DELSHAD S D et al. Prevalence of Gastro-esophageal reflux disease and proton pump inhibitor refractory symptoms. Gastroenterology 2020; 158:1250–1261
  2. ELOUBEIDE M A, PROVENZALE D. Health-related quality of life and severity of symptoms in patients with Barrett’s esophagus and gastroesophageal reflux disease patients without Barrett’s esophagus. Am J gastroenterol 2000; 95(8):1881-7.
  3. MADISCH A et al. Impact of reflux disease on general and disease-related quality of life – evidence from a recent comparative methodological study in Germany. Z Gastorenterol 2003;41(12):1137-43
  4. SHAHEEN N J et al. The burden of gastrointestinal and liver diseases, 2006. Am J Gastroenterol 2006; 101:2128–38.
  5. VAEZI M. F. Complications of Proton Pump Inhibitor Therapy. Gastroenterology 2017; 153: 35–48
  6. GYAWALI CP et al – Modern diagnosis of GERD: The Lyon Consensus. Gut 2018; 67(7):1351-1362
  7. CARLSON D A et al – Diagnosis of esophageal motility disorders: esophageal pressure topographversus conventional line tracing. Am J Gastroenterol 2015; 110(7): 967-978
  8. JAIN M. Basal lower esophageal sphincter pressure in gastroesophageal reflux disease: Anignored metric in highresolution esophageal manometry. Indian J Gastroenterol 2018; 37(5): 46-51
  9. STOIKES N et al. The value of multiple rapid swallows during preoperative esophageal manometry before laparoscopic antireflux surgery. Surg Endosc 2012; 26(12):3401-7.
  10. KAPADIA S et al. The role of preoperative high resolution manometry in predicting dysphagia after laparoscopic Nissen fundoplication.  Surg Endosc. 2018; 32(5):2365-2372.
  11. MARJOUX S et al – Impaired postoperative EGJ relaxation as a determinant of post laparoscopic fundoplication dysphagia: a study with highresolution manometry before and after surgery. Surg endosc 2012; 26(12):3642-9
  12. TATUM RP et al – Highresolution manometry in evaluation of factors responsible for fundoplication failure. Am Coll Surg. 2010; 210(5):611-7.
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Como citar esse artigo:

de Oliveira, RA. Devemos incluir a manometria esofágica de alta resolução na avaliação do paciente com doença do refluxo gastroesofágico? Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/devemos-incluir-manometria-esofagica-de-alta-resolucao-na-avaliacao-do-paciente-com-doenca-do-refluxo-gastro-esofagico/

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