Encaminho paciente para avaliação e conduta. À disposição!

Paciente de 74 anos com queixa de disfagia alta (cervical) para líquidos e sólidos não constante, não progressiva no último ano, associada a edema cervical e mau hálito. Realizou endoscopia digestiva com achado de estenose de esôfago superior. Encaminhado para dilatação endoscópica.

A única foto é a que segue:




Caso clínico: tratamento endoscópico da hemorragia digestiva não varicosa

Autores:

Rafael William Noda

Guilherme Gomes

Thienes Maria Costa Lima

Paciente feminino, 78 anos, entrada no PS com melena há 4 dias e sinais de choque hipovolêmico (PA 110/50 e 110 bpm, palidez cutânea mucosa). Em uso, há 10 dias, de AINEs por tratamento dentário.

Comorbidades – HAS e DM sem uso de antiagregantes ou anticoagulantes.

Admitida em UTI para reanimação e realizada EDA 12 horas após a admissão.

Realizada EDA no setor de endoscopia com a paciente estável e sem IOT.

Revelou úlcera duodenal rasa em atividade com vaso visível e sangramento ativo em porejamento (Classificação de Forrest – IB).

Realizadas injeção de 8 ml de solução de adrenalina com glicose 50% (1:10000) e colocação de dois clipes com parada do sangramento.

Paciente evolui estável sem sinais de novo sangramento e realizou EDA 4 dias após para avaliação de todo o estômago antes da alta (no 1º exame, o estômago estava com coágulo) – clipes bem posicionados e sem estigmas de sangramento ativo ou recente.

Legenda: clipes bem posicionados no bulbo duodenal, sem sinais de ressangramento.

Tool Box

  • Agulha Interject 23 g – Boston
  • Clipes Resolution 360 – Boston
  • Gastroscópio EG 500 – Sonoscape

Guideline 2021 da ESGE recomenda

O uso do Glasgow – Blatchford Score (GBS) para estratificação de risco antes da endoscopia (se o Score <= 1, pode realizar endoscopia ambulatorial).

Endoscopia em até 24 horas após medidas de reanimação (não recomenda antes de 12 horas).

Infusão de IBP EV em bolus (80mg) e depois infusão contínua de 8mg/hora por 72 horas após a endoscopia.

Terapia endoscópica dupla – injeção de adrenalina associada a método térmico ou mecânico.

  • Pacientes em uso de anticoagulantes, preferencialmente, iniciar o seu uso novamente só após 7 dias do evento hemorrágico;
  • Em pacientes com sangramento refratário aos métodos endoscópicos tradicionais pode ser considerado o uso de agentes tópicos (hemospray – Cook) ou clip montado sob cap (Padlock – Steris).

Como citar este artigo

Noda RW, Gomes G, Lima TMC. Caso clínico – tratamento endoscópico da hemorragia digestiva não varicosa. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-tratamento-endoscopico-da-hemorragia-digestiva-nao-varicosa

Referências

  1. Endoscopic diagnosis and management of nonvariceal upper gastrointestinal hemorrhage (NVUGIH): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline – Update 2021. Endoscopy 2021; 53: 300–332

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Classificação de Chicago 4.0: o que há de novo na manometria de alta resolução?

A Classificação de Chicago (CC) busca padronizar a interpretação da manometria de alta resolução (MAR) definindo um fluxograma para classificar os distúrbios motores do esôfago. A primeira versão completa foi publicada em 2009, sendo recentemente atualizada para a 4ª versão. A classificação anterior (3.0 de 2015) já havia sido discutida previamente neste site.

Mas o que muda, de fato, nessa nova atualização?

1. Mudança de protocolo para realização da MAR

A CC 4.0 preconiza a realização de deglutições tanto em posição supina como em posição vertical, bem como de manobras adicionais, como múltiplas deglutições rápidas (MDR, ou multiple rapid swallows – MRS) e desafio de bebida rápida (DBR, rapid drink challenge – RDC).

A recomendação preferencial é pelo sistema de estado sólido, mas sabemos que o seu custo é elevado e que, no Brasil, o sistema de perfusão é muito mais disponível. A classificação de CC 4.0 pode também ser utilizada com o sistema de perfusão, desde que valores normativos tenham sido determinados. Nesse caso, porém, devem-se realizar apenas as deglutições supinas e manobras que sejam possíveis nessa posição. Na prática, caso usemos o sistema de perfusão no nosso dia a dia, seguimos com 10 deglutições úmidas na posição supina, mas recomenda-se realizar pelo menos 1 sequência de MDR.

O Quadro 1 detalha o protocolo padronizado pela CC 4.0 para realização de MAR.

Quadro 1: Protocolo para manometria de alta resolução padronizado conforme CC 4.0

Protocolo MAR – CC 4.0

  • Jejum de 4 horas;
  • Assinar termo de consentimento.

Estudo inicial em posição supina

  • 60 segundos para adaptação;
  • Documentar posição com pelo menos 3 inspirações profundas;
  • 30 segundos de linha de base;
  • 10 deglutições úmidas (5 mL) supinas;
  • 1 sequência MDR (deve ser repetida até 3x se tentativa falha ou resposta anormal).

Mudar posição para vertical (apenas se sistema de estado sólido)

  • 60 segundos para adaptação;
  • Documentar posição com pelo menos 3 inspirações profundas;
  • 30 segundos de linha de base;
  • 5 deglutições úmidas (5 mL) verticais;
  • 1 DBR.

Se não encontrar nenhum distúrbio motor, considerar:

  • Se alta probabilidade de OFJEG: testes com deglutições sólidas ou provocação farmacológica, se disponível;
  • Se suspeita de ruminação: realizar, se possível, impedância pós-prandial.

Se achados ambíguos ou se existe suspeita de obstrução que não preenche critérios para acalásia, considerar outros testes complementares:

  • Esofagograma baritado cronometrado;
  • EndoFLIP.

2. Não há mais diferenciação entre distúrbios maiores e menores da peristalse

A CC 4.0 não distingue mais entre distúrbios de motilidade maiores e menores, mas simplesmente separa distúrbios de obstrução da JEG dos distúrbios de peristalse.

A Figura 1 resume a análise hierárquica da motilidade esofágica conforme CC 4.0.

3. Subtipos de acalásia seguem o padrão da classificação anterior

4. Definição mais criteriosa sobre obstrução ao fluxo da junção esofagogástrica (OFJEG)

Apesar de uma proporção de OFJEG poder evoluir para acalásia ou mesmo representar uma variante de acalásia, observou-se que mais de um terço desses casos são clinicamente irrelevantes ou relacionados a etiologias benignas, como efeitos mecânicos, uso de opioide ou artefatos. Para evitar tratamentos desnecessários, a CC 4.0 foi mais criteriosa nesse tema.

O diagnóstico manométrico de OFJEG é definido pela elevação da IRP (integral da pressão de relaxamento, integrated relaxation pressure) em duas posições + 20% deglutições com pressão intrabolus elevada na posição supina, com evidência de peristalse. A suspeita inicial para o diagnóstico de OFJEG ocorre quando a IRP é alterada, mas não há critérios para acalásia, isto é, há contrações peristálticas.

Por outro lado, o diagnóstico de OFJEG clinicamente relevante requer: diagnóstico manométrico + sintomas relevantes (disfagia ou dor torácica não cardíaca) + investigações adicionais para obstrução (esofagograma ou endoFLIP). Você pode conhecer mais sobre endoFLIP neste outro artigo do Endoscopia Terapêutica.

5. De nada adianta achado manométrico sem clínica compatível

Alguns padrões manométricos podem ser incidentais, não indicando patologia clínica e não justificando uma intervenção. Portanto, uma das principais prioridades na CC 4.0 foi distinguir entre patologia e achados manométricos inespecíficos. Optou-se por manter o esquema de classificação estabelecido com base na fisiologia esofágica, mas a OFJEG, o espasmo esofágico distal e o esôfago hipercontrátil passam a ser considerados padrões com relevância clínica obscura. Um diagnóstico clinicamente relevante desses distúrbios requer achados manométricos conclusivos e sintomas relevantes (disfagia e/ou dor torácica não cardíaca).

6. Jackhammer passa a ser considerado um subtipo de esôfago hipercontrátil

A CC 4.0 manteve os critérios da CC 3.0 de ≥ 20% de deglutições hipercontráteis, mas revisou a nomenclatura para mudar o Jackhammer para um subtipo e renomear o distúrbio como esôfago hipercontrátil. Essa alteração considerou a heterogeneidade dos padrões de motilidade que atendem à definição, com a identificação de três subgrupos: Jackhammer (britadeira) com contrações prolongadas repetitivas, deglutições hipercontráteis de pico único e deglutições hipercontráteis com uma vigorosa pós-contração do esfíncter inferior do esôfago. Entre os três padrões, o Jackhammer é, normalmente, o mais sintomático e com a maior probabilidade de responder à intervenção.

7. Definição de motilidade esofágica ineficaz (MEI) passou a ser mais rigorosa

A definição da CC 4.0 de MEI é mais rigorosa, exigindo mais de 70% das contrações como ineficazes (em vez de, pelo menos, 50% em classificações anteriores) ou ≥ 50% das contrações falhas. A definição de uma contração ineficaz também passa a abranger deglutições fragmentadas, sendo que o peristaltismo fragmentado não é mais um distúrbio motor.

Como citar este artigo

Lages RB. Classificação de Chicago 4.0: o que há de novo na manometria de alta resolução?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/classificacao-de-chicago-4-0-o-que-ha-de-novo-na-manometria-de-alta-resolucao

Referências

  1. Yadlapati R, Kahrilas PJ, Fox MR, Bredenoord AJ, Prakash Gyawali C, Roman S, et al. Esophageal motility disorders on high-resolution manometry: Chicago classification version 4.0©. Neurogastroenterol Motil 2021; 33(1):e14058. doi:10.1111/nmo.14058.
  2. Yadlapati R, Pandolfino JE, Fox MR, Bredenoord AJ, Kahrilas PJ. What is new in Chicago Classification version 4.0? Neurogastroenterol Motil 2021;33(1):1–7. doi:10.1111/nmo.14053.



Como remover pólipos e lesões planas do cólon? Mucosectomia convencional (EMR) vs. underwater EMR

A remoção de pólipos faz parte da rotina da colonoscopia, sendo encontrados com maior frequência pólipos pequenos, inferiores a 10 mm e nos quais a incidência de neoplasia é extremamente baixa. Pólipos maiores ou lesões planas do cólon, no entanto, requerem maior atenção tanto por poderem estar associados à neoplasia e, portanto, necessitarem de remoção en bloc quanto pelas complicações relacionadas aos procedimentos de ressecção. 

Dispomos de diversas opções para remoção de lesões colônicas, como remoção simples com pinças de biópsias, polipectomia com alça “a frio”, mucosectomia convencional (EMR), mucosectomia por técnica underwater (U-EMR) e técnicas de dissecação endoscópica da submucosa (ESD). A escolha da técnica depende, dentre outros fatores, de características da lesão e treinamento do endoscopista. 

Um dos métodos mais empregados em nosso meio é a mucosectomia convencional, realizada por meio de injeção submucosa de solução salina abaixo da lesão, seguida de ressecção com alça diatérmica. Em 2012, foi publicada por Binmoeller a técnica de ressecção underwater, realizada com instilação de líquido no interior do cólon e aspiração do gás, reduzindo a tensão na parede do cólon, o que por sua vez determina um afastamento das camadas mucosa e submucosa em relação à camada muscular. Após instilação de líquido, a lesão é apreendida e removida com alça diatérmica. 

Selecionamos um artigo muito interessante com revisão da literatura e meta-análise, comparando essas duas técnicas de ressecção de lesões colônicas.

Artigo: Underwater versus conventional endoscopic mucosal resection for colorectal polyps: a systematic review and meta-analysis. Publicado na Gastrointest Endosc. 2021 Feb;93(2):378-389

Métodos

Na revisão da literatura, foram inclusos estudos de 2012 e 2020 envolvendo apenas estudos comparando ressecção de lesões maiores de 10 mm por técnicas de EMR e U-EMR nas seguintes bases de dados: MEDLINE/PubMed, The Cochrane Library, Google Scholar, CINAHL, Scopus.

Dos estudos que continham dados sobre pólipos de vários tamanhos, foram inclusos apenas os dados referentes às lesões maiores de 10 mm.

Foram descritos como sangramento tanto casos precoces como tardios; sobre localização, foi estratificado em proximal (ceco, ascendente e transverso) e distal (descendente e sigmoide).

Recorrência: recorrência de adenoma na histologia ou colonoscopia de controle 3-6 meses após ressecção.

Resultados

Foram avaliados títulos de 481 estudos, dos quais foram analisados 42 estudos na íntegra. Após exclusão de estudos com perfil diferente do estabelecido, restaram 7 estudos, sendo 3 estudos prospectivos randomizados, 1 estudo prospectivo e 3 retrospectivos. Os três estudos randomizados realizaram randomização de 1:1 reduzindo viés, e as quatro coortes foram consideradas de boa qualidade.

  • Total de pólipos removidos: 1237, dos quais 614 foram ressecados por U-EMR e 623 por EMR;
  • Ressecção “en bloc”: superioridade no grupo de U-EMR (odds ratio 1,84 IC:95%), no entanto, análise de subgrupos não evidenciou diferença significativa entre as técnicas para pólipos menores que 20 mm;
  • Recorrência: 4 estudos relataram dados sobre recorrência, avaliando 667 pólipos.

Houve menor recorrência no grupo de U-EMR (odds ratio 0,30 ; p=0,001), a qual foi de 6,82% em comparação com a taxa de 18,99% no grupo de EMR.

Estratificando essa incidência relacionada ao tamanho dos pólipos (3 estudos), houve diferença significativa no grupo de pólipos de 20 mm ou mais (odds ratio 0,29 p=0,001), porém não houve diferença significativa nos pólipos inferiores a 20 mm.

  • Sangramento pós-procedimento e perfuração: não houve diferença significativa entre os grupos em relação à perfuração ou à sangramento (total ou por segmentos).

Comentários

Ambas técnicas tiveram desempenho muito semelhante para lesões abaixo de 20 mm, que, felizmente, correspondem a maioria das lesões. O estudo mostra a mesma segurança, porém superioridade da técnica de ressecção underwater em relação à mucosectomia convencional para lesões maiores de 20 mm nos dois principais pontos: recidiva e recorrência. Apesar desse dado, vale ressaltar que lesões com essas características são melhor tratadas por técnica de dissecção endoscópica da submucosa (ESD), devendo ser avaliada com cautela e de forma individualizada a realização de outras técnicas de ressecção, seja por mucosectomia convencional seja por underwater.

Como citar este artigo

Ferreira F. Como remover pólipos e lesões planas do cólon? – mucosectomia convencional (EMR) vs underwater EMR. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em:

Leia também

Referências

  1. Choi AY, Moosvi Z, Shah S, Roccato MK, Wang AY, Hamerski CM, et al. Underwater versus conventional EMR for colorectal polyps: systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc. 2021;93(2):378–89. Available from: https://doi.org/10.1016/j.gie.2020.10.009
  2. Nett A, Binmoeller K. Underwater Endoscopic Mucosal Resection. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2019;29(4):659–73. Available from: https://doi.org/10.1016/j.giec.2019.05.004

 




Caso clínico: carcinoma neuroendócrino de esôfago

Relato de caso

Homem, 45 anos, com antecedente de etilismo e tabagismo, vinha em acompanhamento com a oncologia após mandibulectomia com esvaziamento cervical por CEC (pT4a N2c), seguida de quimioterapia e radioterapia adjuvantes. No acompanhamento, cerca de 9 meses após cirurgia, PET-CT revelou captação em região esofágica média com linfonodo adjacente, além de múltiplos nódulos hepáticos (imagens abaixo).

Solicitada endoscopia, fotos abaixo:

Carcinoma Neuroendócrino de EsôfagoCarcinoma Neuroendócrino de Esôfago

Carcinoma Neuroendócrino de Esôfago

Carcinoma Neuroendócrino de Esôfago

Carcinoma Neuroendócrino de EsôfagoCarcinoma Neuroendócrino de EsôfagoCarcinoma Neuroendócrino de Esôfago

A endoscopia revelou lesão plano-elevada em esôfago médio medindo cerca de 3 cm, com acometimento de 50% da circunferência do órgão, com intensa irregularidade da vascularização e da superfície mucosa à magnificação com NBI e sendo uma lesão iodo-negativa à cromoscopia com lugol (2%). Biópsias revelaram carcinoma neuroendócrino predominantemente de pequenas células, com Ki-67 de 50%. Ademais, biópsia de nódulo hepático também exibiu carcinoma neuroendócrino de pequenas células com Ki-67 de 70%. Logo, comprovada a existência de 2º tumor primário, o carcinoma neuroendócrino de pequenas células no esôfago de alto grau metastático para o fígado. Paciente foi encaminhado para acompanhamento com oncologia.

Discussão/Conclusões

Tumores neuroendócrinos (TNE) são neoplasias heterogêneas por apresentarem características histológicas diversificadas e apresentações clínicas variadas. Apesar da relativa raridade, houve um aumento da incidência nos últimos anos, justificada, principalmente, pela melhora dos métodos diagnósticos. A maioria dos carcinomas neuroendócrinos de pequenas células são advindas do pulmão, sendo as apresentações extrapulmonares mais raras.

O carcinoma neuroendócrino de pequenas células do esôfago é um tipo raro de neoplasia, caracterizado por apresentar comportamento agressivo e por mau prognóstico, evoluindo com metástases e, por conseguinte, com sobrevida estimada em meses. Por serem extremamente incomuns, há poucas publicações sobre o tema.

Como citar este artigo

Ruiz RF. Caso clínico: Carcinoma Neuroendócrino de Esôfago. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-carcinoma-neuroendocrino-de-esofago

Referências bibliográficas

  1. KANEKO, Yuki et al. Neuroendocrine carcinoma of the esophagus with an adenocarcinoma component. Clinical journal of gastroenterology, p. 1-5, 2019.
  2. KIM, Kyeong-Ok et al. Clinical overview of extrapulmonary small cell carcinoma. Journal of Korean medical science, v. 21, n. 5, p. 833-837, 2006.
  3. RINDI, Guido et al. A common classification framework for neuroendocrine neoplasms: an International Agency for Research on Cancer (IARC) and World Health Organization (WHO) expert consensus proposal. Modern Pathology, v. 31, n. 12, p. 1770, 2018.
  4. SCHIZAS, Dimitrios et al. Neuroendocrine Tumors of the Esophagus: State of the Art in Diagnostic and Therapeutic Management. Journal of gastrointestinal cancer, v. 48, n. 4, p. 299-304, 2017.
  5. WU, Zhu et al. Primary small cell carcinoma of esophagus: report of 9 cases and review of literature. World journal of gastroenterology: WJG, v. 10, n. 24, p. 3680, 2004.

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Caso clínico – mucormicose gástrica

Paciente masculino, 62 anos, sem comorbidades, vítima de ferimento por projétil de arma de fogo (PAF) em membro superior direito e hemitórax, submetido à toracotomia direita e à laparotomia com rafias diafragmática e hepática, sem intercorrências. Evoluiu com episódios de vômitos com rajas de sangue no pós-operatório, sendo realizada endoscopia para investigação diagnóstica.

Identificadas as seguintes imagens:

Mucormicose gástricaMucormicose gástricaMucormicose gástricaMucormicose gástrica

Realizadas biópsias que evidenciaram numerosas hifas fúngicas sugestivas de mucormicose.

Introduzido anfotericina B lipossomal e, após seis dias, foi realizada cirurgia para ressecção em cunha da lesão. Foi feita uma endoscopia intraoperatória que revelou considerável melhora no aspecto da lesão.

Mucormicose gástricaMucormicose gástrica

Revisão

A mucormicose é uma infecção fúngica oportunista, potencialmente fatal, causada por fungos da ordem Mucorales. Ocorre mais comumente em pacientes imunocomprometidos, como em diabéticos descompensados (principal fator de risco), queimados, desnutridos, com neoplasias hematológicas, transplantados, em uso de corticoesteroides, com insuficiência renal, uso de antifúngicos, terapia com desferroxamina, antibioticoterapia de amplo espectro, consumo de drogas intravenosas e ruptura cutânea traumática, como na perfuração por arma de fogo. No entanto, nos últimos anos, a doença também tem sido cada vez mais descrita em pacientes imunocompetentes.

Sua apresentação clínica é heterogênea, variando de acordo com o sítio da infecção. As formas mais frequentes são: seios da face (39%), pulmonar (24%), cutâneo (19%), cerebral (9%), gastrointestinal (7%), disseminada (3%) e renal (2%).

A mucormicose gastrointestinal é rara, e as manifestações variam desde a colonização de úlceras pépticas à doença infiltrativa com invasão e disseminação vascular. No envolvimento gastrointestinal, o órgão mais frequentemente comprometido é o estômago (58%), seguido pelo cólon (32%), intestino delgado e esôfago. Acarreta uma taxa de mortalidade significativa, alcançando até 85%, isso devido ao atraso no diagnóstico e a complicações, como perfuração e sangramento maciço. Na endoscopia, geralmente, pode-se observar úlcera solitária ou múltiplas, recobertas por tecido necrótico. O diagnóstico é confirmado histopatologicamente com base na biópsia da área suspeita durante cirurgia ou endoscopia.

Ainda não está claro como os Mucorales colonizam e invadem o trato gastrointestinal, mas alguns autores sugerem a ingestão de alimentos, como leite fermentado, produtos de panificação e mingaus fermentados, bebidas alcoólicas preparadas do milho, medicamentos fitoterápicos e homeopáticos, contendo esporos desse patógeno.

O manejo bem-sucedido da mucormicose inclui suporte metabólico agressivo, terapia antifúngica com anfotericina B ou posaconazol e desbridamento cirúrgico de todos os tecidos envolvidos com necrose. A duração do tratamento é individualizada, mas, geralmente, é mantida por 4 a 6 semanas.

Como citar este artigo:

Fagundes M. Caso Clínico – Mucormicose gástrica. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-mucormicose-gastrica/

Referências bibliográficas:

  1. Abreu, BFBB et al. A rare case of gastric mucormycosis in an immunocompetent patient. Rev Soc Bras Med Trop 51(3):401-402, May-June, 2018.
  2. Kaur, H, et al. Gastrointestinal mucormycosis in apparently immunocompetent hosts—A review. Mycoses. May 2018.
  3. Spellberg, B, et al. Gastrointestinal Mucormycosis: An Evolving

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Esôfago de Barrett após gastrectomia vertical (Sleeve)

Artigo publicado na Gastrointestinal Endoscopy em fevereiro de 2021. Trata-se de uma revisão sistemática e metanálise sobre esôfago de Barrett após gastrectomia vertical (Sleeve).

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma das grandes preocupações em pacientes submetidos ao Sleeve. E a DRGE é o maior fator de risco para o esôfago de Barrett, que é sabidamente um precursor do adenocarcinoma de esôfago.

A prevalência de DRGE e hérnia de hiato é maior que o normal nos pacientes obesos, sendo, então, esperado um aumento do esôfago de Barrett nessa população. Apesar disso, uma metanálise de mais de 13.000 pacientes submetidos à endoscopia pré-cirurgia bariátrica relatou um baixo índice de esôfago de Barrett, menor que 1%. No entanto, se os pacientes pioram da DRGE pós-Sleeve, cria-se a hipótese que aumentaria o risco de desenvolver esôfago de Barrett.

De acordo com os guidelines, pacientes cuja prevalência esperada de Barrett é maior que 10% são considerados de alto risco para desenvolver essa condição e devem, portanto, ser rastreados. Avaliar o risco de esôfago de Barrett pós-Sleeve tem importantes implicações clínicas para endoscopistas que realizam endoscopia pré e pós-operatórias desses pacientes, cirurgiões bariátricos que realizam o procedimento, pacientes e clínicos que os acompanham.

Nessa metanálise, o resultado primário avaliado foi a proporção de pacientes que desenvolveram esôfago de Barrett pós-Sleeve, confirmado histologicamente. Eles também avaliaram a prevalência de DRGE e esofagite no seguimento.

Resultados

A pesquisa inicial identificou 4.389 estudos e, após avaliações e exclusões, foram incluídos 10 estudos, totalizando 680 pacientes.

Prevalência do esôfago de Barrett

No geral, 54 dos 680 pacientes apresentaram esôfago de Barrett. Todos os casos foram sem displasia e de novo (sem Barrett na endoscopia pré-cirurgia). Além disso, todos os casos foram observados em estudos com seguimento longo (acima de 3 anos). A prevalência de esôfago de Barrett foi de 11,4 % (IC 95%, 7,7% -16,6%), p< 0,001.

Esôfago de Barrett e sintomas de DRGE

No total, 7 pacientes tinham esôfago de Barrett sem sintomas de DRGE no pós-operatório. A taxa agrupada na metanálise foi de 10,3% (IC 95%, 5%-20%, p< 0,001). A taxa agrupada de Barrett em pacientes com sintomas de DRGE foi 18,2% (IC 95%, 12,4%-26%). Não houve diferença significativa na probabilidade de ter Barrett baseado nos sintomas de DRGE (odds ratio 1,74; IC 95%, 0,52-5, 89; p=0,37).

Apenas 1 estudo relatou a taxa de projeção linear de epitélio colunar no esôfago (como vista endoscopicamente). Nesse estudo, a taxa de epitélio colunar foi alta (50%, n=10). Mas apenas 3 desses pacientes confirmaram por biópsias esôfago de Barrett.

Esofagite pós-Sleeve

Sete estudos relataram esofagite antes e após o Sleeve com vários intervalos de seguimento. Em cinco estudos de seguimento longo (maior que 3 anos), o aumento relativo da taxa de esofagite foi 86% (64%-109%), P < .001, I 2 = 47%, Q = 7.6 (P =0,107). Isso significa que há 86% de aumento no risco de esofagite pós-Sleeve em seguimento de longo prazo.

DRGE pós-Sleeve

Oito estudos relataram a taxa de DRGE pós-Sleeve. A definição de DRGE teve grande variação em cada estudo (consenso de Montreal, aplicação de questionários, presença de pirose, cintilografia, entre outros). Como resultado, foi observada uma heterogeneidade significativa na magnitude da DRGE pós-operatória. No entanto, todos os estudos mostraram estar na mesma direção: um significativo aumento da prevalência do DRGE no pós-operatório com odds rates variando de 1,6 a 49. Quatro estudos relataram DRGE de novo pós-Sleeve. Entre aqueles que não apresentavam sintomas de DRGE antes da cirurgia, a taxa de DRGE no pós-operatório foi de 45% (IC 95%, 35%-55%), p=0,106. Dois estudos relataram aumento do uso de inibidores de bomba de prótons no pós-operatório: de 22% para 76% e de 24% para 76%.

Discussão

Segundo os autores, essa metanálise incluiu todos os estudos existentes. Foi verificado que a prevalência do Barrett pós-Sleeve gástrico é de 11,6%. Além disso, foi visto que o aparecimento do Barrett não foi limitado aos pacientes com sintomas de DRGE somente. Barrett apareceu por volta de 3 anos após o procedimento e continuou a ser detectado 10 anos após a cirurgia.

Implicações clínicas

Há muitas implicações clinicas nesses achados. Primeiro, devido ao aumento de peso da população e da demanda pelo Sleeve, cirurgiões bariátricos, gastroenterologistas e demais médicos que acompanham os pacientes precisam estar cientes desses possíveis resultados. Esses dados justificam uma discussão com os pacientes em relação aos riscos e benefícios do rastreamento para esôfago de Barrett pós-Sleeve. De acordo com o guideline da ASGE, rastreamento para esôfago de Barrett deve ser indicado para os pacientes de uma população em que a prevalência de Barrett é maior que 10%. Observe que 11,6% dos casos foram Barrett de novo, nenhum dos pacientes submetidos ao Sleeve tinham Barrett na endoscopia pré-operatória. Os dados sugerem que o rastreio pode ser mais útil se iniciado cerca de 3 anos após o Sleeve. Mais dados sobre essa questão são necessários antes de tais recomendações serem adotadas em diretrizes clínicas.

Segundo, embora o Barrett possa levar anos para se desenvolver, o risco de esofagite parece aumentar 13% por ano baseado em regressão logística. Muitos pacientes com esôfago de Barrett e esofagite são assintomáticos. Embora esses resultados secundários requeiram investigações adicionais, o resultado da metanálise indica que supressão ácida precoce pós-Sleeve pode ser considerada para atenuar risco de DRGE e, portanto, o risco de esôfago de Barrett e adenocarcinoma de esôfago.

Terceiro, o aumento do risco de esôfago de Barrett devido ao Sleeve deve ser discutido com os pacientes candidatos à cirurgia. Pacientes com aumento do risco para Barrett devem receber a opção de ter um procedimento alternativo. Esses pacientes incluem aqueles com DRGE, esofagite documentada, história familiar de Barrett ou adenocarcinoma de esôfago, homens e fumantes.

Nenhum dos estudos relatou a taxa de progressão para displasia no esôfago de Barrett. Entretanto, não há razão para se presumir que o Barrett pós-Sleeve teria um comportamento diferente que o Barrett em outros pacientes.

Além disso, poderia haver implicações clínicas para gastroplastia endoscópica (endoscopic sleeve gastroplasty – ESG). Embora o ESG mimetize o Sleeve por cirurgia na sua técnica, o efeito do ESG na DRGE, esofagite erosiva e esôfago de Barrett, não está bem estudado. Um estudo retrospectivo com 83 pacientes submetidos à ESG e 54 ao Sleeve cirúrgico mostrou que o risco de refluxo foi menor no grupo ESG, porém o verdadeiro efeito do ESG na DRGE e esofagite erosiva não está bem estabelecido ainda.

Limitações

Uma das limitações do estudo é o relativo tamanho pequeno da amostra. Além disso, o resultado primário foi esôfago de Barrett. Portanto, muitos dos resultados secundários devem ser usados com cautela.

Conclusão

Pacientes submetidos à gastrectomia vertical têm risco aumentado de desenvolver esôfago de Barrett. Mais estudos são necessários para entender a fisiopatologia desse fenômeno. Gastroenterologistas, cirurgiões bariátricos e demais médicos devem estar atentos a esses dados. Uma clara discussão com os pacientes a respeito dos riscos após o procedimento e a avaliação do risco-benefício do rastreamento do esôfago de Barrett após o Sleeve devem ser consideradas.

Como citar este artigo

Arraes L. Esôfago de Barrett após gastrectomia vertical (Sleeve). Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/esofago-de-barrett-apos-gastrectomia-vertical-sleeve/

Referência

Barrett esophagus after sleeve gastrectomy: a systematic review and meta-analysis. Bashar J. Qumseya et al. Gastointestinal Endoscopy. Volume 93, issue 2, P343-353.E2. February 01, 2021. DOI: https://doi.org/10.1016/j.gie.2020.08.008




Hemostasia com cateter bipolar

Paciente masculino, 78 anos, admitido por HDA. Após condutas para estabilização hemodinâmica, foi submetido à endoscopia digestiva alta. O exame demonstrou na pequena curvatura do corpo gástrico proximal uma grande úlcera com sinais de sangramento recente e coto vascular visível.

 

Nesta situação, quais métodos a serem usados para hemostasia?

A escleroterapia com adrenalina era uma escolha certa. Mas, tendo em vista os melhores resultados com terapia combinada, ficou a dúvida qual o segundo método a ser utilizado. Logo ficou claro que o clipe não seria a melhor opção pois a úlcera era muito grande, com bordas endurecidas e o clipe não iria conseguir aproximar as bordas. Se o clipe fosse usado diretamente no vaso, provavelmente, não ficaria bem aderido pois a base da úlcera estava muito friável e teria o risco de aumentar a ruptura do vaso.

A ideia foi usar algum método térmico, sendo as opções a coagulação com plasma de argônio ou a hemostasia com cateter bipolar. O argônio não funciona bem em superfície que tem líquido, forma muitos debris que aderem ao cateter. Além disso, a coagulação é superficial e seria insuficiente para a hemostasia mais profunda para um vaso como este.

O cateter bipolar (Injection Gold Probe – Boston Scientific) pareceu ser a melhor opção. Esse cateter combina a possibilidade de realizar a escleroteria e a hemostasia térmica com o mesmo acessório. Foi usado através de compressão no foco exato a ser hemostasiado e com potência de 30 W no modo coagulação. O efeito imediato foi muito bom, não precisando ser aplicado novamente.

O tratamento foi complementado com injeção de solução de adrenalina ao redor do vaso rompido. O aspecto foi satisfatório e, após a hemostasia, não houve ressangramento imediato nem tardio.

Eletrocoagulação bipolar

O cateter bipolar e o cateter multipolar geram energia térmica completando um circuito elétrico entre 2 eletrodos na ponta de uma sonda. Em contraste com o eletrocautério monopolar, o circuito é concluído localmente, por isso nenhuma base de aterramento é necessária. Como o tecido-alvo desidrata, há uma diminuição da condutividade elétrica, limitando a temperatura máxima (100 °C), profundidade e extensão da lesão do tecido. O pedal controla a entrega de energia, e a potência de saída é em watts (W). Configurações de potência máxima dependem do gerador usado, mas geralmente não excedem 50 W. A configuração padrão é 20 W.

A sonda bipolar consiste em bandas alternadas de eletrodos que produzem um campo elétrico que aquece a mucosa e o vaso. Os eletrodos são revestidos com ouro para reduzir a adesividade ao tecido. As sondas são rígidas a fim de permitir que uma pressão adequada seja aplicada para comprimir e selar as paredes do vaso sangrante (“coagulação coaptiva”) enquanto a energia do campo elétrico é transmitida. A sonda pode ser usada tangencialmente ou perpendicularmente na fonte de sangramento.

Como citar este artigo:

Salles FP. Hemostasia com cateter bipolar. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/hemostasia-com-cateter-bipolar

Referência bibliográfica

  1. BIANCO, Maria Antonia; ROTONDANO, Gianluca; MARMO, Riccardo; PISCOPO, Roberto; ORSINI, Luigi; CIPOLLETTA, Livio. Combined epinephrine and bipolar probe coagulation vs. bipolar probe coagulation alone for bleeding peptic ulcer: a randomized, controlled trial. Gastrointestinal Endoscopy, [S.L.], v. 60, n. 6, p. 910-915, dez. 2004. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/s0016-5107(04)02232-1.
  2. MORRIS, Marcia L; TUCKER, Robert D; BARON, Todd H; SONG, Louis M Wong Kee. Electrosurgery in Gastrointestinal Endoscopy: principles to practice. The American Journal Of Gastroenterology, [S.L.], v. 104, n. 6, p. 1563-1574, 21 abr. 2009. Ovid Technologies (Wolters Kluwer Health). http://dx.doi.org/10.1038/ajg.2009.1
  3. PARSI, Mansour A.; SCHULMAN, Allison R.; ASLANIAN, Harry R.; BHUTANI, Manoop S.; KRISHNAN, Kuman; LICHTENSTEIN, David R.; MELSON, Joshua; NAVANEETHAN, Udayakumar; PANNALA, Rahul; SETHI, Amrita. Devices for endoscopic hemostasis of nonvariceal GI bleeding (with videos). Videogie, [S.L.], v. 4, n. 7, p. 285-299, jul. 2019. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.vgie.2019.02.004.
  4. CONWAY, Jason D.; ADLER, Douglas G.; DIEHL, David L.; FARRAYE, Francis A.; KANTSEVOY, Sergey V.; KAUL, Vivek; KETHU, Sripathi R.; KWON, Richard S.; MAMULA, Petar; RODRIGUEZ, Sarah A.. Endoscopic hemostatic devices. Gastrointestinal Endoscopy, [S.L.], v. 69, n. 6, p. 987-996, maio 2009. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.gie.2008.12.251.

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Curiosidades sobre o Helicobacter pylori

Introdução

  • O Helicobacter pylori (HP) acomete aproximadamente metade da população mundial, sendo uma das principais infecções crônicas do ser humano.
  • Detentor de um vasto repertório genético, o HP é capaz de adaptar-se às mais diversas situações impostas pelo hostil ambiente gástrico.
  • Embora intimamente associado aos humanos há muitos séculos, foi descoberto apenas em 1982 por Warren e Marshall, rendendo a eles o prêmio Nobel. [2]
  • Identificado inicialmente como Campylobacter pyloridis, mais tarde fora reclassificado como Helicobacter pylori. [1]
  • A infecção é, geralmente, adquirida na primeira infância com forma de transmissão ainda não estabelecida, mas, provavelmente, fecal-oral e/ou oral-oral. [3]

Características

  • Definido como um bacilo microaerofílico, gram-negativo, de crescimento indolente, mede aproximadamente 3,5 x 0,5 μm.
  • Morfologicamente, apresentam-se sob duas formas, uma bacilar espiralada e outra cocóide. [2]
  • A microscopia eletrônica revela que o HP tem 2 a 7 flagelos munidos de bainha unipolar que aumentam a sua mobilidade por meio de soluções viscosas. Essa propriedade permite que se estabeleça nas porções mais profundas do gel mucoso que reveste a mucosa gástrica, onde as condições de pH são mais favoráveis. [2]
  • O HP coloniza exclusivamente o epitélio gástrico, com a capacidade de fixar-se ao epitélio, porém, em circunstâncias normais, parece não invadir essas células. [3]

Figura 1

Quando submetido a fatores estressores, como escassez de nutrientes, condições desfavoráveis de temperatura, pH e substâncias tóxicas, o HP muda sua conformação habitual bacilar para cocóide. Nesta forma de adaptação, o HP admite um estado viável, mas não cultivável. Essa transição de conformação é responsável, em parte, pela resistência aos antibióticos. [4]

Figura 2

 

  • A capacidade de produzir urease, uma enzima que catalisa a degradação da uréia em amônia e CO2, permite a alcalinização do pH circundante. (Para saber mais sobre o teste da urease confira este post.)
  • O repertório genético determina fatores patogênicos, capazes de facilitar a adesão ao epitélio gástrico, induzir lesão mucosa e evitar as defesas do hospedeiro. [5]

Relação entre HP e inibidor de bomba de próton (IBP)

  • O inibidor de bomba de prótons (IBP) tem potencial efeito bactericida, bacteriostático e reduz a atividade da urease do HP.
  • Os métodos dependentes da quantidade de bactérias (histológico, teste respiratório, antígeno fecal) e da atividade da urease (teste da urease) são negativamente influenciados após o uso do IBP.
  • Por isso, na prática clínica, recomendamos a suspensão dos IBP por 14 dias antes de qualquer teste diagnóstico, exceto sorologia.
  • Da mesma forma, orienta-se a suspensão dos antibióticos e sais de bismuto por 30 dias. [6]

Pesquisa do HP pelo método histológico

Em busca do melhor ambiente para desenvolver-se, o HP, normalmente, inicia seu ciclo de vida no antro, onde condições de pH e nutrientes são mais favoráveis, e, eventualmente, migra para o corpo. Essas formas de acometimento são, atualmente, atribuídas ao somatório de fatores ambientais, de virulência e do hospedeiro.

  1. Disposição predominante antral, hipergastrinemia, hipersecreção de ácido e predisposição a úlcera duodenal.
  2. Migração do antro para o corpo gástrico, redução da produção ácida, evolução com gastrite atrófica, metaplasia intestinal, úlcera gástrica e câncer.

A utilização do método histológico com apenas uma biópsia do antro é razoável para a maioria dos casos. Entretanto, nos pacientes com atrofia e metaplasia, devemos associar com biópsia do corpo gástrico. Por isso, de forma geral realizamos biópsias do corpo e do antro.

A realização de duas biópsias do corpo e duas do antro confere um aumento de positividade das biópsias entre 10–15%, entretanto, não há estudos comprovando se essa prática é custo-efetiva. [7]

Como citar este artigo:

Júnior EAA. Curiosidades sobre o Helicobacter pylori. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/curiosidades-sobre-o-helicobacter-pylori

Referências

  1. Warren JR. Helicobacter: the ease and difficulty of a new discovery (Nobel lecture). ChemMedChem. 2006;1(7):672-85.
  2. Goodwin CS, Worsley BW. Microbiology of Helicobacter pylori. Gastroenterology clinics of North America. 1993;22(1):5-19
  3. Cover TL, Blaser MJ. Helicobacter pylori in health and disease. Gastroenterology. 2009;136(6):1863-73.
  4. Kadkhodaei, Sara; Siavoshi, Farideh; Akbari Noghabi, Kambiz (2019). Mucoid and coccoid <i>Helicobacter pylori</i> with fast growth and antibiotic resistance. Helicobacter, (), –. doi:10.1111/hel.12678 
  5. Amieva MR, El-Omar EM. Host-bacterial interactions in Helicobacter pylori infection. Gastroenterology. 2008;134(1):306-23.
  6. Coelho LGV, Marinho JR, Genta R, Ribeiro LT, Passos MCF, Zaterka S, Assumpção PP, Barbosa AJA, Barbuti R, Braga LL, Breyer H, Carvalhaes A, Chinzon D, Cury M, Domingues G, Jorge JL, Maguilnik I,
  7. Marinho FP, Moraes Filho JP, Parente JML, Paula-e-Silva CM, Pedrazzoli Júnior J, Ramos AFP, Seidler H, Spinelli JN, Zir JV. IVth Brazilian Consensus Conference on Helicobacter pylori infection
  8. Calvet, Xavier (2015). Diagnosis of Helicobacter pylori Infection in the Proton Pump Inhibitor Era. Gastroenterology Clinics of North America, (), S0889855315000473–. doi:10.1016/j.gtc.2015.05.001
  9. Ierardi, Enzo; Losurdo, Giuseppe; Mileti, Alessia; Paolillo, Rosa; Giorgio, Floriana; Principi, Mariabeatrice; Di Leo, Alfredo (2020). The Puzzle of Coccoid Forms of Helicobacter pylori: Beyond Basic Science. Antibiotics, 9(6), 293–. doi:10.3390/antibiotics9060293

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CORPO ESTRANHO IMPACTADO NA GARGANTA: VOCÊ SABE AVALIAR?

“Doutor, estava comendo peixe e engoli uma espinha! Estou sentindo ela presa aqui na minha garganta!”

Todo endoscopista que faz plantão de sobreaviso já passou por essa situação.

Espinha de peixe e espículas de frango são os mais terríveis, pois têm grande chance de ficar impactados em algum local do trajeto (hipofaringe, esôfago, etc).

Quando pensei em escrever sobre esse assunto, o principal objetivo era familiarizar o endoscopista com o exame e a anatomia das estruturas supraglóticas, visto que, para nós, essa é uma região apenas “de passagem”. Mas também vamos recapitular o que os guidelines orientam sobre o melhor momento de realizar esse exame.

Em alguns serviços existe uma discussão a respeito de quem deveria atender a esses pacientes: endoscopistas ou os otorrinos? Já deixo aqui a minha opinião:

  • Exame físico dedicado com o otorrinolaringologista deveria ser a conduta padrão, pois é simples de realizar, pode resolver o problema rapidinho e não exige sedação;
  • Caso o otorrino não encontre a espinha impactada em nenhum lugar acessível, o exame endoscópico estaria indicado;

Mas nem sempre temos o melhor dos mundos a nosso favor e, tendo a suspeita de corpo estranho impactado “na garganta”, não podemos omitir socorro ao paciente, ok?

Então, vamos lá!

O que diz o guideline da ASGE sobre ingestão de objetos pontiagudos?

Objetos pontiagudos (agulhas, ossos, palitos de dente)

  • Laringoscopia direta é uma opção para remover objetos acima do cricofaríngeo;
  • Objeto pontiagudo impactado no esôfago é uma emergência médica e deve ser retirado imediatamente;
  • A maioria dos objetos pontiagudos passam pelo TGI sem incidentes. No entanto, a chance de complicação pode chegar até 35%. Portanto, objetos pontiagudos no estômago ou duodeno proximal devem ser retirados por endoscopia.

Clique aqui para ver o guideline.

O guideline não fala a respeito de jejum em cada situação, mas deixo aqui a minha opinião:

  • Suspeita de impactação acima do cricofaríngeo: melhor esperar jejum (ou fazer com anestesia tópica, mas nem sempre o paciente colabora);
  • Suspeita de impactação no esôfago: emergência médica! Exame imediato!
  • Sem suspeita de impactação no esôfago: exame assim que completar o jejum.

Anatomia da laringe

Figura 1: visão endoscópica da laringe. Epiglote parcialmente visualizada.

Exame endoscópico

Paciente jovem, feminina, refere ingestão de corpo estranho (osso de frango) há 2 dias. Refere dor na garganta e suspeita que o osso de frango está impactado em algum lugar. 

Para ser honesto, com essa história arrastada de 2 dias e poucos sintomas, meu palpite era que eu não iria achar nada no local. Mesmo assim, procedemos com o exame cuidadoso.

 

Figura 2: exame do esôfago e coto gástrico normal.

Figura 3: laringe, seio piriforme esquerdo e direito.

Figura 4: epiglote, pilar amigdaliano direito e tonsila direita.

 

Até agora, nada. Porém, cumpre lembrar que a endoscopia digestiva alta não é o exame adequado para estudar essa região. O relaxamento da musculatura, devido à sedação e ao posicionamento do paciente, dificulta o exame adequado. Por isso, sempre recomendamos realizar um exame com auxílio de um cap acoplado à extremidade do aparelho antes de concluir que está tudo bem.

 

Figura 5: exame com auxílio de cap. Visualização da epiglote e da valécula (região atrás da epiglote).

Figura 6: exame da tonsila esquerda como auxílio de cap e identificação de corpo estranho.

Figura 7: vista ampliada do “danado”.

Figura 7: vista ampliada do “danado”.

Figura 8: retirada do corpo estranho com pinça de biópsia.

Figura 8: retirada do corpo estranho com pinça de biópsia.

 

Como viram, devemos procurar com muita atenção um possível corpo estranho nessa região, realizando exame da orofaringe e hipofaringe com muito cuidado e lembrar sempre do uso do cap. Cuidado com conclusões precipitadas!

Como citar este artigo:

Martins BC. CORPO ESTRANHO IMPACTADO NA GARGANTA: VOCÊ SABE AVALIAR?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/corpo-estranho-impactado-na-garganta-voce-sabe-avaliar

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