Baveno VII: O que há de novo (entre 2015 e 2021)?

Histórico :

A condução da hipertensão portal (HP) é a motivação principal para reuniões sequenciais, desde 1986, na Holanda e, desde 1990, em Baveno, Itália (Baveno I). Em 2016, formou-se a Cooperação Baveno, com objetivo de expandir a colaboração com especialistas e pesquisadores do tema e, em 2019, a parceria entre Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL) apoiou como consórcio oficial da EASL. É notório que as reuniões têm ampliado cada vez mais as perspectivas do cuidado ao paciente com síndrome de hipertensão portal, definindo eventos-chave, revisando rigorosamente as evidências científicas sobre a história natural, diagnóstico, prognóstico e terapêutica, gerando recomendações para orientar o manejo de pacientes, além de agenda de estudos científicos. No Baveno VI, o conceito de doença hepática crônica avançada compensada foi sugerido com base em testes não invasivos, uma vez que o termo “cirrose” poderia limitar o espectro da avaliação da patologia. Extrapolando essa análise, o Baveno VII, intitulado “Cuidados Personalizados da Hipertensão Portal”, versou sobre pacientes com doença hepática crônica avançada e os dois estágios possíveis, com e sem hipertensão portal clinicamente significante (HPCS)(1). O conceito de (re)compensação e seus parâmetros foram, pela primeira vez, introduzidos na discussão, baseados em critérios clínicos e parâmetros não-invasivos.

Medida da Hipertensão Portal  e definições:

A medida do gradiente de pressão portal foi ratificada como padrão-ouro para avaliar HP, sendo o melhor parâmetro a medida do gradiente de pressão da veia hepática (GPVH). Parâmetros para realização da medida invasiva do GPVH foram estabelecidos, buscando minimizar erros. Foi orientado uso de cateter de oclusão de balão compatível com orifício na extremidade ao invés de cateter reto convencional, para reduzir o erro aleatório das medições da pressão da veia hepática em cunha (A.1); sugeriu-se injetar pequeno volume de contraste ao inflar o balão de oclusão para confirmar a posição e afastar a presença de shunts, os quais levariam a subestimar medidas do gradiente de pressão (A.1). A sedação leve e consciente também foi recomendada, no intuito de impedir medidas subestimadas de pressão portal associadas à sedação profunda (B.1); com sugestão de uso de Midazolam em baixa dose (0,02 mg/kg) por não modificar o HVPG (B.1).

Orientações para mensurar a pressão de oclusão da veia hepática foram feitas, recomendando-se período de estabilização mínima de um minuto, além de registro em triplicata (D,1). Quanto à pressão da veia hepática livre (FHVP), recomendou-se medida na veia hepática (VH), dentro de 2-3 cm da confluência VH-veia cava inferior (VCI). Se a FHVP estiver mais de 2 mmHg acima das pressões da VCI, a presença de obstrução do fluxo da veia hepática deve ser descartada com a injeção de uma pequena quantidade de meio de contraste (A.1). Estas e outras orientações para padronizar métodos e ajudar a reduzir erros foram abordadas e fazem sentido discutir com equipes de hemodinâmica.

A HPCS é definida como GPVH ≥10 mmHg (A.1), porém, em caso de pacientes com colangite biliar primária, com componente pré-sinusoidal adicional, o GPVH pode subestimar gravidade da HP (B.1). Já em cirrose por NASH, chamou-se atenção que os sinais de HPCS também podem estar presentes em uma pequena proporção de pacientes com valores inferiores a 10mmHg (C.2) e, sempre que for observado doença hepática crônica e sinais clínicos de hipertensão portal, mas com GPVH <10 mmHg, a doença vascular porto-sinusoidal deve ser descartada (B.1).

Embora o conceito de HPCS seja orientado por medidas invasivas, os testes não-invasivos têm sido apontados como suficientemente precisos para estimá-la na prática clínica (A.1), sobretudo se associados às manifestações clínicas e laboratoriais. Na tabela 1 seguem recomendações para estimativas de HPCS baseada em medida da rigidez hepática (LSM) por elastografia transitória (TE) e nível sérico de plaquetas. A medida da elastografia esplênica foi recomendada, quando possível, como ferramenta para identificar risco de HPCS e varizes com risco de hemorragia digestiva alta (HDA, em pacientes com hepatites B e C).

Tabela 1

Neste consenso, a LSM (independentemente da técnica utilizada) é identificada como ferramenta de avaliação de prognóstico e seguimento em pacientes com doença crônica hepática avançada (A.1). Sugere-se utilizar a “regra dos cinco”, baseada na elastografia transitória (LSM-TE) para identificar riscos relativos de descompensação e morte, independentemente da etiologia da doença hepática crônica (B.1) (Figura 1). Nesta regra, LSM < 5kPa é considerada normal, se menor de 10kPa exclui doença crônica avançada; LSM < 15kPA e plaquetas > 150mil exclui HPCS; bem como persiste válido o critério do Baveno VI para postergar a endoscopia, com níveis de plaquetas superiores a 150mil associado a LSM < 20kPa.

Figura 1

Um ponto interessante foi o monitoramento de pacientes utilizando o LSM-TE, onde sugere-se que pacientes com valores entre 7-10 kPa sejam monitorados quanto às alterações que indiquem progressão da doença crônica parenquimatosa do fígado (DCPF) (C.2). O TE pode ter resultados falso-positivos, portanto LSM ≥10 kPa deve ser repetido em jejum ou associados aos marcadores séricos de fibrose (FIB-4 ≥2,67, ELF ≥9,8, FibroTest ≥ 0,58 para álcool/vírus, FibroTest≥0,48 para NAFLD) para ratificar seus achados (B.2). No geral, recomenda-se checar LSM anualmente para seguimento da DCPF e, se detectada diminuição clinicamente significativa nos valores (redução ≥20% em pacientes com LSM <20 kPa ou qualquer diminuição para LSM <10 kPa), tem-se um risco reduzido de descompensação e morte (C.2).

O Baveno VII introduziu a possibilidade da elastografia esplênica (SSM) como instrumento para identificar HPCS e varizes esofágicas com risco de sangramento em pacientes com hepatites B e C.  Aqueles que não preenchem critérios do Baveno VI para evitar a endoscopia digestiva, checar se SSM<40kPa por TE é uma possibilidade, a fim de identificar aqueles com de baixa probabilidade de varizes com risco e postergar a EDA (C;2). Este tópico merece discussão, dado que a medida da elastografia do baço requer mais evidências, além de estabelecer qual melhor técnica e os pontos de corte a serem utilizados. Contudo, progredirmos com exames de imagem multiparamétricos, com associando informações úteis sobre diagnóstico e prognóstico parece ser algo interessante e que pode aumentar a precisão dos métodos.

Ainda sobre prognóstico, muito pouco se falou sobre o risco cirúrgico em pacientes com HPCS no Baveno VII, a despeito de algumas evidências obtidas ao longo dos anos. Considerou-se que HPCS (GPVH ≥10 mmHg ou evidências clínicas) está associada a maior risco de descompensação e mortalidade em pacientes com DCPF submetidos à ressecção hepática devido carcinoma hepatocelular (A.1) e que, em candidatos à cirurgia abdominal não-hepática, o GPVH ≥16 mmHg está associado ao aumento do risco de mortalidade a curto prazo no pós-operatório (C.1). Critérios prognósticos como Child-Pugh ou MELD não foram considerados nestas afirmações, nem o tipo de complexidade de outros procedimentos cirúrgicos.

Impacto do tratamento etiológico na HPCS:

Após os antivirais de ação direta no tratamento da hepatite C, foi possível avaliar melhor o impacto da ausência de fatores etiológicos em pacientes com doença hepática crônica. Conforme o Baveno, pacientes com DCPF induzida por HCV que atingiram RVS e mostraram melhora, pós-tratamento, consistentes com valores de LSM <12kPa e plaquetas >150mil poderiam receber alta da vigilância da hipertensão portal (LSM e endoscopia), por não apresentarem HPCS e risco baixíssimo de descompensação; contudo, a vigilância do carcinoma hepatocelular permaneceria até mais dados disponíveis (B.1). Acrescenta-se ainda que, em pacientes com DCPF compensada e em terapia com betabloqueadores não-seletivos (BBNS) e sem HPCS (LSM <25kPa), após a remoção/supressão do fator etiológico primário, a endoscopia deveria ser repetida após 1-2 anos; e, na ausência de varizes, a terapia com BBNS seria descontinuada (C.2). Ao longo dos últimos anos aprendemos que os BBNS não só estavam associados às menores chances de sangramento varicoso, mas também a menos descompensação das doenças hepáticas. Com evidência C.2, será que estamos seguros para suspender o BBNS baseado nas evidências atuais? O Baveno coloca uma agenda de pesquisa onde o impacto da remoção dos fatores etiológicos primários não-virais e estratificação de risco em longo prazo seja avaliado, o que pode nos trazer algumas respostas.

Em revisão sistemática e metanálise, o uso de estatinas reduziu em 46% o risco de descompensação hepática e mortalidade por todas as causas, além de 27% menos risco de progressão de hipertensão portal.(2) Baseado em dados como estes, o uso de estatinas foi incentivado em pacientes com indicação formal além da com HPCS, devido ação na redução da pressão portal (A.1) e melhora na sobrevida global (B.1). Em pacientes com cirrose Child-Pugh B e C, as estatinas devem ser usadas em dose mais baixa (sinvastatina no máximo 20mg/d) e os pacientes devem ser acompanhados de perto para toxicidade muscular e hepática (A,1). Na cirrose Child-Pugh C, o benefício das estatinas ainda não foi comprovado (D.1).

Existe razão inversa entre o risco de carcinoma hepatocelular (CHC), mortalidade e a duração do uso de Aspirina: 31% menor risco de CHC, 27% menos mortalidade entre os usuários de Aspirina e sem aumento do risco de sangramento gastrointestinal (7.8% AAS e sem-AAS 6.9%)(3). Conforme recomendações do Baveno VII, o uso da Aspirina não deve ser desencorajado em pacientes com cirrose e indicação aprovada para aspirina, pois pode reduzir o risco de carcinoma hepatocelular, complicações relacionadas ao fígado e morte (B.2). Estudos apontam que aspirina pós-TIPS aumenta sobrevida pós-transplante.

A profilaxia antibiótica primária é recomendada em pacientes selecionados com alto risco de peritonite bacteriana espontânea (hemorragia GI, Child-Pugh C com proteína baixa no liquido ascítico) (B.1).  A profilaxia antibiótica secundária é indicada em pacientes com peritonite bacteriana espontânea (PBE) prévia (A.1) O perfil de resistência local deve ser considerado para escolher o antibiótico, a despeito da recomendação usual de cefalosporina de terceira geração.

A rifaximina, na dose de 550mg, via oral, 2 vezes ao dia, é indicada para a profilaxia secundária da encefalopatia hepática (A,1) e deve ser considerada para profilaxia e tratamento de encefalopatia hepática em pacientes submetidos a TIPS (B.2). A rifaximina não é indicada para profilaxia primária ou secundária de PBE. (C.1)

Um tema controverso foi a administração de albumina a longo prazo em pacientes com cirrose descompensada. Estudo demostrou redução de 38% na mortalidade no grupo que usou albumina prolongada e redução das complicações; contudo trials com objetivos similares apresentaram resultados negativos, também com número e perfil de pacientes selecionados diferentes, além de posologias e tempo de seguimento também não comparáveis. Mesmo assim, albumina prolongada foi recomendada, acreditando-se na redução de complicações e melhora da sobrevida livre de transplante hepático em pacientes com ascite não complicada, a despeito de necessitar de mais dados para avaliação (B.2). A administração de albumina em curto prazo persiste indicada para PBE (A,1), Lesão Renal Aguda > estágio 1A (C.1), paracentese de grande volume (A.1) e Síndrome Hepatorrenal-LRA (combinado com terlipressina) (B.1).

Prevenção da primeira descompensação:

O objetivo do tratamento na doença crônica avançada compensada é prevenir as complicações que definem a descompensação. (A.1) A definição de descompensação foi esclarecida neste consenso, sendo os eventos que marcam a sua presença:  ascite evidente (ou derrame pleural com GASA aumentado (> 1,1 g/dL), encefalopatia hepática (West Haven≥ 2) e sangramento de varizes (B.1); devendo ser consideradas condições como ACLF, carcinoma hepatocelular (B1), infecções bacterianas e  cirurgia de grande porte (B.1).

Ainda são necessárias evidências para definir se quantidade mínima de ascite detectada apenas em procedimentos de imagem, encefalopatia hepática mínima e sangramento oculto de gastroenteropatia hipertensiva portal podem ser considerados como descompensação (D.1). Outro ponto de discussão foi se icterícia isoladamente, em etiologias não colestáticas, poderia ser considerada primeira como descompensação ou se refletiria lesão hepática/ACLF sobreposta na cirrose compensada, informação que requer mais pesquisas (D.1).

Chama atenção que o BBNS vem como indicação de prevenir descompensação em pacientes com HPCS, inferência realizada baseada em medicas clínicas e métodos não-invasivos, e não apenas na prevenção de hemorragia varicosa. Não há evidências de que terapias endoscópicas como ligadura elástica ou cola tissular possam prevenir ascite ou encefalopatia hepática (D.1), logo pacientes com cirrose compensada em uso de BBNS para prevenção de descompensação não precisam de endoscopia de triagem para detecção de varizes, pois a endoscopia não mudará o manejo (B.2).

Prevenção do Primeiro Sangramento Digestivo Varicoso:

Tratamento com BBNS (Propranolol, Nadolol ou Carvedilol) deve ser considerado para prevenir descompensação em pacientes com HPCS (A1), sendo o Carvedilol preferido em DCPF compensada, por ser mais efetivo em reduzir o GPVH (A1), ser melhor tolerado e impactar na sobrevida (B1). Atribui-se a melhor eficácia do Carvedilol, bloqueador de terceira geração, não-seletivo dos receptores alfa1, beta1 e beta2 adrenérgicos, devido incremento de ação associada ao bloqueio dos receptores alfa1, levando a vasodilatação periférica e redução da resistência vascular periférica.

Na profilaxia do primeiro sangramento, único estudo sugeriu que a injeção de cianoacrilato pode ser mais eficaz que o propranolol na prevenção do primeiro sangramento na presença de grandes varizes GOV tipo 2 ou IGV tipo 1, a despeito de não haver diferença na sobrevida. Mais estudos são necessários nesses pacientes usando novas abordagens terapêuticas além de BBNS. (D.1) Procedimentos de radiologia intervencionista como BRTO/BATO/BARTO/TIPS não são indicados na profilaxia primária de sangramento de varizes gástricas em pacientes compensados ​​(D.1).

Sangramento Digestivo Varicoso Agudo:

Interessante perceber como dados que parecem óbvios podem impactar na prática clínica quando ratificados em uma diretriz como o Baveno, mesmo com níveis de evidências de menor impacto. Neste tópico, recomendou-se que a intubação orotraqueal, antes da endoscopia seja realizada apenas em pacientes com rebaixamento de nível de consciência e/ou com vômito de sangue ativo, para proteção de vias aéreas (5; D), não adotando este procedimento como uma rotina; devendo, a extubação, ocorrer o mais rápido possível após o procedimento (5; D) devido risco de infecção respiratória. O uso de sonda nasogástrica também deve ser pensado com cautela, pelo mesmo risco (5; D). Outra orientação que deve entrar na rotina é a realização de exames de imagem abdominal, em momento oportuno, preferencialmente com contraste (TC ou RM) para excluir trombose venosa esplâncnica, carcinoma hepatocelular e para mapear colaterais porto-sistêmicas (D.1).

Estudos apontam maior chance de encefalopatia hepática e menor sobrevida em pacientes com DCPF em uso de inibidores de bomba de prótons (IBP)(4,5). Assim, quando iniciados antes da endoscopia, estes devem ser interrompidos imediatamente após o procedimento, a menos que realmente indicados (D.2).  Quanto aos vasoconstrictores esplâncnicos, devem ser iniciados o quanto antes, ainda na unidade de emergência, e continuados entre 2 a 5 dias (1b; A). Desnutrição aumenta o risco de evento adverso em pacientes com DCPF e HDA; devendo a dieta oral ser reiniciada o mais breve (5;D) e a EH deve ser tratada preferencialmente com lactulose (oral/enema) durante a HDA-varicosa, por auxiliar na eliminação do sangue intestinal (D.1).

Quanto à terapêutica endoscópica, a ligadura elástica e adesivos tissulares permanecem como terapêutica de escolha, a depender do tipo de variz. Acrescentou-se que a terapia endoscópica para sangramento por gastropatia hipertensiva portal (GHP) pode ser feita com coagulação por plasma de argônio, ablação por radiofrequência ou ligadura elástica na GHP-GAVE (C.2). Mas, o pó hemostático (Hemospray®) ainda não foi recomendado como primeira linha de tratamento endoscópico para sangramento agudo varicoso (D.1).

A estratificação de risco e indicação de TIPS (transjugular intrahepatic portosystemic shunt) preemptivo, possivelmente, foi a principal recomendação nos últimos anos no algoritmo de tratamento de pacientes com hemorragia digestiva aguda varicosa (Figura 2). O TIPS recoberto com PTFE, dentro de 72 horas, idealmente <24 horas, após terapêutica endoscópica eficaz, é indicado em pacientes com sangramento de varizes esôfago-gástricas que atendem a qualquer um dos seguintes critérios: Child-Pugh C <14 pontos ou Child-Pugh B >7 com sangramento ativo na endoscopia inicial ou GPVH > 20 mmHg (A.1). Acute-on-chronic liver failure, encefalopatia hepática ou hiperbilirrubinemia na admissão não devem ser considerados como contraindicações ao TIPS (B.1), devendo ser avaliado cada caso com cuidado. Contudo, o TIPS pode ser uma conduta fútil no caso de Child-Pugh ≥14 ou MELD >30 e lactato >12 mmol/L, a menos que o transplante hepático seja previsto em curto prazo (B.1), sendo a decisão de realizar o procedimento tomada caso a caso (D.1).

Figura 2

Novas discussões terapêuticas foram consideradas como possíveis no Baveno VII, a despeito de necessitarem de mais evidências e expertise. Em pacientes com GOV2, IGV1 e varizes ectópicas, o BRTO (Balloon-occluded retrograde transvenous obliteration) pode ser considerado uma alternativa ao tratamento endoscópico ou TIPS, desde que seja tecnicamente e localmente viável (D.2). O TIPS pode ser combinado com embolização para controlar o sangramento ou reduzir o risco de sangramento recorrente por varizes gástricas ou ectópicas, particularmente nos casos em que, apesar da diminuição do GPVH, o fluxo portal permanece desviado para colaterais (D.2).

No tópico sobre coagulopatia do paciente com doença hepática crônica em vigência de sangramento agudo varicoso, persistem importantes dúvidas sobre o tema, mas ratificou-se o conhecimento adquirido, especialmente sobre o que não funciona. O Baveno VII inicia o tópico confirmando que, em sangramento de varizes devido à HP, o objetivo deve ser focado na redução da pressão portal em vez de corrigir as anormalidades da coagulação (B.1). Os testes convencionais de coagulação, como tempo de protrombina (TP/RNI) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa), não refletem com precisão o estado hemostático de pacientes com doenças hepáticas avançadas (B.1), correspondendo a pequena porcentagem das reações de coagulação. Na prática clínica, quando disponíveis, teste como tromboelastometria parece interessante para guiar casos graves associados a sangramentos recorrentes/refratários, por avaliar a qualidade da formação do trombo e guiar a transfusão de hemocomponentes, porém não foi citado no consenso.

No episódio de sangramento agudo por varizes, a transfusão de plasma fresco congelado não é recomendada, pois não corrige a coagulopatia e pode levar a sobrecarga volêmica e agravamento da hipertensão portal, com chances de precipitar novos sangramentos (B.1); assim, na prática, dá-se preferência aos crioprecipitados. Neste cenário, também não há evidências de que a contagem de plaquetas e os níveis de fibrinogênio estejam correlacionados com falha no controle do sangramento ou ressangramento; no entanto, em caso de sangramento persistente, a decisão de corrigir as anormalidades hemostáticas deve ser considerada caso-a-caso (D.2). Fator VIIa recombinante e ácido tranexâmico não são recomendados no sangramento agudo de varizes (A.1).

Em pacientes com DCPF com sangramento agudo e que estejam em uso de anticoagulantes, estes devem ser temporariamente descontinuados até que a hemorragia esteja controlada. A duração da descontinuação deve ser individualizada com base na indicação da anticoagulação (D.2). Em pacientes com trombose de veia porta (TVP), o manejo do sangramento é prioritário e deve ser realizado conforme as diretrizes gerais. (D.1)

Na profilaxia secundária de sangramento varicoso, BBNS em combinação com terapêutica endoscópica são primeira escolha. Em pacientes que não toleram a terapia combinada, qualquer uma dessas terapias pode ser mantida isoladamente (A1). TIPS deve ser considerado em pacientes com ascite recorrente (B.1) ou sangramento a despeito da profilaxia.

Prevenção de descompensação adicional:

Uma novidade do Baveno VII foi o conceito de descompensação adicional na cirrose. Segundo a diretriz, representa um estágio prognóstico associado a uma mortalidade ainda maior do que a associada à primeira descompensação, que seria definida por eventos específicos (B.1): a) desenvolvimento de um segundo evento descompensador causado por hipertensão portal (ascite, hemorragia varicosa ou encefalopatia hepática) e/ou icterícia; b)sangramento recorrente por varizes, ascite recorrente (necessidade de ≥3 paracenteses de grande volume em um ano), encefalopatia recorrente, desenvolvimento de peritonite bacteriana espontânea (PBE) e/ou síndrome hepatorrenal (SHR-LRA); c) e, em pacientes que apresentam apenas sangramento, desenvolvimento de ascite, encefalopatia ou icterícia após a recuperação do sangramento, mas não se esses eventos ocorrerem na época do sangramento. Dentre todas as recomendações, destacam-se a indicação de rastreamento de infecção bacteriana para casos de descompensação adicional (A.1) e encaminhamento de pacientes para transplante de fígado (A.1).

Fragilidade, desnutrição e sarcopenia foram considerados de forma tímida, mas também pela primeira vez no Baveno, como variáveis que impactam na sobrevida de pacientes com cirrose descompensada, sendo recomendada avaliação e orientações relacionadas em todos os casos (B.1).

A (re)compensação da doença hepática é um conceito trazido no Baveno VII. A compensação implica na regressão parcial de alterações estruturais e funcionais relacionadas à DCPF, especialmente após a retirada a etiologia da cirrose (A.1). Clinicamente, a definição de compensação é baseada em consenso de especialistas e requer o cumprimento de todos os critérios que seguem (C.2): a) supressão/cura da etiologia primária da cirrose (eliminação da hepatite C, supressão viral para hepatite B, abstinência alcoólica sustentada para cirrose induzida por álcool); b) resolução da ascite (sem diuréticos), encefalopatia (sem lactulose/rifaximina) e ausência de hemorragia recorrente por varizes (por pelo menos 12 meses) e c) melhora significativa dos testes de função hepática (albumina, RNI, bilirrubina).

Como a HPCS pode persistir apesar da compensação clínica, o BBNS não deve ser descontinuado a menos que a HPCS se resolva (B.1). Resolução da ascite (em uso de diuréticos ou após TIPS) e/ou ausência de hemorragia varicosa recorrente (em uso de BBNS/Carvedilol + LE ou após TIPS) sem remoção do fator etiológico primário e sem melhora da função hepática, não são considerados critério de compensação clínica (B.1).

Trombose venosa e uso de anticoagulantes em pacientes com doença hepática:

Anticoagulação não deve ser desencorajada, no caso de indicação formal, em pacientes com diagnóstico de DCPF, uma vez que pode reduzir os desfechos negativos relacionados à doença hepática, com e sem trombose da veia porta, além de melhorar a sobrevida global (B.1).  Heparina de Baixo Peso Molecular e Antagonistas da Vitamina K são amplamente aceitos e utilizados na trombose primária do sistema venoso portal ou vias de saída da veia hepática (A.1).

A triagem para trombose de veia porta (TVP) é recomendada em todos os pacientes que são potenciais candidatos ao transplante de fígado (D.2). A anticoagulação é recomendada em pacientes com cirrose e (i) trombose recente (<6 meses) total ou parcialmente oclusiva (>50%) do tronco da veia porta com ou sem extensão para a veia mesentérica superior, ou (ii) trombose da veia porta sintomática, independentemente da extensão, ou (iii) trombose da veia porta em potenciais candidatos a transplante hepático, independentemente do grau de oclusão e extensão (C.2). Nos potenciais candidatos a transplante de fígado, o objetivo da anticoagulação é prevenir a formação de novos trombos ou progressão do trombo, para facilitar a anastomose portal adequada e reduzir a morbidade e mortalidade pós-transplante (C.1). A anticoagulação deve ser considerada em pacientes com cirrose e trombose minimamente oclusiva (<50%) do tronco da veia porta que (i) progride em seguimento de curto prazo (1-3 meses) ou (ii) compromete a veia mesentérica superior (C.2). A anticoagulação deve ser (i) mantida até a recanalização da veia porta ou por um período mínimo de 6 meses, (ii) continuada após a recanalização em pacientes que aguardam transplante de fígado e (iii) considerada continuada após a recanalização em todos os outros, equilibrando os benefícios na prevenção recorrência e aumento da sobrevida e do risco de sangramento (C.1).

A anticoagulação é preferencialmente iniciada e mantida com Heparina de Baixo Peso Molecular (HBPM) e Antagonistas da Vitamina K (AVK) ou Anticoagulantes Orais Diretos (DOAC). A vantagens da HBPM é o número de evidências na população com doença hepática e mais conhecimento sobre a medicação e seu comportamento na população com DCPF. O AVK traz desafios no que diz respeito ao monitoramento do RNI em pacientes com cirrose. A vantagem dos DOAC está associada à facilidade do manejo, mas há menos dados disponíveis (C.1). Varfarina (AVK) e DOAC foram associados à redução da mortalidade por todas as causas; varfarina foi associada a mais sangramento em comparação com nenhum anticoagulante. DOAC tiveram incidência menor de sangramento em comparação com a varfarina em análises exploratórias. Dados atualmente disponíveis sugerem que não há grandes preocupações de segurança para os DOAC em pacientes com cirrose Child-Pugh A, porém devido a possibilidade de ação cumulativa, os DOAC devem ser usados ​​com cautela em pacientes Child-Pugh B, bem como em pacientes com clearance de creatinina abaixo de 30 mL/min. O uso de DOAC em pacientes Child-Pugh C não é recomendado fora dos protocolos do estudo (B.2). Os DOAC provavelmente têm perfis de segurança-eficácia diferentes em pacientes com cirrose, embora, no momento, nenhuma recomendação possa ser feita em favor de um DOAC específico neste cenário (D.2).

Distúrbio vascular porto-sinusoidal (DVPS)

A doença vascular porto-sinusoidal é uma ampla entidade clínico-patológica que engloba fibrose portal não-cirrótica, hipertensão portal idiopática ou hipertensão portal intra-hepática não-cirrótica e vários padrões histológicos sobrepostos, incluindo hiperplasia nodular regenerativa, venopatia portal obliterativa, esclerose hepatoportal, cirrose septal incompleta (B.1). Ausência de hipertensão portal não exclui DVPS; a presença de causas comuns de doença hepática não exclui DVPS, e ambos podem coexistir; a presença de trombose da veia porta não exclui DVPS, e ambas podem coexistir (B.1). A DVPS deve ser consideradA nas seguintes situações: (i) sinais de hipertensão portal contrastando com características atípicas de cirrose; ou (ii) anormalidades nos exames de sangue do fígado ou hipertensão portal em um paciente com uma condição conhecida por estar associada a DVPS; ou (iii) anormalidades inexplicáveis ​​nos exames de sangue do fígado, mesmo sem sinais de hipertensão portal. (B.1).

O diagnóstico de distúrbio vascular porto-sinusoidal pode ser observado na ausência de características clínicas, laboratoriais ou de imagem da hipertensão portal (B.1); amostra de biópsia hepática de tamanho adequado (> 20 mm) e de fragmentação mínima – ou de outra forma considerada adequada para interpretação por um patologista especialista – é necessária para o diagnóstico de PSVD (C.1). O diagnóstico de PSVD requer a exclusão de cirrose e de outras causas de hipertensão portal (B.1), juntamente com um dos três critérios a seguir (C.2): (i) pelo menos uma característica específica para hipertensão portal; ou (ii) pelo menos uma lesão histológica específica para PSVD; ou (iii) pelo menos uma característica não específica para hipertensão portal juntamente com pelo menos uma lesão histológica compatível embora não específica para PSVD.

Outras orientações para investigação etiológica e manejo na trombose primária do sistema venoso portal não cirrótica e Síndrome de Budd-Chiari (SBC) foram atualizados. Em pacientes com SBC, p. exemplo, apresentando insuficiência hepática aguda, o transplante hepático urgente deve ser considerado e o TIPS de emergência deve ser realizado, se possível, independentemente da listagem para transplante de fígado (C.1).

Assim, observamos que a “visão para além das varizes” do Baveno na condução do paciente com síndrome de hipertensão portal vem tomando proporções cada vez mais amplas de cuidado e abordando possibilidades em formatos também mais flexíveis. Nos próximos anos, vamos aguardar dispositivos de ultrassom endoscópico e outros métodos menos invasivos para avaliar gradiente de pressão portal e prognóstico de doenças hepáticas, papel da microbiota intestinal no tratamento das complicações da HPCS, impacto de terapêuticas mais eficazes no tratamento do NASH e desfechos, talvez, da COVID-19 na doença hepática.

Referencias

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Assuntos gerais : Endometriose Intestinal

Introdução

A endometriose é uma doença ginecológica benigna definida pela presença de glândulas endometriais fora da cavidade uterina. É frequentemente diagnosticada na terceira década de vida, afetando 10 a 12% das mulheres em idade reprodutiva.

A sua etiologia ainda hoje é discutida, e a teoria mais popular é a da menstruação retrógrada. Durante a menstruação células endometriais migram através das trompas de Falópio para o peritônio e ali crescem sob a influência de fatores hormonais. Outras teorias consistem na transformação de células de outras topografias em células endometriais através de diferentes meios (metaplasia, células tronco).

A endometriose profunda é definida como a invasão subperitoneal com profundidade maior que 5 mm, sendo o intestino o órgão extragenital mais acometido, apresentando de 5 a 12% de prevalência nas mulheres com endometriose. A topografia é em 90% dos casos em cólon sigmoide e reto. Embora o envolvimento intestinal isolado possa ser observado, cerca de 50 % dos pacientes com doença no reto apresenta acometimento em outros locais. Curiosamente, em aproximadamente 30% dos casos com envolvimento de retossigmoide, o cólon direito também é acometido.

 

Sintomas

Os sintomas da endometriose intestinal podem ser inespecíficos como dismenorreia, dispareunia e dor pélvica crônica. Sintomas intestinais mais específicos, como diarreia, constipação, sangue nas fezes, distensão abdominal, disquezia e raramente obstrução intestinal, também podem ocorrer. No entanto, quaisquer sintomas pélvicos, especificamente de natureza cíclica, devem levantar a suspeita de endometriose.

Além disso, pacientes com endometriose frequentemente apresentam comorbidades psicopatológicas significativas, como ansiedade e depressão, que muitas vezes podem potencializar a gravidade da dor experimentada.

Diagnóstico

  • Exame físico : através do toque pélvico bimanual é frequentemente útil no diagnóstico, especialmente se realizado no momento da menstruação, período em que as lesões podem estar mais inflamadas, sensíveis e palpáveis.
  • Ultrassom transvaginal: exame de escolha como avaliação inicial, permite descrever tamanho, localização, distância da borda anal, profundidade e número de nódulos. Endometriomas se demonstram como imagens hipoecoicas que envolvem a parede intestinal a partir da serosa, podendo se estender para a muscular própria e a submucosa e raramente a mucosa (5% dos casos de endometriose intestinal). No entanto a limitação dessa técnica consiste em lesões no sigmoide, pois geralmente estão fora do campo de visão.
  • Ultrassom retal: é considerado o teste de escolha para avaliar lesões que infiltram a parede intestinal com alta acurácia na determinação de profundidade, além da possibilidade de confirmação histológica através da punção. Outra importante função deste método é no diagnóstico diferencial de lesões subepiteliais. A endometriose quase sempre acomete mais de uma camada, especialmente a serosa e raramente acomete a camada mucosa. Demais lesões subepiteliais primárias da parede intestinal costumam ser restritas a apenas uma camada.

Figura 1: Paciente com endometriose e abaulamento submumoso em cólon sigmoide

Figura 2: Ecoendoscopia demonstrando invasão maciça de imagem hipoecoica em submucosa de cólon

Figura 3: Punção ecoguiada de imagem hipoecoica

  • Colonoscopia: fornece sinais específicos em apenas 4% dos casos de endometriose profunda, se demonstra como lesões subepiteliais e eventualmente com mucosa apresentando edema, enantema, friabilidade, irregularidade de superfície ou mesmos quadros de estenoses. Apesar baixa sensibilidade (7%) desse exame para o diagnóstico de endometriose, a colonoscopia possibilita investigação de outras doenças que podem levar a sintomas atribuídos a endometriose.

Figura 4: Endometriose profunda causando redução da luz em cólon sigmoide. Imagem cedida pela Dra Renata Nobre Moura.

  • Ressonância: altamente eficiente e acurada, apresenta melhor resolução entre as estruturas e maior campo de visão. Esta técnica é cada vez mais utilizada nos casos em que o ultrassom apresenta dúvidas, na suspeita acometimento profundo da pelve ou quando há programação cirúrgica.

Tratamento

Como tratamento medicamentoso de primeira linha estão as combinações estroprogestogênicas, progestogênios isolados e análogos do hormônio liberador de gonadotrofina, sendo muito úteis também na prevenção de recorrência pós-operatória da doença. Em um estudo de pacientes utilizando o tratamento medicamentoso, foi observada uma diminuição de 53% dos sintomas gastrointestinais. Entretanto após 12 meses, 33% optaram pelo tratamento cirúrgico devido aos sintomas persistentes.

O exame padrão ouro no diagnóstico da endometriose é a laparoscopia, sendo também o método de escolha para o tratamento cirúrgico da endometriose pélvica sintomática. Dessa forma uma avaliação pré-operatória com os exames citados acima, é crucial para o manejo da doença, sendo que na presença de lesões intestinais ou no sistema urinário, um cirurgião especialista é altamente recomendado.

O tratamento cirúrgico é indicado nos pacientes que não respondem ao tratamento medicamentoso, e deve-se ser realizado preferencialmente de forma conservadora, com exceção dos casos estenose intestinal, uretral ou massas de características duvidosas, onde a remoção radical deve ser indicada.

Pontos chave Endometriose Intestinal

– 10 a 12% das mulheres (faixa etária 30 anos)

– patogênese: teoria da menstruação

– 5 a 12% acometimento intestinal

– 90% cólon e reto

– assintomática, inespecífico ou sintomas cíclicos

– exame físico: toque bimanual

– ultrassom transvaginal: exame inicial, limitação para cólon sigmoide

– ultrassom retal: confirmação de acometimento intestinal e diagnóstico diferencial de lesões subepiteliais

– ressonância: avaliação geral de endometriose profunda

– colonoscopia: lesões subepitelais e investigação sintomas paralelos

– tratamento medicamentoso: primeira escolha

– tratamento cirúrgico: laparoscopia, conservador quando possível

Referências

Nezhat C, Li A, Falik R, Copeland D, Razavi G, Shakib A, Mihailide C, Bamford H, DiFrancesco L, Tazuke S, Ghanouni P, Rivas H, Nezhat A, Nezhat C, Nezhat F. Bowel endometriosis: diagnosis and management. Am J Obstet Gynecol. 2018 Jun;218(6):549-562. doi: 10.1016/j.ajog.2017.09.023. Epub 2017 Oct 13. PMID: 29032051.

Habib N, Centini G, Lazzeri L, Amoruso N, El Khoury L, Zupi E, Afors K. Bowel Endometriosis: Current Perspectives on Diagnosis and Treatment. Int J Womens Health. 2020 Jan 29;12:35-47. doi: 10.2147/IJWH.S190326. PMID: 32099483; PMCID: PMC6996110.

Rossini LG, Ribeiro PA, Rodrigues FC, Filippi SS, Zago Rde R, Schneider NC, Okawa L, Klug WA. Transrectal ultrasound – Techniques and outcomes in the management of intestinal endometriosis. Endosc Ultrasound. 2012 Apr;1(1):23-35. doi: 10.7178/eus.01.005. PMID: 24949332; PMCID: PMC4062201.

Bourgioti C, Preza O, Panourgias E, Chatoupis K, Antoniou A, Nikolaidou ME, Moulopoulos LA. MR imaging of endometriosis: Spectrum of disease. Diagn Interv Imaging. 2017 Nov;98(11):751-767. doi: 10.1016/j.diii.2017.05.009. Epub 2017 Jun 23. PMID: 28652096.

Colaiacovo R, Carbonari A, Ganc R, de Paulo G, Ferrari A. Bowel endometriosis mimicking gastrointestinal stromal tumor and diagnosed by endoscopic ultrasound. Endoscopy. 2014;46 Suppl 1 UCTN:E433-4. doi: 10.1055/s-0034-1377429. Epub 2014 Oct 14. PMID: 25314180.

Nácul, Andrea Prestes e Spritzer, Poli MaraAspectos atuais do diagnóstico e tratamento da endometriose. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia [online]. 2010, v. 32, n. 6 [Acessado 3 Abril 2022] , pp. 298-307. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0100-72032010000600008>. Epub 28 Set 2010. ISSN 1806-9339. https://doi.org/10.1590/S0100-72032010000600008.

Milone, M., Mollo, A., Musella, M., Maietta, P., Sosa Fernandez, L. M., Shatalova, O., Conforti, A., Barone, G., De Placido, G., & Milone, F. (2015). Role of colonoscopy in the diagnostic work-up of bowel endometriosis. World journal of gastroenterology, 21(16), 4997–5001. https://doi.org/10.3748/wjg.v21.i16.4997




Você já se deparou com um caso assim?

Paciente masculino 65 anos com relato de perda de 8kg em 6 meses, perda de apetite e episódios recorrentes de melena. Exames laboratoriais evidenciam uma anemia ferropriva. Em tomografia de abdome (figura 1) nota-se espessamento circunferencial do fundo e corpo gástrico e perda do pregueado gástrico. Submetido a endoscopia digestiva alta com os achados abaixo (figuras 2 e 3).

 

 

Figura 1: TC de adbome

 

Figura 2: Fundo gástrico visto em retrovisão

 

Figura 3: Visão frontal do corpo gástrico

 




Gastrite atrófica – guia prático sobre OLGA e OLGIM

A gastrite atrófica é um achado frequente de exames endoscópicos, sendo um dos fatores de risco para o desenvolvimento de câncer gástrico.  Para identificar e estratificar grupos de risco foi criada uma classificação denominada OLGA (Operative Link of Gastritis Assesment), baseada na localização das biópsias e achados histológicos avaliando de forma objetiva o grau de atrofia.  A classificação é reprodutível, de fácil execução, permitindo selecionar o grupo de pacientes de maior risco que devem ter seguimento mais rígido, mantendo a custo-efetividade do rastreamento.

Resumidamente, as biópsias devem ser realizadas nos seguintes locais e identificadas em três frascos separados, com ao menos dois fragmentos de cada local: 

  1. Parede anterior e parede posterior de corpo (C1 e C2) 
  2. Incisura angular (A3)
  3. Pequena e grande curvatura de antro (A1 e A2)

Obs: se quiser uma discussão mais aprofundada a respeito dos locais de biópsia, confira esse outro artigo: onde coletar as biópsias para estadiamento OLGA?

O escore OLGA é classificado de acordo com o resultado destas biópsias, conforme tabela abaixo: 

Escore OLGA
Escore de OLGA para avaliação de atrofia gástrica

Essa classificação não leva em consideração a avaliação de outro fator de risco relevante caracterizado pela metaplasia intestinal. Para suprir esta deficiência, a classificação de OLGIM foi criada e basicamente reproduz a mesma ideia de avaliar a localização de biópsias com aspectos histológicos, porém voltadas para a metaplasia intestinal.

Os estágios são muito parecidos conforme disposto na tabela abaixo:

Score OLGIM
Score de OLGIM para avaliação de metaplasia intestinal

É realmente necessário fazer essas biópsias? A avaliação endoscópica não é suficiente?? 

Diversas publicações mostraram ao longo do tempo que os scores OLGA III/IV possuem maior risco para desenvolvimento de câncer gástrico, sendo relevante realizar seguimento cuidadoso neste subgrupo. Dentre elas destaca-se a publicação da GUT de 2007 envolvendo 448 pacientes  estratificados utilizando o sistema OLGA com identificação de aumento gradativo da faixa etária e prevalência de infeção com H. Pylori (HP) nos escores maiores. Além disso, lesões neoplásicas foram identificadas apenas nos estágios OLGA III e IV. 

Publicações mais recentes corroboram estes achados como a extensa metanálise envolvendo cerca de 2700 pacientes (8 estudos , dos quais 6 caso-controle) realizada por Yue H et al em 2018. Nessa publicação, foi descrito maior risco de desenvolvimento de câncer gástrico em escores  OLGA III e IV (OR 2,64; 95% IC p<0,00001) e OLGIM III e IV (OR  3.99;  95%  IC , p< 0,00001), confirmando a importância dos escores descritos nesse post e ressaltando a importância de fazer sim as biópsias. 

O que dizem então os guidelines?

ASGE (2021 )

  • As biópsias devem ser realizadas em antro, incisura e corpo;
  • A presença de metaplasia intestinal implica em diagnóstico de gastrite atrófica; 
  • Achados endoscópicos típicos: mucosa gástrica pálida, aumento da visualização de vascularização submucosa e perda de pregas gástricas;
  • Pacientes com gastrite atrófica e com HP + devem realizar tratamento e confirmar erradicação;
  • Rastreamento a cada 3 anos em pacientes com atrofia gástrica avançada (baseado na histologia e extensão de acometimento); 
  • Na presença de gastrite autoimune, pesquisar vitamina B12, Ferro e anticorpos anticorpos anti-célula parietal e anti-fator intrínseco, doenças tireoideanas. Suspeitar de gastrite autoimune em pacientes com deficiência de B12 e/ou de Ferro;
  • Anemia perniciosa é uma manifestação tardia de gastrite autoimune – no diagnóstico realizar biópsias para confirmar predominância de atrofia em corpo e excluir neoplasia e tumores neuroendócrinos;
  • Pacientes com gastrite autoimune devem ser rastreados para tumor neuroendócrino tipo 1 e os menores que 1cm devem ser ressecados. Controle endoscópico a cada 1-2 anos. 

ESGE (2019 – MAPSII)

  • Pacientes com gastrite atrófica ou metaplasia intestinal possuem risco aumentado de adenocarcinoma;
  • Endoscopia com equipamentos de alta definição e cromoscopia (CE) são superiores a endoscópios de alta definição com luz convencional
  • Cromoscopia pode direcionar as biópsias para áreas mais representativas, com maior risco de malignidade;  
  • Realizar biópsias em ao menos dois locais (corpo e antro – grande e pequena curvaturas) e enviar em frascos separados; 
  • Pacientes com atrofia leve a moderada restrita ao antro não possuem evidência para recomendação de rastreamento;
  • Pacientes com metaplasia intestinal em uma única região porém com histórico familiar de câncer gástrico, metaplasia incompleta ou gastrite crônica com HP persistente – considerar rastreamento e biópsias guiadas por CE em 3 anos; 
  • Casos de gastrite atrófica severa devem ser rastreados a cada 3 anos;
  • Displasia, sem lesão endoscópica definida devem ser submetidos a endoscopia com CE; 
  • Lesão endoscópica com displasia de baixo ou alto grau / carcinoma devem ser estadiados e tratados; 
  • Erradicação de H. pylori traz cicatrização do tecido não atrófico reduzindo o risco de câncer.

Referências:

  1. Yue, H., Shan, L., & Bin, L. (2018). The significance of OLGA and OLGIM staging systems in the risk assessment of gastric cancer: a systematic review and meta-analysis. In Gastric Cancer (Vol. 21, Issue 4, pp. 579–587).
  2. Rugge, M., Meggio, A., Pennelli, G., Piscioli, F., Giacomelli, L., de Pretis, G., & Graham, D. Y. (2007). Gastritis staging in clinical practice: The OLGA staging system. Gut, 56(5), 631–636.
  3. Coelho, M. C. F., et al. (2021). Helicobacter pylori chronic gastritis on patients with premalignant conditions: Olga and olgim evaluation and serum biomarkers performance. Arquivos de Gastroenterologia, 58(1), 39–47.
  4. Pimentel-Nunes, P., Libânio, D., Marcos-Pinto, R., et al. (2019). Management of epithelial precancerous conditions and lesions in the stomach (MAPS II): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE), European Helicobacter and Microbiota Study Group (EHMSG), European Society of Pathology (ESP), and Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED) guideline update 2019. Endoscopy, 51(4)

Quer saber mais? Acompanhe esse outro post que preparamos para você.






Você sabe quais são os critérios de indicação de ressecção endoscópica do câncer gástrico precoce e os critérios de cura (eCura)?

A Sociedade Japonesa de Endoscopia (JGES) publicou em 2021(1) um guideline atualizado de Mucosectomia e Dissecção Endoscópica da Submucosa (ESD) para câncer gástrico precoce.

Em relação às recomendações de 2016(2), os critérios expandidos foram considerados absolutos na atual edição. Persistem como critérios expandidos somente as lesões recidivadas. Algumas lesões que antes eram contraindicadas à ressecção endoscópica foram alocadas nas indicações relativas.

Avaliação pré-operatória

Importante ressaltar que, no estômago, a avaliação endoscópica pré-operatória nem sempre consegue predizer com acurácia a profundidade de invasão (diferente do cólon e esôfago, onde temos classificações que guiam a conduta). Achados endoscópicos que sugerem invasão da submucosa:

  • hipertrofia ou convergência de pregas,
  • tamanho do tumor >3cm,
  • lesões muito avermelhadas,
  • superfície irregular,
  • elevação das margens,
  • sinal da não extensão (quando a mucosa gástrica é expandida pela insuflação, as lesões com invasão maciça da submucosa não se estendem e formam uma elevação trapezoide, além disso, as pregas convergem e se tornam elevadas).

Em alguns casos, quando há dificuldade nesta informação, a Ecoendoscopia pode ser ferramenta útil.

Em geral, a ressecção endoscópica deve ser realizada quando o risco de metástase linfonodal é extremamente baixo e os resultados a longo prazo são semelhantes aos da cirurgia. Além disso, o tamanho e a localização devem permitir a ressecção em bloco.

Para determinar se uma lesão gástrica é passível de ressecção endoscópica curativa, devemos avaliar:

  1. tipo histológico
  2. tamanho
  3. profundidade de invasão
  4. presença ou não de ulceração.

Indicações

Segundo o Guideline de 2021 da JGES, podemos dividir as indicações de ressecção endoscópica do câncer gástrico precoce em:

  • Absolutas: quando o risco de metástase linfonodal é <1% e os resultados da ressecção endoscópica se mostraram semelhantes aos da cirurgia.
  • Relativas: quando a lesão não preenche os critérios absolutos, mas nos casos em que a cirurgia é arriscada ou para obter uma avaliação histopatológica acurada.
  • Expandidas: lesões intramucosas recidivadas após ressecção endoscópica eCura C1

O quadro abaixo resume os critérios de indicação (tabela 1):

Tabela 1: Indicações de ESD

Critérios de cura:

Já os critérios de cura são divididos em:

eCuraA (ressecção curativa):

  • A ressecção endoscópica é igual ou superior à cirúrgica em desfechos a longo termo. É indicado seguimento a cada 6-12 meses.

eCuraB:

  • Apesar de estudos com resultados de longo prazo ainda não terem sido publicados, a cura é esperada. Estão incluídas nesses grupos lesões diferenciadas, ≤ 3 cm, SM1 (invasão até 500 micras). É indicado seguimento a cada 6-12 meses com EDA + CT.

 eCuraC:

  • quando a lesão não preenche os critérios acima. Pode ser dividida em:
  • C-1: quando a lesão é diferenciada mas não foi ressecada em bloco ou teve margens horizontais positivas. Nesse caso, o risco de metástase é baixo. Pode-se observar, repetir a ESD, fazer ablação ou operar.
  • C-2: todas as outras lesões que não preencheram os critérios. Na maioria destes casos, é indicada cirurgia devido ao potencial risco de recorrência e metástases.

DESCOMPLICANDO….

Indicações absolutas = tumores intramucosos (T1a)

  • Diferenciados sem ulceração: qualquer tamanho
  • Diferenciados com ulceração: <3cm
  • Indiferenciados sem ulceração: <2cm

Critérios de cura:

  • eCuraA = critérios absolutos + margens negativas, ausência de invasão angiolinfática à seguimento
  • eCuraB = T1b (SM1), diferenciado, <3cm, margens negativas, ausência de invasão angiolinfática à seguimento
  • eCuraC-1 = piecemeal ou margens horizontais positivas à seguimento
  • eCura C-2 = quando não preenchem os critérios acima à cirurgia

A tabela 2 e o algorítimo 1 sedimentam os critérios de eCura e seguimento pós ESD:

Tabela 2 : Resumos dos critérios de eCura

Algorítimo de seguimento

Para saber mais sobre este tema, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Como citar esse artigo:

Moura RN. Você sabe quais os critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura)? Endoscopia Terapêutica; 2022.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/criterios-esd-gastrico-ecura

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Ono H, Yao K, Fujishiro M, et al. Guidelines for endoscopic submucosal dissection and endoscopic mucosal resection for early gastric cancer (second edition). Dig Endosc. 2021 Jan;33(1):4-20.
  2. Ono H, Yao K, Fujishiro M et al. Guidelines for endoscopic submucosal dissection and endoscopic mucosal resection for early gastric cancer. Dig Endosc 2016; 28: 3–15.

Saiba mais sobre ESD:

Dissecção Endoscópica Submucosa (ESD): dicas para iniciar e aprimorar a técnica

Saiba mais sobre a detecção do câncer gástrico precoce clicando aqui:

 




Gastroparesia

A gastroparesia é uma desordem motora caracterizada clinicamente por saciedade precoce, distensão abdominal, náusea, regurgitação e vômito. Seu diagnóstico costuma ser dado por sintomas típicos e confirmado por cintilografia do esvaziamento gástrico.

Existem alguns escores para mensurar o impacto clínico da gastroparesia. O mais validado é o Gastroparesis Cardinal Symptom Index (GCSI). Uma somatória maior ou igual a 20 é indicativa de sintomas importantes com sério comprometimento da qualidade de vida (tabela 1).

Tabela 1

PATOGÊNESE

A patogênese do retardo do esvaziamento gástrico ainda não é inteiramente compreendida, mas possui dois pilares: a hipomotilidade gástrica e o aumento da pressão pilórica sem evidência de obstrução mecânica.

As causas mais frequentes são a diabetes mellitus e a lesão cirúrgica do nervo vago. Outras etiologias como doenças de depósito, neurológicas e infecciosas também podem estar relacionadas.

 

MANEJO

Clínico

O manejo clínico é baseado no controle glicêmico associado a agentes procinéticos, antieméticos e analgésicos. Contudo, esta abordagem possui eficácia limitada e efeitos colaterais indesejáveis(2).

Cirúrgico

Nos pacientes refratários ao tratamento clínico, a piloroplastia é uma opção terapêutica eficaz. O racional de atuar sobre o piloro foi clinicamente comprovado em estudo envolvendo 177 pacientes submetidos a piloroplastia laparoscópica. O seguimento por cinco anos identificou a normalização da cintilografia de esvaziamento gástrico em 77% dos pacientes. Apesar dos bons resultados, há um risco cirúrgico relevante de eventos adversos como vazamento, sangramento e infecção de ferida operatória(3).

Endoscópico

Abordagens endoscópicas como gastrostomia descompressiva, gastrojejunostomia (Figura 1), injeção pilórica de toxina botulínica e até colocação de stent transpilórico são alternativas com eficácia. Contudo os resultados ainda são insatisfatórios e a evidência é limitada(4).

Figura 1 : PEG- jejuno

G-POEM

Com a escalada da endoscopia do terceiro espaço , Kashab transportou o racional da piloroplastia cirúrgica para a esfera da endoscopia terapêutica, realizando a primeira piloromiotomia endoscópica (genericamente chamada de G-POEM) em 2013(5). A técnica vem ganhando espaço na literatura com seus baixíssimos índices de complicação e resultados clínicos similares à piloroplastia videolaparoscópica(6).

A técnica consiste em uma incisão na mucosa do antro (mucosotomia) para acesso e confecção de um túnel submucoso rente à muscular própria até transpor o canal pilórico. Após a dissecção do esfíncter, ele é seccionado sob visão direta. Com esta intervenção, observamos uma clara ampliação do canal pilórico à visão endoscópica no antro. O tempo final do procedimento é o fechamento da mucosotomia com clipes ou sutura endoscópica(7).

 

Figura 2: Piloro cerrado + injeção submucosa no trajeto do túnel

 

Figura 3: Cap afunilado para a confecção da mucosotomia

 

Figura 4: Túnel submucoso

 

Figura 5: Início da piloromiotomia

 

Figura 6: Piloro inteiramente seccionado

 

Figura 7: Piloro ampliado

 

Em metanálise realizada em 2020, foram identificados mais de 7000 publicações sobre a piloromiotomia endoscópica, dimensionando a popularidade do tema(Dra. Karime Lucas -ref 8). Visando a objetiva mensuração da eficácia técnica, foram incluídos apenas os trabalhos com documentação do GCSI e da cintilografia antes e após o procedimento, totalizando 281 pacientes. O levantamento identificou 100% de sucesso técnico e 71% de sucesso clínico. Havendo uma maior taxa de sucesso nas etiologias pós cirúrgicas e idiopáticas. Uma pior resposta foi encontrada nos pacientes diabéticos e nos portadores de GCSI muito elevados (superior a 30).

Uma taxa de êxito mais modesta foi encontrada em estudo prospectivo multicêntrico envolvendo 80 pacientes publicado em 2022(9). O sucesso clínico, definido como queda ≥25% em duas subescalas do escore GCSI, foi de 56% em 12 meses. Um número inferior à média das publicações sobre o tema, ressaltando a necessidade de mais estudos para identificar o perfil de pacientes que obterão melhores resultados com a piloromiotomia endoscópica.

CONCLUSÃO

A gastroparesia afeta de maneira marcante a qualidade de vida e o estado nutricional dos pacientes. A piloromiotomia endoscópica (genericamente chamada de G-POEM) surgiu como uma alternativa promissora e segura no tratamento dos pacientes refratários. Mais estudos prospectivos são necessários para confirmar os atuais resultados e individualizar o perfil de pacientes que mais se beneficiarão da técnica.

BIBLIOGRAFIA

1. Cardinal G, Index S, Res QL, Pubmed N. Gastroparesis Cardinal Symptom Index ( GCSI ): development and validation of a patient reported assessment of severity of gastroparesis. 2013;11–2.

2. Camilleri M, Parkman HP, Shafi MA, Abell TL, Gerson L. Clinical guideline: Management of gastroparesis. Am J Gastroenterol. 2013;108(1):18–37.

3. Shada AL, Dunst CM, Pescarus R, Speer EA, Cassera M, Reavis KM, et al. Laparoscopic pyloroplasty is a safe and effective first-line surgical therapy for refractory gastroparesis. Surg Endosc. 2016;30(4):1326–32.

4. Xu J, Chen T, Elkholy S, Xu M, Zhong Y, Zhang Y, et al. Gastric Peroral Endoscopic Myotomy (G-POEM) as a Treatment for Refractory Gastroparesis: Long-Term Outcomes. Can J Gastroenterol Hepatol. 2018;2018.

5. Khashab MA, Stein E, Clarke JO, Saxena P, Kumbhari V, Chander Roland B, et al. Gastric peroral endoscopic myotomy for refractory gastroparesis: First human endoscopic pyloromyotomy (with video). Gastrointest Endosc. 2013;78(5):764–8.

6. Landreneau JP, Strong AT, El-Hayek K, Tu C, Villamere J, Ponsky JL, et al. Laparoscopic pyloroplasty versus endoscopic per-oral pyloromyotomy for the treatment of gastroparesis. Surg Endosc [Internet]. 2019;33(3):773–81. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s00464-018-6342-6

7. Li L, Spandorfer R, Qu C, Yang Y, Liang S, Chen H, et al. Gastric per-oral endoscopic myotomy for refractory gastroparesis: a detailed description of the procedure, our experience, and review of the literature. Surg Endosc [Internet]. 2018;32(8):3421–31. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s00464-018-6112-5

8. Uemura KL, Chaves D, Bernardo WM, Uemura RS, de Moura DTH, de Moura EGH. Peroral endoscopic pyloromyotomy for gastroparesis: a systematic review and meta-analysis. Endosc Int Open. 2020;08(07):E911–23.

9. Vosoughi K, Ichkhanian Y, Benias P, Miller L, Aadam AA, Triggs JR, et al. Gastric per-oral endoscopic myotomy (G-POEM) for refractory gastroparesis: Results from an international prospective trial. Gut. 2022;71(1):25–33.




Divertículos gástricos

Os divertículos gástricos (DG) são saculações que protruem pela parede gástrica, geralmente ocorrendo no fundo, pela parede posterior. Alguns fatos:

  • São os divertículos menos comuns do trato gastrointestinal;
  • Anormalidade anatômica rara;
  • Em geral é um achado incidental;
  • Incidência é difícil de ser avaliada, estimada em cerca de 0,04% dos exames radiológicos de estômago e de 0,01 a 0,11% em endoscopias.

Quanto a sua origem, podem ser congênitos (ou verdadeiros), compostos por todas as camadas do estômago, ou serem adquiridos (ou falsos) ,compostos apenas pela mucosa, estes últimos ainda podem ser subdivididos pela origem, como tração ou inflamação, em que uma força externa traciona a mucosa – causando os divertículos (pós-operatórios, pancreatites, úlceras) –, ou de pressão, em que a força interna causa a protrusão (tosse, obesidade).

Os DGs do tipo congênitos são mais comuns (70% dos casos), com localização mais habitual no fundo pela grande curvatura, cerca de 3 cm abaixo do cárdia, e podem conter mucosa ectópica (FIGURA 1 E 2). A origem deve-se a alterações de divisão das fibras longitudinais perto do cárdia, gerando uma área de fraqueza DG, quando localizados na área prepilórica tendem a estar associados ao pâncreas ectópico.

FIGURA 1

FIGURA 2

Apesar de a maioria dos portadores serem assintomáticos, sintomas podem ocorrer, como dor epigástrica, náuseas, dispepsia, saciedade precoce, halitose e até disfagia. Complicações, como perfuração, sangramento ou neoplasia, são mais raras. O sintoma mais comum é a dor epigástrica, presente em cerca de 18 a 30% dos casos. Arrotos e halitose por crescimento bacteriano e estase alimentar podem ocorrer, sendo socialmente desagradáveis. Assim, o diagnóstico clínico dessa alteração é muito difícil.

O diagnóstico do DG é incomum, mas importante, pois, apesar das complicações serem raras, podem ocorrer, entre elas, alterações na mucosa do divertículo com risco aumentado de transformação para câncer. Assim, o melhor método diagnóstico é a endoscopia digestiva cuidadosa, podendo avaliar a localização, tamanho e alterações mucosas. Exames contrastados gástricos e CT também podem ser utilizados, mas são menos específicos.

O tratamento depende do tamanho e sintomas. Em geral, pacientes assintomáticos devem ser apenas observados. Divertículos grandes com complicações ou muito sintomáticos devem ser ressecados. Uma abordagem não cirúrgica também pode ser inicialmente indicada, com PPI por algumas semanas. DGs maiores que 4 cm em geral estão associados a pior resposta clínica. Nas complicações, principalmente sangramentos, a terapêutica endoscópica já está bem estabelecida.

Por fim, o tratamento cirúrgico de ressecção fica reservado aos pacientes com divertículos maiores que 4 cm, sintomáticos após tratamento clínico, complicações não tratadas endoscopicamente (perfuração e sangramentos), sendo a via de acesso (aberta ou laparoscópica) de escolha do cirurgião.

Como citar este artigo

Sauniti G. Divertículos gástricos. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/diverticulos-gastricos/

Referências

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  2. Rashid F, Aber A, Iftikhar SY. A review on gastric diverticulum. World J Emerg Surg. 2012 Jan 18;7(1):1. doi: 10.1186/1749-7922-7-1. PMID: 22257431; PMCID: PMC3287132.

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PMAE x colecistite aguda: mitos e verdades

A neoplasia pancreática da vesícula biliar e do ducto biliar é a causa mais comum de obstrução biliar maligna extra-hepática. Em caso de câncer avançado irressecável, o prognóstico é bastante reservado, com uma taxa de sobrevida em 5 anos inferior a 2%. Nesses casos, o tratamento da icterícia obstrutiva é paliativo e realizado de forma não cirúrgica por meio da colocação de prótese endoscópica ou percutânea, esta última geralmente considerada após tentativa endoscópica malsucedida.

Vários tipos de próteses estão comercialmente disponíveis, incluindo as de plástico (PP) e as metálicas autoexpansíveis (PMAE). As últimas são superiores às primeiras em termos de patência e consideradas mais custo-efetivas para pacientes com obstrução biliar maligna irressecável. Existem dois tipos de PMAE: a descoberta (PMAED), que é um tubo construído a partir de fios de liga metálica; e a recoberta (PMAER), que possui um material sintético fornecendo cobertura à liga metálica, seja parcial (excluindo as extremidades) ou total (incluindo toda a prótese). O ímpeto por trás do desenvolvimento da PMAER foi diminuir o risco de crescimento interno de tecido através da malha metálica da PMAED, melhorando, assim, a duração da patência.

Como resultado dos avanços na CPRE terapêutica e do desenvolvimento de uma variedade de PMAE, complicações após procedimentos com colocação de próteses, embora não sejam frequentes, estão sendo cada vez mais identificadas. As principais complicações incluem migração, colangite, pancreatite, colecistite e obstrução, que podem ser fatais quanto acometem pacientes com uma expectativa de vida curta.

A migração e a obstrução da prótese são complicações mais frequentes e com causas bem estabelecidas. Já no que se refere à colecistite, a incidência varia bastante na literatura, oscilando entre 1,9% e 12% dos casos, e sua causa permanece um assunto bastante controverso na literatura, com trabalhos apresentando resultados conflitantes. Existem várias teorias que tentam justificar a razão pela qual as próteses biliares podem estar associadas à colecistite: colonização bacteriana da bile após esfincterotomia endoscópica; preenchimento da vesícula biliar por meio de contraste não estéril e interrupção do fluxo de bile. Outras duas variáveis que também poderiam ser consideradas associadas ao surgimento da colecistite são o comprometimento do orifício do ducto cístico por tumor e a presença de cálculos no interior da vesícula biliar.

Além da compressão causada pelo material de cobertura das próteses, que se sobrepõe ao orifício do ducto cístico, os mecanismos pelos quais a interrupção do fluxo biliar pode ocorrer são por meio de 2 vias distintas (mas não mutuamente excludentes): obstrução pelo crescimento de tecido através ou sobre a PMAE e agregação de detritos dentro do lúmen da prótese. Embora úteis na prevenção do crescimento interno de tecido, os materiais de cobertura das PMAERs, que incluem silicone, policaprolactona e poliuretano, podem aumentar o desenvolvimento de biofilme aderente, que eventualmente promove o rápido acúmulo de detritos e consequente entupimento. Isso poderia explicar, inclusive, as taxas de oclusão semelhantes observadas em vários trabalhos entre os grupos de PMAER e PMAED.

A relação do orifício do ducto cístico com a localização do tumor pode interferir no surgimento da colecistite. Diferentemente dos tumores localizados acima ou abaixo, o que compromete diretamente o orifício do ducto cístico pode ocasionar uma redução significativa da drenagem da vesícula biliar, culminando com a inflamação/infecção da vesícula.

Em alguns trabalhos, além da confirmação de que a obstrução do ducto cístico pode ser responsável pelo desenvolvimento de colecistite, a presença de colelitíase findou por ser constatada como outro fator de risco. A hipomotilidade da vesícula biliar ou infecção da bile, como fatores de risco para a formação de cálculos biliares, podem resultar no desenvolvimento de colecistite após a colocação de prótese.

A despeito do racional fisiopatológico elencado acima, a ocorrência da colecistite após inserção de PMAE persiste como ponto bastante polêmico. Diversas metanálises não evidenciaram risco aumentado de colecistite após passagem de próteses recobertas quando comparado com as próteses descobertas, o que, em teoria, é contrário ao esperado com base nas explicações mais óbvias. Ademais, tanto a colelitíase quanto o envolvimento do ducto cístico por tumor aqui mencionados, apesar de citados em poucos trabalhos, não figuraram de forma definitiva nas revisões sistemáticas.

Assim sendo, à luz da medicina baseada em evidências, não é possível estabelecer de maneira incontestável a relação entre as PMAE e o surgimento da colecistite, de forma que não há de se falar em contraindicação ao procedimento ou tipo do material utilizado por essa razão.

Por fim, a escolha do modelo de prótese a ser utilizado deve seguir uma formatação multidisciplinar e parcimoniosa, muito mais individualizada do que genérica, levando-se em consideração todas as variáveis que permeiam o caso clínico. A opção pela PMAED pode ser preferida em pacientes com doença avançada, de baixa expectativa de sobrevida e com menor probabilidade de apresentar ingrowth. Por outro lado, nos pacientes sabidamente com neoplasia pancreática ou colangiocarcinoma, em que sobrevida estimada tende a ser maior, a escolha pode recair sobre a PMAER, pois, além de prevenir o ingrowth, permite futuras trocas em caso de disfunção.

PMAE x Colecistite aguda – Mitos e Verdades

Mitos e Verdades PMAE x Colecistite aguda

Como citar este artigo

Brasil G. PMAE x Colecistite aguda – Mitos e Verdades. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/pmae-x-colecistite-aguda-mitos-e-verdades

Referências bibliográficas

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  3. Conio et al. Covered versus uncovered self-conformable metal stent for palliation of primary malignant extrahepatic biliary strictures: a randomized multicenter study. Gastrointest Endosc 2018 Aug;88(2):283-291.e3.
  4. Seo et al. Covered and uncovered biliary metal stents provide similar relief of biliary obstruction during neoadjuvant therapy inpancreatic cancer: a randomized trial. Gastrointestinal Endoscopy Volume 90, No. 4 : 2019
  5. Jang et al. Association of covered metallic stents with cholecystitis and stent migration in malignant biliary stricture. Gastrointestinal Endoscopy Volume 87, No. 4 : 2018.

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Tumor de Krukenberg

O tumor de Krukenberg (TK) caracteriza-se por uma lesão metastática ovariana proveniente do adenocarcinoma de células em anel de sinete rico em mucina. É uma patologia incomum responsável por 1% a 2% das neoplasias ovarianas.

Foi descrito pela primeira vez em 1896 pelo ginecologista e patologista alemão Friedrich Ernst Krukenberg (1871-1946), que suspeitava ser essa lesão um novo tipo de neoplasia primária do ovário. A descoberta dessa como lesão metastática ovariana, de um tumor primário epitelial, só foi realizada em 1902.

Os sítios primários podem ser provenientes de diversos locais:

  • Estômago: sítio mais frequente, correspondendo a cerca de 70% dos casos, principalmente no piloro, representado pelo adenocarcinoma de células em anel de sinete ou difuso;
  • Cólon e reto (adenocarcinoma);
  • Mama (carcinoma lobular invasivo);
  • Outros (ex: vesícula biliar, apêndice e intestino delgado).

Somando-se as incidências de metástases oriundas do estômago e da topografia colorretal, elas totalizam aproximadamente 90% dos sítios primários do TK. Portanto, em regiões que apresentem alto índice de câncer gástrico, como em países asiáticos, a incidência do TK também é elevada, podendo representar até 20% das neoplasias do ovário.

O perfil epidemiológico é representado por mulheres jovens, na fase pré-menopausa, com idade média de 40 a 45 anos, fato que difere o TK dos tumores primários de ovário, que apresentam maior incidência na sexta década de vida.

Sintomas

Os principais sintomas acarretados pelo TK surgem pelo efeito de massa ou devido ao desequilíbrio da produção hormonal.

  • Grandes massas ovarianas: dor ou distensão abdominal, ascite, perda ponderal, dor pélvica e dispareunia;
  • Produção hormonal exacerbada: hirsutismo, irregularidade no ciclo menstrual ou sangramento naquelas pós-menopausa.

Entretanto, o TK pode permanecer assintomático até em estágios avançados ou gerar sintomas inespecíficos.

Diagnóstico

Em 1973, Serov e Scully definiram critérios para auxiliar no diagnóstico do TK que posteriormente foram adotados pela OMS. São estes:

  • Presença de neoplasia ovariana infiltrativa com células em anel de sinete preenchidas por mucina;
  • Presença do envolvimento estromal ou apenas a proliferação sarcomatoide do estroma ovariano.

A imuno-histoquímica tem um papel fundamental no diagnóstico, sendo o CK7 e CK20 os antígenos mais utilizados. Se CK7 e CK20 positivos ou apenas o CK20 positivo, a lesão é sugestiva de uma metástase de TK, mas, se imunorreatividade positivo para CK7 e negativo para CK20, a lesão favorece um carcinoma de ovário primário.

Outro parâmetro útil é o antígeno carcinoembrionário (CEA). Se positivo juntamente à imunorreatividade negativa para CA 125, a lesão favorece origem metastática.

Tabela 1. Relação dos marcadores imuno-histoquímicos dos tumores ovarianos.

TIPOS DE TUMORES CK7 CK20 CEA CA-125
TK gástrico e colorretal + +
Neoplasia ovariana 1ª + +

Com o diagnóstico de TK, é importante a investigação pormenorizada em busca dos focos primários, seja por meio de métodos endoscópicos ou radiológicos.

Como o local da neoplasia primária frequentemente é o TGI, é de extrema importância a realização de endoscopia digestiva alta e colonoscopia. Devemos nos atentar aos pontos cegos do estômago, como a região da cárdia, entre as pregas da grande curvatura do corpo, e até mesmo valorizar os sinais discretos, como o espessamento das pregas ou diminuição da expansibilidade gástrica.

Nos métodos de imagem radiológicos (como a ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética), o TK apresenta-se como massas ovarianas assimétricas, complexas, sólidas (em menor frequência císticas), com proporções variáveis e bilaterais.

O fato da bilateralidade em 80% dos casos, ocasionado por sua natureza metastática, é de grande valia na realização do diagnóstico diferencial de outros tumores, como os carcinomas mucinosos ovarianos primários, tumores carcinoides mucinosos e tumores de células de Sertoli e Sertoli-Leydig.

Vias de disseminação

A via de disseminação mais aceita, se o sítio primário for no estômago, é a via linfática retrógrada:

  • As células neoplásicas metastizam-se para os linfonodos perigástricos, formando êmbolos que bloqueiam o sistema linfático, e, pelo refluxo, alcançam a linfa paraórtica e pélvica;
  • Sendo os ovários tão bem vascularizados, eles têm preferência pelo depósito de tais células.

Outras vias de disseminação são a direta (transperitoneal) e a hematogênica.

Acompanhamento

O marcador CA-125 pode ser um parâmetro útil tanto para o rastreio de metástases ovarianas (em pacientes com adenocarcinoma primário do TGI) como para monitorização de doença ativa, marcador para análise da ressecabilidade cirúrgica e avaliação do prognóstico.

 Prognóstico

Mesmo com os avanços da medicina, o prognóstico do TK ainda permanece desfavorável, devido a seu caráter metastático e a sua evolução silenciosa (acaba sendo diagnosticado em estágios avançados).

  • A taxa de sobrevida média após o diagnóstico é menor que 2 anos;
  • Atualmente, nenhum tratamento curativo está disponível;
  • Tratamento cirúrgico é indicado para pacientes jovens e hígidas com doença limitada;
  • Para pacientes sintomáticas, o tratamento paliativo cirúrgico pode ser considerado após discussão multidisciplinar.

Como citar este artigo

Gregório JM. Tumor de Krukenberg. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/tumor-de-krukenberg/

Referências

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  2. Kubeček O, Laco J, Špaček J, Petera J, Kopecký J, Kubečková A, Filip S. The pathogenesis, diagnosis, and management of metastatic tumors to the ovary: a comprehensive review. Clin Exp Metastasis. 2017 Jun;34(5):295-307. doi: 10.1007/s10585-017-9856-8. Epub 2017 Jul 20. PMID: 28730323; PMCID: PMC5561159.
  3. Al-Agha OM, Nicastri AD. An in-depth look at Krukenberg tumor: an overview. Arch Pathol Lab Med. 2006 Nov;130(11):1725-30. doi: 10.5858/2006-130-1725-AILAKT. PMID: 17076540.
  4. Lyngdoh BS, Dey B, Mishra J, Marbaniang E. Krukenberg tumor. Autops Case Rep. 2020 Apr 2;10(2):e2020163. doi: 10.4322/acr.2020.163. PMID: 33344281; PMCID: PMC7703453.
  5. Agnes A, Biondi A, Ricci R, Gallotta V, D’Ugo D, Persiani R. Krukenberg tumors: Seed, route and soil. Surg Oncol. 2017 Dec;26(4):438-445. doi: 10.1016/j.suronc.2017.09.001. Epub 2017 Sep 12. PMID: 29113663.
  6. Zulfiqar M, Koen J, Nougaret S, Bolan C, VanBuren W, McGettigan M, Menias C. Krukenberg Tumors: Update on Imaging and Clinical Features. AJR Am J Roentgenol. 2020 Oct;215(4):1020-1029. doi: 10.2214/AJR.19.22184. Epub 2020 Jul 13. PMID: 32755184.

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Fundoplicatura gástrica: como avaliar?

Frequentemente, recebemos pacientes submetidos à fundoplicatura (FPL) para avaliação pós-operatória.

Apesar de parecer um exame relativamente simples, muitas vezes temos dificuldade em avaliar corretamente todas as características das fundoplicaturas, especialmente quando encontramos anormalidades ou complicações cirúrgicas.

Primeiramente, é preciso entender alguns princípios básicos da cirurgia:

  • A válvula é confeccionada com o fundo gástrico que passa posteriormente ao estômago;
  • A FPL deve envolver cerca de 2 a 3 cm do esôfago distal;
  • O ponto que segura a válvula deve “beliscar” a parede anterior do esôfago, para evitar que ela deslize para baixo;
  • Aproximação dos pilares diafragmáticos (hiatoplastia).

Aspecto endoscópico da fundoplicatura Nissen (360°)

Visão Frontal

  • TEG deve estar sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura (admite-se como normal até 1 cm acima);
  • Transposição do endoscópio pela FPL ocorre com leve resistência, sem desvio do eixo e sem “degrau”.

À retrovisão (fundoplicatura Nissen – 360°)

  • Prega gástrica transversal envolvendo circunferencialmente a cárdia, justa ao aparelho e sem torções;
  • Sem torções significa: estar paralela às linhas brancas demarcatórias do endoscópio;
  • Fundoplicatura intra-abdominal;
  • Ausência de hérnia paraesofágica (hiatoplastia íntegra).

À retrovisão (fundoplicatura Toupet-Lind – 270°)

  • Prega gástrica transversal envolvendo parcialmente a cárdia;
  • Prega posterior menos robusta que a Nissen;
  • Com os movimentos respiratórios, podem ocorrer breves períodos de abertura da válvula, expondo a linha Z.
À retrovisão (fundoplicatura Toupet-Lind – 270°)
Na visão frontal, a TEG deve estar sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura.
Na retrovisão, a FPL deve envolver a cárdia
Na retrovisão, a FPL deve envolver a cárdia, abraçando o aparelho em quase 360°. Avaliar se a válvula está paralela à demarcação do aparelho ou se não está torcida.
Fundoplicatura
FPL parcial envolve o aparelho em menos de 360 graus, porém em mais de 180 graus (ou estaria desgarrada). O formato da FPL é da letra grega ômega. Com base nesses conhecimentos, fica mais fácil entender as anormalidades da cirurgia.

Com base nesses conhecimentos, fica mais fácil entender as anormalidades da cirurgia

Fundoplicatura desgarrada

A prega gástrica transversal não envolve o aparelho. A prega faz uma linha reta e um ângulo de 180º na cárdia. É comum a recidiva dos sintomas do refluxo nessa situação.

Fundoplicatura Desgarrada
Fundoplicatura desgarrada. Não envolve o aparelho.

Fundoplicatura torcida

Prega gástrica (FPL) não está paralela às linhas de demarcação do endoscópio. Geralmente, isso se deve a um erro técnico no qual não houve liberação adequada do fundo gástrico. Podem ocorrer sintomas, como disfagia ou refluxo.

Fundoplicatura torcida
FPL torcida. A prega gástrica deveria estar paralela às linhas brancas de demarcação do endoscópio. Nesse caso, está correndo em um sentido crânio-caudal, ou seja, torcida.

Fundoplicatura migrada

A FPL encontra-se íntegra, porém a hiatoplastia se abriu, permitindo a migração cranial da fundoplicatura e da TEG em direção ao tórax. Muitas vezes, apesar dessa complicação, os pacientes permanecem assintomáticos.

Fundoplicatura migrada
FPL migrada. Na visão endoscópica, observa-se também uma hérnia para-hiatal.

Fundoplicatura deslizada (FPL gastrogástrica ou estômago bicompartimentado)

Essa situação é relativamente comum, mas as pessoas têm dificuldade em diagnosticar – talvez por desconhecerem o termo.

A FPL deve envolver o esôfago distal e a linha Z. Mas ela pode deslizar (descer) e ficar abraçando o próprio estômago. Na visão endoscópica frontal, observa-se a TEG 2 cm ou mais acima da zona de constrição (como uma hérnia hiatal). Na retrovisão, observa-se a fundoplicatura intra-abdominal, ou seja, ela não está migrada nem desgarrada.

Fundoplicatura deslizada
Fundoplicatura deslizada. A TEG está acima da zona de constrição.
Fundoplicatura deslizada
Fundoplicatura deslizada. A TEG está acima da zona de constrição. Nota-se câmara gástrica herniada, e à retrovisão o aspecto da fundoplicatura é normal.

Presença, ou não, de hérnia paraesofágica

A FPL pode estar íntegra, em posição intra-abdominal, não desgarrada, mas a hiatoplastia pode ter se alargado, permitindo a herniação de parte do fundo gástrico para o tórax. Notam-se pregas gástricas correndo em direção à hiatoplastia e “caindo” na cavidade torácica.

Fundoplicatura com presença de hérnia paraesofágica
Fundoplicatura intra-abdominal e não desgarrada, porém com hérnia paraesofágica.

Resumo da avaliação endoscópica

TEG x fundoplicatura

  • TEG está sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura;
  • TEG está fora da zona de pressão, ou seja, acima da fundoplicatura. Se > 2 cm acima, concluímos como FPL deslizada.

Posição da fundoplicatura

  • Fundoplicatura intra-abdominal;
  • Fundoplicatura parcialmente migrada;
  • Fundoplicatura totalmente migrada.

Descrição da fundoplicatura

  • Fundoplicatura envolve completamente a cárdia;
  • Fundoplicatura envolve parcialmente a cárdia;
  • Fundoplicatura completamente desgarrada;
  • Fundoplicatura torcida.

Presença de hérnia paraesofágica

  • Presente;
  • Ausente.

Veja também

Quiz! Você conhece essas anormalidades das fundoplicaturas?

Como citar este artigo

Martins B. Fundoplicatura gástrica: como avaliar? Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/fundoplicatura-gastrica-como-avaliar/

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