Você sabe quais são os critérios de indicação de ressecção endoscópica do câncer gástrico precoce e os critérios de cura (eCura)?

A Sociedade Japonesa de Endoscopia (JGES) publicou em 2021(1) um guideline atualizado de Mucosectomia e Dissecção Endoscópica da Submucosa (ESD) para câncer gástrico precoce.

Em relação às recomendações de 2016(2), os critérios expandidos foram considerados absolutos na atual edição. Persistem como critérios expandidos somente as lesões recidivadas. Algumas lesões que antes eram contraindicadas à ressecção endoscópica foram alocadas nas indicações relativas.

Avaliação pré-operatória

Importante ressaltar que, no estômago, a avaliação endoscópica pré-operatória nem sempre consegue predizer com acurácia a profundidade de invasão (diferente do cólon e esôfago, onde temos classificações que guiam a conduta). Achados endoscópicos que sugerem invasão da submucosa:

  • hipertrofia ou convergência de pregas,
  • tamanho do tumor >3cm,
  • lesões muito avermelhadas,
  • superfície irregular,
  • elevação das margens,
  • sinal da não extensão (quando a mucosa gástrica é expandida pela insuflação, as lesões com invasão maciça da submucosa não se estendem e formam uma elevação trapezoide, além disso, as pregas convergem e se tornam elevadas).

Em alguns casos, quando há dificuldade nesta informação, a Ecoendoscopia pode ser ferramenta útil.

Em geral, a ressecção endoscópica deve ser realizada quando o risco de metástase linfonodal é extremamente baixo e os resultados a longo prazo são semelhantes aos da cirurgia. Além disso, o tamanho e a localização devem permitir a ressecção em bloco.

Para determinar se uma lesão gástrica é passível de ressecção endoscópica curativa, devemos avaliar:

  1. tipo histológico
  2. tamanho
  3. profundidade de invasão
  4. presença ou não de ulceração.

Indicações

Segundo o Guideline de 2021 da JGES, podemos dividir as indicações de ressecção endoscópica do câncer gástrico precoce em:

  • Absolutas: quando o risco de metástase linfonodal é <1% e os resultados da ressecção endoscópica se mostraram semelhantes aos da cirurgia.
  • Relativas: quando a lesão não preenche os critérios absolutos, mas nos casos em que a cirurgia é arriscada ou para obter uma avaliação histopatológica acurada.
  • Expandidas: lesões intramucosas recidivadas após ressecção endoscópica eCura C1

O quadro abaixo resume os critérios de indicação (tabela 1):

Tabela 1: Indicações de ESD

Critérios de cura:

Já os critérios de cura são divididos em:

eCuraA (ressecção curativa):

  • A ressecção endoscópica é igual ou superior à cirúrgica em desfechos a longo termo. É indicado seguimento a cada 6-12 meses.

eCuraB:

  • Apesar de estudos com resultados de longo prazo ainda não terem sido publicados, a cura é esperada. Estão incluídas nesses grupos lesões diferenciadas, ≤ 3 cm, SM1 (invasão até 500 micras). É indicado seguimento a cada 6-12 meses com EDA + CT.

 eCuraC:

  • quando a lesão não preenche os critérios acima. Pode ser dividida em:
  • C-1: quando a lesão é diferenciada mas não foi ressecada em bloco ou teve margens horizontais positivas. Nesse caso, o risco de metástase é baixo. Pode-se observar, repetir a ESD, fazer ablação ou operar.
  • C-2: todas as outras lesões que não preencheram os critérios. Na maioria destes casos, é indicada cirurgia devido ao potencial risco de recorrência e metástases.

DESCOMPLICANDO….

Indicações absolutas = tumores intramucosos (T1a)

  • Diferenciados sem ulceração: qualquer tamanho
  • Diferenciados com ulceração: <3cm
  • Indiferenciados sem ulceração: <2cm

Critérios de cura:

  • eCuraA = critérios absolutos + margens negativas, ausência de invasão angiolinfática à seguimento
  • eCuraB = T1b (SM1), diferenciado, <3cm, margens negativas, ausência de invasão angiolinfática à seguimento
  • eCuraC-1 = piecemeal ou margens horizontais positivas à seguimento
  • eCura C-2 = quando não preenchem os critérios acima à cirurgia

A tabela 2 e o algorítimo 1 sedimentam os critérios de eCura e seguimento pós ESD:

Tabela 2 : Resumos dos critérios de eCura

Algorítimo de seguimento

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Como citar esse artigo:

Moura RN. Você sabe quais os critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura)? Endoscopia Terapêutica; 2022.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/criterios-esd-gastrico-ecura

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Ono H, Yao K, Fujishiro M, et al. Guidelines for endoscopic submucosal dissection and endoscopic mucosal resection for early gastric cancer (second edition). Dig Endosc. 2021 Jan;33(1):4-20.
  2. Ono H, Yao K, Fujishiro M et al. Guidelines for endoscopic submucosal dissection and endoscopic mucosal resection for early gastric cancer. Dig Endosc 2016; 28: 3–15.

Saiba mais sobre ESD:

Dissecção Endoscópica Submucosa (ESD): dicas para iniciar e aprimorar a técnica

Saiba mais sobre a detecção do câncer gástrico precoce clicando aqui:

 




Gastroparesia

A gastroparesia é uma desordem motora caracterizada clinicamente por saciedade precoce, distensão abdominal, náusea, regurgitação e vômito. Seu diagnóstico costuma ser dado por sintomas típicos e confirmado por cintilografia do esvaziamento gástrico.

Existem alguns escores para mensurar o impacto clínico da gastroparesia. O mais validado é o Gastroparesis Cardinal Symptom Index (GCSI). Uma somatória maior ou igual a 20 é indicativa de sintomas importantes com sério comprometimento da qualidade de vida (tabela 1).

Tabela 1

PATOGÊNESE

A patogênese do retardo do esvaziamento gástrico ainda não é inteiramente compreendida, mas possui dois pilares: a hipomotilidade gástrica e o aumento da pressão pilórica sem evidência de obstrução mecânica.

As causas mais frequentes são a diabetes mellitus e a lesão cirúrgica do nervo vago. Outras etiologias como doenças de depósito, neurológicas e infecciosas também podem estar relacionadas.

 

MANEJO

Clínico

O manejo clínico é baseado no controle glicêmico associado a agentes procinéticos, antieméticos e analgésicos. Contudo, esta abordagem possui eficácia limitada e efeitos colaterais indesejáveis(2).

Cirúrgico

Nos pacientes refratários ao tratamento clínico, a piloroplastia é uma opção terapêutica eficaz. O racional de atuar sobre o piloro foi clinicamente comprovado em estudo envolvendo 177 pacientes submetidos a piloroplastia laparoscópica. O seguimento por cinco anos identificou a normalização da cintilografia de esvaziamento gástrico em 77% dos pacientes. Apesar dos bons resultados, há um risco cirúrgico relevante de eventos adversos como vazamento, sangramento e infecção de ferida operatória(3).

Endoscópico

Abordagens endoscópicas como gastrostomia descompressiva, gastrojejunostomia (Figura 1), injeção pilórica de toxina botulínica e até colocação de stent transpilórico são alternativas com eficácia. Contudo os resultados ainda são insatisfatórios e a evidência é limitada(4).

Figura 1 : PEG- jejuno

G-POEM

Com a escalada da endoscopia do terceiro espaço , Kashab transportou o racional da piloroplastia cirúrgica para a esfera da endoscopia terapêutica, realizando a primeira piloromiotomia endoscópica (genericamente chamada de G-POEM) em 2013(5). A técnica vem ganhando espaço na literatura com seus baixíssimos índices de complicação e resultados clínicos similares à piloroplastia videolaparoscópica(6).

A técnica consiste em uma incisão na mucosa do antro (mucosotomia) para acesso e confecção de um túnel submucoso rente à muscular própria até transpor o canal pilórico. Após a dissecção do esfíncter, ele é seccionado sob visão direta. Com esta intervenção, observamos uma clara ampliação do canal pilórico à visão endoscópica no antro. O tempo final do procedimento é o fechamento da mucosotomia com clipes ou sutura endoscópica(7).

 

Figura 2: Piloro cerrado + injeção submucosa no trajeto do túnel

 

Figura 3: Cap afunilado para a confecção da mucosotomia

 

Figura 4: Túnel submucoso

 

Figura 5: Início da piloromiotomia

 

Figura 6: Piloro inteiramente seccionado

 

Figura 7: Piloro ampliado

 

Em metanálise realizada em 2020, foram identificados mais de 7000 publicações sobre a piloromiotomia endoscópica, dimensionando a popularidade do tema(Dra. Karime Lucas -ref 8). Visando a objetiva mensuração da eficácia técnica, foram incluídos apenas os trabalhos com documentação do GCSI e da cintilografia antes e após o procedimento, totalizando 281 pacientes. O levantamento identificou 100% de sucesso técnico e 71% de sucesso clínico. Havendo uma maior taxa de sucesso nas etiologias pós cirúrgicas e idiopáticas. Uma pior resposta foi encontrada nos pacientes diabéticos e nos portadores de GCSI muito elevados (superior a 30).

Uma taxa de êxito mais modesta foi encontrada em estudo prospectivo multicêntrico envolvendo 80 pacientes publicado em 2022(9). O sucesso clínico, definido como queda ≥25% em duas subescalas do escore GCSI, foi de 56% em 12 meses. Um número inferior à média das publicações sobre o tema, ressaltando a necessidade de mais estudos para identificar o perfil de pacientes que obterão melhores resultados com a piloromiotomia endoscópica.

CONCLUSÃO

A gastroparesia afeta de maneira marcante a qualidade de vida e o estado nutricional dos pacientes. A piloromiotomia endoscópica (genericamente chamada de G-POEM) surgiu como uma alternativa promissora e segura no tratamento dos pacientes refratários. Mais estudos prospectivos são necessários para confirmar os atuais resultados e individualizar o perfil de pacientes que mais se beneficiarão da técnica.

BIBLIOGRAFIA

1. Cardinal G, Index S, Res QL, Pubmed N. Gastroparesis Cardinal Symptom Index ( GCSI ): development and validation of a patient reported assessment of severity of gastroparesis. 2013;11–2.

2. Camilleri M, Parkman HP, Shafi MA, Abell TL, Gerson L. Clinical guideline: Management of gastroparesis. Am J Gastroenterol. 2013;108(1):18–37.

3. Shada AL, Dunst CM, Pescarus R, Speer EA, Cassera M, Reavis KM, et al. Laparoscopic pyloroplasty is a safe and effective first-line surgical therapy for refractory gastroparesis. Surg Endosc. 2016;30(4):1326–32.

4. Xu J, Chen T, Elkholy S, Xu M, Zhong Y, Zhang Y, et al. Gastric Peroral Endoscopic Myotomy (G-POEM) as a Treatment for Refractory Gastroparesis: Long-Term Outcomes. Can J Gastroenterol Hepatol. 2018;2018.

5. Khashab MA, Stein E, Clarke JO, Saxena P, Kumbhari V, Chander Roland B, et al. Gastric peroral endoscopic myotomy for refractory gastroparesis: First human endoscopic pyloromyotomy (with video). Gastrointest Endosc. 2013;78(5):764–8.

6. Landreneau JP, Strong AT, El-Hayek K, Tu C, Villamere J, Ponsky JL, et al. Laparoscopic pyloroplasty versus endoscopic per-oral pyloromyotomy for the treatment of gastroparesis. Surg Endosc [Internet]. 2019;33(3):773–81. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s00464-018-6342-6

7. Li L, Spandorfer R, Qu C, Yang Y, Liang S, Chen H, et al. Gastric per-oral endoscopic myotomy for refractory gastroparesis: a detailed description of the procedure, our experience, and review of the literature. Surg Endosc [Internet]. 2018;32(8):3421–31. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s00464-018-6112-5

8. Uemura KL, Chaves D, Bernardo WM, Uemura RS, de Moura DTH, de Moura EGH. Peroral endoscopic pyloromyotomy for gastroparesis: a systematic review and meta-analysis. Endosc Int Open. 2020;08(07):E911–23.

9. Vosoughi K, Ichkhanian Y, Benias P, Miller L, Aadam AA, Triggs JR, et al. Gastric per-oral endoscopic myotomy (G-POEM) for refractory gastroparesis: Results from an international prospective trial. Gut. 2022;71(1):25–33.




Divertículos gástricos

Os divertículos gástricos (DG) são saculações que protruem pela parede gástrica, geralmente ocorrendo no fundo, pela parede posterior. Alguns fatos:

  • São os divertículos menos comuns do trato gastrointestinal;
  • Anormalidade anatômica rara;
  • Em geral é um achado incidental;
  • Incidência é difícil de ser avaliada, estimada em cerca de 0,04% dos exames radiológicos de estômago e de 0,01 a 0,11% em endoscopias.

Quanto a sua origem, podem ser congênitos (ou verdadeiros), compostos por todas as camadas do estômago, ou serem adquiridos (ou falsos) ,compostos apenas pela mucosa, estes últimos ainda podem ser subdivididos pela origem, como tração ou inflamação, em que uma força externa traciona a mucosa – causando os divertículos (pós-operatórios, pancreatites, úlceras) –, ou de pressão, em que a força interna causa a protrusão (tosse, obesidade).

Os DGs do tipo congênitos são mais comuns (70% dos casos), com localização mais habitual no fundo pela grande curvatura, cerca de 3 cm abaixo do cárdia, e podem conter mucosa ectópica (FIGURA 1 E 2). A origem deve-se a alterações de divisão das fibras longitudinais perto do cárdia, gerando uma área de fraqueza DG, quando localizados na área prepilórica tendem a estar associados ao pâncreas ectópico.

FIGURA 1

FIGURA 2

Apesar de a maioria dos portadores serem assintomáticos, sintomas podem ocorrer, como dor epigástrica, náuseas, dispepsia, saciedade precoce, halitose e até disfagia. Complicações, como perfuração, sangramento ou neoplasia, são mais raras. O sintoma mais comum é a dor epigástrica, presente em cerca de 18 a 30% dos casos. Arrotos e halitose por crescimento bacteriano e estase alimentar podem ocorrer, sendo socialmente desagradáveis. Assim, o diagnóstico clínico dessa alteração é muito difícil.

O diagnóstico do DG é incomum, mas importante, pois, apesar das complicações serem raras, podem ocorrer, entre elas, alterações na mucosa do divertículo com risco aumentado de transformação para câncer. Assim, o melhor método diagnóstico é a endoscopia digestiva cuidadosa, podendo avaliar a localização, tamanho e alterações mucosas. Exames contrastados gástricos e CT também podem ser utilizados, mas são menos específicos.

O tratamento depende do tamanho e sintomas. Em geral, pacientes assintomáticos devem ser apenas observados. Divertículos grandes com complicações ou muito sintomáticos devem ser ressecados. Uma abordagem não cirúrgica também pode ser inicialmente indicada, com PPI por algumas semanas. DGs maiores que 4 cm em geral estão associados a pior resposta clínica. Nas complicações, principalmente sangramentos, a terapêutica endoscópica já está bem estabelecida.

Por fim, o tratamento cirúrgico de ressecção fica reservado aos pacientes com divertículos maiores que 4 cm, sintomáticos após tratamento clínico, complicações não tratadas endoscopicamente (perfuração e sangramentos), sendo a via de acesso (aberta ou laparoscópica) de escolha do cirurgião.

Como citar este artigo

Sauniti G. Divertículos gástricos. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/diverticulos-gastricos/

Referências

  1. Shah J, Patel K, Sunkara T, Papafragkakis C, Shahidullah A. Gastric Diverticulum: A Comprehensive Review. Inflamm Intest Dis. 2019 Apr;3(4):161-166. doi: 10.1159/000495463. Epub 2019 Jan 10. PMID: 31111031; PMCID: PMC6501548.
  2. Rashid F, Aber A, Iftikhar SY. A review on gastric diverticulum. World J Emerg Surg. 2012 Jan 18;7(1):1. doi: 10.1186/1749-7922-7-1. PMID: 22257431; PMCID: PMC3287132.

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PMAE x colecistite aguda: mitos e verdades

A neoplasia pancreática da vesícula biliar e do ducto biliar é a causa mais comum de obstrução biliar maligna extra-hepática. Em caso de câncer avançado irressecável, o prognóstico é bastante reservado, com uma taxa de sobrevida em 5 anos inferior a 2%. Nesses casos, o tratamento da icterícia obstrutiva é paliativo e realizado de forma não cirúrgica por meio da colocação de prótese endoscópica ou percutânea, esta última geralmente considerada após tentativa endoscópica malsucedida.

Vários tipos de próteses estão comercialmente disponíveis, incluindo as de plástico (PP) e as metálicas autoexpansíveis (PMAE). As últimas são superiores às primeiras em termos de patência e consideradas mais custo-efetivas para pacientes com obstrução biliar maligna irressecável. Existem dois tipos de PMAE: a descoberta (PMAED), que é um tubo construído a partir de fios de liga metálica; e a recoberta (PMAER), que possui um material sintético fornecendo cobertura à liga metálica, seja parcial (excluindo as extremidades) ou total (incluindo toda a prótese). O ímpeto por trás do desenvolvimento da PMAER foi diminuir o risco de crescimento interno de tecido através da malha metálica da PMAED, melhorando, assim, a duração da patência.

Como resultado dos avanços na CPRE terapêutica e do desenvolvimento de uma variedade de PMAE, complicações após procedimentos com colocação de próteses, embora não sejam frequentes, estão sendo cada vez mais identificadas. As principais complicações incluem migração, colangite, pancreatite, colecistite e obstrução, que podem ser fatais quanto acometem pacientes com uma expectativa de vida curta.

A migração e a obstrução da prótese são complicações mais frequentes e com causas bem estabelecidas. Já no que se refere à colecistite, a incidência varia bastante na literatura, oscilando entre 1,9% e 12% dos casos, e sua causa permanece um assunto bastante controverso na literatura, com trabalhos apresentando resultados conflitantes. Existem várias teorias que tentam justificar a razão pela qual as próteses biliares podem estar associadas à colecistite: colonização bacteriana da bile após esfincterotomia endoscópica; preenchimento da vesícula biliar por meio de contraste não estéril e interrupção do fluxo de bile. Outras duas variáveis que também poderiam ser consideradas associadas ao surgimento da colecistite são o comprometimento do orifício do ducto cístico por tumor e a presença de cálculos no interior da vesícula biliar.

Além da compressão causada pelo material de cobertura das próteses, que se sobrepõe ao orifício do ducto cístico, os mecanismos pelos quais a interrupção do fluxo biliar pode ocorrer são por meio de 2 vias distintas (mas não mutuamente excludentes): obstrução pelo crescimento de tecido através ou sobre a PMAE e agregação de detritos dentro do lúmen da prótese. Embora úteis na prevenção do crescimento interno de tecido, os materiais de cobertura das PMAERs, que incluem silicone, policaprolactona e poliuretano, podem aumentar o desenvolvimento de biofilme aderente, que eventualmente promove o rápido acúmulo de detritos e consequente entupimento. Isso poderia explicar, inclusive, as taxas de oclusão semelhantes observadas em vários trabalhos entre os grupos de PMAER e PMAED.

A relação do orifício do ducto cístico com a localização do tumor pode interferir no surgimento da colecistite. Diferentemente dos tumores localizados acima ou abaixo, o que compromete diretamente o orifício do ducto cístico pode ocasionar uma redução significativa da drenagem da vesícula biliar, culminando com a inflamação/infecção da vesícula.

Em alguns trabalhos, além da confirmação de que a obstrução do ducto cístico pode ser responsável pelo desenvolvimento de colecistite, a presença de colelitíase findou por ser constatada como outro fator de risco. A hipomotilidade da vesícula biliar ou infecção da bile, como fatores de risco para a formação de cálculos biliares, podem resultar no desenvolvimento de colecistite após a colocação de prótese.

A despeito do racional fisiopatológico elencado acima, a ocorrência da colecistite após inserção de PMAE persiste como ponto bastante polêmico. Diversas metanálises não evidenciaram risco aumentado de colecistite após passagem de próteses recobertas quando comparado com as próteses descobertas, o que, em teoria, é contrário ao esperado com base nas explicações mais óbvias. Ademais, tanto a colelitíase quanto o envolvimento do ducto cístico por tumor aqui mencionados, apesar de citados em poucos trabalhos, não figuraram de forma definitiva nas revisões sistemáticas.

Assim sendo, à luz da medicina baseada em evidências, não é possível estabelecer de maneira incontestável a relação entre as PMAE e o surgimento da colecistite, de forma que não há de se falar em contraindicação ao procedimento ou tipo do material utilizado por essa razão.

Por fim, a escolha do modelo de prótese a ser utilizado deve seguir uma formatação multidisciplinar e parcimoniosa, muito mais individualizada do que genérica, levando-se em consideração todas as variáveis que permeiam o caso clínico. A opção pela PMAED pode ser preferida em pacientes com doença avançada, de baixa expectativa de sobrevida e com menor probabilidade de apresentar ingrowth. Por outro lado, nos pacientes sabidamente com neoplasia pancreática ou colangiocarcinoma, em que sobrevida estimada tende a ser maior, a escolha pode recair sobre a PMAER, pois, além de prevenir o ingrowth, permite futuras trocas em caso de disfunção.

PMAE x Colecistite aguda – Mitos e Verdades

Mitos e Verdades PMAE x Colecistite aguda

Como citar este artigo

Brasil G. PMAE x Colecistite aguda – Mitos e Verdades. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/pmae-x-colecistite-aguda-mitos-e-verdades

Referências bibliográficas

  1. Suk et al. Risk factors for cholecystitis after metal stent placement in malignant biliary obstruction. Gastrointest Endosc 2006;64:522-9.
  2. Isayama et al. Cholecystitis After Metallic Stent Placement in Patients With Malignant Distal Biliary Obstruction. Clinical Gastroenterology And Hepatology 2006;4:1148–1153.
  3. Conio et al. Covered versus uncovered self-conformable metal stent for palliation of primary malignant extrahepatic biliary strictures: a randomized multicenter study. Gastrointest Endosc 2018 Aug;88(2):283-291.e3.
  4. Seo et al. Covered and uncovered biliary metal stents provide similar relief of biliary obstruction during neoadjuvant therapy inpancreatic cancer: a randomized trial. Gastrointestinal Endoscopy Volume 90, No. 4 : 2019
  5. Jang et al. Association of covered metallic stents with cholecystitis and stent migration in malignant biliary stricture. Gastrointestinal Endoscopy Volume 87, No. 4 : 2018.

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Tumor de Krukenberg

O tumor de Krukenberg (TK) caracteriza-se por uma lesão metastática ovariana proveniente do adenocarcinoma de células em anel de sinete rico em mucina. É uma patologia incomum responsável por 1% a 2% das neoplasias ovarianas.

Foi descrito pela primeira vez em 1896 pelo ginecologista e patologista alemão Friedrich Ernst Krukenberg (1871-1946), que suspeitava ser essa lesão um novo tipo de neoplasia primária do ovário. A descoberta dessa como lesão metastática ovariana, de um tumor primário epitelial, só foi realizada em 1902.

Os sítios primários podem ser provenientes de diversos locais:

  • Estômago: sítio mais frequente, correspondendo a cerca de 70% dos casos, principalmente no piloro, representado pelo adenocarcinoma de células em anel de sinete ou difuso;
  • Cólon e reto (adenocarcinoma);
  • Mama (carcinoma lobular invasivo);
  • Outros (ex: vesícula biliar, apêndice e intestino delgado).

Somando-se as incidências de metástases oriundas do estômago e da topografia colorretal, elas totalizam aproximadamente 90% dos sítios primários do TK. Portanto, em regiões que apresentem alto índice de câncer gástrico, como em países asiáticos, a incidência do TK também é elevada, podendo representar até 20% das neoplasias do ovário.

O perfil epidemiológico é representado por mulheres jovens, na fase pré-menopausa, com idade média de 40 a 45 anos, fato que difere o TK dos tumores primários de ovário, que apresentam maior incidência na sexta década de vida.

Sintomas

Os principais sintomas acarretados pelo TK surgem pelo efeito de massa ou devido ao desequilíbrio da produção hormonal.

  • Grandes massas ovarianas: dor ou distensão abdominal, ascite, perda ponderal, dor pélvica e dispareunia;
  • Produção hormonal exacerbada: hirsutismo, irregularidade no ciclo menstrual ou sangramento naquelas pós-menopausa.

Entretanto, o TK pode permanecer assintomático até em estágios avançados ou gerar sintomas inespecíficos.

Diagnóstico

Em 1973, Serov e Scully definiram critérios para auxiliar no diagnóstico do TK que posteriormente foram adotados pela OMS. São estes:

  • Presença de neoplasia ovariana infiltrativa com células em anel de sinete preenchidas por mucina;
  • Presença do envolvimento estromal ou apenas a proliferação sarcomatoide do estroma ovariano.

A imuno-histoquímica tem um papel fundamental no diagnóstico, sendo o CK7 e CK20 os antígenos mais utilizados. Se CK7 e CK20 positivos ou apenas o CK20 positivo, a lesão é sugestiva de uma metástase de TK, mas, se imunorreatividade positivo para CK7 e negativo para CK20, a lesão favorece um carcinoma de ovário primário.

Outro parâmetro útil é o antígeno carcinoembrionário (CEA). Se positivo juntamente à imunorreatividade negativa para CA 125, a lesão favorece origem metastática.

Tabela 1. Relação dos marcadores imuno-histoquímicos dos tumores ovarianos.

TIPOS DE TUMORES CK7 CK20 CEA CA-125
TK gástrico e colorretal + +
Neoplasia ovariana 1ª + +

Com o diagnóstico de TK, é importante a investigação pormenorizada em busca dos focos primários, seja por meio de métodos endoscópicos ou radiológicos.

Como o local da neoplasia primária frequentemente é o TGI, é de extrema importância a realização de endoscopia digestiva alta e colonoscopia. Devemos nos atentar aos pontos cegos do estômago, como a região da cárdia, entre as pregas da grande curvatura do corpo, e até mesmo valorizar os sinais discretos, como o espessamento das pregas ou diminuição da expansibilidade gástrica.

Nos métodos de imagem radiológicos (como a ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética), o TK apresenta-se como massas ovarianas assimétricas, complexas, sólidas (em menor frequência císticas), com proporções variáveis e bilaterais.

O fato da bilateralidade em 80% dos casos, ocasionado por sua natureza metastática, é de grande valia na realização do diagnóstico diferencial de outros tumores, como os carcinomas mucinosos ovarianos primários, tumores carcinoides mucinosos e tumores de células de Sertoli e Sertoli-Leydig.

Vias de disseminação

A via de disseminação mais aceita, se o sítio primário for no estômago, é a via linfática retrógrada:

  • As células neoplásicas metastizam-se para os linfonodos perigástricos, formando êmbolos que bloqueiam o sistema linfático, e, pelo refluxo, alcançam a linfa paraórtica e pélvica;
  • Sendo os ovários tão bem vascularizados, eles têm preferência pelo depósito de tais células.

Outras vias de disseminação são a direta (transperitoneal) e a hematogênica.

Acompanhamento

O marcador CA-125 pode ser um parâmetro útil tanto para o rastreio de metástases ovarianas (em pacientes com adenocarcinoma primário do TGI) como para monitorização de doença ativa, marcador para análise da ressecabilidade cirúrgica e avaliação do prognóstico.

 Prognóstico

Mesmo com os avanços da medicina, o prognóstico do TK ainda permanece desfavorável, devido a seu caráter metastático e a sua evolução silenciosa (acaba sendo diagnosticado em estágios avançados).

  • A taxa de sobrevida média após o diagnóstico é menor que 2 anos;
  • Atualmente, nenhum tratamento curativo está disponível;
  • Tratamento cirúrgico é indicado para pacientes jovens e hígidas com doença limitada;
  • Para pacientes sintomáticas, o tratamento paliativo cirúrgico pode ser considerado após discussão multidisciplinar.

Como citar este artigo

Gregório JM. Tumor de Krukenberg. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/tumor-de-krukenberg/

Referências

  1. Aziz M, Kasi A. Krukenberg Tumor. 2021 Jul 25. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan–. PMID: 29489206.
  2. Kubeček O, Laco J, Špaček J, Petera J, Kopecký J, Kubečková A, Filip S. The pathogenesis, diagnosis, and management of metastatic tumors to the ovary: a comprehensive review. Clin Exp Metastasis. 2017 Jun;34(5):295-307. doi: 10.1007/s10585-017-9856-8. Epub 2017 Jul 20. PMID: 28730323; PMCID: PMC5561159.
  3. Al-Agha OM, Nicastri AD. An in-depth look at Krukenberg tumor: an overview. Arch Pathol Lab Med. 2006 Nov;130(11):1725-30. doi: 10.5858/2006-130-1725-AILAKT. PMID: 17076540.
  4. Lyngdoh BS, Dey B, Mishra J, Marbaniang E. Krukenberg tumor. Autops Case Rep. 2020 Apr 2;10(2):e2020163. doi: 10.4322/acr.2020.163. PMID: 33344281; PMCID: PMC7703453.
  5. Agnes A, Biondi A, Ricci R, Gallotta V, D’Ugo D, Persiani R. Krukenberg tumors: Seed, route and soil. Surg Oncol. 2017 Dec;26(4):438-445. doi: 10.1016/j.suronc.2017.09.001. Epub 2017 Sep 12. PMID: 29113663.
  6. Zulfiqar M, Koen J, Nougaret S, Bolan C, VanBuren W, McGettigan M, Menias C. Krukenberg Tumors: Update on Imaging and Clinical Features. AJR Am J Roentgenol. 2020 Oct;215(4):1020-1029. doi: 10.2214/AJR.19.22184. Epub 2020 Jul 13. PMID: 32755184.

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Fundoplicatura gástrica: como avaliar?

Frequentemente, recebemos pacientes submetidos à fundoplicatura (FPL) para avaliação pós-operatória.

Apesar de parecer um exame relativamente simples, muitas vezes temos dificuldade em avaliar corretamente todas as características das fundoplicaturas, especialmente quando encontramos anormalidades ou complicações cirúrgicas.

Primeiramente, é preciso entender alguns princípios básicos da cirurgia:

  • A válvula é confeccionada com o fundo gástrico que passa posteriormente ao estômago;
  • A FPL deve envolver cerca de 2 a 3 cm do esôfago distal;
  • O ponto que segura a válvula deve “beliscar” a parede anterior do esôfago, para evitar que ela deslize para baixo;
  • Aproximação dos pilares diafragmáticos (hiatoplastia).

Aspecto endoscópico da fundoplicatura Nissen (360°)

Visão Frontal

  • TEG deve estar sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura (admite-se como normal até 1 cm acima);
  • Transposição do endoscópio pela FPL ocorre com leve resistência, sem desvio do eixo e sem “degrau”.

À retrovisão (fundoplicatura Nissen – 360°)

  • Prega gástrica transversal envolvendo circunferencialmente a cárdia, justa ao aparelho e sem torções;
  • Sem torções significa: estar paralela às linhas brancas demarcatórias do endoscópio;
  • Fundoplicatura intra-abdominal;
  • Ausência de hérnia paraesofágica (hiatoplastia íntegra).

À retrovisão (fundoplicatura Toupet-Lind – 270°)

  • Prega gástrica transversal envolvendo parcialmente a cárdia;
  • Prega posterior menos robusta que a Nissen;
  • Com os movimentos respiratórios, podem ocorrer breves períodos de abertura da válvula, expondo a linha Z.
À retrovisão (fundoplicatura Toupet-Lind – 270°)
Na visão frontal, a TEG deve estar sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura.
Na retrovisão, a FPL deve envolver a cárdia
Na retrovisão, a FPL deve envolver a cárdia, abraçando o aparelho em quase 360°. Avaliar se a válvula está paralela à demarcação do aparelho ou se não está torcida.
Fundoplicatura
FPL parcial envolve o aparelho em menos de 360 graus, porém em mais de 180 graus (ou estaria desgarrada). O formato da FPL é da letra grega ômega. Com base nesses conhecimentos, fica mais fácil entender as anormalidades da cirurgia.

Com base nesses conhecimentos, fica mais fácil entender as anormalidades da cirurgia

Fundoplicatura desgarrada

A prega gástrica transversal não envolve o aparelho. A prega faz uma linha reta e um ângulo de 180º na cárdia. É comum a recidiva dos sintomas do refluxo nessa situação.

Fundoplicatura Desgarrada
Fundoplicatura desgarrada. Não envolve o aparelho.

Fundoplicatura torcida

Prega gástrica (FPL) não está paralela às linhas de demarcação do endoscópio. Geralmente, isso se deve a um erro técnico no qual não houve liberação adequada do fundo gástrico. Podem ocorrer sintomas, como disfagia ou refluxo.

Fundoplicatura torcida
FPL torcida. A prega gástrica deveria estar paralela às linhas brancas de demarcação do endoscópio. Nesse caso, está correndo em um sentido crânio-caudal, ou seja, torcida.

Fundoplicatura migrada

A FPL encontra-se íntegra, porém a hiatoplastia se abriu, permitindo a migração cranial da fundoplicatura e da TEG em direção ao tórax. Muitas vezes, apesar dessa complicação, os pacientes permanecem assintomáticos.

Fundoplicatura migrada
FPL migrada. Na visão endoscópica, observa-se também uma hérnia para-hiatal.

Fundoplicatura deslizada (FPL gastrogástrica ou estômago bicompartimentado)

Essa situação é relativamente comum, mas as pessoas têm dificuldade em diagnosticar – talvez por desconhecerem o termo.

A FPL deve envolver o esôfago distal e a linha Z. Mas ela pode deslizar (descer) e ficar abraçando o próprio estômago. Na visão endoscópica frontal, observa-se a TEG 2 cm ou mais acima da zona de constrição (como uma hérnia hiatal). Na retrovisão, observa-se a fundoplicatura intra-abdominal, ou seja, ela não está migrada nem desgarrada.

Fundoplicatura deslizada
Fundoplicatura deslizada. A TEG está acima da zona de constrição.
Fundoplicatura deslizada
Fundoplicatura deslizada. A TEG está acima da zona de constrição. Nota-se câmara gástrica herniada, e à retrovisão o aspecto da fundoplicatura é normal.

Presença, ou não, de hérnia paraesofágica

A FPL pode estar íntegra, em posição intra-abdominal, não desgarrada, mas a hiatoplastia pode ter se alargado, permitindo a herniação de parte do fundo gástrico para o tórax. Notam-se pregas gástricas correndo em direção à hiatoplastia e “caindo” na cavidade torácica.

Fundoplicatura com presença de hérnia paraesofágica
Fundoplicatura intra-abdominal e não desgarrada, porém com hérnia paraesofágica.

Resumo da avaliação endoscópica

TEG x fundoplicatura

  • TEG está sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura;
  • TEG está fora da zona de pressão, ou seja, acima da fundoplicatura. Se > 2 cm acima, concluímos como FPL deslizada.

Posição da fundoplicatura

  • Fundoplicatura intra-abdominal;
  • Fundoplicatura parcialmente migrada;
  • Fundoplicatura totalmente migrada.

Descrição da fundoplicatura

  • Fundoplicatura envolve completamente a cárdia;
  • Fundoplicatura envolve parcialmente a cárdia;
  • Fundoplicatura completamente desgarrada;
  • Fundoplicatura torcida.

Presença de hérnia paraesofágica

  • Presente;
  • Ausente.

Veja também

Quiz! Você conhece essas anormalidades das fundoplicaturas?

Como citar este artigo

Martins B. Fundoplicatura gástrica: como avaliar? Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/fundoplicatura-gastrica-como-avaliar/

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Quiz




Caso clínico: síndrome de artéria mesenterica superior

Paciente, feminina, 20 anos, com diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico há 2 meses, em uso prednisona 40 mg/dia. Evoluiu com náuseas e vômitos refratários à terapia medicamentosa, associados à inapetência, desidratação e perda ponderal de 8 kg nesse período. Apresentava IMC 17.2 e hipocalemia ao exame laboratorial. Durante investigação, realizou tomografia de abdome (Figuras 1 e 2) com evidência de hiperdistensão gástrica, obstrução em 3ª porção duodenal e diminuição do ângulo aortomesentérico, tendo como principal suspeita diagnóstica a síndrome da artéria mesentérica superior. Realizou também enteroscopia (Figura 3), mostrando estase alimentar moderada e abaulamento pulsátil entre segunda e terceira porção duodenal, provocando redução da luz do órgão, achados que também eram compatíveis com a suspeita clínica inicial.

Análise comparativa entre tomografias de abdome realizadas com 21 dias de diferença, com redução do ângulo aortomesentérico provocando obstrução duodenal (direita). AMS: artéria mesentérica superior; AA: artéria aorta.

Figura 1: Análise comparativa entre tomografias de abdome realizadas com 21 dias de diferença, com redução do ângulo aortomesentérico provocando obstrução duodenal (direita). AMS: artéria mesentérica superior; AA: artéria aorta.

Hiperdistensão gástrica e obstrução em 3ª porção duodenal em tomografia de abdome.

Figura 2: Hiperdistensão gástrica e obstrução em 3ª porção duodenal em tomografia de abdome.

Enteroscopia - abaulamento entre segunda e terceira porção duodenal, provocando redução da luz do órgão.

Figura 3: Enteroscopia – abaulamento entre segunda e terceira porção duodenal, provocando redução da luz do órgão.

Após medidas clínicas para sintomas de obstrução intestinal alta – dieta zero, passagem de sonda nasogástrica sob aspiração, hidratação venosa, correção de distúrbios hidroeletrolíticos e otimização de antieméticos –, paciente evoluiu sem melhora dos sintomas, retornando o quadro de náuseas, vômitos e distensão abdominal.

Optado, então, por tratamento cirúrgico, sendo submetida à duodenojejunostomia videolaparoscópica. Cursou com plenitude pós-prandial e novos episódios eméticos no 2º dia do pós-operatório, sendo iniciadas medidas clínicas com passagem de sonda nasogástrica sob aspiração e, posteriormente, sendo iniciada dieta por sonda nasoenteral e nutrição parenteral total, porém paciente persistiu com sintomas obstrutivos.

Evoluiu com abdome agudo obstrutivo no 13º dia do pós-operatório, realizando laparotomia exploradora, que evidenciou anastomose duodenojejunal sanfonada com acotovelamento em alça eferente por bridas em mesocólon transverso, sendo realizada gastroenteroanastomose. Evoluiu com melhora clínica progressiva, resolução completa do quadro de vômitos e ganho gradativo de peso.

Síndrome da artéria mesentérica superior

A síndrome da artéria mesentérica superior (SAMS) é uma causa incomum de obstrução intestinal alta caracterizada pela compressão da terceira porção duodenal devido ao estreitamento do espaço entre a artéria mesentérica superior e a aorta. É também conhecida como síndrome de Wilkie, tendo sido descrita pela primeira vez em 1861 por Von Rokitansky [1].

Na maioria dos pacientes, o ângulo aortomesentérico mede entre 38° e 65°, podendo ser reduzido até 6° na SAMS, estando essa redução relacionada com o índice de massa corporal, sendo a perda significativa de peso o seu principal fator de risco [2,3].

Apresenta-se clinicamente com sintomas de obstrução intestinal alta, podendo o paciente cursar com dor epigástrica pós-prandial e saciedade precoce em quadros mais leves, há náuseas, vômitos biliosos e perda ponderal em casos mais severos. Para o diagnóstico, é necessário um alto índice de suspeição, visto que os sintomas são inespecíficos e pode fazer diagnóstico diferencial com outras causas de obstrução intestinal.

A realização de exames de imagem, como estudos contrastados, ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética e arteriografia, pode fornecer uma série de sinais compatíveis com a SAMS, como ângulo aortomesentérico 25° e afilamento abrupto na terceira porção duodenal com peristalse ativa [4,5,6].

O principal componente da terapia conservadora é o suporte nutricional, associado à descompressão gastrointestinal através da passagem de uma sonda nasogástrica e correção dos distúrbios hidroeletrolíticos. A nutrição parenteral total (NPT) pode ser necessária caso a alimentação enteral não seja uma opção [7]. Em caso de falha do tratamento conservador, a duodenojejunostomia laparoscópica é o procedimento cirúrgico mais utilizado e com resultados superiores às outras técnicas [8], entre elas, o procedimento de Strong e a gastrojejunostomia.

Existem poucos relatos de resultados a longo prazo no pós-cirúrgico de pacientes com SAMS. Uma série incluiu 16 pacientes que foram acompanhados sete anos após a cirurgia, sendo a perda ponderal corrigida em todos os pacientes, porém os sintomas praticamente se mantiveram, com exceção dos vômitos, que apresentaram diminuição significativa8. Em outra série, foram incluídos oito pacientes, com melhora dos sintomas, porém sem ganho significativo de peso [9].

Como citar este artigo

Amaral K, Medrado B. Caso clínico: síndrome de artéria mesenterica superior. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-sindrome-arteria-mesenterica-superior/

Referências bibliográficas

  1. Cohen LB, et al. The Superior mesenteric artery syndrome. J Clin Gastr 1985; 7: 113-116.
  2. Derrick Jr. Anatomia cirúrgica da artéria mesentérica superior. Am Surg 1965; 31:545.
  3. Ozkurt H, Cenker MM, Bas N, et al. Medição da distância e ângulo entre a aorta e a artéria mesentérica superior: valores normais em diferentes categorias de IMC. Surg Radiol Anat 2007; 29:595.
  4. Cohen LB, Field SP, Sachar DB. A síndrome da artéria mesentérica superior. A doença que não é, ou é? J Clin Gastroenterol 1985; 7:113.
  5. Neri S, Signorelli SS, Mondati E, et al. Ultrassom de imagem no diagnóstico de síndrome arterial mesentérica superior. J Intern Med 2005; 257:346.
  6. Unal B, Aktaş A, Kemal G, et al. Síndrome da artéria mesentérica superior: TC e ultrassonografia. Diagn Interv Radiol 2005; 11:90.
  7. Munns SW, Morrissy RT, Golladay ES, McKenzie CN. Hiperalimentação para síndrome mesentérica superior (elenco) após correção da deformidade espinhal. J Bone Joint Surg Am 1984; 66:1175.
  8. Ylinen P, Kinnunen J, Höckerstedt K. Síndrome da artéria mesentórica superior. Um estudo de acompanhamento de 16 pacientes operados. J Clin Gastroenterol 1989; 11:386.
  9. Merrett ND, Wilson RB, Cosman P, Biankin AV. Síndrome da artéria mesentérica superior: estratégias de diagnóstico e tratamento. J Gastrointest Surg 2009; 13:287.

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Quiz: você conhece este tipo de lesão?

Paciente de 56 anos, hipertensa, com queixa de dor epigástrica e retroesternal, tosse persistente, pigarro e queimor. Realizou endoscopia que evidenciou esofagite de refluxo, gastrite antral leve e as alterações evidenciadas nas imagens abaixo:

Quiz: você conhece este tipo de lesão? Quiz: Paciente de 56 anos, hipertensa, com queixa de dor epigástrica e retroesternal, tosse persistente, pigarro e queimor. Quiz: Realizou endoscopia que evidenciou esofagite de refluxo, gastrite antral leve e as alterações Quiz: Você conhece este tipo de lesão? Quiz: Hiperplasia de glândulas de Brunner, Metaplasia gástrica em bulbo, Lesões de Kaposi, Pseudomelanose duodenal ou Hemocrematose?

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Uso de adesivos tissulares para fechamento de fístulas do trato digestivo

A fístula enterocutânea é definida como uma comunicação do trato gastrointestinal com a pele ou em ferida aberta (fístula enteroatmosférica). Em mais de 2/3 dos casos, elas decorrem de manipulação cirúrgica prévia (recentemente também associada a procedimentos endoscópicos terapêuticos), com mortalidade global de 15-25% [1]. É uma condição de alta morbidade, usualmente necessitando de internação prolongada. O tratamento das fístulas gastrointestinais requer um manejo multidisciplinar, indo desde o diagnóstico (clínico ou por imagem), controle de infecção, nutrição, avaliação para necessidade de drenagem de coleções até a escolha do melhor método de intervenção para o seu fechamento.

As fístulas enterocutâneas podem ser classificadas em superficiais (trajeto curto-menores que 2 cm de extensão ou labiadas) ou profundas (trajeto longo) e com alto (acima de 500 mL/24 horas) ou baixo débito (abaixo de 200 mL/24 horas). Fatores como obstrução distal, presença de coleções/cavitações com abscesso, desnutrição importante, neoplasia e irradiação prévia estão associados a menor chance de fechamento da fístula.

Sempre que possível, o tratamento minimamente invasivo é a primeira escolha, mas, em casos de fístulas com contaminação grosseira de cavidades, septicemia e/ou instabilidade hemodinâmica ou fístulas atmosféricas labiadas (intestino exposto com evisceração), a abordagem cirúrgica deve ser considerada. Para fístulas com orifício interno pequeno (abaixo de 5 mm) e baixo débito, o uso de selantes deve ser considerado como primeira alternativa.

O uso de selante injetado por meio endoscópico foi descrito pela primeira vez em 1990, quando Eleftheriadis et al reportaram o uso de cola de fibrina para tratamento de fístulas enterocutâneas [3].

Desde então, várias técnicas de tratamento de fístulas gastrointestinais foram desenvolvidas, com ótimos resultados no manejo dessas complicações. Em 2015, o mesmo grupo grego publicou série de 25 anos de experiência do uso de selantes (fibrina e cianoacrilato) em 63 pacientes, com sucesso clínico e técnico de 96,8%, a maior série institucional reportada até o momento [4].

O uso de selantes para o fechamento de fístulas gastrointestinais consiste na injeção de uma substância líquida biocompatível com capacidade de solidificação dentro do trajeto fistuloso. Essa técnica requer, portanto, o uso de um cateter fino dentro do trajeto fistuloso, este usualmente inserido com auxílio de fio-guia. A injeção pode ocorrer a partir do orifício interno (endoscópico) e externo (percutâneo). A injeção de selantes por cateter no trajeto fistuloso é uma técnica muito segura com risco muito baixo, usualmente relacionados à reação ao agente selante (ex. aprotinina bovina – cola de fibrina) ou ao risco anestésico do próprio ato endoscópico. Os raros relatos de embolia aérea estão relacionados ao uso concomitante de fistuloscopia (introdução do endoscópio por dentro do trajeto fistuloso e insuflação aérea). O uso de cianoacrilato em grande quantidade no trajeto fistuloso pode teoricamente originar infecção e reação de corpo estranho, como visto em uso para colagem de tela sintética para tratamento de hérnias inguinais.

Para a aplicação dos selantes, recomenda-se realizar escarificação do trajeto fistuloso com intuito de aumentar a resposta inflamatória e consequente retração cicatricial. Isso pode ser feito com uso de uma escova de citologia biliar e coagulação com plasma de argônio em baixa potência. O uso de selantes pode ser combinado com próteses digestivas ou sutura endoscópica [5], para garantir selamento ou mesmo telas biológicas servindo como matriz/ancoragem [6].

O cianoacrilato e a cola de fibrina se destacam entre os selantes tissulares comercialmente disponíveis no Brasil, com características biológicas distintas. Existem outros materiais utilizados como selantes cirúrgicos, como a mistura de albumina/gluraldeído, cujos resultados preliminares na utilização em fechamento de fístulas perianais foram associados à sepse perineal [7].

A cola de fibrina possui a vantagem de ser facilmente reabsorvível, porém, mediante contato de secreções digestivas, ela pode se dissolver precocemente antes que ocorra a cicatrização do trajeto. Os dois componentes principais da cola de fibrina são o fibrinogênio humano reconstituído com aprotinina bovina sintética e a trombina reconstituída com cloridrato cálcio, que, quando misturados, formam um coágulo de fibrina (em um processo semelhante à coagulação sanguínea). O mecanismo de ação da cola de fibrina é bloquear a passagem do conteúdo gastrointestinal e promover reparo cicatricial através de migração celular local e angiogênese com proliferação fibroblástica e de queratinócitos. A cola de fibrina possui também propriedades hemostáticas, sendo utilizada em tratamento de hemorragia digestiva por injeção direta [7].

Para aplicação de cola de fibrina no trajeto fistuloso, idealmente deve-se realizar infusão através de mecanismo de dupla seringa para evitar solidificação do mesmo no trajeto. Os kits comerciais disponíveis no Brasil possuem um conector em Y junto à saída da seringa e um cateter lúmen único curto com finalidade para injeção em campo cirúrgico ou percutâneo. O uso de fibrina por via endoscópica requer um cateter longo, sendo necessária a utilização de um cateter coaxial com lúmen bipartido ou duplo-lúmen em paralelo (este fabricado de forma caseira como alternativa) para que a mistura dos componentes ocorra em sua extremidade, evitando-se a solidificação da mesma no trajeto (FIGURA 1). O cateter com lúmen bipartido possui um calibre menor (existem modelos comerciais a partir de 1.9 mm, não disponíveis no Brasil) comparado ao alinhamento caseiro de 2 cateteres. Outra dificuldade na utilização de um cateter longo é a extrusão de todo o componente retido no cateter, visto que o volume utilizado é pequeno – lembramos que uma agulha de 23G (1.9Fr) com 180 cm de comprimento pode reter mais de 2 mL de líquido em seu interior. A diferença de viscosidade das duas soluções pode levar a velocidades de infusão diferentes; deve-se atentar ao tipo de seringa utilizado com intuito de se atingir a proporção de injeção de 1:1. O uso de gás carbônico facilita a extrusão do material.

 

cateter fibrina corte longitudinal e transversa

Figura 1 – cateter fibrina corte longitudinal e transversal

Figura 3 – Dispositivo para injeção de gás carbônico a ser utilizado para injeção de cola de fibrina (extraído de www.nordsonmedical.com) O uso de cola de fibrina humana autóloga com a centrifugação do soro do próprio paciente para obtenção de cola de fibrina foi utilizado em 2 casos de fístula esofágica, com sucesso [8]. Nesses casos, a injeção é realizada na submucosa ao redor da fístula com agulha. No Brasil, não dispomos de cateter duplo-lúmen coaxial endoscópico para uso comercial. Para fabricar de forma caseira um cateter duplo-lúmen, podem-se utilizar 2 cateteres de colangiografia finos (a partir de 4Fr) ou 2 bainhas de cateter de injeção endoscópica de 23G (retiradas as agulhas e remontado o cateter), alinhados paralelamente (FIGURA 2). Essa última opção tem sido nossa preferência devido ao custo (FIGURA 3). Deve-se atentar ao calibre obtido, pois o seu uso requer um canal de trabalho terapêutico (a partir de 3.8 mm). Na falta de um cateter duplo-lúmen, outra opção descrita é realizar a injeção sequencial através de um cateter com lúmen único. O uso de cateter de colangiografia duplo lúmen de troca rápida não deve ser utilizado pelo risco de vazamento lateral [9].

Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente

Figura 2 – Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente

Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente. Detalhe – fixador de cateter

Figura 3 – Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente. Detalhe – fixador de cateter

Para uso em endoscopia, o cianoacrilato apresenta-se em 2 fórmulas [10]: o N-butil 2-cianoacrilato, também conhecido como embucrilato e comercializado no Brasil como Histoacryl (B. Braun Medical, Bethlehem, PA). O ocrilato, por sua vez, possui 8 carbonos em sua fórmula (2-octyl cyanoacrylate) e é comercializado no Brasil como Dermabond (Johnson & Johnson, New Bruns- wick, NJ). O Glubran 2 (GEM, Viareggio, Italy) contém metacriloxi sulfalano, o qual aumenta o tempo de polimerização e reduz a produção de calor reacional. O lipiodol é recomendado para utilização de mistura com enbucrilato na proporção de 1:1 a 1:1.6, com a vantagem de reduzir o tempo de polimerização e permitir visualização radiológica. Após injeção, a lavagem do cateter deve ser feita com água destilada. Ambas as versões farmacológicas de ocrilato não requerem uso de lipiodol e podem ser lavadas com solução salina fisiológica. As técnicas de injeção são as mesmas recomendadas para tratamento de varizes gástricas, com a diferença de a injeção ser por meio de um cateter dentro do trajeto da fístula.

Descrevemos um caso em que foi usada terapia a vácuo e colagem de fibrina por via endoscópica com sucesso como modalidade terapêutica para fístula traqueoesofágica pós esofagectomia.

O desenvolvimento de fístula traqueoesofágica (TE) é uma rara complicação associada a uma alta mortalidade em pacientes submetidos à esofagectomia. Estudos mostram que, caso a fístula TE não tenha cicatrização dentro de um período de 4 a 6 semanas, o tratamento conservador deve ser abandonado. Opções de tratamento hoje dependem de condições, como vascularização do conduto gástrico, a gravidade da pneumonia aspirativa e o volume do vazamento de ar, e usualmente podem incluir tanto intervenção cirúrgica com uso de retalhos como endoscópica com colocação de prótese intraluminal. Em outubro 2019, um indivíduo do sexo masculino de 53 anos com quadro de disfagia, astenia e emagrecimento apresentou diagnóstico de carcinoma escamocelular em esôfago distal, moderadamente diferenciado, invasor (EC III). Entre novembro e dezembro de 2019, fez tratamento neoadjuvante com quimioterapia e radioterapia (cross trial). Após exames de re-estadiamento, foi optado por esofagectomia total em 3 campos com acesso torácico por videocirurgia e reconstrução utilizando tubo gástrico em janeiro de 2020.

O pós-operatório (PO) se deu em UTI, sem necessidade de ventilação mecânica e em boas condições hemodinâmicas, com uso de baixas doses de drogas vasoativas. No 4º dia PO, o dreno em região cervical demonstrou alto débito de aspecto bilioso, sendo indicada tomografia de tórax, que visualizou uma coleção pequena entre tubo gástrico e traqueia com pequena quantidade de ar, derrame pleural à esquerda com focos de consolidação e pequeno pneumotórax. No 12º PO, iniciou com instabilidade hemodinâmica associada a desconforto respiratório e saída de ar pela ferida cervical, com necessidade de intubação orotraqueal e estabilização em UTI. Uma fibrobroncoscopia diagnóstica revelou traqueobronquite aguda leve com secreção purulenta abundante à esquerda e presença de fístula traqueomediastinal em traqueia distal, sendo realizada reabordagem cirúrgica com enxerto bovino para fechamento da mesma, sem sucesso. Após tratamento conservador com jejum e nutrição parenteral por 18 dias, sem melhora significativa do quadro, foi optado por intervenção endoscópica com terapia a vácuo. Realizou tratamento endoscópico por terapia utilizando pressão negativa (vácuo) intraluminal esofágico por 3 semanas, com trocas e reavaliações periódicas (a cada 5 dias), até redução significativa do orifício fistuloso (FIGURA 4). Em abril de 2020, realizou exame contrastado deglutido, o qual evidenciou pequeno trajeto fistuloso. Foi submetido à nova abordagem endoscópica com injeção de cola de fibrina (FIGURA 5), recebendo alta 1 semana após. Em retorno em agosto de 2021, o paciente referiu melhora clínica, sem queixas de disfagia ou respiratórias, e exames contrastado e endoscópico revelaram fechamento completo da fístula (FIGURA 6).

Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica puntiforme, com comunicação traqueal

Figura 4 – Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica puntiforme, com comunicação traqueal

Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica após injeção de cola de fibrina

Figura 5 – Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica após injeção de cola de fibrina

Anastomose esôfago-gástrica pérvia e ampla, sem solução de continuidade

Figura 6 – Anastomose esôfago-gástrica prévia e ampla, sem solução de continuidade

Autores

Eduardo A. Bonin*

Larissa M. S. Gomide*

Bruno Verschoor*

Ricardo S. de Bem*

Leticia Rosevics*

Bruna S. Fossati*

* Serviço de Endoscopia Digestiva, Hospital de Clínicas (UFPR)

Ilustrações

Rodrigo R. Tonan

Como citar este artigo

Bonin EA, Gomide LMS, Verschoor B, Bem RS, Rosevics L, Fossati BS. Uso de adesivos tissulares para fechamento de fístulas do trato digestivo. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/uso-de-adesivos-tissulares-para-fechamento-de-fistulas-do-trato-digestivo/

Referências

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  2. Bhurwal A, Mutneja H, Tawadross A, Pioppo L, Brahmbhatt B. Gastrointestinal fistula endoscopic closure techniques. Ann Gastroenterol. 2020;33(6):554-562.
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