Laringoespasmo

O laringoespasmo é até certo ponto uma ocorrência comum para os anestesiologistas, mas, muitas vezes, desconhecida do médico endoscopista.

Apesar de não ter uma frequência tão elevada, um episódio com tratamento tardio ou inadequado pode ser catastrófico.

De forma resumida, seria o fechamento glótico causado por um reflexo exacerbado de constrição da musculatura intrínseca da laringe. É essencialmente um mecanismo de proteção para prevenir entrada de material estranho na árvore brônquica. Como resultado, haverá impedimento da ventilação, levando à hipoxia e à hipercapnia.

O problema é autolimitado na maior parte dos casos, pois por tempo prolongado, a hipoxia e a hipercapnia cessam o reflexo de espasmo. Contudo, em certos episódios, o espasmo pode se prolongar e trazer riscos ao paciente.

Etiologia

Apesar de ter etiologia multifatorial, a manipulação da via aérea é o principal fator implicado. A incidência é maior em crianças, pacientes com infecções do trato respiratório, ou asma, tabagistas, portadores de apneia obstrutiva do sono, refluxo gastresofágico importante e obesos. Além disso, o risco é maior em casos de manipulação de via aérea e em procedimentos na cavidade oral e faringe.

A endoscopia digestiva alta e a broncoscopia estão diretamente relacionadas ao laringoespasmo pelo estímulo direto da região. Outras associações seriam anestesia superficial no início e final desses procedimentos e regurgitação.

Muitas drogas têm sido estudadas na prevenção do laringoespasmo. Pré-medicaçao com benzodiazepínicos reduz os reflexos de via aérea. Lidocaína tópica (4mg/kg) ou venosa (1,5-2mg/kg) parece também trazer benefício. Cuidados não medicamentosos: manter o paciente em decúbito lateral esquerdo no periprocedimento.

O laringoespasmo pode ser parcial, havendo passagem de certa quantidade de ar, levando a estridor inspiratório; ou completo, não havendo passagem de ar e ausência de sons respiratórios. Em ambos os casos, sinais de obstrução podem ser notados, como: retração intercostal e movimentos paradoxais do tórax e do abdome. Sinais tardios: dessaturação, bradicardia e cianose.

Tratamento

O tratamento consiste primeiramente em identificar e cessar o fator desencadeante.Após, aplicar pressão positiva com oxigênio a 100%, anteriorização da mandíbula e manobra de Larson (figura1). Essa técnica abre as vias aéreas e causa dor periosteal, ajudando a relaxar as cordas vocais pelo sistema nervoso autônomo.

  • Cessar o fator desencadeante
  • Pressão positiva com oxigênio a 100%,
  • Anteriorização da mandíbula
  • Manobra de Larson
Figura 1. Ponto do laringoespasmo (seta). Local onde se realiza a manobra de Larson: compressão simultânea em ambos os lados da cabeça, na depressão localizada atrás do lóbulo das orelhas e limitada anteriormente pelo ramo ascendente da mandíbula adjacente ao côndilo, posteriormente pelo processo mastoóide do osso temporal e superiormente pela base do crânio. Concomitantemente, deve ser feito o deslocamento anterior da mandíbula. Erro comum é aplicar pressão no ângulo da mandíbula, devendo ser mais cefálico.

Após, aplicar pressão positiva com oxigênio a 100%, anteriorização da mandíbula e manobra de Larson (figura 1). Essa técnica abre as vias aéreas e causa dor periosteal, ajudando a relaxar as cordas vocais pelo sistema nervoso autônomo. Obtendo-se melhora do quadro, o diagnóstico seria de espasmo parcial. Persistindo o quadro, seria um caso de laringoespasmo completo, sendo importante a ajuda de outro profissional e aprofundamento da anestesia com Propofol (0,25-0,8mg/kg). Provavelmente será necessário ventilar o paciente em consequência de apneia transitória.

A chance de reversão do quadro com Propofol é bastante alta. Todavia, se não houver melhora, utiliza-se Succinilcolina (0,1mg/kg-1,2mgkg EV ou 3-4mg/kg IM). Ter em mente que o Propofol é preferível frente à Succinilcolina, já que nessa dose não acarreta muita repercussão hemodinâmica e não traz risco de paralisia muscular.

Algoritmo de tratamento escalonado enquanto não há melhora do quadro:

Conclusão

É de suma importância identificar os fatores de risco para o desenvolvimento do laringoespasmo e reconhecê-lo rapidamente, antes que a condição do paciente se deteriore. Uma sedação profunda para realização da endoscopia é essencial.

Além disso, o conhecimento das doses das principais medicações utilizadas para reverter o espasmo: propofol e succinilcolina.

Finalmente, importante avaliar se o paciente não cursou com broncoaspiração ou edema agudo de pulmão por pressão negativa pelo esforço respiratório contra obstrução.

Referências:   

  1. Landsman IS. Mechanisms and treatment of Laryngospasm. Int Anesthesiol Clin. 1997 Summer;35(3):67-73. PMID: 9361977
  2. Alalami AA, Ayoub CM, Baraka AS. Laryngospasm: review of different prevention and treatment modalities. Paediatr Anaesth. 2008 Apr;18(4):281-8. doi: 10.1111/j.1460-9592.2008.02448.x. PMID: 18315632
  3. Soares RR, Heyden EG. Tratamento do Laringoespasmo em anestesia pediátrica por digitopressão retroauricular: relato de casos. Rev. Bras. Anestesiol. Dez 2008;  58:6:631-636
  4. Chen Y, Zhang X. Acute postobsctrutive pulmonry edema following laryngospasm in elderly patients: a case report. J Perianesth Nurs. 2019 Apr;34(2):250-258. PMID: 30100095
  5. Moura TSM, Silva FCP, Taves LOAF. Laringoespasmo em anestesia pediátrica. Rev Med Minas Gerais 2018;28 (Supl 8): S20-S27

Como citar este arquivo

Elder P. Laringoespasmo. Endoscopia Terapeutica 2023, Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/laringoespasmo/

                         




Quiz!  O que você lembra da Síndrome de Rendu-Osler-Weber?




Você sabe configurar seu bisturi elétrico?

O bisturi elétrico utiliza de corrente elétrica de alta frequência num tecido biológico, com intuito de conseguir efeitos médicos pela liberação de calor local. Os efeitos mais importantes para cirurgia de alta frequência são a coagulação e o corte.

  • A coagulação ocorre entre 60ºC e 100 ºC levando à evaporação dos líquidos, dessa forma o tecido seca e se contrai.
  • O corte, que ocorre a 100ºC ,causa a vaporização de líquido tecidual de forma muito rápida, culminando com o rompimento das membranas celulares, e consequente corte do tecido.

A aplicação dessa energia pode ser a partir da técnica monopolar, em que a corrente flui entre um eletrodo ativo com superfície de contato pequena (bisturi) para outro eletrodo neutro, com superfície de contato grande (placa). Outra forma é através da técnica bipolar em que os dois eletrodos estão integrados no mesmo instrumento, dessa forma a corrente flui entre uma área muito limitada de tecido entre esses dois eletrodos.

Figura 1A: circuito de corrente monopolar
Figura 1B: circuito de corrente bipolar

Cuidados

Tendo em vista que no campo operatório deve haver uma concentração de corrente para obtermos o resultado esperado, fora dele se houver um estrangulamento da corrente podem ocorrer queimaduras. Desta forma o percurso da corrente no corpo deve ser o mais curto possível e com grande seção transversal.

Evitar transmissão da corrente em áreas de articulações e especialmente não colocar a placa em tecidos cicatrizados, protuberâncias ósseas, implantes metálicos e regiões do corpo ricas em gordura. Sempre limpar a pele para retirada de gordura, sem utilizar álcool, colocar a placa na região já seca e sem a presença de pelos. Ficar atento com correntes de fuga (contato com maca ou outros objetos metálicos), conferir se o paciente não está molhado e colocar o eletrodo neutro (placa) com boa área de contato com a pele do paciente e o mais próximo possível do campo operatório.

Unidades eletrocirúrgicas mais modernas são conectadas a placas de duas partes associado a uma superfície anelar que distribui melhor a corrente por todo o acessório evitando aquecimento de apenas um lado. Além disso verificam continuamente se essa placa está conectada corretamente e com toda a sua superfície em contato, comparando permanentemente as correntes das duas superfícies do eletrodo neutro. A ativação é interrompida com um sinal de advertência no caso de discrepâncias grandes, evitando complicações. Assim sempre que possível deve ser optado por esse modelo.

Figura 2A: Alta densidade de corrente (aquecimento) na extremidade voltada para o procedimento cirúrgico em caso de eletrodo neutro convencional mal posicionado
Figura 2B: Distribuição de corrente sem aquecimento parcial com placa bipartida associado a anel, que pode ser posicionado independentemente do sentido
Figura 3: termografia comparando a placa bipartida com e sem anel

Alguns adornos pouco perceptíveis devem ser observados como cílios postiços e apliques (uso associado de colas, nylons ou metais) que podem interferir com a transmissão decorrente causando queimaduras.

A corrente alternada também pode interferir nos aparelhos eletroeletrônicos implantáveis como marca-passos, devendo sempre entrar em contato com a empresa responsável pelo aparelho antes do procedimento.

Com relação a gravidez não são conhecidos eventos adversos no embrião provocados por correntes cirúrgicas monopolares, mas deve-se evitar o percurso da corrente pelo feto e quando possível recomenda-se a utilização do bipolar.

Conceitos

Falaremos abaixo sobre os conceitos mais utilizados na endoscopia apresentados na unidade eletrocirúrgica.

Efeito: se relaciona com o efeito hemostático e é proporcional à voltagem. Quanto maior o efeito maior a hemostasia (I a IV). Deve ser escolhido de acordo com a espessura da parede do órgão.

  • Efeito I:  ceco, cólon direito
  • Efeito II:  duodeno, pólipos > 5 – 10 mm
  • Efeito III:  esôfago, estômago, pólipos 10 –15 mm
  • Efeito IV:  reto, pólipos pediculados, pólipos >15 mm, tumores grandes

No nível I não ocorre nenhuma coagulação entre cada ciclo de corte, trata-se de uma corrente de corte. O nível de efeito 1 é vantajoso para a remoção de pólipos em estruturas de paredes finas e que corram particular risco, pois, neste caso, um dano térmico devido a uma coagulação demasiado forte pode provocar uma perfuração.

 
Figura 4: relação entre efeito e borda de coagulação (adaptada à partir de material de divulgação de acesso aberto, ERBE)

Duração de corte: também apresenta quatro ajustes e tem relação direta com a profundidade do corte.

Figura 5: relação entre duração do corte e profundidade

Intervalo de corte: é o tempo de intervalo entre um corte e outro. Intervalos baixos levarão a cortes mais rápidos com baixa coagulação e intervalos altos cortes mais lentos e controlados. É configurado de 1 a 10.

Modos de corte:

  • AUTO CUT: corte puro. Utilizado na drenagem de pseudocisto
  • DRY CUT: boa hemostasia primária com desenvolvimento mínimo de fumaça. Utilizado na dissecção endoscópica da submucosa em incisões iniciais e circulares e na dissecção.
  • ENDO CUT: faz um acionamento em fases distintas entre corte e coagulação, com leitura da impedância tecidual e ajuste pelo efeito hemostático.
Figura 6: ciclo do endocut

ENDO CUT I: tem reduzida tensão de pico que proporciona efeito zíper menor e menor dispersão de energia no tecido, indicado para papilotomia.

Em comparação com a tecnologia sem ENDO CUT, o controle do corte no ENDO CUT I já não é feito pressionando o interruptor de pedal em intervalos de 1-2 segundos. Com a ajuda do modo de corte fracionado ENDO CUT I, é possível efetuar automaticamente um corte controlado e suficientemente lento com o interruptor de pedal pressionado, reduzindo-se, assim, o risco de corte descontrolado.

Nos casos de sangramento persistentes pós-polipectomia, é possível obter uma hemostasia através do papilótomo, ativando por instantes, o interruptor de pedal azul (coagulação) com o modo FORCED COAG em 60 watts, efeito 2.

Figura 7: recomendações de ajuste ENDO CUT I

ENDO CUT Q: modo utilizado para polipectomias e mucosectomias.

Figura 8: recomendações de ajuste para polipectomias
Figura 9: recomendações de ajuste para mucosectomias
Figura 10: recomendações de ajuste para ESD
Figura 11: recomendação de ajuste para POEM

Nota: essas são apenas recomendações do fabricante visto a experiência reunida de alguns serviços, porém podem variar de acordo com a opção pessoal.

Uma particularidade sobre as alças é que as monofilamentares têm menor área de contato com o tecido, em comparação com as multifilamentares (vários fios) com o mesmo diâmetro, o que resulta em uma coagulação reduzida.

O diâmetro do fio também influencia o grau de coagulação. Um diâmetro pequeno produz um efeito de coagulação reduzido e, ao mesmo tempo, um efeito de corte superior. As alças monofilamentares são mecanicamente mais rígidas do que as alças multifilamentares, entregando maior facilidade na apreensão do tecido.

Modos de coagulação

  • SOFT COAG: modo mais suave, mais profundo e mais brando. Indicado, por exemplo, para a coagulação de hemorragias menores com um tempo de aplicação máximo entre 1 e 2 segundos.
  • FORCED COAG: modo mais intenso e mais superficial. Utilizado como pré-coagulação em pólipos pediculados grandes ou na hemorragia pós-papilotomia.
  • SWIFT COAG: boa dissecção com mínimo desenvolvimento de fumaça. Muito utilizado na tunelização submucosa (POEM).
  • SPRAY COAG: eficiente coagulação superficial com profundidade de penetração limitada.
Figura 12: comparação de modos de coagulação

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Referências

Agradecimentos

Agradecimentos a Lucas Salgado de Salles Oliveira (Especialista Clínico ERBE) e Luis Roberto Tribst (Gerente Nacional ERBE) em nome da ERBE do Brasil pelo uso das imagens e referências técnicas.

Como citar este artigo

Oliveira JF. Você sabe configurar seu bisturi elétrico? Endoscopia Terapêutica 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/voce-sabe-configurar-seu-bisturi-eletrico/




Dica Rápida e Simples que Salva Vidas: Identifique Precocemente o Carcinoma de Células Escamosas (CEC) no Esôfago

Os endoscopistas ocidentais falham em diagnosticar 12% das neoplasias do trado digestivo superior.(1) Isso também te procupa? Saber que falhamos em diagnosticar uma fatia significativa de doenças letais deixa qualquer endoscopista apreensivo. Para o CEC de esôfago, um pequeno ajuste na sistematização de seu exame pode dobrar sua capacidade diagnóstica sem aumentar o tempo de seu exame. Salve vidas lendo o rápido texto abaixo↓↓.

Introdução

O CEC precoce de esôfago se apresenta como lesões sutis da mucosa que são dificilmente percebidas na endoscopia de rotina. A sensibilidade diagnóstica da luz branca é de preocupantes 50%.(2) Isso mesmo, deixamos de identificar metade dos casos de uma doença altamente letal em uma fase facilmente curável.

A displasia escamosa e o carcinoma intramucoso possuem alterações mínimas de relevo. O aspecto endoscópico consiste principalmente na deformação progressiva do padrão microvascular da mucosa: os “intra papilar capillary loops” (IPCLs). Usando um endoscópio de alta definição, vemos os IPCLs como pontos vermelhos à luz branca. Em um exame mais detalhado, usando magnificação, podemos ver a alça capilar adjacente à membrana basal. Por ser tão superficial, os IPCLs refletem precocemente as alterações epiteliais e se observados atentamente, permitem um diagnóstico precoce do CEC.(3)

A observação destas alterações é um desafio já que há um contraste pobre entre a mucosa subjacente de coloração rósea e a cor vermelha do IPCL. Como veremos mais adiante, a cromoscopia óptica ou digital apresenta um papel fundamental ao realçar o contraste dos vasos transformando em chamativas alterações discretas.(3)

Imagem 1 – Displasia de alto grau sob luz branca e NBI. 

Rastreio:

No rastreio para CEC, a cromoscopia com lugol sempre foi um método chave nos pacientes de alto risco. Sua sensibilidade chega a 90% permitindo um diagnóstico eficaz. Contudo, o lugol apresenta uma baixa especificidade além de necessitar da disponibilidade de seu antídoto (tiosulfato ou hipossulfito). Outras complicações como hiperssensibilidade ao iodo, laringite, pneumonite e dor retrosternal também estão associadas ao procedimento.(2) 

Imagem 2 – Luz branca + Lugol 2% em CEC intramucoso + displasia de alto grau semicircunferencial. 

Com o surgimento das tecnologias de cromoscopia integradas aos sistemas de endoscopias, foi possível solucionar vários dos incovenientes do Lugol. Tecnologias patenteadas por seus respectivos fabricantes como o NBI, o BLI e o i-Scan proporcionaram a capacidade de executar a cromoscopia com apenas um toque no aparelho, não havendo qualquer necessidade de acessório. O NBI é a ferramenta com maior nível de evidência e será abordado mais diretamente neste texto. 

O NBI subtrai alguns espectros da luz branca, deixando a vasculatura mais contrastada. Quando há alterações dos IPCLs uma mancha amarronzada fica bastante evidente ao lado da mucosa normal com tom esverdeado. Mesmo sem magnificação este aspecto endoscópico dobra a sensibilidade diagnóstica do exame.(4)  

E agora, a dica !

Com apenas um clique o endoscopista multiplica sua sensibilidade diagnóstica para o CEC de esôfago. Um salto de 50% para 90% de diagnósticos identificados! Sistematize da seguinte forma seu exame: Lavagem e aspiração do esôfago; Introdução do aparelho com luz branca; ao encerrar o procedimento, retire o aparelho com NBI ou similar ligado, inspecionando detalhadamente o esôfago na retirada. Tal é simples e certamente vai te ajudar a salvar vidas!

Referencias

1.         Menon S, Trudgill N. How commonly is upper gastrointestinal cancer missed at endoscopy? A meta-analysis. Endosc Int Open. 2014;02(02):E46–50.

2.        Morita FHA, Bernardo WM, Ide E, Rocha RSP, Aquino JCM, Minata MK, et al. Narrow band imaging versus lugol chromoendoscopy to diagnose squamous cell carcinoma of the esophagus: A systematic review and meta-analysis. BMC Cancer [Internet]. 2017;17(1):1–14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s12885-016-3011-9

3.        Inoue H, Kaga M, Ikeda H, Sato C, Sato H, Minami H, et al. Magnification endoscopy in esophageal squamous cell carcinoma: A review of the intrapapillary capillary loop classification. Ann Gastroenterol. 2015;28(1):41–8.

4.        Ide E, Maluf-Filho F, Chaves DM, Matuguma SE, Sakai P. Narrow-band imaging without magnifcation for detecting early esophageal squamous cell carcinoma. World J Gastroenterol. 2011;17(39):4408–13.

Como citar este artigo

Pontual JP, Dica Rápida e Simples que Salva Vidas: Identifique Precocemente o Carcinoma de Células Escamosas (CEC) no Esôfago, Endoscopia Terapeutica; 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/dica-rapida-e-simples-que-salva-vidas-identifique-precocemente-o-carcinoma-de-celulas-escamosas-cec-no-esofago/




LAUDOS EM ENDOSCOPIA – PARTE I

Um kit de sobrevivência para o endoscopista

A endoscopia digestiva é uma especialidade fortemente atrelada com interpretação de imagens. O endoscopista lida com imagens do trato digestório superior, inferior, do intestino delgado, das vias biliares e pancreáticas. O relatório endoscópico com a descrição dos achados associada às imagens capturadas durante o procedimento é a forma de comunicação mais importante com o médico assistente e com o paciente, muitas vezes alterando hipóteses diagnósticas, previsões prognósticas e planos terapêuticos.

No entanto, nem sempre encontramos uma correlação entre o relatório endoscópico e as imagens, ou entre o relatório e a indicação do exame ou procedimento. Muitas vezes o relatório endoscópico ou laudo é pobre e incompleto em informações.

Isso não é apenas um problema do Brasil. Ariana Barbetta e colaboradores, da equipe de cirurgia torácica do Memorial Sloan Kettering Cancer Center em Nova York conduziram um estudo avaliando critérios de qualidade de 115 relatórios endoscópicos de pacientes em tratamento para câncer de esôfago, avaliando 11 indicadores de qualidade. Os autores destacaram quão importante é o relatório endoscópico inicial para definir a proposta terapêutica para os pacientes dentro do time multidisciplinar e, de maneira surpreendente apenas 34% dos relatórios foram considerados como alta qualidade (mais de 6 indicadores de qualidade).

Examinando esta questão com um pouco mais de profundidade, podemos observar uma heterogeneidade grande no que diz respeito a adoção de termos descritivos universais para os achados endoscópicos, estruturação padronizada para os laudos, documentação fotográfica, dentre outros. Sabemos que essa heterogeneidade pode refletir as diferenças entre os perfis dos serviços de endoscopia (hospitalares / ambulatoriais) e suas rotinas. No entanto, essa heterogeneidade pode também contribuir para o “empobrecimento” do laudo no que diz respeito a informações importantes e termos descritores adequados.

 Em nossa rotina não é raro que um endoscopista trabalhe em vários serviços numa mesma cidade, ou em cidades vizinhas, cada um com seu esquema próprio de laudos e termos. Geralmente não prestamos muita atenção no “laudo padrão”. Será que é importante ter um “laudo padrão”? Será que nosso laudo “padrão” tem todas as informações importantes? O que é importante num laudo endoscópico?

UM BREVE HISTÓRICO DO PROBLEMA DO LAUDO ENDOSCÓPICO

A estruturação e padronização dos laudos endoscópicos é uma preocupação antiga, no entanto, há uma escassez de informações e de estudos na literatura dedicada. Em meados dos anos 80, Maratka da República Checa e colaboradores desenvolveram a primeiro documento sobre terminologia endoscópica padrão.

O desenvolvimento de tecnologias para processamento e armazenamento de dados, que se acelerou à partir dos anos 90, teve um grande impacto nas rotinas endoscópicas, tornando possível a captura e armazenamento de imagens e informações. A partir de então iniciou-se um processo de transição do laudo “manual” para o “digital” e adoção de sistemas e softwares para confecção de laudos e captura de imagens. Estruturar os relatórios endoscópicos e padronizar os termos para descrições das alterações tornou-se uma preocupação crítica.

 Inúmeras sociedades endoscópicas, particularmente a WEO (na ocasião conhecida como OMED), ESGE a ASGE lançaram iniciativas nesse sentido. A ESGE iniciou trabalhos para desenvolver o chamado M.S.T. 1.0 (Minimal Standard Terminology for Digestive Endoscopy) em parceria com a ASGE. O M.S.T. 1.0, de 1996, tinha como objetivo criar uma lista mínima de termos padronizados para descrever os achados endoscópicos em softwares dedicados para captura de imagens e confecção de relatórios de exames.

Atualmente o M.S.T. está na versão 3.0 e pode ser baixado do site da WEO. (https://www.worldendo.org/resources/minimal-standard-terminology-mst/). A WEO já fez anúncio da atualização para o M.S.T. 4.0 que deve sair nos próximos meses.

A Figura 1 mostra um resumo do histórico do problema do laudo endoscópico e iniciativas para padronização na forma de uma linha do tempo.

Figura 1. Linha do Tempo do Problema do Laudo Endoscópico e iniciativas para padronização.

O QUE É IMPORTANTE NUM LAUDO ENDOSCÓPICO?

O relatório ou laudo endoscópico contém os achados do exame, que devem ser descritos de forma clara, com riqueza de informações e ao mesmo tempo da forma mais objetiva possível. O uso de termos descritivos padronizados é de grande importância nesse contexto, mas não é a única preocupação. O relatório ou laudo endoscópico deve contar uma história para quem não estava presente no momento do exame.

Contar esta história implica em incluir uma série de outras informações sobre os demais aspectos do exame, não relacionados aos achados endoscópicos. Estruturar o laudo de forma a descrever todo o ato endoscópico em suas facetas técnica, médica e acadêmica vai de encontro aos padrões de boas práticas em endoscopia, demonstrando ainda aderência aos indicadores de qualidade, cada vez mais presentes em nossa rotina.

O laudo deve conter:

  • Identificação do paciente (dados sociodemográficos básicos)
  • Data do exame
  • Nome do prescritor (solicitante)
  • Equipamento utilizado (opcional)
  • Tipo de sedação utilizada
  • Indicação do exame (motivo)
  • Relatório endoscópico
  • Procedimentos adicionais
  • Conclusão
  • Observações
  • Nome do endoscopista com CRM e RQE
  • Documentação fotográfica

Documentação fotográfica

Vale lembrar que uma adequada foto documentação do exame é tão importante quanto uma adequada descrição. Deve haver uma correlação clara entre a imagem e o laudo.  A ESGE em 2001 recomendou um mínimo de oito imagens endoscópicas (duas imagens do esôfago, sendo uma delas da TEG, quatro imagens gástricas incluindo fundo gástrico e antro e duas imagens duodenais). Mais recentemente a WEO recomendou a realização de 28 imagens endoscópicas, desde o hipofaringe até a segunda porção duodenal, como documentação completa de um exame de Endoscopia Digestiva Alta.

Discutir aspectos da foto documentação em endoscopia digestiva é objeto para um post exclusivo para o assunto, contudo, salientar que realizar a documentação de achados normais, dos marcos anatômicos importantes, exames completos, achados relevantes e procedimentos específicos é vital para a composição de um laudo completo. Você poderá conferir mais sobre esse assunto em breve em uma outra postagem especial do time Endoscopia Terapêutica.

Informações administrativas

Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), avaliação pré-anestésica, documentos de avaliação pré e pós-endoscópicos, check-lists, dentre outros são procedimentos altamente desejáveis, mas sua documentação tem caráter interno, médico-legal e administrativo e não necessariamente devem fazer parte do relatório endoscópico.

Qualidade da visualização

A qualidade da visualização do trato digestório, eventuais fatores limitantes para uma boa observação da mucosa (presença de resíduo alimentar, áreas de estenose, dentre outros) devem ser relatados. Eventuais dificuldades técnicas e a realização de um exame incompleto devem, também, ser relatadas.

Terminologia

A utilização de uma linguagem universal e padronizada para descrever as alterações observadas, de forma clara e objetiva, sem nenhum tipo de viés de interpretação foi um dos endpoints da M.S.T., oferecendo uma lista de termos-chave, atributos e detalhamento para os achados endoscópicos. A versão 3.0. atualiza essa lista de termos e recomenda que a descrição para cada achado endoscópico siga o seguinte racional:

  • Anatomia do Lúmen do órgão
  • Achados do lúmen (aspecto, conteúdo, mucosa, presença de lesões)
  • Diagnóstico endoscópico (usar classificações padronizadas)
  • Procedimentos (se realizados e se houve sucesso ou não)
  • Eventos adversos (descrever as ações e desfechos)

A M.S.T. recomenda uma sequência para facilitar a descrição das alterações e da localização das alterações (Figuras 2 e 3).

Figura 2. Sequência de descrição dos achados endoscópicos, de acordo com a M.S.T.v3.0.
Figura 3. Descrição das alterações conforme a localização, de acordo com a M.S.T.v3.0.

Achados negativos

Em relação a descrição de ausência de achados ou dos chamados achados negativos, como por exemplo, ausência de estenose ou ausência de varizes esofágicas, deve levar em consideração o contexto do exame. Se a indicação para o exame endoscópico foi investigação de varizes em portador de hepatopatia crônica, o achado negativo de varizes é relevante e deve ser mencionado no relatório.

            O time Endoscopia Terapêutica preparou uma sugestão de Laudo Normal Padrão com todos os itens importantes discutidos nesta postagem e na Live do Dia do Endoscopista (link aqui). Você pode baixar o PDF do modelo do laudo no link abaixo.

REFERÊNCIAS:

  1. Aabakken L, Barkun NA, Cotton PB et al. Standardized Endoscopic Reporting. Journal of Gastroenterology and Hepatology 2014; 29: 234–240
  2. Aabakken L, Rembacken B, LeMoine O et al. Minimal standard terminology for gastrointestinal endoscopy—MST 3.0. Endoscopy 2009; 41: 727–8.
  3. Barbeta A, Faraz S, Shah P et al. Quality os Endoscopic Reports for Esophageal Cancer Patients: Where Do We Stand? Jornal of Gastrointestinal Surgery 2018. doi.org/10.1007/s11605-018-3710-4.
  4. Emura F, Sharma P, Arantes VN et al. Principles and Practice to facilitate complete photodocumentation of the Upper Gastrointestinal Tract: World Endoscopy Organization position statement. Digestive Endoscopy 2019; 32: 168-79.
  5. Rey JF, Lambert R. ESGE recommendations for quality control in gastrointestinal endoscopy: guidelines for image documentation in upper and lower GI endoscopy. Endoscopy2001; 33: 901–3.

Laudo normal





Anestesia tópica das vias aéreas superiores

A anestesia tópica das vias aéreas superiores para realização de endoscopia alta é um procedimento muito utilizado no dia a dia, e que devemos estar familiarizados. Na maioria dos casos, não há necessidade de um bloqueio sensitivo profundo dessa região, mas existem situações em que a endoscopia deve ser realizada com paciente acordado devido ao risco de broncoaspiração.

A seguir, resumimos alguns conceitos importantes que todo endoscopista deve estar familiarizado a respeito da nesstesia tópica.

O benefício da aplicação da anestesia tópica em pacientes submetidos a sedação com propofol é questionável.

Se a anestesia tópica resulta em menos desconforto para os pacientes com sedação moderada é incerto.

Em uma meta-análise incluindo 491 pacientes submetidos à endoscopia, os pacientes submetidos à anestesia tópica relataram menos desconforto em comparação com o grupo sem anestesia tópica (razão de chances [OR] 1,88, IC 95% 1,13-3,12).

No entanto, outros estudos sugerem que, para pacientes submetidos à sedação com propofol, não foram observadas diferenças nas respostas somáticas ou reflexo de engasgo em comparação com placebo.

Está indicada em casos de risco de broncoaspiração, em suspeita de estômago cheio e recusa do paciente à sedação. Entretanto podem ser utilizados fármacos com o objetivo de atingir ansiólise ou sedação consciente para maior conforto.

Além das situações em que é evidente a presença de estômago cheio, são considerados fatores de risco para estômago cheio e broncoaspiração: diabetes descompensado, uremia, obstrução intestinal, ascite, distensão abdominal, distúrbios da motilidade esofágica, entre outros. Nestes casos, está contraindicada a sedação moderada e profunda, já que podem abolir o reflexo de tosse e de proteção das vias aéreas inferiores, podendo ocorrer broncoaspiração em caso de regurgitação de conteúdo gástrico.

Entretanto pode-se administrar sedação leve ou consciente, na qual o paciente permanece acordado, porém levemente sonolento, e tranquilizado, sem necessidade de suporte de oxigênio. Esse nível de sedação pode ser obtido com pequenas doses fracionadas e subsequentes de midazolam (0,5 a 1mg) e fentanil (25mcg), aguardando-se adequado intervalo de tempo entre as doses, até atingir o nível desejado de ansiólise. Pode ser administrado antes ou durante a topicalização da mucosa.

A inervação sensitiva é feita pelos pares de nervos cranianos VII (facial), IX (glossofaríngeo) e X (vago).

Ramos do nervo facial conduzem a sensibilidade dos dois terços anteriores da língua. Já o nervo glossofaríngeo tem como território sensitivo o terço posterior da língua, a valécula, a superfície anterior da epiglote, as paredes posteriores e laterais da faringe e os pilares tonsilares. Já o nervo vago, através do ramo laríngeo superior é responsável pela sensibilidade da laringe.

IMPORTANTE: Em casos de risco de broncoaspiração, o bloqueio do território sensitivo do nervo laríngeo superior (ramo do vago) não é desejado. O bloqueio do nervo laríngeo superior ou seu território, irá abolir completamente os reflexos de proteção das vias aéreas inferiores, levando ao risco de broncoaspiração em caso de regurgitação, e por isso não deve ser realizado nessa situação. Para endoscopia digestiva alta, a ausência desse bloqueio dificilmente irá ocasionar desconforto ao paciente, desde que a laringe não seja tocada com a ponta do endoscópio.

O uso de fármacos antisialogogos aumenta a absorção de anestésico local pela mucosa, aumentando a eficiência do bloqueio.

Caso as condições clínicas e cardiovasculares permitam, a administração endovenosa de atropina, escopolamina ou glicopirrolato (indisponível no Brasil), antes da topicalização, ao diminuírem a presença de muco e saliva, aumentam a eficiência dos anestésicos locais. É importante aguardar o tempo de ação de cada medicamento.

A lidocaína pode ser utilizada para topicalização das vias aéreas superiores na forma de spray 10%, gel 2% e ampola sem vasoconstritor a 2%.

Técnica sugerida para uso rotineiro (associada a sedação)

  • Em geral utiliza-se 4-6 instilações de lidocaína spray direcionados para base da língua, palato mole, pilares amigdalianos e úvula.
  • Tal dose de lidocaína é bem inferior aos níveis tóxicos da droga. Além do mais, boa parte é inativada pelo suco gástrico, sem ser absorvida.
  • Em adulto, não se deve fazer mais de 20 nebulizações para se alcançar a anestesia desejada. O número de nebulizações depende da extensão da área a ser anestesiada.
  • A experiência do médico e conhecimento do estado físico do paciente são importantes para calcular a dose necessária. Nos pacientes idosos, debilitados, com doenças agudas ou em crianças, deve-se adequar as doses de acordo com a idade, peso e condições físicas.

Cada nebulização libera 100 mg de spray que corresponde a 10 mg de lidocaína.

Técnica sugerida de bloqueio:

  • Obtém-se consentimento do paciente, que deve ser esclarecido da importância e segurança de não ser sedado profundamente. Obter a colaboração do paciente é fundamental para o sucesso da técnica.
  • Com o paciente sentado, procede-se a sedação consciente e administração de antissialogogo.
  • Território do nervo facial é topicalizado primeiro com lidocaína 10% spray nos dois terços anteriores da língua.
  • Com uma gaze, segurar a ponta da língua por alguns segundos para impedir que o paciente degluta o anestésico, aumentando sua eficiência.
  • A seguir, é possível bloquear diretamente o nervo glossofaríngeo, que situa-se poucos milímetros posterior ao pilar amigdaliano posterior, podendo ser anestesiado por via tópica, desde que a absorção seja eficiente.
  • Com uso suave de laringoscópio com lâmina de Macintosh, afastar a língua para exibir o pilar amigdaliano posterior e borrifar lidocaína 10% diretamente sobre o pilar, aguardando sua absorção e impedindo a deglutição, bilateralmente.
  • Por fim, depositar lidocaína gel 2% na porção posterior da língua, deixando que escorra até a valécula. Pode-se empurrar o gel com o dedo indicador e ao mesmo tempo, palpar a valécula e testar se o bloqueio do glossofaríngeo foi eficaz, observando ausência de reflexo de náusea mediado por este par craniano.
  • Nota: essa é a técnica utilizada pelos anestesiologistas para maximizar bloqueio sensitivo das vias aéreas superiores. Na endoscopia de rotina não há necessidade de seguir todos esses passos. Mas importante conhece-los para poder utilizar em situações de alto risco de broncoaspiração

Referências

  • Sakai P, et al. Tratado de Endoscopia Diagnóstica e Terapêutica – vol1 – 3a edição. Atheneu.
  • Evans LT, Saberi S, Kim HM, et al. Pharyngeal anesthesia during sedated EGDs: is “the spray” beneficial? A meta-analysis and systematic review. Gastrointest Endosc 2006; 63:761.
  • de la Morena F, Santander C, Esteban C, et al. Usefulness of applying lidocaine in esophagogastroduodenoscopy performed under sedation with propofol. World J Gastrointest Endosc 2013; 5:231.
  • Tsai HI, Tsai YF, Liou SC, et al. The questionable efficacy of topical pharyngeal anesthesia in combination with propofol sedation in gastroscopy. Dig Dis Sci 2012; 57:2519.



Tumores neuroendócrinos do pancreas

Introdução

A incidência dos tumores neuroendócrinos do pâncreas está crescendo, possivelmente devido à realização com maior frequência exames de imagem e à qualidade destes exames. No entanto, sua prevalência felizmente ainda é rara. Esse post do Endoscopia Terapêutica tem a finalidade de servir como um guia de consulta quando eventualmente nos depararmos com uma dessas situações no dia a dia.

Conceitos gerais importantes sobre tumores neuroendócrinos do trato gastrointestinal

Os TNE correspondem a um grupo heterogêneo de neoplasias que se originam de células neuroendócrinas (células enterocromafins-like), com características secretórias.

Todos os TNE gastroenteropancreáticos (GEP) são potencialmente malignos e o comportamento e prognóstico estão correlacionados com os tipos histológicos.

Os TNE podem ser esporádicos (90%) ou associados a síndromes hereditárias (10%), como a neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM-1), SD von Hippel-Lindau, neurofibromatose e esclerose tuberosa.

Os TNE são na sua maioria indolentes, mas podem determinar sintomas. Desta forma, podem ser divididos em funcionantes e não funcionantes:

  • Funcionantes: secreção de hormônios ou neurotransmissores ativos: serotonina, glucagon, insulina, somatostatina, gastrina, histamina, VIP ou catecolaminas. Podem causar uma variedade de sintomas
  • Não funcionantes: podem não secretar nenhum peptídeo/ hormônios ou secretar peptídeos ou neurotransmissores não ativos, de forma a não causar manifestações clínicas.

Tumores neuroendócrinos do pâncreas (TNE-P)

Os TNE funcionantes do pâncreas são: insulinoma, gastrinoma, glucagonoma, vipoma e somatostatinoma.

Maioria dos TNE-P são malignos, exceção aos insulinomas e TNE-NF menores que 2 cm.

A cirurgia é a única modalidade curativa para TNE-P esporádicos, e a ressecção do tumor primário em pacientes com doença localizada, regional e até metastática, pode melhorar a sobrevida do paciente.

De maneira geral, TNE funcionantes do pancreas devem ser ressecados para controle dos sintomas sempre que possível. TNE-NF depende do tamanho (ver abaixo).

Tumores pancreáticos múltiplos são raros e devem despertar a suspeita de NEM1.

A SEGUIR VAMOS VER AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE CADA SUBTIPO HISTOLÓGICO

INSULINOMAS

  • É o TNE mais frequente das ilhotas pancreáticas.
  • 90% são benignos, porém são sintomáticos mesmo quando pequenos.
  • Cerca de 10% estão associadas a NEM.
  • São lesões hipervascularizadas e solitárias, frequentemente < 2 cm.
  • Tríade de Whipple:
    • hipoglicemia (< 50)
    • sintomas neuroglicopenicos (borramento visual, fraqueza, cansaço, cefaleia, sonolência)
    • desaparecimento dos sintomas com a reposição de glicose
  • insulina sérica > 6 UI/ml
  • Peptídeo C > 0,2 mmol/l
  • Pró-insulina > 5 UI/ml
  • Teste de jejum prolongado positivo (99% dos casos)

 

GASTRINOMAS

  • É mais comum no duodeno, mas 30% dos casos estão no pâncreas
  • São os TNE do pâncreas mais frequentes depois dos insulinomas.
  • Estão associados a Sd. NEM 1 em 30%, e nesses casos se apresentam como lesões pequenas e multifocais.
  • Provocam hipergastrinemia e síndrome de Zollinger-Ellison.
  • 60% são malignos.
  • Tratamento: cirúrgico nos esporádicos (DPT).
  • Na NEM 1, há controvérsia na indicação cirúrgica, visto que pode não haver o controle da hipergastrinemia mesmo com a DPT (tumores costumam ser múltiplos)

GLUCAGONOMAS

  • Raros;  maioria esporádicos.
  • Geralmente, são grandes e solitários, com tamanho entre 3-7 cm ocorrendo principalmente na cauda do pâncreas.
  • Sintomas: eritema necrolítico migratório (80%), DM, desnutrição, perda de peso, tromboflebite, glossite, queilite angular, anemia
  • Crescimento lento e sobrevida longa
  • Metástase linfonodal ou hepática ocorre em 60-75% dos casos.

VIPOMAS

  • Extremamente raros
  • Como os glucagonomas, localizados na cauda, grandes e solitários.
  • Maioria maligno e metastático
  • Em 10% dos casos pode ser extra-pancreático.
  • Quadro clínico relacionada a secreção do VIP (peptídeo vasoativo intestinal):
    • diarréia (mais de 3L litros por dia) – água de lavado de arroz
    • Distúrbios hidro-eletrolítico: hipocalemia, hipocloridria, acidose metabólica
    • Rubor
  • Excelente resposta ao tratamento com análogos da somatostatina.

 

SOMATOSTATINOMAS

  • É o menos comum de todos
  • Somatostatina leva a inibição da secreção endócrina e exócrina e afeta a motilidade intestinal.
  • Lesão solitária, grande, esporádico, maioria maligno e metastatico
  • Quadro clínico:
    • Diabetes (75%)
    • Colelitíase (60%)
    • Esteatorréia (60%)
    • Perda de peso

TNE NÃO FUNCIONANTES DO PÂNCREAS

  • 20% de todos os TNEs do pâncreas.
  • 50% são malignos.
  • O principal diagnóstico diferencial é com o adenocarcinoma

TNE-NF bem diferenciados menores que 2 cm: duas sociedades (ENETS e NCCN) sugerem observação se for bem diferenciado. Entretanto, a sociedade norte-americana NETS recomenda observação em tumores menores que 1 cm e conduta individualizada, entre 1-2 cm.

TNE PANCREÁTICO RELACIONADOS A SINDROMES HEREDITARIAS

  • 10% dos TNE-P são relacionados a NEM-1
  • Frequentemente multicêntricos,
  • Geralmente acometendo pessoas mais jovens.
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)

PS: Você se recorda das neoplasias neuroendócrinas múltiplas? 

As síndromes de neoplasia endócrina múltipla (NEM) compreendem 3 doenças familiares geneticamente distintas envolvendo hiperplasia adenomatosa e tumores malignos em várias glândulas endócrinas. São doenças autossômicas dominantes.

NEM-1
  • Doença autossômica dominante
  • Predispoe a TU (3Ps): Paratireóide; Pituitária (hipófise); Pâncreas,
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)
NEM-2A:
  • Carcinoma medular da tireoide,
  • Feocromocitoma,
  • Hiperplasia ou adenomas das glândulas paratireoides (com consequente hiperparatireoidismo).
NEM-2B:
  • Carcinoma medular de tireoide,
  • Feocromocitoma
  • Neuromas mucosos e intestinais múltiplos

Referências:

  1. Pathology, classification, and grading of neuroendocrine neoplasms arising in the digestive system – UpToDate ; 2021
  2. Guidelines for the management of neuroendocrine tumours by the Brazilian gastrointestinal tumour group. ecancer 2017,11:716 DOI: 10.3332/ecancer.2017.716

Como citar esse artigo:

Martins BC, de Moura DTH. Tumores neuroendócrinos do pancreas. Endoscopia Terapêutica. 2022; vol 1.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/tumores-neuroendocrinos-do-pancreas




Você classificaria esta lesão como benigna ou maligna?

Paciente encaminhado para ressecção (ESD) de lesão precoce de estômago, não biopsiada para “não prejudicar o procedimento”. Segue a imagem da lesão avaliada com luz branca e FICE:

 

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Impactos da pandemia por Covid-19 na prevenção do câncer colorretal

Como sabemos, o assunto Covid-19 parece estar longe de deixar os holofotes e as discussões médicas, especialmente após a retomada do número de casos novos, aumento de óbitos, novas variantes, imposição de restrições à circulação e sobrecarga dos sistemas de saúde, observados desde o início deste ano. Embora os esforços de vacinação continuem, infelizmente seus efeitos tardarão a chegar, ao menos para o retorno das rotinas de saúde. Nesse cenário, a atenção a outras condições de saúde seguirá comprometida por mais algum tempo. 

Em nossa especialidade, um ponto de preocupação é o impacto da pandemia no rastreamento do câncer colorretal (CCR). A redução drástica na realização de cirurgias eletivas, bem como de colonoscopias, observada desde o ano passado em todo o mundo certamente trará consequências. Quais seriam? Como reduzir esse impacto?

O adiamento de procedimentos eletivos traz grande impacto na condução adequada de pacientes com CCR. Um estudo do Reino Unido, por exemplo, aponta que um atraso na abordagem cirúrgica em todos os tipos de tumores sólidos, por 3 meses, traria em 1 ano 4.755 mortes adicionais, passando a uma estimativa de 10.760 mortes quando considerado um atraso de 6 meses. Destas, 2.980 mortes seriam atribuídas ao câncer colorretal.

As figuras 1 e 2 demonstram a redução de procedimentos endoscópicos no Reino Unido, bem como a de exames motivados por rastreamento de CCR. O mesmo ocorreu e foi relatado em diversos outros países. Na figura 3, é possível observar a queda expressiva do número de CCR detectados e o aumento no número de procedimentos por câncer detectado.

Figura 1: número de procedimentos endoscópicos por semana de janeiro a maio de 2020, geral e por tipo de

 procedimento – British Society of Gastroenterology.

Figura 2: número de colonoscopia e sigmoidoscopias do programa de rastreamento de CCR, de janeiro a maio de 2020 – British Society of Gastroenterology.

Figura 3: números de CCR detectados e número de procedimentos por câncer detectado – British Society of Gastroenterology.

Um estudo japonês, baseado nos dados de um hospital terciário, relatou um aumento de cerca de 100% na incidência de CCR obstrutivo com necessidade de descompressão, assim como um aumento significativo de pacientes com CCR sintomático admitidos no pronto atendimento, quando comparado ao período anterior à declaração do estado de emergência por Covid-19.

A preocupação deve ir além se considerarmos o limitado acesso de algumas populações à colonoscopia. Ainda que suspensas as limitações para a realização dos procedimentos, muitos não terão a possibilidade de retomar o rastreamento de forma adequada por incapacidade dos sistemas de saúde em absorver a demanda represada no período mais crítico da pandemia. Mesmo em programas de rastreamento baseados em teste de sangue oculto fecal, o impacto parece ser relevante. Um estudo com modelo de simulação considerando a suspensão de programas de diferentes países (Holanda, Canadá e Austrália) por período de tempo variável (3, 6 e 12 meses) aponta para um impacto marcante na incidência e morte relacionada ao CCR entre 2020 e 2050.

Embora muitas das recomendações colocadas na literatura não sejam aplicáveis ao nosso meio, em que predomina o “livre acesso” aos exames e programas de rastreamento são raros, vale mencionar algumas medidas para redução do impacto da pandemia sobre o rastreamento do CCR, tão logo se considere apropriado, levando-se em conta a realidade local da transmissão do Sars-CoV-2:

  • Adoção de medidas que busquem aumentar a adesão ao rastreamento;
  • Cumprimento dos cuidados recomendados para prática segura de procedimentos endoscópicos e dar visibilidade;
  • Promoção de educação e orientação aos pacientes e médicos solicitantes sobre a importância do rastreamento;
  • Encorajar o uso de modalidades não invasivas de rastreamento (sangue oculto);
  • Ampliação da capacidade de centros de colonoscopia;
  • Considerar priorização por idade, sexo, antecedentes clínicos ou sangue oculto +;
  • Seguir recomendações de seguimento, evitando sobreuso da colonoscopia;
  • Considerar adoção dos limites superiores dos intervalos recomendados para seguimento.

Como citar este artigo

Rodrigues R. Impactos da pandemia por Covid-19 na prevenção do câncer colorretal. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em:

Referências

  1. De Jong et al. Impact of the COVID-19 pandemic on faecal immunochemical test-based colorectal cancer screening programmes in Australia, Canada, and the Netherlands: a comparative modelling study. Lancet Gastroenterol Hepatol 2021; 6: 304–14. DOI: 10.1016/S2468-1253(21)00003-0
  2. Mizuno R et al. The number of obstructive colorectal cancers in Japan has increased during the COVID 19 pandemic: A retrospective single-center cohort study. Annals of Medicine and Surgery – 60, December 2020, Pages 675-679 DOI: 10.1016/j.amsu.2020.11.087
  3. Sud A et al. Collateral damage: the impact on outcomes from cancer surgery of the COVID-19 pandemic, Annals of Oncology (2020), doi: https://doi.org/10.1016/j.annonc.2020.05.009.
  4. COVID-19 has reduced overall cancer diagnostics and led to reductions in cancer diagnoses by between 26% (non-skin cancer) and up to 60% (skin cancer). Rutter MD, et al. Gut 2021;70:537–543. doi:10.1136/gutjnl-2020-322179

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Afinal, endoscopia digestiva alta produz mesmo aerossol?

Artigo: Aerosols Produced by Upper Gastrointestinal Endoscopy: A Quantitative Evaluation

Am J Gastroenterol 2021;116:202–205. https://doi.org/10.14309/ajg.0000000000000983

Há alguns meses, aqui no Endoscopia Terapêutica, trouxemos uma breve discussão sobre aerossóis e transmissibilidade do Sars-Cov2 na prática endoscópica. 

Como colocado no post anterior (veja mais), até recentemente, a endoscopia digestiva estava fora da lista de procedimentos geradores de aerossóis (AGP). Na verdade, até o momento da redação deste artigo, o site do CDC, Centers for Disease Control and Prevention (atualizado em 07 jan 21), não inclui a endoscopia digestiva na lista de AGPs, embora reconheça que a lista não é definitiva (figura 1).

Afinal, endoscopia digestiva alta produz mesmo aerossol?

Figura 1- Procedimentos geradores de aerossol, segundo o CDC. Excerto de https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/faq.html#Transmission

 

Até o momento, havia apenas a evidência de disseminação bacteriana demonstrada por culturas de amostras de face shields usadas por endoscopistas. 

Uma correspondência publicada em outubro de 2020 no American Journal of Gastroenterology, no entanto, trouxe maior consistência ao que já é empiricamente assumido pela maior parte dos especialistas. 

O experimento quantificou a geração de partículas de aerossol observada durante 105 endoscopias digestivas altas consecutivas, em comparação com um grupo controle no qual uma endoscopia foi simulada (90 simulações). Um artefato plástico cúbico, usado no serviço como forma de limitar a transmissão associada aos procedimentos, foi utilizado. O artefato conta com duas pequenas passagens que dão acesso ao endoscópio e a um contador óptico de partículas sensível a partículas entre 0,3 e 10 mm (figura 2).

Ilustração da posição do endoscópio e contador de partículas em artefato plástico utilizado no estudo. Am J Gastroenterol 2021;116:202–205. https://doi.org/10.14309/ajg.0000000000000983

As contagens foram realizadas antes, durante e após a realização das endoscopias e em tempos equivalentes no grupo controle, e os valores comparados. 

O incremento de partículas entre as amostras “antes” e “durante” foi maior no grupo endoscopia do que no grupo controle (P <0,001), bem como “antes” e “após” o procedimento (P<0,001). O mesmo resultado foi observado na contagem absoluta de partículas “durante” no grupo endoscopia (P=0,006), quando comparado ao grupo controle. 

No grupo endoscopia, 60 pacientes foram considerados como apresentando aerossolização elevada (>2x desvio padrão do grupo controle). Índice de massa corporal (IMC) e eructação foram fatores significantes relacionados ao aumento da aerossolização durante a endoscopia na análise univariada (P=0,020 e 0,018, respectivamente) e na análise de regressão logística multivariada (P=0,033 e 0,025, respectivamente). 

Os autores ressaltam a necessidade de uma sedação adequada e de insuflação cuidadosa para minimizar os riscos associados à eructação. Sugerem ainda a adoção de artefato semelhante ao usado no estudo para limitar a disseminação das partículas no ambiente. Ainda, consideram sua amostra relativamente pequena e a necessidade de estudos com maior número de pacientes. Embora haja diferença estatística entre os grupos quanto à idade média e aos antecedentes clínicos, os autores não fazem menção em sua breve discussão. 

Embora tenha fragilidades, o estudo reforça a necessidade de manutenção dos cuidados, utilização de equipamentos de proteção individual e atenção à possibilidade de contaminação por via aérea, seja em casos suspeitos, sabidamente positivos e mesmo em assintomáticos sadios.

Posts anteriores relacionados:

Transmissão do novo coronavírus

Gotículas, aerossóis e transmissão do coronavírus

Como citar este artigo:

Rodrigues R. Afinal, endoscopia digestiva alta produz mesmo aerossol?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/afinal-endoscopia-digestiva-alta-produz-mesmo-aerossol/

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