Quiz ! Papel do endoscopista nas neoplasias avançadas esofagogástricas – quando ajudar e quando encaminhar?

O diagnóstico precoce das neoplasias do trato digestivo é essencial para um melhor prognóstico, no entanto muitas vezes a detecção acontece num estágio mais avançado da doença.




Divertículo Intraduodenal (“Windsock Diverticulum”): uma causa rara de obstrução intestinal alta

Paciente feminina, 19 anos, previamente hígida, iniciou com quadro de distensão abdominal e vômitos pós-alimentares recorrentes há cerca de 30 dias. Referia perda ponderal de 3 Kg no período. 

Negava outras comorbidades, uso de medicamentos ou cirurgias prévias.

Ao exame físico mostrava-se emagrecida, desidratada e com abdome distendido em região epigástrica. Sem outras alterações.

Tomografia de abdome evidenciava espessamento inespecífico em segunda porção duodenal promovendo dilatação do bulbo e da câmara gástrica.

Foi então submetida à endoscopia digestiva alta que mostrou septo espesso na transição do bulbo para a segunda porção duodenal, com formação de grande divertículo intraduodenal, com pequeno orifício no fundo diverticular, que não permitia a passagem do endoscópio. A papila duodenal maior encontrava-se na borda do septo e era possível transpor o aparelho para a segunda porção duodenal, pela lateral do divertículo, sem dificuldades.

Figura 1: imagem endoscópico do divertículo intraduodenal. Seta verde: divertículo. Seta preta: septo do divertículo. Seta azul: segunda porção duodenal.
Figura 2: imagem endoscópica do fundo do divertículo. Seta preta: orifício no fundo diverticular.
Figura 3: imagem endoscópica mostrando a relação entre o divertículo e a papila duodenal maior (seta preta).

Após discussão com a paciente e com a equipe cirúrgica sobre as possibilidades terapêuticas, foi optado pela tentativa de tratamento endoscópico.

O procedimento foi realizado com a paciente sob anestesia geral, sendo incialmente identificada a papila duodenal maior e iniciado o corte longe da sua localização. Foi realizada secção de todo o septo do divertículo, com auxílio de cateter tipo “needle-knife”, da sua porção inicial na transição do bulbo para a segunda porção duodenal até o seu orifício distal. Em seguida foi realizada hemostasia das duas bordas com aplicação de clipes metálicos. Procedimento transcorreu sem intercorrências e a paciente foi encaminhada para o quarto.

Figura 4: imagem endoscópica após a secção do septo do divertículo.
Figura 5: imagem endoscópica da hemostasia do septo do divertículo.

No segundo dia de pós-operatório, a paciente apresentou episódio de hematêmese volumosa, com instabilidade hemodinâmica, sendo então encaminhada para a unidade de tratamento intensivo. Foi submetida a nova endoscopia digestiva alta que mostrou sangramento ativo nas bordas seccionadas do divertículo, apesar dos clipes metálicos posicionados. Foi optado, então, pelo tratamento combinado com injeção de solução de adrenalina e colocação de mais clipes metálicos, com parada do sangramento.

Paciente não apresentou recorrência do sangramento sendo reiniciada dieta por via oral, com boa aceitação, 48 horas após a segunda endoscopia. Recebeu alta no 6 PO, com boa tolerância alimentar, sem queixas.

Paciente retornou 30 dias após o procedimento, assintomática, para realização de endoscopia digestiva alta de controle. Procedimento evidenciou apenas pequenos septos seccionados remanescentes na transição do bulbo para a segunda porção duodenal, sem formação diverticular residual, com fácil transposição do endoscópio para a segunda porção duodenal.

Figura 6: imagem endoscópica do controle após 30 dias do procedimento.

Discussão

O divertículo intraduodenal, também chamado de “windsock diverticulum”, é uma anomalia congênita rara, secundária a recanalização incompleta do intestino anterior durante o desenvolvimento embrionário. Inicialmente ele teria o aspecto de uma membrana ou diafragma duodenal e que, com o passar dos anos e com a peristalse, passaria a ter um aspecto mais alongado, formando o divertículo. Seu nome “windsock diverticulum” seria devido a semelhança de seu formato com uma biruta, windsock em inglês (1). 

Ele foi inicialmente descrito em 1885 por Silock e consiste em uma formação diverticular alongada, localizada na segunda porção duodenal, adjacente à papila duodenal maior (2). Um orifício na sua porção distal pode ou não estar presente.

Em geral, o divertículo intraduodenal é assintomático e identificado incidentalmente. Sua sintomatologia pode ser muito variável como náuseas, vômitos, empachamento, distensão ou dor abdominal e, mais raramente, hemorragia digestiva alta, pancreatite aguda ou obstrução intestinal (3).

O diagnóstico pode ser feito através da endoscopia digestiva alta ou de exames radiológicos, como tomografia computadorizada com contraste oral ou raio X contrastado de esôfago, estômago e duodeno (4).

O tratamento pode ser cirúrgico ou endoscópico, não existindo recomendação quanto a melhor técnica devido a baixa prevalência do divertículo intraduodenal. Tem se dado preferência ao endoscópico pela sua menor morbidade (1).  

Existem diferentes técnicas descritas para o tratamento endoscópico, variando desde a diverticulectomia com auxílio de alça de polipectomia até a diverticulotomia com a utilização do “needle-knife” (1). Independente da técnica escolhida, dois cuidados são fundamentais, a identificação da papila previamente à realização do procedimento, devido a proximidade do divertículo com a papila maior, e a realização de hemostasia cuidadosa, uma vez que o divertículo é muito vascularizado e a chance de sangramento pós-procedimento é alta (1).

Apesar de ser uma entidade rara, o médico endoscopista deve estar atento ao diagnóstico do divertículo intraduodenal em pacientes com sintomas gastrointestinais altos. O tratamento endoscópico apresenta bons resultados e deve ser considerado em pacientes sintomáticos.

Referências

  1. Law R, Topazian M, Baron TH. Endoscopic treatment of intraluminal duodenal (“windsock”) diberticulum: varying techniques from five cases. Endoscopy 2012;44:1161-1164.
  2. Silock AQ. Ephithelioma of de ascending colon: enterocolitis, congenital duodenal septum with internal diverticulum. Trans Pathol Soc London 1885;36:207.
  3. Odemis B, Baspinar B, Erdogan C, et al. A rare case of a windsock-shaped intraluminal duodenal diverticulum treated successfully with endoscopic diverticulectomy. Endoscopy 2022;54:E914-E915.
  4. Karagyozov P, Tishkov I, Gdeorgieva Z, et al. Endoscopy International Open 2019;07:E87-E89.

Como citar este arquivo

Retes FA. Divertículo Intraduodenal (“Windsock Diverticulum”): uma causa rara de obstrução intestinal alta. Endoscopia Terapeutica 2023 Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/diverticulo-intraduodenal-windsock-diverticulum-uma-causa-rara-de-obstrucao-intestinal-alta/




Lesão Esofágica Pós-Ablação Cardíaca

A fibrilação atrial é a arritmia cardíaca mais comum sendo o tratamento através da ablação indicado nos casos de doença refratária à medicação. Entretanto devido à proximidade da parede posterior do átrio esquerdo com o esôfago (< 5mm em 40% dos casos), associado a quantidade de energia desprendida no local (potência, tempo e força de contato), tornam o esôfago um potencial sítio de eventos adversos.

Abaixo as possíveis complicações gastrointestinais pós-ablação cardíaca

Dismotilidade do trato gastrointestinal superior

O mecanismo exato dessas lesões não é conhecido, porém a lesão do nervo vago devido à sua proximidade com o esôfago e a parede do átrio esquerdo, é a teoria mais aceita. Curiosamente, a maior parte da dismotilidade parece ser subclínica e muitas vezes diagnosticada incidentalmente. 

Os sintomas geralmente se iniciam 3 dias após a ablação, sendo os mais comuns: refluxo, disfagia, dor torácica por hipomotilidade esofágica, distensão abdominal, saciedade precoce, perda de peso, náuseas e vômitos.

No único estudo prospectivo observacional realizado, 74% dos pacientes submetidos a ablação desenvolveram alguma dismotilidade, porém normalizada em até 6 meses em todos os participantes1.

O tratamento deve ser realizado nos casos sintomáticos, com refeições em menores porções e baixo teor de gordura, além do uso de pró-cinéticos. Nos raros casos refratários pode ser realizada toxina botulínica para espasmo pilórico ou mesmo cirurgia.

Lesões esofágicas

Estudos demonstram uma incidência variável de lesão esofágica após ablação por cateter, variando de 2% a 47%, sendo a grande maioria assintomáticos.

Durante a ablação, altas temperaturas são alcançadas podendo causar danos ao esôfago, variando de eritema leve (mais comum e com ótimo prognóstico) à ulcerações e, em casos raros, pode levar a perfuração esofágica e formação de fístula atrioesofágica2

Como as lesões esofágicas assintomáticas são comuns, a triagem endoscópica precoce pós ablação pode ajudar a identificar os pacientes com maior risco de perfuração esofágica, permitindo vigilância adequada. Abaixo a classificação utilizada para esse estadiamento:

Kansas City Classification (KCC)3

  • Tipo 1: eritema
  • Tipo 2A: úlcera mucosa superficial
  • Tipo 2B: úlcera profunda 
  • Tipo 3A: perfuração esofágica sem fístula atrioesofágica
  • Tipo 3B: perfuração esofágica com fístula atrioesofágica

Em uma revisão que incluiu 570 lesões esofágicas avaliadas endoscopicamente em pacientes assintomáticos, 36% eram tipo 1, 39% tipo 2A e 25% tipo 2B3. No entanto, a avaliação luminal do esôfago é limitada à superfície e pode subestimar a extensão do dano transmural, visto que as lesões são “de fora para dentro”. 3; 4

Deve-se sempre lembrar que nos casos com suspeita de fístula (febre, dor torácica, odinofagia) a endoscopia é contraindicada pelo risco de embolismo gasoso, devendo-se optar pela tomografia com contraste oral e endovenoso para avaliação.

Figura 1: lesão KCC tipo 1
Figura 2: lesão KCC tipo 2A
Figura 3: lesão KCC tipo 2B

Fístula atrioesofágica

A lesão térmica que leva à isquemia e inflamação parece resultar em dano gradual e progressivo da parede esofágica, o que pode explicar por que a perfuração esofágica e posterior fístula podem levar de 2 a 4 semanas para se desenvolverem.

É uma rara, porém gravíssima complicação, com uma incidência de 0,015 a 0,2%, apesar de provavelmente subnotificada. Sua complexidade decorre do diagnóstico tardio e falta de correção cirúrgica a tempo2

Apresenta sinais clínicos variados como febre, hematêmese, alteração do nível de consciência, dor torácica, disfagia, sepse, mediastinite, derrame pleural ou pericárdico. Acidente vascular cerebral (embolia gasosa), septicemia e sangramento gastrointestinal (GI) são os principais fatores que contribuem para taxas de mortalidade que variam de 40% a 100%4.

Conduta

  • Lesões tipo 1 e tipo 2A: inibidor de bomba de prótons (IBP), resposta completa em 2 a 4 semanas
  • Lesões 2B: apresentam 4% de risco de progressão para tipo 3. Internação, jejum / líquidos claros e TC seriadas por 4 a 6 semanas.
  • Lesões tipo 3: uma revisão de literatura demonstrou que o tratamento conservador ou stent esofágico isolado parece ter um desfecho clínico ruim, sendo o reparo cirúrgico precoce associado ou não a stent esofágico a opção de escolha. Os resultados clínicos da terapia combinada (cirurgia + stent) ainda são pouco claros devido ao número reduzido de estudos5.

Nota: apesar de nenhum estudo randomizado ter comprovado o seu benefício, a maioria dos serviços indica periprocedimento e por um período de até 6 semanas o uso rotineiro de IBP e sucralfato.

Abaixo um fluxograma da conduta nos casos suspeitos:

KEY POINTS

  • IBP e sucralfato por 4 a 6 semanas
  • EDA pós ablação para estratificação de risco
  • TC na suspeita de perfuração
  • Classificação de Kansas 
  • Maioria assintomáticos ou sintomas de dismotilidade autolimitados tratados com sintomáticos
  • Perfuração = tratamento cirúrgico precoce, associado ou não a stent esofágico

Referências

  1. LAKKIREDDY, D.  et al. Effect of atrial fibrillation ablation on gastric motility: the atrial fibrillation gut study. Circ Arrhythm Electrophysiol, v. 8, n. 3, p. 531-6, Jun 2015. ISSN 1941-3084. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25772541 >. 
  2. GARG, L.  et al. Gastrointestinal complications associated with catheter ablation for atrial fibrillation. Int J Cardiol, v. 224, p. 424-430, Dec 01 2016. ISSN 1874-1754. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27690340 >. 
  3. YARLAGADDA, B.  et al. Temporal relationships between esophageal injury type and progression in patients undergoing atrial fibrillation catheter ablation. Heart Rhythm, v. 16, n. 2, p. 204-212, Feb 2019. ISSN 1556-3871. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30273767 >. 
  4. ASSIS, F. R.  et al. Esophageal injury associated with catheter ablation for atrial fibrillation: Determinants of risk and protective strategies. J Cardiovasc Electrophysiol, v. 31, n. 6, p. 1364-1376, Jun 2020. ISSN 1540-8167. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32323383 >. 
  5. ZHOU, B.  et al. Treatment strategy for treating atrial-esophageal fistula: esophageal stenting or surgical repair?: A case report and literature review. Medicine (Baltimore), v. 95, n. 43, p. e5134, Oct 2016. ISSN 1536-5964. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27787367 >. 

Como citar este artigo

Oliveira JFD. Lesão Esofágica Pós-Ablação Cardíaca. Endoscopia Terapeutica 2023 Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/lesao-esofagica-pos-ablacao-cardiaca/




Quiz! Qual diagnótico desse pólipo?

Paciente feminina, 54 anos, com sintomas dispépticos. 

Realizou EDA, que revelou estômago com mucosa normal e H.pylori negativo.

No fundo gástrico, identificado pólipo séssil avermelhado com as características abaixo:




Laudos em endoscopia digestiva alta-parte III Como descrever as alterações encontradas.

Em nossos primeiros artigos sobre o tema (Laudos Endoscópicos e Fotodocumentação) abordamos como o laudo endoscópico deve ser estruturado, destacando a importância de uma boa foto documentação e da coerência entre o que está descrito e o que está documentado nas imagens.

A intenção deste documento é orientar como descrever as características mais importantes das principais alterações endoscópicas.

Obviamente existem preferências individuais na maneira de redigir o texto, sendo que alguns preferem texto corrido enquanto outros preferem separar em parágrafos, alguns preferem uso da voz passiva e outros voz ativa, e assim por diante. A escolha do estilo usado na descrição das alterações compete a cada profissional. No entanto, é importante estar atento a alguns princípios.

Fornecer as informações necessárias para enquadrar as lesões dentro de uma classificação validada pela literatura.

Exemplo: classificação de Los Angeles. O endoscopista deve descrever a extensão das erosões (maior ou menor do que 5 mm), se são confluentes ou não, e, em caso de erosões confluentes, descrever se acometem mais ou menos do que 75% da circunferência esofágica.

Escrever de forma objetiva

Evitar informações desnecessárias e um texto prolixo. Isso torna a leitura do seu relatório mais precisa e mais agradável. Vale a pela usar frases curtas sempre que possível.

Usar termos descritores padronizados e validados, de acordo com a Minimal Standard Terminology for Digestive Endoscopy (M.S.T. 3.0)

Segue abaixo uma lista com as alterações endoscópicas mais comuns e as sugestões para descrição que são um verdadeiro guia prático para você:

Esofagite erosiva

O que é importante?

  • descrever a extensão das erosões (maiores ou menores do que 5 mm)
  • presença de confluência ou não
  • em caso de erosões confluentes, descrever se acometem mais ou menos do que 75% da circunferência esofágica.

Exemplos:

Mucosa encontra-se opacificada e espessada na região distal, com erosões (menores/maiores) do que 5 mm, não confluentes (ou confluentes em menos do que 75% da circunferência) ao nível da transição esofagogástrica.

Mucosa do segmento distal do esôfago, ao nível da transição esofagogástrica exibe coloração opaca e perda do padrão vascular. Notam-se erosões lineares menores/maiores do que 5 mm, sem confluência (ou exibindo confluência em menos/mais do que 75% da circunferência).

Esôfago de Barrett

O que é importante?

  • descrever a extensão máxima do acometimento circunferencial (C) e a extensão máxima da projeção de epitélio colunar (M) segundo a classificação de Praga.
  • descrever os achados da avaliação do epitélio colunar, com uso de cromoscopia ou magnificação quando disponível
  • relatar a realização de biópsias e se foram realizadas de forma dirigida ou de acordo com protocolo de Seattle.

Exemplos de descrição:

Nota-se epitelização colunar em esôfago distal sendo circunferencial por 1,0 cm e com extensão máxima de 3,0 cm (Praga C1M3). Realizada cromoscopia virtual com (NBI/LCI), seguido de cromoscopia com solução de ácido acético, não se observando áreas suspeitas para displasia. Realizadas biópsias nos quatro quadrantes conforme protocolo de Seattle.

Nota-se em esôfago distal, junto à transição esofagogástrica (localizada a 38 cm dos incisivos), mucosa apresentando coloração rosa-salmão, com acometimento circunferencial de cerca de 1,0 cm (37-38 cm dos incisivos), e com duas projeções de até 3,0 cm pelas paredes anterior e posterior (35-38 cm). Realizada cromoscopia virtual com (NBI/LCI), seguido de cromoscopia com solução de ácido acético, não se observando áreas suspeitas para displasia. Realizadas biópsias nos quatro quadrantes conforme protocolo de Seattle.

Exemplos de Conclusão

  • Epitelização colunar em esôfago distal.
  • Esôfago de Barrett curto/longo (quando já existe a confirmação diagnóstica),
  • Alterações endoscópicas sugestivas de epitelização colunar em esôfago distal

Esofagite eosinofílica

O que é importante?

  • descrever os segmentos do esôfago acometidos.
  • presença de estrias longitudinais ou não
  • presença de exsudato na superfície mucosa ou não
  • presença de padrão em “traqueização” ou não
  • áreas de estenose
  • a realização de biópsias nos segmentos proximal, médio e distal.

Exemplos de descrição no corpo do laudo:

Mucosa dos segmentos proximal, médio e distal apresenta edema e perda do padrão vascular habitual. Além disso notam-se estrias longitudinais, padrão em “traqueização” e exsudato puntiforme aderido. Não visualizamos segmento estenótico. Realizadas biópsias dos segmentos de esôfago.

Mucosa do esôfago médio e distal apresenta aspecto espessado e esbranquiçado, associado a estrias e fissuras longitudinais, anéis concêntricos e exsudato pontilhado esbranquiçado. Realizadas biópsias de esôfago proximal, médio e distal.

Exemplos de Conclusão

  • Alterações endoscópicas compatíveis com esofagite eosinofílica.
  • Esofagite eosinofílica?

Hérnia hiatal

O que é importante?

  • descrever a relação entre a transição esofagogástrica e o pinçamento diafragmático
  • o endoscopista pode também descrever a distância entre as estruturas anatômicas e os incisivos (ou arcada dentária superior – ADS)

Exemplos de descrição no corpo do laudo:

Transição esofagogástrica situada 2,0 cm acima do pinçamento diafragmático.

Transição esofagogástrica situada a 38 cm da ADS, 2,0 cm acima do pinçamento diafragmático.

Exemplos de Conclusão

  • Hérnia hiatal.
  • Hérnia hiatal por deslizamento.
  • Hérnia hiatal mista (tipo III)

Fundoplicatura

O que é importante?

  • Descrever se a TEG está sob a zona de pressão constituída pela fundoplicatura + hiatoplastia ou se está deslizada (considera-se deslizamento da FPL quando a TEG está situada 2,0 cm acima da zona de pressão)
  • descrever se a fundoplicatura está intra-abdominal ou migrada
  • descrever se a fundoplicatura envolve toda a circunferência da cárdia, se envolve parcialmente a cárdia ou se está desgarrada.
  • descrever se há hérnia paraesofágica ou não

Exemplos de descrição no corpo do laudo:

À retrovisão observa-se fundoplicatura intra-abdominal (ou migrada) envolvendo circunferencialmente (ou parcialmente) a cárdia.

À retrovisão observa-se fundoplicatura migrada e parcialmente desgarrada, associada a hérnia paraesofágica.

Exemplos de Conclusão

  • Fundoplicatura íntegra
  • Fundoplicatura em bom aspecto
  • Fundoplicatura (total ou parcial) com bom aspecto 
  • Fundoplicatura migrada, porém não desgarrada
  • Fundoplicatura desgarrada e migrada

Gastrite enantemática (ou enantematosa)

O que é importante?

  • descrever a distribuição do enantema: restrito ao antro, restrito ao corpo, difuso.
  • descrever a intensidade do enantema: leve, moderado ou acentuado

Exemplos de descrição:

Mucosa de (corpo/antro) apresenta enantema difuso de (leve/moderada) intensidade.

Exemplos de Conclusão

  • Gastrite enantemática leve de antro
  • Pangastrite enantematosa moderada

Gastrite erosiva

O que é importante?

  • descrever a distribuição das erosões: restritas ao antro, ao corpo, difusas.
  • descrever o aspecto das erosões: se planas ou elevadas
  • descrever a intensidade do acometimento: leve, moderado ou acentuado

Exemplos de descrição:

Mucosa de (corpo/antro) apresenta erosões (planas/elevadas) em (pequena/grande) quantidade

Exemplos de Conclusão

  • Gastrite erosiva plana leve de antro.
  • Pangastrite erosiva intensa.

Gastrite atrófica

O que é importante?

  • descrever as características da mucosa atrófica como presença de palidez, aspecto adelgaçado da mucosa, realce da vascularização subeptielial, se há redução numérica e/ou volumétrica das pregas do corpo (em caso de gastrite atrófica de corpo)
  • descrever a extensão do acometimento: restrito ao antro, envolvendo antro e corpo, restrito ao corpo, envolvendo antro e pequena curvatura do corpo, etc.
  • documentar caso haja a realização de biópsias e os respectivos locais

Nota: o endoscopista pode utilizar classificações como a classificação de Kimura-Takenoto ou estadiamento OLGA. Estadiamento OLGA depende da coleta de biópsias nos locais adequados e da solicitação do endoscopista no pedido de anatomopatológico.

Exemplos de descrição:

Mucosa de antro apresenta sinais de atrofia que se estendem para incisura angularis e pequena curvatura de corpo distal. Realizadas biópsias de acordo com protocolo OLGA.

Mucosa de antro e pequena curvatura de corpo exibem palidez, realce da vascularização subepitelial e aspecto adelgaçado, compatível com atrofia. Realizadas biópsias de corpo, antro e incisura de acordo com protocolo OLGA.

Mucosa de corpo e fundo apresenta-se adelgaçada e com maior visualização dos vasos submucosos. Além disso há redução numérica e volumétrica das pregas gástricas. Realizadas biópsias de corpo e antro em frascos separados.

Exemplos de conclusão:

  • Gastrite atrófica de antro.
  • Gastrite atrófica de corpo.
  • Alterações endoscópicas sugestivas de gastrite atrófica de antro / corpo
  • Alterações endoscópicas compatíveis com gastrite atrófica (tipo C-2 de Kimura-Takemoto)

Metaplasia intestinal gástrica

O que é importante?

  • descrever a extensão do acometimento: restrito ao antro, envolvendo antro e corpo, restrito ao corpo, envolvendo antro e pequena curvatura do corpo, etc.
  • descrever se houve a realização de biópsias e os locais.

    • Nota: o endoscopista pode decidir pela realização de biópsias de corpo, antro e incisura e solicitar ao patologista a classificação conforme protocolo OLGIM.

Nota: importante salientar que existem variações no fenótipo da metaplasia intestinal, a qual pode apresentar-se como placas esbranquiçadas levemente elevadas, ou placas superficialmente elevadas com centro deprimido (o centro geralmente é mais avermelhado), ou apenas como múltiplas áreas deprimidas. À magnificação é possível observar alteração do padrão de microarquitetura de superfície, presença de substância branca opaca e sinal da crista azul (light blue crest).

Exemplos de descrição:

Observam-se placas esbranquiçadas discretamente elevadas, sugestivas de metaplasia intestinal, distribuídas por toda extensão do antro. Realizada cromoscopia e biópsias de acordo com protocolo OLGIM.

Notam-se inúmeras áreas superficialmente elevadas, cm coloração vermelha, exibindo padrão de microarquitetura de superfície sugestivo de metaplasia intestinal. As lesões distribuem-se pelo corpo e antro, se destacam após cromoscopia. Realizadas biópsias.

Exemplos de conclusão:

  • Alterações endoscópicas sugestivas de metaplasia intestinal em antro.
  • Focos de metaplasia intestinal em corpo gástrico

Lesão subepitelial

O que é importante?

  • descrever a localização da lesão, seu tamanho estimado, consistência e mobilidade
  • descrever o aspecto da mucosa que recobre a lesão (íntegra ou não)

Exemplos de descrição:

Observa-se lesão elevada recoberta por mucosa íntegra, medindo aproximadamente 10mm, móvel à palpação com a pinça, localizada em parede anterior de antro, compatível com lesão subepitelial.

Nota-se lesão elevada, recoberta por mucosa lisa, de aspecto subepitelial, medindo 2,5 cm, localizada em parede posterior de segmento médio de corpo, endurecida ao toque da pinça.

Exemplos de conclusão:

  • Lesão subepitelial em corpo gástrico.
  • Lesão subepitelial em antro gástrico

Úlcera gástrica

O que é importante?

Importante uma descrição detalhada da úlcera com informações importantes para guiar o tratamento, bem como para levantar suspeita quanto natureza benigna ou maligna. A descrição deve incluir:

  1. localização da úlcera
  2. tamanho
  3. formato (ovalada, alongada)
  4. profundidade (rasa, profunda)
  5. aspecto das bordas (regulares ou não / definidas ou não),
  6. retração ou deformidade das pregas,
  7. aspecto do fundo da úlcera (fibrina, restos necróticos, restos hematínicos, etc)

Finalmente, conclui-se a fase do ciclo da úlcera conforme a classificação de Sakita

No caso de úlcera hemorrágica, descrever a presença de estigmas de sangramento recente (vaso visível, coágulo aderido) conforme classificação de Forrest, e se foi realizada terapia endoscópica.

Exemplos de descrição:

Na parede anterior do antro distal observa-se uma ulceração profunda, com formato redondo, medindo cerca de 20 mm. A ulceração apresenta bordos regulares, edemaciados e com halo de enantema. O fundo da ulceração é recoberto por fibrina espessa com restos necróticos.

Na pequena curvatura do antro distal, nota-se úlcera superficial em cicatrização, com convergência de pregas, bordas regulares, hiperemiadas e com pequena área linear de fibrina medindo aproximadamente 5 mm.

Na pequena curvatura do antro, presença de retração cicatricial, compatível com cicatriz de úlcera gástrica.

Exemplos de conclusão:

  • Úlcera em atividade no antro gástrico (Sakita A1)
  • Retração cicatricial no antro gástrico (Sakita S2)
  • Cicatriz de úlcera bulbar (Sakita S2)

Anatomia alterada cirurgicamente

O que é importante?

Descrever a alteração anatômica encontrada, o tamanho do remanescente gástrico (se houver) e sempre que possível identificar o tipo de reconstrução de trânsito que foi empregada. Importante descrever o tipo, tamanho e aspecto da anastomose.

A seguir, exemplificaremos as principais cirurgias que lidamos no nosso dia a dia.

Bypass gastrico

O que é importante?

Descrever o tamanho do remanescente gástrico, presença de constrição anelar se houver e estimar o diâmetro da anastomose. Importante avaliar presença de erosões ou ulceras perianastomoticas e se há torção de eixo na alça alimentar.

Exemplos de descrição:

Estômago operado, com evidências de gastroplastia redutora e reconstrução a Y de Roux.

Coto gástrico medindo 4 cm, com mucosa de aspecto preservado.

Anastomose gastrojejunal em bom aspecto, medindo aproximadamente 1,5 cm de diâmetro e sem lesões.

Alça alimentar sem alterações de eixo ou lesões de mucosa.

Exemplos de conclusão:

Gastroplastia redutora com reconstrução a Y de Roux (Bypass gástrico)

Status pós-operatório de gastroplastia redutora com reconstrução em Y de Roux

Gastrectomia Vertical

O que é importante?

Descrever a forma do remanescente gástrico, atentando-se para a transição corpo antro, próximo da incisura angularis, onde pode haver estenose ou torção de eixo.

Exemplos de descrição:

Presença de sutura longitudinal na grande curvatura do corpo, conferindo forma tubular ao órgão.

Transição corpo-antro (ou…. região da incisura angularis) permitindo a passagem do aparelho sem dificuldades.

Mucosa….

Exemplos de conclusão:

Gastrectomia vertical.

Status pós-operatório de gastrectomia vertical.

Como citar este artigo

Cardoso DMM. e Martins BC. Laudos em endoscopia digestiva alta-parte III Como descrever as alterações encontradas. Endoscopia Terapeutica 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/laudos-em-endoscopia-digestiva-alta-parte-iii-como-descrever-as-alteracoes-encontradas/




Dicas para o uso do cianoacrilato na hemorragia digestiva varicosa

O uso do adesivo tissular, n-butil-2-cianoacrilato, foi descrito pela primeira vez em 1986 para tratamento de varizes gástricas, pelo Prof. Nib Sohendra. O cianoacrilato não depende dos fatores de coagulação por se tratar de um polímero que solidifica em segundos quando em contato com umidade, sangue ou fluídos tissulares, permitindo a interrupção do sangramento em 100% dos casos.

Nesse video, resumimos o passo a passo, as indicações clínicas e os principais cuidados com o uso do cianoacrilato. Bons estudos!




Tumor de células granulares do esôfago: relato de caso com revisão da literatura

Relato de Caso

Mulher, 49 anos, hipertensa, sem história familiar ou passados cirúrgicos significativos, procurou o serviço para realizar endoscopia diagnóstica devido à distensão intermitente e regurgitação. O exame físico e os resultados dos exames laboratoriais não mostraram nenhuma anormalidade significativa, enquanto a endoscopia digestiva alta evidenciou lesão nodular branco-amarelada de aspecto subepitelial e consistência fibroelástica em esôfago distal, medindo aproximadamente 6mm.

Tumor de células granulares (visão endoscópica)

Foram realizadas biópsias da lesão esofágica, revelando tumor de células granulares esofágicas.

Optamos pela ressecção da lesão esofágica e, portanto, foi solicitado exame complementar para seu estadiamento.

À ecoendoscopia, o diagnóstico de lesão subepitelial foi confirmado e a lesão foi descrita como oval, hipoecóica, homogênea, de aproximadamente 5,6 mm x 1,6 mm, com limites precisos e contornos regulares, inserido na mucosa profunda, apresentando discreta invasão da camada na submucosa e sem comprometimento de linfonodos regionais.

Tumor de células granulares (visão ecoendoscópica)

Quanto à terapêutica, optamos pela mucosectomia endoscópica com auxílio de banda elástica. O procedimento sucedeu com a identificação da lesão, seguido de delimitação com banda elástica e ressecção com alça diatérmica. À macroscopia da peça, revelou-se livre de lesão às margens laterais.

Tumor de células granulares (peça)

A paciente permaneceu assintomática após o procedimento e o estudo anatomopatológico confirmou o diagnóstico de tumor de células granulares localizado na submucosa, com margens laterais livres e profundas, afirmando a ausência de malignidade.

Tumor de células granulares (lâmina anatomopatológico)

Discussão

Tal paciente está dentro do grupo epidemiológico mais acometido pelos tumores de células granulares do esôfago (TCG) e o diagnóstico, conforme aponta a literatura, foi feito acidentalmente. Sabe-se que, embora pequeno, há risco de crescimento e desenvolvimento de malignidade. Além disso, são evidentes os entraves quanto ao acompanhamento desses casos, logo, de acordo com a paciente, optamos pela ressecção endoscópica. 

Os TCG foram descritos pela primeira vez por Abrikossoff em 1926 e aproximadamente 8% se desenvolvem no trato gastrointestinal, sendo o esôfago responsável por um a dois terços dos casos.

Os TCG esofágicos também podem ser:

  • Vermelhos ou branco-acinzentados
  • Raramente ulcerados
  • Origem neurogênica (derivada das células de Schwann)
  • Pequeno potencial maligno (2 a 4%)
  • Predominantes no sexo feminino e meia-idade
  • Maioria assintomático (principalmente nos menores de 2cm)
  • Achado incidental à endoscopia na sua maioria

EUS é o melhor procedimento para avaliar lesões da submucosa gastrointestinal superior e deve ser realizado em todos os pacientes com o diagnóstico de TCG esofágico, pois o tamanho do tumor e o grau de invasão são importantes para definir o método de tratamento. 

A confirmação diagnóstica pode ser realizada através de:

  • Endoscopia com biópsia (confirmação em 50-83% dos casos);
  • Ressecção endoscópica da mucosa (EMR);
  • Biópsia guiada por EUS
  • Aspiração por agulha fina guiada por EUS

Por endoscopia e EUS, os TCG são difíceis de distinguir de outros tumores submucosos, por exemplo, leiomiomas ou tumores estromais gastrointestinais e, por isso, a análise histopatológica é essencial (13).

Um potencial maligno foi relatado em 2% a 4% dos TCGs esofágicos, especialmente os maiores que 1cm. Os critérios histológicos de malignidade propostos por Fanburg-Smith ainda são discutíveis entre os patologistas, sendo a metástase o único critério de malignidade com concordância unânime. Portanto, a ressecção deve ser realizada, exceto nas lesões menores de 1 cm,  em que os relatos na literatura sugerem conduta conservadora com endoscopia e EUS.

Em geral, várias abordagens endoscópicas estão disponíveis para tratar TCG, incluindo mucosectomia auxiliada por banda elástica, viável em casos confinados à mucosa (16).

Recomendações de conduta da literatura:

  • Lesões menores que 1 cm: pode-se adotar conduta conservadora com endoscopia e/ou EUS;
  • Lesões entre 1 e 2 cm: ressecção endoscópica da mucosa (EMR);
  • Lesões entre 2 e 3 cm: ressecção endoscópica submucosa
  • Lesões maiores que 3cm, originários da muscular própria ou alta suspeita de malignidade: remoção cirúrgica com cirurgia aberta tradicional ou cirurgia toracoscópica

Nossa paciente está dentro do grupo epidemiológico mais acometido pelos tumores de células granulares do esôfago e seu diagnóstico foi estabelecido com ultrassonografia diagnóstica e USE. A conduta menos conservadora foi justificada pelo limite do risco de crescimento e potencial maligno da lesão junto às limitações de realização de séries de EDA no âmbito do sistema público de saúde do país. Em relação ao tratamento propriamente dito, optou-se por realizar a EMR com auxílio de banda elástica, devido à pequena dimensão da lesão (6 mm) e à restrição à mucosa, conforme visualizado anteriormente na USE. O procedimento foi realizado com sucesso, sem complicações, e a amostra foi enviada para estudo anatomopatológico, confirmando o diagnóstico.

Como citar este artigo

Martins SFS. Tumor de células granulares do esôfago: relato de caso com revisão da literatura. Endoscopia Terapeutica 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/tumor-de-celulas-granulares-do-esofago-relato-de-caso-com-revisao-da-literatura/




Endoscopia no Futuro: Inteligência Artificial até que ponto?

O desenvolvimento de carros e transportes inteligentes sem condutor, assistentes virtuais da Alexa e Google Nest gerenciando a rotina domiciliar são uma realidade que permeia a atualidade e respalda um estudo de Oxford o qual estima que 47% das profissões atuais estão em risco de automação.

Na era pós-pandemia do Covid, vimos a aceleração digital alcançar a educação com vídeo-aulas, reuniões virtuais e congressos por conferência remota. Neste sentido, uma das pautas atuais é a inteligência artificial (IA) como tecnologia na Medicina nesta última década. Ela já atua em vários campos da radiologia, oftalmologia, dermatologia e neurologia, desde diagnóstico de imagens em mamografias, lesões malignas cutâneas e na retinopatia diabética. 

Para compreender a IA, é essencial saber as terminologias básicas:

  • Inteligência Artificial (IA): ciência multidisciplinar que envolve aprendizado automatizado;
  • Machine Learning (ML): meio da IA de aprendizado automatizado por computação através de diversos métodos algorítimicos;
  • Deep Learning (DL): um dos meios de ML mais atual por envolver diversas camadas de correlações algorítimicas, podendo ter pesos diferentes em cada conexão, simulando a arquitetura de rede neural.

Na gastroenterologia, a IA entremeia a Endoscopia em dois meios que podem ser vistos no Vídeo:

  • Computer-Aided Detection (CADe): envolve o uso de ML e DL para detecção e localização de lesão. Por exemplo, a indicação de pólipos na colonoscopia, como na Figura 1, denotado por sinal azul claro em forma de retrato envolvendo o pólipo

  • Computer-Aided Diagnosis (CADx): envolve o uso de ML e DL para auxiliar no diagnóstico de lesões. É possível que a IA consiga diferenciar lesões neoplásicas de hiperplásicas na colonoscopia, como visto na Figura 2, com um círculo amarelo envolvendo a na visão endoscópica e demarcação da lesão no campo inferior direito.

Atualmente, o uso de IA encontra-se em diversos estudos e em fases distintas, desde validação, eficácia até a vigilância pós-comercialização com aprovação do FDA (agência reguladora de saúde e serviços nos EUA). Seu uso na endoscopia digestiva alta, cápsula endoscópica e colonoscopia podem ser separados por segmentos:

Esôfago

  • Esôfago de Barrett (EB): Groof et al. obteve uma sensibilidade e especificidade maiores com IA na detecção de EB, respectivamente de 90% e 88%, quando comparado aos especialistas sem CADe de 88% e 72%, respectivamente. Ebigbo et al. desenvolveu um CADx capaz de diagnosticar cancer em EB, bem como diferenciar invasão de submucosa, de T1a de T1b, com 77% de sensibilidade e 64% de especificidade.
  • Carcinoma Espinocelular (CEC): O CADe de Guo et al. conseguiu uma sensibilidade de 98% e especificidade de 95% com o auxílio de cromoscopia NBI.

Estômago

  • Helicobacter pylori: Nakashima e colegas desenvolveram um CADx com sensibilidade à luz branca de 66.7%, à cromoscopia BLI de 96.7% e à cromoscopia com LCI de 96.7%.
  • Câncer precoce: Kanesaka et al. conseguiram delinear por CADx as lesões suspeitas com sensibilidade e especificidade de 65.5% e 80.8%, respectivamente. Zhu e colegas desenvolveram um modelo capaz de diferenciar a profundidade da lesão, de SM1 versus SM2, com sensibilidade de 76.5% e especificidade de 95.6%, auxiliando na avaliação de ressecção endoscópica.

Intestino Delgado

  • Sangramento de intestino delgado: o diagnóstico por cápsula endoscópica de Jia e colegas chegou a 99% de sensibilidade e especificidade. Aoki et al. desenvolveu um CADe para detecção de erosões  e ulcerações com acurácia de 90.8%.

Intestino Grosso

  • Taxa de detecção de pólipo (ADR): Um estudo randomizado de Wang et al. reportou um aumento de ADR no grupo com CADe comparado ao convencional (34% versus 28%).
  • Cancer colorretal: Ito e colegas aplicaram um CADx capaz de diagnosticar a profundidade de invasão de cancer T1b, chegando a acurácia de 81,2%.
  • Doença inflamatória intestinal: Campo ainda com estudos prospectivos em andamento. Maeda et al. desenvolveram um CADx predizendo inflamação histológica em retocolite ulcerativa com acurácia de 91%.

A tecnologia avança exponencialmente e o estudo de Oxford mostra que o profissional do futuro deve estar aberto a inovar e aprender. Isso não difere na Medicina, tanto que em universidades renomadas, como a Harvard Medical School nos EUA, já possuem grades curriculares que antecipam a participação dos alunos no hands-on e contato com paciente e especialidades, bem como a desenvolver soft skills de pensamento crítico, coordenação e tomada de decisão, habilidades ainda além do escopo da IA.

De tantas aplicabilidades que estão em andamento e outras a virem, a IA deverá se apresentar multimodal no campo da endoscopia. Ela envolverá não apenas a detecção e diagnóstico, mas também na decisão clínica através de previsão histológica e de risco metastático em lesões neoplásicas, auxiliando nas condutas e decisões a curto e longo prazo, podendo delinear o prazo ideal de seguimento.

Referências Bibliográficas

  1. Boyle, Kathleen. “TECHNOLOGY AT WORK v6. 0: The Coming of the Post-Production Society.” (2021).
  2. Brown, Jeremy R. Glissen, and Tyler M. Berzin. “Adoption of New Technologies: Artificial Intelligence.” Gastrointestinal Endoscopy Clinics 31.4 (2021): 743-758.
  3. Okagawa, Yutaka, et al. “Artificial intelligence in endoscopy.” Digestive Diseases and Sciences 67.5 (2022): 1553-1572.

Como citar este artigo

Kum, AST e Miyajima, NT. Endoscopia no Futuro: Inteligência Artificial até que ponto? Endoscopia Terapeutica 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/endoscopia-no-futuro-inteligencia-artificial-ate-que-ponto/




Ressecção de parede total gástrica com Padlock

Paciente masculino 68 anos com antecedente pessoal de leucemia tratada, obesidade, diabetes e dislipidemia.

Durante exame de rotina, apresentou em endoscopia digestiva alta lesão elevada medindo 15 mm em grande curvatura de corpo gástrico com vasos aberrantes, apresentando características sugestivas de tumor neuroendócrino (TNE) que foram confirmados em anatomopatológico. A mucosa gástrica de corpo e antro não apresentavam sinais de atrofia, o que levantou a hipótese de um TNE esporádico do tipo III (não relacionado com gastrite atrófica autoimune).

Paciente submetido a complementação diagnóstica com ecoendoscopia, a qual mostrou lesão limitada a segunda e terceira camadas, portanto passível de ressecção endoscópica.

Realizada ressecção endoscópica com a técnica de ligadura elástica sem intercorrências.

O estudo histológico evidenciou acometimento de submucosa com margens profundas e laterais comprometidas. Imuno-histoquimica revelou ki-67 inferior a 2%.

Por tratar-se de provável TNE do tipo 3, ou seja, com risco maior de disseminação linfonodal, optado por tentativa de nova ressecção endoscópica com intuito de evitar um procedimento cirúrgico.

Submetido a novo tratamento com auxílio de over-the-scope-clip (Padlock) para ressecção endoscópica de espessura gástrica total (full thickness endoscopic ressection). Aplicação de dois endoloops de segurança abaixo do OTSC. A remoção da lesão foi obtida com sucesso apresentando pela patologia amostra livre de neoplasia.

Discussão

Resseções endoscópicas de espessura total permitem diagnósticos definitivo e apresentam potencial curativo no tratamento de lesões envolvendo qualquer camada da parede do trato gastrointestinal (1). O uso de OTSC para ressecção de parede total no trato gastrointestinal alto é uma técnica emergente para ressecções de lesões epiteliais e subepiteliais selecionadas com evidência de eficácia e segurança em uma série de casos(2-4). O uso da técnica se mostra mais favorável com lesões subepiteliais medindo até 1,5 cm, visto que lesões maiores podem apresentar dificuldade para serem aspiradas dentro do cap antes da liberação do clipe(5). Cumpre salientar que o clipe Padlock não é recomendado para ressecção de espessura total do TGI. Sua aprovação na ANVISA está ligada a tratamento de fístulas e sangramento digestivos

Comentários Finais

A técnica de ressecção endoscópica de espessura total permite o tratamento definitivo de lesões envolvendo camadas mais profundas dos órgãos do trato gastrointestinal , principalmente para lesões medindo até 1,5cm de diâmetro. A ressecção endoscópica de parede total pode ser uma possibilidade terapêutica para casos selecionados de lesões profundas do trato gastrointestinais.

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Referências

1.Feng Y, Yu L, Yang S, et al. Endolumenal endoscopic full-thickness resection of muscularis propria-originating gastric submucosal tumors. J Laparoendosc Adv Surg
2. Schmidt A, Damm M, Caca K. Endoscopic full-thickness resection using a novel  over-the-scope device. Gastroenterology 2014;147:740-742 e2
Sarker S, Gutierrez JP, Council L, et al. Over-the-scope clip-assisted method for  resection of full-thickness submucosal lesions of the gastrointestinal tract. Endoscopy 2014;46:758-61
4 Fahndrich M, Sandmann M. Endoscopic full-thickness resection for gastrointestinal lesions using the over-the-scope clip system: a case series. Endoscopy 2015;47:76-9.
5. Over-the-scope clip-assisted endoscopic full-thickness resection of epithelial and subepithelial GI lesions

Como citar este artigo

Barros RS, Martins BC. Tumor neuroendócrino. Endoscopia Terapêutica 2023, vol. 1. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/resseccao-de-parede-total-gastrica-com-padlock




Assuntos Gerais: Estenose Péptica de Esôfago

As estenoses pépticas são as estenoses benignas mais comuns do esôfago, porém, seu diagnóstico tem diminuído muito ao longo dos anos, principalmente devido ao uso dos inibidores de bomba de próton (IBP).

A avaliação endoscópica inicial da estenose é fundamental, e deve ser sempre voltada a descartar malignidade, com realização de múltiplas biópsias. Estenose que não permitem a passagem do aparelho, podem ser avaliada com endoscópios finos, se o serviço tiver tal aparelho. Estenoses não ultrapassadas pelo aparelho, devem ser avaliadas com exame de imagem contrastado, como um esofagograma com bário.

As estenoses pépticas em geral são simples, ou seja, curtas (menores que 2 cm – foto 1), retilíneas, e localizadas no terço distal do esôfago, e em geral apresentam boa resposta ao tratamento endoscópico.  Tais estenoses podem estar associadas a outras complicações de refluxo crônico, como esôfago de Barret por exemplo (foto 2).  Deve-se lembrar de outras causas de estenose, como a esofagite eosinofílica, novamente, mostrando a importância das biópsias da área estenosada.

Foto 1 : Estenose distal.
Foto 2 : Estenose com Barret associado.

TRATAMENTO

Clínico

 É de fundamental importância o tratamento com IBP (seja dose simples ou dobrada), visando o controle do Refluxo Gastresofágico, visando o controle da esofagite e a recidiva da estenose, ou pelo menos aumentando o tempo entre as dilatações em casos refratários

Endoscópico

A escolha da terapia endoscópica se baseia no tipo de estenose, extensão e experiência do endoscopista.

A primeira escolha é o tratamento com dilatação, tanto com balão, quanto por sondas dilatadoras, não havendo diferença entre elas nos estudos realizados, sendo a escolha baseada na preferência do endoscopista. As dilatações com sonda tem a vantagem de exercerem forca radial e longitudinal, enquanto os balões apenas radial, mas estes tem a vantagem de serem facilmente acompanhados por fluoroscopia. Os balões são preferidos em estenoses muito “justas” ou anguladas, em geral são do tipo TTS (pelo canal do aparelho) e estagiados, com tamanho máximo de 20mm.

O uso das sondas dilatadoras (as mais comuns são as do tipo Savary-Gilliard) é baseado na sensibilidade tátil do endoscopista. Em geral, se aplica a “regra dos 3”. De forma arbitrária se escolhe a sonda de tamanho estimado da estenose, ou a primeira sonda que oferecer resistência a passagem (esta a importância da experiência do endoscopista), e a partir desta, se dilata com três sondas subsequentes, com aumentos de 1mm cada na mesma sessão (foto 3).

Foto 3 : Aspecto após dilatação com sonda.

Não há consenso sobre o calibre ideal a se atingir com as dilatações, mas em geral 15-16 mm é o objetivo inicial, pois em geral apresentam remissão mais durável.

Após as dilatações, deve-se avaliar o trajeto dilatado, investigando por complicações (sangramentos importante, lacerações profundas ou perfurações evidentes- videos 1 e 2).

Video 1 : Aspecto final após dilatação com sonda de 12mm (paciente 1)

Video 2 : Aspecto final após dilatação com sonda de 12mm (paciente 2)

O uso de fluoroscopia é indicado, principalmente em estenoses mais complexas. O uso de fio guia associado também é importante, sendo a fluoroscopia fundamental quando necessária a passagem de próteses.

Estenose refratária e recidivante (ou recorrente)

Estenose refratária é aquela em que não se consegue atingir o calibre almejado (15-16 mm) em 4-5 sessões

Estenose recidivante (ou recorrente) é aquela que não se mantém mesmo após ter atingido o calibre almejado inicialmente

  • A injeção de esteroides pode ser utilizada em casos onde ocorram recidivas. O mais utilizado é a triancinolona (40mg diluídos em 4 ml, sendo aplicada 1 ml em cada quadrante da estenose), sendo utilizada no máximo em três sessões.
  • Ainda em estenoses refratárias, ou onde não se consegue uma dilatação adequada, pode-se utilizar stents metálicos totalmente recobertos, com taxas de até 45% de sucesso, mas com complicações em torno de 25% como eventos adversos e principalmente migração.
  • Por fim, a cirurgia e reservada para pacientes onde todas as tentativas endoscópicas falharam, na presença de complicações (fístulas por exemplo). Felizmente poucos casos evoluem com necessidade de cirurgia.

Assim, terapia com IBP associado a terapia endoscópica é o tratamento principal para a estenose péptica de esôfago, mesmo em casos refratários, onde se pode lançar mão de injeção de corticoide e uso de próteses esofágicas.

A seguir, se propõe em algoritmo de tratamento para a estenose péptica de esôfago.

Bibliografia

  1. Desai M, Hamade N, Sharma P. Management of Peptic Strictures. Am J Gastroenterol. 2020 Jul;115(7):967-970. doi: 10.14309/ajg.0000000000000655. PMID: 32618639.