METAPLASIA INTESTINAL EM ENDOSCOPIA DE ROTINA: Tem importância? Preciso seguir?

O câncer gástrico é a terceira maior causa de morte por câncer no mundo.

O seu subtipo mais comum é o câncer gástrico não cárdico do tipo intestinal, que passaremos a chamar aqui genericamente de câncer gástrico (CG). Tem como principal fator de risco a infecção crônica pelo H. pylori, respondendo por cerca de 80% da incidência global de câncer gástrico. 

Este subtipo de câncer gástrico emerge a partir de alterações histopatológicas progressivas na mucosa gástrica, conhecidas como sequência ou cascata de Pelayo Correa, que tem na infecção pelo H. pylori o seu principal gatilho. Essa sequência se inicia com a mucosa normal, passa pela gastrite não atrófica crônica, gastrite atrófica crônica, metaplasia intestinal, displasia e finalmente chega à transformação maligna. 

A metaplasia intestinal gástrica (MIG) é encontrada frequentemente em exames de rotina e diversas incertezas e desconhecimentos sobre sua importância, aliados à pobre informação sobre o risco individual de câncer gástrico do paciente, geram múltiplas abordagens no manejo desse achado, mesmo entre especialistas atentos ao assunto. 

Recentemente, a American Gastroenterological Association (AGA) publicou recomendações baseadas em evidências com o intuito de guiar o manejo da metaplasia intestinal na ausência de neoplasia gástrica (câncer ou displasia). O que fazer em casos de MIG?  

A publicação traz as seguintes perguntas chave: 

  • Pesquisar e tratar H. pylori alteram desfechos importantes em pacientes com MIG
  • Em paciente com MIG e classificados como de baixo risco, o seguimento endoscópico altera desfechos importantes versus nenhum seguimento? 
  • E em pacientes de alto risco? 
  • Em pacientes sem displasia, o seguimento precoce (< 1 ano) com biópsias para determinar a extensão da MIG altera desfechos relevantes? 

Desfechos relevantes bons: 

  • Detecção precoce de CG 
  • Redução de morbi/mortalidade 

Desfechos relevantes ruins: 

  • Potenciais complicações da endoscopia 
  • Efeitos psicológicos ligados à ansiedade gerada pelo seguimento 
  • Consumo de recursos 

Pesquisar e tratar H. pylori alteram desfechos importantes em pacientes com MIG

Recomendação 1: Em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA recomenda pesquisa de H. pylori seguida de erradicação. Recomendação forte, qualidade de evidência moderada.

A erradicação de H. pylori em paciente com ou sem MIG foi associada a redução de 32% no risco relativo de incidência de CG e 33% no risco relativo de mortalidade por CG, quando comparada a placebo. Os dados não foram suficientes para avaliar o impacto da erradicação de H. pylori na mortalidade por CG em pacientes com MIG confirmada. A confirmação da erradicação após o tratamento é recomendada, pela a possibilidade de falha terapêutica, mas o documento não aborda a melhor estratégia de confirmação a ser empregada. 

Em paciente com MIG, classificados como de baixo risco, o seguimento endoscópico altera desfechos importantes versus nenhum seguimento? 

Recomendação 2: Em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA se posiciona contrária ao seguimento endoscópico de rotina. Recomendação condicional, evidência de muito baixa qualidade. 

Comentário: pacientes com metaplasia intestinal com risco aumentado de CG que acreditem numa redução na mortalidade pelo câncer (incerta) e não valorizem eventuais riscos de exames recorrentes podem aderir ao seguimento endoscópico.

Pacientes com risco aumentado incluem: 

  • MIG incompleta; 
  • MIG extensa (que acometa corpo gástrico); 
  • Minorias étnicas; 
  • Imigrantes de áreas de alta incidência.

Recomendação 3: em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA se posiciona contrária à endoscopia precoce (< 1 ano) para estratificação de risco. Recomendação condicional, evidência de muito baixa qualidade. 

Sobre a não recomendação de seguimento endoscópico em pacientes com MIG, pesaram alguns pontos. A prevalência estimada de MIG é de 4,8%, fazendo com que qualquer recomendação de seguimento endoscópico traga grande impacto a uma grande proporção de pacientes. Além disso, a taxa anual de progressão para CG em indivíduos com MIG é de 0,16%, número inferior aos 0,33% ao ano estimados na progressão para adenocarcinoma esofágico em pacientes com esôfago de Barrett. 

O estudo não encontrou ensaios randomizados controlados, estudos de cohort ou caso-controle avaliando o impacto do seguimento endoscópico sobre os riscos de CG em pacientes com MIG. Em razão disso, a AGA recomenda a decisão compartilhada quanto à adesão ou não a seguimento endoscópico. 

Pacientes com MIG considerados com risco aumentado para CG incluem aqueles com metaplasia intestinal incompleta (3,3 x RR versus MIG completa, evidência de baixa qualidade); história familiar de CG (4,5 x RR, evidência de muito baixa qualidade) e MIG extensa (corpo gástrico + antro ou incisura) versus MIG limitada – antro e ou incisura- (2,1 x RR, com evidência de muito baixa qualidade). 

O artigo menciona que, nos Estados Unidos, raramente os laudos histológicos relatam se a MIG é completa ou incompleta e o mesmo ocorre em boa parte no nosso meio. Isso limitaria a viabilidade da adoção desse critério na definição do seguimento. O entendimento da extensão da MIG depende da prática de obtenção de amostras em frascos separados nos diferentes seguimentos gástricos, outra prática pouco comum. 

Pacientes com MIG com risco comum ou de alto risco, que apostem na redução do risco de CG, (mesmo na ausência de evidências diretas que a suportem) e minimizem potenciais riscos do seguimento endoscópico podem optar por aderir ao seguimento na tomada de decisão. 

Não existem dados suficientes para definir o intervalo ideal entre exames no seguimento endoscópico. Com base em evidências indiretas, considerando risco cumulativo de CG em pacientes com MIG, a avaliação endoscópica pode ser feita a cada 3 a 5 anos, com estudo cuidadoso da mucosa, incluindo biópsias do corpo e antro, além de qualquer lesão suspeita. 

Pacientes com risco aumentado que optem pelo seguimento endoscópico poderiam ser elegíveis para uma endoscopia precoce (< 1 ano) com o intuito de assegurar maior qualidade na endoscopia índice, revendo a extensão da MIG, obtendo amostras separadas, ou identificando outras áreas suspeitas. No entanto, a revisão técnica não encontrou evidências que suportem essa conduta. 

De maneira geral, as recomendações da AGA estão alinhadas e diferem pouco das previamente publicadas pela ASGE e ESGE em pacientes com MIG. A ASGE, no entanto, recomenda o seguimento para pacientes de risco aumentado por etnia ou história familiar. Recomenda ainda a suspensão do seguimento caso haja dois exames consecutivos sem displasia. A ESGE recomenda seguimento endoscópico a cada 3 anos em pacientes com gastrite atrófica avançada ou que tenham MIG em antro e corpo, e/ou OLGA III/IV. Sugere ainda àqueles que tenham história familiar associada a esses achados que considerem redução do intervalo para 1 ou 2 anos (recomendação fraca, evidências de baixa qualidade). 

Como se vê, as recomendações atuais nesse tema são muitas vezes imprecisas e dependem de fatores que dificultam a aplicação de regras uniformes e que tenham fortes evidências que as suportem. Nesse cenário, a visão individualizada e o exame cuidadoso ganham importância ainda maior na seleção dos pacientes que merecem cuidados especiais. Estar atento a dados clínicos, como a história familiar, e achados endoscópicos muitas vezes não valorizados em exames de rotina pode fazer a diferença na vida desses pacientes. 

Referências

  1. AGA Clinical Practice Guidelines on Management of Gastric Intestinal Metaplasia. Samir Gupta, Dan Li, Hashem B. El Serag, Perica Davitkov, Osama Altayar, Shahnaz Sultan, Yngve Falck-Ytter, Reem A. Mustafa. Gastroenterology. 2020 Feb; 158(3): 693–702. doi: 10.1053/j.gastro.2019.12.003
  2. Gastric Cancer: overview. Correa, P. Gastroenterol Clin N Am 42 (2013) 211–217. doi: 10.1016/j.gtc.2013.01.002

Leitura associada




Artigo comentado : Uso da água oxigenada na necrosectomia pancreática.

Mohan e coautores recentemente publicaram uma revisão sistemática com metaanálise do uso adicional de água oxigenada/peróxido de hidrogênio (H202) na necrosectomia endoscópica. Então vamos ao artigo.

Introdução:

Necrose pancreática bem delimitada (WON – do inglês “walled-off necrosis”) (Figura 1) é causa principal de morbidade podendo levar a sepse e a disfunção múltipla de órgãos.

Figura 1

Tendo em mente que a H202 tem propriedades antissépticas, hemostáticas e podendo também mobilizar conteúdos necróticos, o uso de H2O2 tem sido relatado na literatura junto com a necrosectomia direta para o tratamento da WON.  (Figuras 2 e 3).

Métodos:

Foi feita a tradicional pesquisa nas principais bases de dados (pubmed, EMBASE, etc) cruzando as palavras peróxido de hidrogênio, WON e necrosectomia, sendo selecionados os estudos que avaliaram o desempenho do H202 na necrosectomia de WONs.

Resultados:

De uma pesquisa inicial com 124 estudos, 7 foram incluídos, sendo 6 estudos retrospectivos e uma série de casos. Nestes trabalhos foram incluídos 186 pacientes ao todo.

A concentração de H2O2 variou de 0.1 a 3%.

Em tempo : A concentração de H2O2 na água oxigenada comumente vendida nas farmácias é de 3% ou 10 volumes. Essa expressão da concentração em volumes tem relação com a quantidade de gás oxigênio que é produzido com a decomposição completa do produto. O volume utilizado variou entre 40 a 500 ml.

O sucesso clínico nestes trabalhos foi definido pela resolução do WON ou por ausência de recorrência, sendo a taxa de sucesso clínico de 91,6 % e a taxa de sucesso técnico de 95,8%.

A taxa global de eventos adversos foi de 19,3% (sangramento – 8%, migração da prótese – 11%, etc). Não houve nenhum caso de embolização gasosa.

Mínima dispersão foi observada nas taxas de sucesso técnico e clínico. Entretanto heterogeneidade foi presente na taxa de eventos adversos.

Discussão:

A mensagem mais importante deste trabalho é que a água oxigenada pode ser considerada segura no tratamento de WON. Os eventos adversos provavelmente foram relacionados ao tratamento endoscópico per si ou relacionados à própria gravidade da doença. Como a H202 quando em contato com tecidos, a catalase causa rápida decomposição da H202 em água e oxigênio. Teoricamente, se a quantidade de oxigênio liberada excedesse a solubilidade sanguínea, a embolização venosa poderia ocorrer. Entretanto, nenhum caso de embolismo gasoso foi relatado nos 186 pacientes avaliados. Essa é a grande take home do trabalho, o uso de H202 no tratamento de WON não causa embolismo gasoso.
Contudo, se o uso de H202 adiciona benefício clínico na necrosectomia endoscópica, isso não dá para concluir com este trabalho. A única coisa que podemos supor é que talvez com a H202, o número total de procedimentos endoscópicos pode ser menor. Mas temos que enfatizar que este dado é de apenas um trabalho retrospectivo (de Gunay et al) com 24 pacientes.




Comentários finais:

Na prática, a água oxigenada pode ser útil facilitando a quebra dos resíduos necróticos e “soltando-os” da parede da coleção. Além de estimular a granulação da parede da coleção (Figura 4). 

Figura 4

É muito barata (um frasco de 100 ml custa cerca de R$ 3,50 e é encontrado em qualquer farmácia). E se, reduzir em pelo menos uma sessão de tratamento endoscópico, será muito vantajosa em termos de custo-benefício. Outra coisa, a H202 parece ser mesmo muito segura; e que o medo de embolia gasosa não é fundamentado. Assim, podemos fazer tranquilamente sem esse receio. O vulgo “mal não faz”. O único “se não” da H202 pode ser a perda do campo de visão com seu uso (Figura 5).

Figura 5

Mas sejamos sinceros, isso é muito rápido e a irrigação com H202 pode ser feita no final do procedimento, (Figura 6) justamente para evitar este problema.

Figura 6

Entretanto se a H202 melhora os resultados do tratamento endoscópico de WON isso ainda é cedo para dizer.  Estudos randomizados, prospectivos e comparando a necrosectomia com e sem água oxigenada são necessários para responder essa pergunta.

Referências:

1.          Mohan BP, Madhu D, Toy G, Chandan S, Khan SR, Kassab LL, et al. Hydrogen peroxide–assisted endoscopic necrosectomy of pancreatic walled-off necrosis: a systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc [Internet]. 2022;95(6):1060-1066.e7. Available from: https://doi.org/10.1016/j.gie.2022.01.018

2.          Lenz L &  Libera E. Resultado do tratamento endoscópico nas pancreatites aguda e crônica e suas complicações. In: Ferrari AP, editor. CPRE. 1o. Rio de Janeiro; 2017. p. 249–64.

3.      Gunay S, Pakoz B, Cekic C, et al. Evaluation of hydrogen peroxide assisted endoscopic ultrasonography-guided necrosectomy in walled-off pancreatic necrosis: a single-center experience. Medicine 2021;100:e23175.




QUIZ! Você sabe o que são essas lesões?

Paciente feminina, 51 anos, com queixas de epigastralgia há 3 anos, refere uso regular de inibidor de bomba protônica. Realizou endoscopia digestiva alta devido à piora dos sintomas, onde foram identificadas múltiplas lesões planas, levemente elevadas, branco opalescentes, bem delimitadas, que mediam de 3 a 5 mm, localizadas em fundo e corpo proximal. A superfície tinha aspecto tubuliforme bem nítido, visualizada em detalhes após a utilização de BLI e baixa magnificação. (Figuras 1 a 4)




Nem toda atrofia duodenal é doença Celíaca!

A doença celíaca (DC) é uma enfermidade autoimune, crônica, desencadeada pelo glúten em indivíduos geneticamente predispostos.

O diagnóstico mais frequente da DC se dá com a positividade de exames sorológicos (anticorpo transglutaminase IgA e/ou antiendomísio IgA) e achados histológicos compatíveis com atrofia duodenal e linfocitose intraepitelial.

A DC compartilha características histopatológicas com grande variedade de outras doenças intestinais. Desta forma, antes de fecharmos o diagnóstico de DC com exames sorológicos negativos precisamos afastar as seguintes condições que podem causar atrofia e/ou linfocitose intraepitelial:

Para saber mais sobre este tema e outros relacionados, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Referências

  • Pathologica. 2020 Sep;112(3):186-196.
  • Clin Transl Gastroenterol. 2017 Aug 17;8(8):e114
  • Diagn Pathol. 2014 Mar;31(2):124-36

Como citar este artigo

Carlos A. Nem toda atrofia duodenal é doença Celíaca. Endoscopia Terapêutica 2022, vol II. Dísponivel em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/nem-toda-atrofia-duodenal-e-doenca-celiaca




PAPILA DUODENAL MAIOR: Precisamos inspecionar na rotina?

Todos sabemos que o endoscópio “standard” não favorece a visualização da parede medial da segunda porção do duodeno. Identificar e inspecionar detalhadamente a papila de Vater não costuma ser uma tarefa simples durante a endoscopia digestiva alta (EDA) de rotina. Será que deveríamos investir tempo na inspeção detalhada desta área frequentemente trabalhosa?

Para responder tal pergunta, precisamos refletir sobre as patologias clinicamente relevantes da papila.  A principal delas é o adenoma e sua degeneração maligna. Os pólipos duodenais são lesões incomuns, encontrados em 0,3 a 4,6% das EDAS.(1) Dentre estes pólipos, os adenomas representam apenas 7% das lesões,  são localizados preferencialmente na segunda porção, podendo ou não envolver a papila maior.(2) Em uma média extrapolada das estatísticas supracitadas, consideramos uma prevalência de aproximadamente 0,05 a 0,1% de adenomas ampulares nas EDAS.

Figura 1 – Adenoma de papila

A evidência médica é pobre para definir a importância da inspeção de maneira rotineira. Mas uma incidência de adenoma papilar em aproximadamente 1 caso para cada mil EDAs parece ser uma justificativa razoável para investimento de tempo na inspeção, mesmo que tangencial da papila. Não podemos esquecer que a polipose adenomatosa familiar é um capítulo à parte. A incidência de adenomas duodenais pode chegar a 92% ao longo da vida, possuindo protocolo específico de rastreio e manejo.(3)

O último guideline da ESGE sobre parâmetros de qualidade em endoscopia digestiva alta, publicado em 2019, estabeleceu como prioridade de pesquisa a definição da importância da visualização da papila na endoscopia de rotina. (4) Em guideline subsequente sobre o manejo de tumores ampulares, publicado em 2021, a ESGE recomenda que a papila seja inspecionada rotineiramente, apesar da evidência limitada. (5).

Em caso de suspeita clínica (ex. amilase ou bilirrubinas, pancreatite idiopática, etc), ou aspecto endoscópico suspeito, a inspeção detalhada da papila é mandatória. Para tal finalidade, o duodenoscópio deve ser o aparelho de primeira escolha.(5) Usando o gastroscópio “standard”, a papila é totalmente visualizada em apenas 24% das EDAs e vista parcialmente em 69%. Ou seja, na indisponibilidade de um duodenoscópio, a avaliação apropriada da papila fica bastante comprometida. Esse problema pode ser facilmente solucionado com o uso de um cap transparente que permite a visualização completa da papila em até 97% dos exames. (6)

Figura 2 – Exposição completa da papila com o uso de “cap”

Respondendo à pergunta inicial:

  1. Devemos inspecionar a papila rotineiramente
  2. Em casos suspeitos: usar o duodenoscópio
  3. O gastroscópio com “cap” é uma excelente alternativa ao duodenoscópio

Falar sobre os aspectos endoscópicos da papila e o manejo das patologias, transcende o propósito deste post. Você gostaria de ver estes tópicos abordados no Endoscopia Terapêutica? Deixe seu comentário!

Referências

1.        Culver EL, McIntyre AS. Sporadic duodenal polyps: Classification, investigation, and management. Endoscopy. 2011;43(2):144–55.

2.        Klein A, Bourke MJ. Duodenal and Papillary Adenomas [Internet]. Third Edition. Clinical Gastrointestinal Endoscopy. Elsevier Inc.; 2019. 374-381.e3 p. Available from: https://doi.org/10.1016/B978-0-323-41509-5.00034-7

3.        Leerdam ME Van, Roos VH, Hooft JE Van, Dekker E, Jover R, Michal F, et al. Endoscopic management of polyposis syndromes : European Society of Gastrointestinal Endoscopy ( ESGE ) Guideline Authors. 2019;877–95.

4.        Spada C, McNamara D, Despott EJ, Adler S, Cash BD, Fernández-Urién I, et al. Performance measures for small-bowel endoscopy: A European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Quality Improvement Initiative. United Eur Gastroenterol J. 2019;7(5):614–41.

5.        Vanbiervliet G, Strijker M, Arvanitakis M, Aelvoet A, Arnelo U, Beyna T, et al. Endoscopic management of ampullary tumors: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2021;53(4):429–48.

6.        Abdelhafez M, Phillip V, Hapfelmeier A, Elnegouly M, Poszler A, Strobel K, et al. Cap Assisted Upper Endoscopy for Examination of the Major Duodenal Papilla : A Randomized , Blinded , Controlled Crossover Study ( CAPPA Study ). Nat Publ Gr [Internet]. 2017;(October 2016):1–9. Available from: http://dx.doi.org/10.1038/ajg.2017.47




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LAUDOS EM ENDOSCOPIA – PARTE I

Um kit de sobrevivência para o endoscopista

A endoscopia digestiva é uma especialidade fortemente atrelada com interpretação de imagens. O endoscopista lida com imagens do trato digestório superior, inferior, do intestino delgado, das vias biliares e pancreáticas. O relatório endoscópico com a descrição dos achados associada às imagens capturadas durante o procedimento é a forma de comunicação mais importante com o médico assistente e com o paciente, muitas vezes alterando hipóteses diagnósticas, previsões prognósticas e planos terapêuticos.

No entanto, nem sempre encontramos uma correlação entre o relatório endoscópico e as imagens, ou entre o relatório e a indicação do exame ou procedimento. Muitas vezes o relatório endoscópico ou laudo é pobre e incompleto em informações.

Isso não é apenas um problema do Brasil. Ariana Barbetta e colaboradores, da equipe de cirurgia torácica do Memorial Sloan Kettering Cancer Center em Nova York conduziram um estudo avaliando critérios de qualidade de 115 relatórios endoscópicos de pacientes em tratamento para câncer de esôfago, avaliando 11 indicadores de qualidade. Os autores destacaram quão importante é o relatório endoscópico inicial para definir a proposta terapêutica para os pacientes dentro do time multidisciplinar e, de maneira surpreendente apenas 34% dos relatórios foram considerados como alta qualidade (mais de 6 indicadores de qualidade).

Examinando esta questão com um pouco mais de profundidade, podemos observar uma heterogeneidade grande no que diz respeito a adoção de termos descritivos universais para os achados endoscópicos, estruturação padronizada para os laudos, documentação fotográfica, dentre outros. Sabemos que essa heterogeneidade pode refletir as diferenças entre os perfis dos serviços de endoscopia (hospitalares / ambulatoriais) e suas rotinas. No entanto, essa heterogeneidade pode também contribuir para o “empobrecimento” do laudo no que diz respeito a informações importantes e termos descritores adequados.

 Em nossa rotina não é raro que um endoscopista trabalhe em vários serviços numa mesma cidade, ou em cidades vizinhas, cada um com seu esquema próprio de laudos e termos. Geralmente não prestamos muita atenção no “laudo padrão”. Será que é importante ter um “laudo padrão”? Será que nosso laudo “padrão” tem todas as informações importantes? O que é importante num laudo endoscópico?

UM BREVE HISTÓRICO DO PROBLEMA DO LAUDO ENDOSCÓPICO

A estruturação e padronização dos laudos endoscópicos é uma preocupação antiga, no entanto, há uma escassez de informações e de estudos na literatura dedicada. Em meados dos anos 80, Maratka da República Checa e colaboradores desenvolveram a primeiro documento sobre terminologia endoscópica padrão.

O desenvolvimento de tecnologias para processamento e armazenamento de dados, que se acelerou à partir dos anos 90, teve um grande impacto nas rotinas endoscópicas, tornando possível a captura e armazenamento de imagens e informações. A partir de então iniciou-se um processo de transição do laudo “manual” para o “digital” e adoção de sistemas e softwares para confecção de laudos e captura de imagens. Estruturar os relatórios endoscópicos e padronizar os termos para descrições das alterações tornou-se uma preocupação crítica.

 Inúmeras sociedades endoscópicas, particularmente a WEO (na ocasião conhecida como OMED), ESGE a ASGE lançaram iniciativas nesse sentido. A ESGE iniciou trabalhos para desenvolver o chamado M.S.T. 1.0 (Minimal Standard Terminology for Digestive Endoscopy) em parceria com a ASGE. O M.S.T. 1.0, de 1996, tinha como objetivo criar uma lista mínima de termos padronizados para descrever os achados endoscópicos em softwares dedicados para captura de imagens e confecção de relatórios de exames.

Atualmente o M.S.T. está na versão 3.0 e pode ser baixado do site da WEO. (https://www.worldendo.org/resources/minimal-standard-terminology-mst/). A WEO já fez anúncio da atualização para o M.S.T. 4.0 que deve sair nos próximos meses.

A Figura 1 mostra um resumo do histórico do problema do laudo endoscópico e iniciativas para padronização na forma de uma linha do tempo.

Figura 1. Linha do Tempo do Problema do Laudo Endoscópico e iniciativas para padronização.

O QUE É IMPORTANTE NUM LAUDO ENDOSCÓPICO?

O relatório ou laudo endoscópico contém os achados do exame, que devem ser descritos de forma clara, com riqueza de informações e ao mesmo tempo da forma mais objetiva possível. O uso de termos descritivos padronizados é de grande importância nesse contexto, mas não é a única preocupação. O relatório ou laudo endoscópico deve contar uma história para quem não estava presente no momento do exame.

Contar esta história implica em incluir uma série de outras informações sobre os demais aspectos do exame, não relacionados aos achados endoscópicos. Estruturar o laudo de forma a descrever todo o ato endoscópico em suas facetas técnica, médica e acadêmica vai de encontro aos padrões de boas práticas em endoscopia, demonstrando ainda aderência aos indicadores de qualidade, cada vez mais presentes em nossa rotina.

O laudo deve conter:

  • Identificação do paciente (dados sociodemográficos básicos)
  • Data do exame
  • Nome do prescritor (solicitante)
  • Equipamento utilizado (opcional)
  • Tipo de sedação utilizada
  • Indicação do exame (motivo)
  • Relatório endoscópico
  • Procedimentos adicionais
  • Conclusão
  • Observações
  • Nome do endoscopista com CRM e RQE
  • Documentação fotográfica

Documentação fotográfica

Vale lembrar que uma adequada foto documentação do exame é tão importante quanto uma adequada descrição. Deve haver uma correlação clara entre a imagem e o laudo.  A ESGE em 2001 recomendou um mínimo de oito imagens endoscópicas (duas imagens do esôfago, sendo uma delas da TEG, quatro imagens gástricas incluindo fundo gástrico e antro e duas imagens duodenais). Mais recentemente a WEO recomendou a realização de 28 imagens endoscópicas, desde o hipofaringe até a segunda porção duodenal, como documentação completa de um exame de Endoscopia Digestiva Alta.

Discutir aspectos da foto documentação em endoscopia digestiva é objeto para um post exclusivo para o assunto, contudo, salientar que realizar a documentação de achados normais, dos marcos anatômicos importantes, exames completos, achados relevantes e procedimentos específicos é vital para a composição de um laudo completo. Você poderá conferir mais sobre esse assunto em breve em uma outra postagem especial do time Endoscopia Terapêutica.

Informações administrativas

Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), avaliação pré-anestésica, documentos de avaliação pré e pós-endoscópicos, check-lists, dentre outros são procedimentos altamente desejáveis, mas sua documentação tem caráter interno, médico-legal e administrativo e não necessariamente devem fazer parte do relatório endoscópico.

Qualidade da visualização

A qualidade da visualização do trato digestório, eventuais fatores limitantes para uma boa observação da mucosa (presença de resíduo alimentar, áreas de estenose, dentre outros) devem ser relatados. Eventuais dificuldades técnicas e a realização de um exame incompleto devem, também, ser relatadas.

Terminologia

A utilização de uma linguagem universal e padronizada para descrever as alterações observadas, de forma clara e objetiva, sem nenhum tipo de viés de interpretação foi um dos endpoints da M.S.T., oferecendo uma lista de termos-chave, atributos e detalhamento para os achados endoscópicos. A versão 3.0. atualiza essa lista de termos e recomenda que a descrição para cada achado endoscópico siga o seguinte racional:

  • Anatomia do Lúmen do órgão
  • Achados do lúmen (aspecto, conteúdo, mucosa, presença de lesões)
  • Diagnóstico endoscópico (usar classificações padronizadas)
  • Procedimentos (se realizados e se houve sucesso ou não)
  • Eventos adversos (descrever as ações e desfechos)

A M.S.T. recomenda uma sequência para facilitar a descrição das alterações e da localização das alterações (Figuras 2 e 3).

Figura 2. Sequência de descrição dos achados endoscópicos, de acordo com a M.S.T.v3.0.
Figura 3. Descrição das alterações conforme a localização, de acordo com a M.S.T.v3.0.

Achados negativos

Em relação a descrição de ausência de achados ou dos chamados achados negativos, como por exemplo, ausência de estenose ou ausência de varizes esofágicas, deve levar em consideração o contexto do exame. Se a indicação para o exame endoscópico foi investigação de varizes em portador de hepatopatia crônica, o achado negativo de varizes é relevante e deve ser mencionado no relatório.

            O time Endoscopia Terapêutica preparou uma sugestão de Laudo Normal Padrão com todos os itens importantes discutidos nesta postagem e na Live do Dia do Endoscopista (link aqui). Você pode baixar o PDF do modelo do laudo no link abaixo.

REFERÊNCIAS:

  1. Aabakken L, Barkun NA, Cotton PB et al. Standardized Endoscopic Reporting. Journal of Gastroenterology and Hepatology 2014; 29: 234–240
  2. Aabakken L, Rembacken B, LeMoine O et al. Minimal standard terminology for gastrointestinal endoscopy—MST 3.0. Endoscopy 2009; 41: 727–8.
  3. Barbeta A, Faraz S, Shah P et al. Quality os Endoscopic Reports for Esophageal Cancer Patients: Where Do We Stand? Jornal of Gastrointestinal Surgery 2018. doi.org/10.1007/s11605-018-3710-4.
  4. Emura F, Sharma P, Arantes VN et al. Principles and Practice to facilitate complete photodocumentation of the Upper Gastrointestinal Tract: World Endoscopy Organization position statement. Digestive Endoscopy 2019; 32: 168-79.
  5. Rey JF, Lambert R. ESGE recommendations for quality control in gastrointestinal endoscopy: guidelines for image documentation in upper and lower GI endoscopy. Endoscopy2001; 33: 901–3.

Laudo normal





Ressecção Endoscópica de Neoplasias Gástricas Sincrônicas

Caso Clínico

Paciente com 85 anos, em uso de anticoagulação plena (Eliquis) por histórico FA de alto risco tromboembólico, deu entrada no PS por quadro de melena há 2 dias.

Na avaliação inicial destacava-se: descorado 2+/4+, PA 98 x 56 mmHg, FC 98 bpm. Exames laboratoriais com Hb: 7,6 g/dL.

Solicitado endoscopia digestiva alta na urgência:

Observado da atrofia difusa da mucosa gástrica e lesão polipóide, séssil (Paris 0-Is), medindo 3,0 cm, localizada em parede posterior de corpo médio. Realizada biópsia que evidenciou adenoma com displasia de baixo grau.

Paciente foi tratado clinicamente com suspensão do anticoagulante, IBP, transfusão de hemáceas, sendo posteriormente encaminhado para nosso serviço para realização de ressecção endoscópica por técnica de dissecção submucosa (ESD).

Exame do procedimento

Durante o exame do procedimento, em contexto fora de sangramento agudo, foi observado duas lesões sincrônicas: a lesão polipóide descrita anteriormente e uma lesão plano-elevada (Paris 0-IIa), medindo 3,5 cm, também localizada em corpo proximal pela parede posterior:

Lesão polipóide: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade.
Lesão polipóide: Cromoendoscopia com índigo carmin e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade.

Lesão polipóide: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade
Lesão plano-elevada: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com perda e irregularidade do padrão de criptas.

Lesão plano-elevada: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com perda e irregularidade do padrão de criptas e capilar.

Ressecção endoscópica:

Optado por realizar a ressecção adicional em mesmo tempo da segunda lesão neoplásica, também por técnica de dissecção submucosa.

Fechamento do leito de ressecção

Como tratava-se de paciente idoso, com necessidade de retorno da anticoagulação o mais breve possível, optado pelo fechamento dos leitos de ressecção com coroa de endoloop e clipes:

Acompanhamento

Paciente evoluiu bem, com alta hospitalar no dia seguinte.

Resultado de anatomopatológico:

  1. Lesão polipóide: adenoma gástrico do tipo faveolar com diplasia de baixo grau, margens livres
  2. Lesão plano-elevada: adenocarcinoma tubular bem diferenciado intramucoso (invasão da muscular da mucosa), ausência de invasão angiolinfática, e margens livres



Anestesia tópica das vias aéreas superiores

A anestesia tópica das vias aéreas superiores para realização de endoscopia alta é um procedimento muito utilizado no dia a dia, e que devemos estar familiarizados. Na maioria dos casos, não há necessidade de um bloqueio sensitivo profundo dessa região, mas existem situações em que a endoscopia deve ser realizada com paciente acordado devido ao risco de broncoaspiração.

A seguir, resumimos alguns conceitos importantes que todo endoscopista deve estar familiarizado a respeito da nesstesia tópica.

O benefício da aplicação da anestesia tópica em pacientes submetidos a sedação com propofol é questionável.

Se a anestesia tópica resulta em menos desconforto para os pacientes com sedação moderada é incerto.

Em uma meta-análise incluindo 491 pacientes submetidos à endoscopia, os pacientes submetidos à anestesia tópica relataram menos desconforto em comparação com o grupo sem anestesia tópica (razão de chances [OR] 1,88, IC 95% 1,13-3,12).

No entanto, outros estudos sugerem que, para pacientes submetidos à sedação com propofol, não foram observadas diferenças nas respostas somáticas ou reflexo de engasgo em comparação com placebo.

Está indicada em casos de risco de broncoaspiração, em suspeita de estômago cheio e recusa do paciente à sedação. Entretanto podem ser utilizados fármacos com o objetivo de atingir ansiólise ou sedação consciente para maior conforto.

Além das situações em que é evidente a presença de estômago cheio, são considerados fatores de risco para estômago cheio e broncoaspiração: diabetes descompensado, uremia, obstrução intestinal, ascite, distensão abdominal, distúrbios da motilidade esofágica, entre outros. Nestes casos, está contraindicada a sedação moderada e profunda, já que podem abolir o reflexo de tosse e de proteção das vias aéreas inferiores, podendo ocorrer broncoaspiração em caso de regurgitação de conteúdo gástrico.

Entretanto pode-se administrar sedação leve ou consciente, na qual o paciente permanece acordado, porém levemente sonolento, e tranquilizado, sem necessidade de suporte de oxigênio. Esse nível de sedação pode ser obtido com pequenas doses fracionadas e subsequentes de midazolam (0,5 a 1mg) e fentanil (25mcg), aguardando-se adequado intervalo de tempo entre as doses, até atingir o nível desejado de ansiólise. Pode ser administrado antes ou durante a topicalização da mucosa.

A inervação sensitiva é feita pelos pares de nervos cranianos VII (facial), IX (glossofaríngeo) e X (vago).

Ramos do nervo facial conduzem a sensibilidade dos dois terços anteriores da língua. Já o nervo glossofaríngeo tem como território sensitivo o terço posterior da língua, a valécula, a superfície anterior da epiglote, as paredes posteriores e laterais da faringe e os pilares tonsilares. Já o nervo vago, através do ramo laríngeo superior é responsável pela sensibilidade da laringe.

IMPORTANTE: Em casos de risco de broncoaspiração, o bloqueio do território sensitivo do nervo laríngeo superior (ramo do vago) não é desejado. O bloqueio do nervo laríngeo superior ou seu território, irá abolir completamente os reflexos de proteção das vias aéreas inferiores, levando ao risco de broncoaspiração em caso de regurgitação, e por isso não deve ser realizado nessa situação. Para endoscopia digestiva alta, a ausência desse bloqueio dificilmente irá ocasionar desconforto ao paciente, desde que a laringe não seja tocada com a ponta do endoscópio.

O uso de fármacos antisialogogos aumenta a absorção de anestésico local pela mucosa, aumentando a eficiência do bloqueio.

Caso as condições clínicas e cardiovasculares permitam, a administração endovenosa de atropina, escopolamina ou glicopirrolato (indisponível no Brasil), antes da topicalização, ao diminuírem a presença de muco e saliva, aumentam a eficiência dos anestésicos locais. É importante aguardar o tempo de ação de cada medicamento.

A lidocaína pode ser utilizada para topicalização das vias aéreas superiores na forma de spray 10%, gel 2% e ampola sem vasoconstritor a 2%.

Técnica sugerida para uso rotineiro (associada a sedação)

  • Em geral utiliza-se 4-6 instilações de lidocaína spray direcionados para base da língua, palato mole, pilares amigdalianos e úvula.
  • Tal dose de lidocaína é bem inferior aos níveis tóxicos da droga. Além do mais, boa parte é inativada pelo suco gástrico, sem ser absorvida.
  • Em adulto, não se deve fazer mais de 20 nebulizações para se alcançar a anestesia desejada. O número de nebulizações depende da extensão da área a ser anestesiada.
  • A experiência do médico e conhecimento do estado físico do paciente são importantes para calcular a dose necessária. Nos pacientes idosos, debilitados, com doenças agudas ou em crianças, deve-se adequar as doses de acordo com a idade, peso e condições físicas.

Cada nebulização libera 100 mg de spray que corresponde a 10 mg de lidocaína.

Técnica sugerida de bloqueio:

  • Obtém-se consentimento do paciente, que deve ser esclarecido da importância e segurança de não ser sedado profundamente. Obter a colaboração do paciente é fundamental para o sucesso da técnica.
  • Com o paciente sentado, procede-se a sedação consciente e administração de antissialogogo.
  • Território do nervo facial é topicalizado primeiro com lidocaína 10% spray nos dois terços anteriores da língua.
  • Com uma gaze, segurar a ponta da língua por alguns segundos para impedir que o paciente degluta o anestésico, aumentando sua eficiência.
  • A seguir, é possível bloquear diretamente o nervo glossofaríngeo, que situa-se poucos milímetros posterior ao pilar amigdaliano posterior, podendo ser anestesiado por via tópica, desde que a absorção seja eficiente.
  • Com uso suave de laringoscópio com lâmina de Macintosh, afastar a língua para exibir o pilar amigdaliano posterior e borrifar lidocaína 10% diretamente sobre o pilar, aguardando sua absorção e impedindo a deglutição, bilateralmente.
  • Por fim, depositar lidocaína gel 2% na porção posterior da língua, deixando que escorra até a valécula. Pode-se empurrar o gel com o dedo indicador e ao mesmo tempo, palpar a valécula e testar se o bloqueio do glossofaríngeo foi eficaz, observando ausência de reflexo de náusea mediado por este par craniano.
  • Nota: essa é a técnica utilizada pelos anestesiologistas para maximizar bloqueio sensitivo das vias aéreas superiores. Na endoscopia de rotina não há necessidade de seguir todos esses passos. Mas importante conhece-los para poder utilizar em situações de alto risco de broncoaspiração

Referências

  • Sakai P, et al. Tratado de Endoscopia Diagnóstica e Terapêutica – vol1 – 3a edição. Atheneu.
  • Evans LT, Saberi S, Kim HM, et al. Pharyngeal anesthesia during sedated EGDs: is “the spray” beneficial? A meta-analysis and systematic review. Gastrointest Endosc 2006; 63:761.
  • de la Morena F, Santander C, Esteban C, et al. Usefulness of applying lidocaine in esophagogastroduodenoscopy performed under sedation with propofol. World J Gastrointest Endosc 2013; 5:231.
  • Tsai HI, Tsai YF, Liou SC, et al. The questionable efficacy of topical pharyngeal anesthesia in combination with propofol sedation in gastroscopy. Dig Dis Sci 2012; 57:2519.



Câncer Gástrico Precoce: revisão rápida

Definição

  • Lesão neoplásica (carcinoma) que não ultrapassa a submucosa
  • Independente do acometimento ganglionar

Epidemiologia

  • 60 anos
  • Homens 2 X 1 Mulheres
  • Alta chance de cura (Sobrevida > 90% em 5 anos)

Adenocarcinoma Gástrico → 3º causa morte por câncer no mundo
No Brasil → Mortes por tumores malignos ⇒ 4º causa em Homens x 5º causa em Mulheres

Incidência

Altamente heterogênea, infere-se biologia diferencial por região geográfica . 5
Em números absolutos houve queda tanto da incidência quanto da mortalidade por câncer gástrico
no panorama mundial.

Pacientes asiáticos

  • Menor taxa de linfonodos positivos
  • Menos chances de metástases
  • Mais precoceRegião distal

Pacientes Ocidentais

  • Aumento na incidência do Adenocarcinoma da TEG (proximal)

Apresentação

  • 80% assintomáticos
  • Sintomas Inespecíficos → mimetizando doença ulcerosa péptica

Fatores de Risco

  • Infecção pelo H. Pylori
    • Risco aumentado de Hipocloridria *
  • Caráter Hereditário
  • Estilo de Vida
    • Tabagismo
    • Dieta → Sal / Nitratos**
  • Sexo Masculino
  • Pós-operatórios de Gastrectomia Parcial ***
    • Remanescente gástrico
    • Após 15 anos
  • Anemia Perniciosa
    • Gastrite Autoimune
    • Acloridria / Atrofia

*Hipocloridria faz parte da cascata evolutiva do Câncer Gástrico
Gastrite Crônica → Gastrite Atrófica → Hipocloridria → Metaplasia → Displasia → Câncer

** Risco aumentado de câncer gástrico em dietas com alto teor de carboidratos complexos e
nitratos, o Nitrato é convertido em Nitrito por bactérias presentes no estômago, formando os
chamados N compostos – NOC (Nitrosamidas / Nitrosaminas), carcinogênicos.²

*** Em doenças benignas como úlcera gástrica são relatados casos de acometimento neoplásico no remanescente gástrico após 15 anos.
Etiopatogenia do câncer de coto gástrico seria o refluxo bílio-pancreático causando inflamação
crônica da mucosa remanescente, evoluindo para gastrite atrófica, metaplasia intestinal e
displasia.¹
Observa-se no entanto que não há correlação com úlcera duodenal.

Fatores de proteção

  • Vitamina C. ³
    • O ácido ascórbico atua prevenindo a conversão de nitrato em nitrito
  • Betacaroteno
  • Fibras

Conclusão

O diagnóstico precoce do CG é um desafio devido a característica invasiva das endoscopias
gástricas e a carência de biomarcadores, traduzindo na identificação tardia da doença, e levando a
menores chances de cura e sobrevida.

Referências

  1. Averbach, Marcelo. Tratado ilustrado de endoscopia digestiva. Thieme Revinter Publicações LTDA,
    2018.
  2. DIOGO FILHO, Augusto, et al. “Câncer de coto gástrico após gastrectomia por úlcera péptica
    gastroduodenal.” ABCD. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (São Paulo) 29 (2016): 65-65.
  3. Britto, Anna Valéria de. “Câncer de estômago: fatores de risco.” Cadernos de Saúde Pública 13
    (1997): S7-S13.
  4. da Cunha Antunes, Danúbia, Iris Maria Lima, and Wanise Maria de Souza Cruz. “Quimioprevenção do
    câncer gástrico.” Revista Brasileira de cancerologia 56.3 (2010): 367-374.
  5. Boyle, Peter, and Bernard Levin. World cancer report 2008. IARC Press, International Agency for
    Research on Cancer, 2008.
  6. Zhou, Jianping, et al. “Linc00152 promotes proliferation in gastric cancer through the
    EGFR-dependent pathway.” Journal of Experimental & Clinical Cancer Research 34.1 (2015): 1-8