Quiz! Lesão polipóide em antro

Paciente masculino, 62 anos, assintomático, foi encaminhado para realização de ecoendoscopia devido ao diagnóstico de lesão subepitelial em antro gástrico. Ecoendoscopia evidenciou lesão hipoecoica, homogênea, de limites mal definidos, acometendo a segunda e terceira camadas (mucosa profunda e submucosa), medindo 10,2 x 9,6 mm.




“Fechando a questão” com clipes tipo “Over the Scope”. Casos clínicos (com vídeos) e revisão da literatura.

Os clipes tipo “over the scope” têm a capacidade de apreender áreas mais amplas com maior força e atingindo camadas mais profundas da parede do trato digestório, como a camada muscular própria. Por estas características têm sido usados para fechamento de defeitos como perfurações e fístulas e também, para fechamento de leitos de ressecções. Além disso podem ser usados para fixação de stents e outros dispositivos. 

Recentemente alguns autores e mesmo diretrizes de sociedades como a ESGE têm advogado seu uso para hemostasia do TGI, em casos de ressangramento e sangramento persistente. A maior parte dos estudos trata do uso dos clipes “over the scope” no manejo de úlceras pépticas. No entanto há interesse crescente em seu uso para o sangramento do TGI inferior.

Há dois tipos de clipes “over the scope” disponíveis: o OTSC® clip (Ovesco Endoscopy AG, Tübingen, Germany) e o clipe Padlock (Steris Corporation)

Nesta publicação vamos postar dois casos clínicos (com vídeos) em que os clipes foram utilizados com funções distintas: para o fechamento de uma fístula gastrocutânea persistente pós GTT e para hemostasia de cólon. À seguir há uma revisão da literatura existente.

Caso 1 – Fistula gastrocutânea persistente pós GTT

Paciente do sexo feminino, com 69 anos, portadora de neoplasia renal metastática, em vigência de tratamento quimioterápico. Paciente evoluindo com disfagia, inapetência e comprometimento importante do estado geral. Equipe de oncologia clínica indicou realização de GTT, realizada em junho de 2020. Paciente evoluiu com BBS (“Buried Bumper Syndrome”) precoce e o manejo realizado na ocasião foi o reposicionamento da sonda com sucesso (Figura 1).

Figura 1. Imagens endoscópicas da realização da GTT (imagens da fileira superior) e aspecto endoscópico do BBS precoce (imagens da fileira inferior)

No mês de Setembro de 2020 a paciente evoluiu com perda da GTT e na ocasião foi realizada troca por sonda de baixo perfil tipo button. Em outubro de 2020 a paciente iniciou um vazamento peri GTT importante associado a dermatite e, na ocasião foi optado pela remoção da sonda de GTT (Figura 2).

Figura 2. Aspecto do abdome da paciente com dermatite e grande vazamento por fístula gastrocutânea pós GTT.

No início de Dezembro de 2020 o orifício da GTT ainda persistia aberto, e a primeira tentativa de manejo endoscópico foi realizada com escarificação do trajeto e uso de clipes convencionais, no entanto, não foi um procedimento que obteve sucesso no fechamento do orifício (Figura 3). 

Figura 3. Primeira tentativa de manejo da fístula gastrocutânea persistente com uso de clipes endoscópicos convencionais

No final de Dezembro optado por fechamento do orifício com uso de clipe Padlock (vídeo). A paciente teve boa evolução pós procedimento com parada de saída de secreção gastroentérica pelo orifício da GTT além de melhora expressiva da dermatite. A figura 4 mostra o aspecto endoscópico e abdominal quatro meses após o procedimento.

Figura 4. Aspecto endoscópico e do abdome da paciente quatro meses após a instalação do clipe Padlock para o tratamento da fístula gastrocitânea persistente.

A Gastrostomia Endoscópica Percutânea (GEP) ou GTT é um procedimento extremamente comum nas rotinas endoscópicas e usualmente indicado para pacientes que necessitam de uma via nutricional alternativa, de médio e longo prazos. Após a remoção da sonda o orifício da gastrostomia geralmente fecha de forma espontânea em até 48-72h.

Nas situações em que o orifício não fecha após 4 semanas temos a chamada fístula pós GTT. Além dos problemas fisiológicos, bioquímicos (dermatite) e eventualmente infecciosos, a fístula gastrocutânea persistente promove sofrimento psicológico para os pacientes. O tratamento pode incluir desde abordagens mais simplificadas, com a remoção de debris e escarificação do orifício associada ao uso de clipes endoscópicos comuns até mesmo o tratamento cirúrgico com gastrorrafia. Outras opções incluem uso de adaptações da sutura endoscópica, trocartes de sutura, plugs de fístula e o uso de clipes tipo “over the scope”. 

Há dados escassos na literatura em relação ao tratamento endoscópico das fístulas gastrocutâneas persistentes pós GTT. O uso do clipe Padlock propiciou o fechamento da fístula com segurança, por meio minimamente invasivo.

Caso 2 – Sangramento digestivo baixo por ectasia vascular

Paciente do sexo feminino, 59 anos, com histórico de enterorragias de repetição, com necessidade de hemotransfusões, apresentando Hb 9,0 mg/dl. A paciente foi submetida a colonoscopia e TC de abdome com o achado de uma ectasia vascular na topografia do cólon descendente (Figuras 5 e 6). A paciente não relatava uso recente de AINEs.

Figura 5. Aspecto da ectasia vascular observado durante colonoscopia
Figura 6. Exame de tomografia computadorizada abdominal mostrando ectasia vascular na topografia do cólon descendente.

Optado por uma primeira tentativa de abordagem da ectasia vascular com uso de clipe endoscópico convencional sem sucesso, com recidiva do sangramento. Optado, então por tratamento de resgate usando o clipe tipo “over the scope” Padlock (vídeos). O tratamento foi bem sucedido e houve recuperação dos níveis de hemoglobina sem recidiva do sangramento no período de seguimento (15 meses).

Como explicitado no início do texto, os clipes tipo “over the scope” devido ás suas características, se tornaram mais populares no manejo de defeitos da mucosa como perfurações agudas ou fístulas. O papel desses clipes na hemostasia mecânica do TGI vem ganhando interesse recente.

David Villaescusa Arenas e colaboradores avaliaram o uso desses dispositivos em uma análise retrospectiva de onze casos de sangramento por úlcera péptica recidivante ou persistente.  Os autores observaram 81,9% de sucesso técnico e 88,9% de sucesso clínico por protocolo, sem efeitos adversos. 

A ESGE e ACG já colocam os clipes tipo “over the scope” como alternativas para o resgate em caso de hemorragia de difícil controle ou recidivante, com bons resultados no que diz respeito às taxas de ressangramento.

Shannon Chan e Phillip Chiu conduziram um estudo clínico randomizado e multicêntrico internacional muito interessante e levantaram uma pergunta clínica instigante: seriam os clipes tipo “over the scope” opções interessantes para o tratamento primário das úlceras pépticas de grandes dimensões (> 1,5 cm)? Os autores compararam os desfechos entre pacientes tratados de forma convencional e com clipes tipo “over the scope”. Não houve diferença entre os grupos em relação às taxas de ressangramento (p=0.23 IC 95% 0.61-6.34) mortalidade (p=0.68 IC 95% 0.37-11.95), na permanência hospitalar ou na necessidade de hemotransfusão. Os autores fizeram ressalvas em relação à curva de aprendizagem para aplicação desses clipes e no eventual impacto que a experiência do expert pode ter em futuros estudos.

Há poucos estudos que tratam da hemostasia de cólon com o uso desses dispositivos, sendo que a maioria deles se refere a sangramento diverticular e relatos de casos, mostrando resultados promissores no que diz respeito às taxas de ressangramento e com taxas de complicações inferiores às dos tratamentos convencionais com hemostasia térmica, ligadura elástica e uso de clipes convencionais.

Os casos acima mostram duas situações em que houve falha do tratamento convencional e os clipes tipo “over the scope” foram usados com sucesso, “fechando a questão”.

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Referências:

  1. Tang S-J. Endoscopic Management of Gastrocutaneous Fistula Using Clipping, Suturing, and Plugging Methods. Video Journal and Encyclopedia of GI Endoscopy (2014) 2, 55–60. http://dx.doi.org/10.1016/j.vjgien.2014.03.001.
  2. Castro J, Cabral J. Pelosof A, Seraphim A, Zitron c.  Combined method for treating gastrocutaneous fistula after percutaneous endoscopic gastrostomy emoval Arq Gastroenterol 2021. v. 58(4): 571-2. doi.org/10.1590/S0004-2803.202100000-101
  3. Villaescusa Arenas D, Rodríguez de Santiago E, Rodríguez Gandía MA, Parejo Carbonell S, Peñas García B, Guerrero García A et al. Over-the-scope-clip (OTSC®) as a rescue treatment for gastrointestinal bleeding secondary to peptic ulcer disease. Rev Esp Enferm Dig 2023;115(2):70-74
  4. Chan S, Pittayanon R, Wang H-P, et al. Use of over-the-scope clip (OTSC) versus standard therapy for the prevention of rebleeding in large peptic ulcers (size ≥1.5 cm): an open-labelled, multicentre international randomised controlled trial. Gut 2023; 72:638–643. doi:10.1136/gutjnl-2022-327007
  5. Gralnek IM, Stanley AJ, Morris AJ, et al. Endoscopic diagnosis and management of nonvariceal upper gastrointestinal hemorrhage (NVUGIH): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline-Update 2021. Endoscopy 2021;53:300-22. DOI: 10.1055/a-1369-5274 7.
  6. Laine L, Barkun AN, Saltzman JR, et al. ACG Clinical Guideline: Upper Gastrointestinal and Ulcer Bleeding. Am J Gastroenterol 2021;116:899-17. DOI: 10.14309/ajg.0000000000001245
  7. Estevinho M M, Pinho R, Gomes C, Correia J, Freitas T. Hemostasis of a bleeding inverted colonic diverticulum. Rev Esp Enferm Dig 2023:115(1):51-52. DOI: 10.17235/reed.2022.9019/2022

Como citar este artigo

Cardoso DMM. “Fechando a questão” com clipes tipo “Over the Scope”. Casos clínicos (com vídeos) e revisão da literatura. Endoscopia Terapêutica 2023, Vol 1. Disponível em:
endoscopiaterapeutica.net/pt/fechando-a-questao-com-clipes-tipo-over-the-scope-casos-clinicos-com-videos-e-revisao-da-literatura/




Injeção Endoscópica de Toxina Botulínica

 Introdução 

Esta revisão visa ilustrar a técnica de injeção endoscópica de toxina botulínica, assim como mostrar seus benefícios e limitações. Iniciaremos com o conceito de acalásia, para depois ilustrar a forma correta de aplicação da técnica citada. Serão também mostrados efeitos da intervenção e preditores de sucesso em longo prazo, além de eventuais complicações.

O principal artigo para elaboração dessa revisão foi: Chan Sup Shim, Endoscopic botulinum toxin injection: Benefit and limitation, Gastrointestinal Intervention, Volume 3, Issue 1,2014, Pages 19-23. https://doi.org/10.1016/j.gii.2014.03.001. 

Acalásia 

Conceito 

É uma desordem motora esofágica que tem como principal sintoma a disfagia, ocorrendo de forma insidiosa. Caracteriza-se pela destruição ou ausência dos plexos nervosos intramurais do esôfago. Essa condição determina ausência de peristaltismo (aperistalse) no corpo do órgão, bem como o relaxamento incompleto do esfíncter inferior do esôfago (EIE) em resposta à deglutição. Consequentemente, há estase esofágica e incoordenação motora. De modo progressivo, ocorre dilatação do órgão e diminuição de sua capacidade de contração. 

Histologia 

  • Histologicamente observa-se destruição do plexo nervoso mioentérico (Auerbach). 
  • A degeneração inflamatória envolve preferencialmente os neurônios inibitórios, que liberam óxido nítrico e peptídeo vasoativo intestinal, afetando o relaxamento da musculatura lisa. 
  • Os neurônios excitatórios estão relativamente poupados. Eles liberam acetilcolina e causam contração da musculatura lisa, contribuindo para o tônus do EIE. 
  • A perda da inervação inibitória do esfíncter inferior do esôfago faz a pressão basal do EIE aumentar, de modo a impedir o relaxamento do mesmo. 
  • No corpo esofágico, a destruição do plexo nervoso resulta em aperistalse.       
Localização dos plexos nervosos na parede do trato gastrointestinal.

O tratamento usual consiste na dilatação com balão ou na miotomia do EIE. A injeção intraesfincteriana de toxina botulínica (botox) emergiu como uma alternativa à dilatação com balão, agindo através do bloqueio da liberação de acetilcolina nos terminais nervosos. 

A toxina botulínica bloqueia a liberação de acetilcolina na junção neuromuscular, diminuindo a contração muscular.

Injeção Endoscópica de Toxina Botulínica 

Técnica endoscópica de injeção de botox: 

  • Consiste na injeção de 100 UI nos quatro quadrantes do EIE (25 UI em cada quadrante), utilizando agulha de escleroterapia.
  • A injeção deve ser feita 1 cm proximal à junção escamocolunar, de forma perpendicular à parede esofágica, na camada muscular.
  • Uma nova injeção de 100 UI após 1 mês pode aumentar a eficácia2

Para aplicação de botox, é necessário diluir o mesmo com SF 0,9% e misturar suavemente, sem agitar a solução.  

Efeitos da intervenção 

Estudos demonstraram que a injeção de toxina botulínica (ITB) nos pacientes com acalásia proporciona uma melhora sintomática significativa comparativamente ao placebo.  

A aplicação de 100 UI, seguida da repetição da dose em um mês demonstrou ser mais eficiente do que aplicações únicas de 50 ou 200 UI2. Contudo, uma redução na eficácia da toxina botulínica tem sido observada no seguimento destes pacientes, provavelmente relacionada à produção de anticorpos contra a sua molécula. 

Estudos mostram que as taxas de resposta 1 mês após a administração são em média de 82% (69–90%). Aos 6 meses, a taxa de resposta clínica cai para 57% (33–77%) e, em 12 meses, para 48% (15–76%). 

Preditores de sucesso em longo prazo 

A ITB, apesar de menos invasiva que a dilatação pneumática e miotomia, ainda apresenta piores resultados a longo prazo em relação a estes métodos. Fatores preditores de melhor resposta à toxina botulínica incluem: 

  • Acalásia vigorosa (tipo III); 
  • Pacientes com pressão do esfíncter esofágico inferior não excedendo mais de 50% do limite superior da normalidade, em pacientes sem acalasia vigorosa 
  • Idade maior que 50/55 anos, sendo a taxa de resposta nesse grupo etário próximo ao dobro da observada na população mais jovem e ainda mais evidente na acalásia clássica; 
  • Forma do tratamento, com reaplicação em 4 semanas. 

Outros fatores como sexo, duração da doença, características radiográficas basais e gravidade dos sintomas iniciais não demonstraram ser preditores de resposta ao tratamento. 

Complicações 

As complicações da administração da toxina botulínica incluem principalmente a dor torácica transitória e azia, sendo reportados casos isolados de bloqueio cardíaco, retenção urinária e pneumotórax. 

Benefícios e limitações 

A ITB, apesar de apresentar menor eficácia terapêutica que os demais métodos, é comumente utilizada como terapia inicial pela sua facilidade técnica e baixa taxa de complicações, sendo preferencialmente reservada para pacientes com comorbidades importantes, em espera para tratamento cirúrgico ou que se recusam outros métodos de tratamento. Destaca-se, porém, o aumento da taxa de perfuração esofágica quando o paciente é submetido, posteriormente, à dilatação pneumática. 

Após a aplicação da toxina botulínica, os pacientes com acalásia devem ser monitorados regularmente, pesquisando possíveis complicações, como dilatação esofágica maciça e carcinoma esofágico.  

Referências

  1. Chan Sup Shim, Endoscopic botulinum toxin injection: Benefit and limitation, Gastrointestinal Intervention, Volume 3, Issue 1,2014, Pages 19-23. https://doi.org/10.1016/j.gii.2014.03.001
  2. V. Annese, G. Bassotti, G. Coccia, M. Dinelli, V. D’Onofrio, G. Gatto, et al. A multicentre randomised study of intrasphincteric botulinum toxin in patients with oesophageal achalasia. GISMAD Achalasia Study Group, Gut, 46 (2000), pp. 597-600.

Como citar este artigo

Passos HL, Bernardes FV, Martins BC. Injeção Endoscópica de Toxina Botulínica. Endoscopia Terapeutica 2023, vol 1. Disponivel em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/injecao-endoscopica-de-toxina-botulinica/




Quiz ! Papel do endoscopista nas neoplasias avançadas esofagogástricas – quando ajudar e quando encaminhar?

O diagnóstico precoce das neoplasias do trato digestivo é essencial para um melhor prognóstico, no entanto muitas vezes a detecção acontece num estágio mais avançado da doença.




Divertículo Intraduodenal (“Windsock Diverticulum”): uma causa rara de obstrução intestinal alta

Paciente feminina, 19 anos, previamente hígida, iniciou com quadro de distensão abdominal e vômitos pós-alimentares recorrentes há cerca de 30 dias. Referia perda ponderal de 3 Kg no período. 

Negava outras comorbidades, uso de medicamentos ou cirurgias prévias.

Ao exame físico mostrava-se emagrecida, desidratada e com abdome distendido em região epigástrica. Sem outras alterações.

Tomografia de abdome evidenciava espessamento inespecífico em segunda porção duodenal promovendo dilatação do bulbo e da câmara gástrica.

Foi então submetida à endoscopia digestiva alta que mostrou septo espesso na transição do bulbo para a segunda porção duodenal, com formação de grande divertículo intraduodenal, com pequeno orifício no fundo diverticular, que não permitia a passagem do endoscópio. A papila duodenal maior encontrava-se na borda do septo e era possível transpor o aparelho para a segunda porção duodenal, pela lateral do divertículo, sem dificuldades.

Figura 1: imagem endoscópico do divertículo intraduodenal. Seta verde: divertículo. Seta preta: septo do divertículo. Seta azul: segunda porção duodenal.
Figura 2: imagem endoscópica do fundo do divertículo. Seta preta: orifício no fundo diverticular.
Figura 3: imagem endoscópica mostrando a relação entre o divertículo e a papila duodenal maior (seta preta).

Após discussão com a paciente e com a equipe cirúrgica sobre as possibilidades terapêuticas, foi optado pela tentativa de tratamento endoscópico.

O procedimento foi realizado com a paciente sob anestesia geral, sendo incialmente identificada a papila duodenal maior e iniciado o corte longe da sua localização. Foi realizada secção de todo o septo do divertículo, com auxílio de cateter tipo “needle-knife”, da sua porção inicial na transição do bulbo para a segunda porção duodenal até o seu orifício distal. Em seguida foi realizada hemostasia das duas bordas com aplicação de clipes metálicos. Procedimento transcorreu sem intercorrências e a paciente foi encaminhada para o quarto.

Figura 4: imagem endoscópica após a secção do septo do divertículo.
Figura 5: imagem endoscópica da hemostasia do septo do divertículo.

No segundo dia de pós-operatório, a paciente apresentou episódio de hematêmese volumosa, com instabilidade hemodinâmica, sendo então encaminhada para a unidade de tratamento intensivo. Foi submetida a nova endoscopia digestiva alta que mostrou sangramento ativo nas bordas seccionadas do divertículo, apesar dos clipes metálicos posicionados. Foi optado, então, pelo tratamento combinado com injeção de solução de adrenalina e colocação de mais clipes metálicos, com parada do sangramento.

Paciente não apresentou recorrência do sangramento sendo reiniciada dieta por via oral, com boa aceitação, 48 horas após a segunda endoscopia. Recebeu alta no 6 PO, com boa tolerância alimentar, sem queixas.

Paciente retornou 30 dias após o procedimento, assintomática, para realização de endoscopia digestiva alta de controle. Procedimento evidenciou apenas pequenos septos seccionados remanescentes na transição do bulbo para a segunda porção duodenal, sem formação diverticular residual, com fácil transposição do endoscópio para a segunda porção duodenal.

Figura 6: imagem endoscópica do controle após 30 dias do procedimento.

Discussão

O divertículo intraduodenal, também chamado de “windsock diverticulum”, é uma anomalia congênita rara, secundária a recanalização incompleta do intestino anterior durante o desenvolvimento embrionário. Inicialmente ele teria o aspecto de uma membrana ou diafragma duodenal e que, com o passar dos anos e com a peristalse, passaria a ter um aspecto mais alongado, formando o divertículo. Seu nome “windsock diverticulum” seria devido a semelhança de seu formato com uma biruta, windsock em inglês (1). 

Ele foi inicialmente descrito em 1885 por Silock e consiste em uma formação diverticular alongada, localizada na segunda porção duodenal, adjacente à papila duodenal maior (2). Um orifício na sua porção distal pode ou não estar presente.

Em geral, o divertículo intraduodenal é assintomático e identificado incidentalmente. Sua sintomatologia pode ser muito variável como náuseas, vômitos, empachamento, distensão ou dor abdominal e, mais raramente, hemorragia digestiva alta, pancreatite aguda ou obstrução intestinal (3).

O diagnóstico pode ser feito através da endoscopia digestiva alta ou de exames radiológicos, como tomografia computadorizada com contraste oral ou raio X contrastado de esôfago, estômago e duodeno (4).

O tratamento pode ser cirúrgico ou endoscópico, não existindo recomendação quanto a melhor técnica devido a baixa prevalência do divertículo intraduodenal. Tem se dado preferência ao endoscópico pela sua menor morbidade (1).  

Existem diferentes técnicas descritas para o tratamento endoscópico, variando desde a diverticulectomia com auxílio de alça de polipectomia até a diverticulotomia com a utilização do “needle-knife” (1). Independente da técnica escolhida, dois cuidados são fundamentais, a identificação da papila previamente à realização do procedimento, devido a proximidade do divertículo com a papila maior, e a realização de hemostasia cuidadosa, uma vez que o divertículo é muito vascularizado e a chance de sangramento pós-procedimento é alta (1).

Apesar de ser uma entidade rara, o médico endoscopista deve estar atento ao diagnóstico do divertículo intraduodenal em pacientes com sintomas gastrointestinais altos. O tratamento endoscópico apresenta bons resultados e deve ser considerado em pacientes sintomáticos.

Referências

  1. Law R, Topazian M, Baron TH. Endoscopic treatment of intraluminal duodenal (“windsock”) diberticulum: varying techniques from five cases. Endoscopy 2012;44:1161-1164.
  2. Silock AQ. Ephithelioma of de ascending colon: enterocolitis, congenital duodenal septum with internal diverticulum. Trans Pathol Soc London 1885;36:207.
  3. Odemis B, Baspinar B, Erdogan C, et al. A rare case of a windsock-shaped intraluminal duodenal diverticulum treated successfully with endoscopic diverticulectomy. Endoscopy 2022;54:E914-E915.
  4. Karagyozov P, Tishkov I, Gdeorgieva Z, et al. Endoscopy International Open 2019;07:E87-E89.

Como citar este arquivo

Retes FA. Divertículo Intraduodenal (“Windsock Diverticulum”): uma causa rara de obstrução intestinal alta. Endoscopia Terapeutica 2023 Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/diverticulo-intraduodenal-windsock-diverticulum-uma-causa-rara-de-obstrucao-intestinal-alta/




Lesão Esofágica Pós-Ablação Cardíaca

A fibrilação atrial é a arritmia cardíaca mais comum sendo o tratamento através da ablação indicado nos casos de doença refratária à medicação. Entretanto devido à proximidade da parede posterior do átrio esquerdo com o esôfago (< 5mm em 40% dos casos), associado a quantidade de energia desprendida no local (potência, tempo e força de contato), tornam o esôfago um potencial sítio de eventos adversos.

Abaixo as possíveis complicações gastrointestinais pós-ablação cardíaca

Dismotilidade do trato gastrointestinal superior

O mecanismo exato dessas lesões não é conhecido, porém a lesão do nervo vago devido à sua proximidade com o esôfago e a parede do átrio esquerdo, é a teoria mais aceita. Curiosamente, a maior parte da dismotilidade parece ser subclínica e muitas vezes diagnosticada incidentalmente. 

Os sintomas geralmente se iniciam 3 dias após a ablação, sendo os mais comuns: refluxo, disfagia, dor torácica por hipomotilidade esofágica, distensão abdominal, saciedade precoce, perda de peso, náuseas e vômitos.

No único estudo prospectivo observacional realizado, 74% dos pacientes submetidos a ablação desenvolveram alguma dismotilidade, porém normalizada em até 6 meses em todos os participantes1.

O tratamento deve ser realizado nos casos sintomáticos, com refeições em menores porções e baixo teor de gordura, além do uso de pró-cinéticos. Nos raros casos refratários pode ser realizada toxina botulínica para espasmo pilórico ou mesmo cirurgia.

Lesões esofágicas

Estudos demonstram uma incidência variável de lesão esofágica após ablação por cateter, variando de 2% a 47%, sendo a grande maioria assintomáticos.

Durante a ablação, altas temperaturas são alcançadas podendo causar danos ao esôfago, variando de eritema leve (mais comum e com ótimo prognóstico) à ulcerações e, em casos raros, pode levar a perfuração esofágica e formação de fístula atrioesofágica2

Como as lesões esofágicas assintomáticas são comuns, a triagem endoscópica precoce pós ablação pode ajudar a identificar os pacientes com maior risco de perfuração esofágica, permitindo vigilância adequada. Abaixo a classificação utilizada para esse estadiamento:

Kansas City Classification (KCC)3

  • Tipo 1: eritema
  • Tipo 2A: úlcera mucosa superficial
  • Tipo 2B: úlcera profunda 
  • Tipo 3A: perfuração esofágica sem fístula atrioesofágica
  • Tipo 3B: perfuração esofágica com fístula atrioesofágica

Em uma revisão que incluiu 570 lesões esofágicas avaliadas endoscopicamente em pacientes assintomáticos, 36% eram tipo 1, 39% tipo 2A e 25% tipo 2B3. No entanto, a avaliação luminal do esôfago é limitada à superfície e pode subestimar a extensão do dano transmural, visto que as lesões são “de fora para dentro”. 3; 4

Deve-se sempre lembrar que nos casos com suspeita de fístula (febre, dor torácica, odinofagia) a endoscopia é contraindicada pelo risco de embolismo gasoso, devendo-se optar pela tomografia com contraste oral e endovenoso para avaliação.

Figura 1: lesão KCC tipo 1
Figura 2: lesão KCC tipo 2A
Figura 3: lesão KCC tipo 2B

Fístula atrioesofágica

A lesão térmica que leva à isquemia e inflamação parece resultar em dano gradual e progressivo da parede esofágica, o que pode explicar por que a perfuração esofágica e posterior fístula podem levar de 2 a 4 semanas para se desenvolverem.

É uma rara, porém gravíssima complicação, com uma incidência de 0,015 a 0,2%, apesar de provavelmente subnotificada. Sua complexidade decorre do diagnóstico tardio e falta de correção cirúrgica a tempo2

Apresenta sinais clínicos variados como febre, hematêmese, alteração do nível de consciência, dor torácica, disfagia, sepse, mediastinite, derrame pleural ou pericárdico. Acidente vascular cerebral (embolia gasosa), septicemia e sangramento gastrointestinal (GI) são os principais fatores que contribuem para taxas de mortalidade que variam de 40% a 100%4.

Conduta

  • Lesões tipo 1 e tipo 2A: inibidor de bomba de prótons (IBP), resposta completa em 2 a 4 semanas
  • Lesões 2B: apresentam 4% de risco de progressão para tipo 3. Internação, jejum / líquidos claros e TC seriadas por 4 a 6 semanas.
  • Lesões tipo 3: uma revisão de literatura demonstrou que o tratamento conservador ou stent esofágico isolado parece ter um desfecho clínico ruim, sendo o reparo cirúrgico precoce associado ou não a stent esofágico a opção de escolha. Os resultados clínicos da terapia combinada (cirurgia + stent) ainda são pouco claros devido ao número reduzido de estudos5.

Nota: apesar de nenhum estudo randomizado ter comprovado o seu benefício, a maioria dos serviços indica periprocedimento e por um período de até 6 semanas o uso rotineiro de IBP e sucralfato.

Abaixo um fluxograma da conduta nos casos suspeitos:

KEY POINTS

  • IBP e sucralfato por 4 a 6 semanas
  • EDA pós ablação para estratificação de risco
  • TC na suspeita de perfuração
  • Classificação de Kansas 
  • Maioria assintomáticos ou sintomas de dismotilidade autolimitados tratados com sintomáticos
  • Perfuração = tratamento cirúrgico precoce, associado ou não a stent esofágico

Referências

  1. LAKKIREDDY, D.  et al. Effect of atrial fibrillation ablation on gastric motility: the atrial fibrillation gut study. Circ Arrhythm Electrophysiol, v. 8, n. 3, p. 531-6, Jun 2015. ISSN 1941-3084. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25772541 >. 
  2. GARG, L.  et al. Gastrointestinal complications associated with catheter ablation for atrial fibrillation. Int J Cardiol, v. 224, p. 424-430, Dec 01 2016. ISSN 1874-1754. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27690340 >. 
  3. YARLAGADDA, B.  et al. Temporal relationships between esophageal injury type and progression in patients undergoing atrial fibrillation catheter ablation. Heart Rhythm, v. 16, n. 2, p. 204-212, Feb 2019. ISSN 1556-3871. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30273767 >. 
  4. ASSIS, F. R.  et al. Esophageal injury associated with catheter ablation for atrial fibrillation: Determinants of risk and protective strategies. J Cardiovasc Electrophysiol, v. 31, n. 6, p. 1364-1376, Jun 2020. ISSN 1540-8167. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32323383 >. 
  5. ZHOU, B.  et al. Treatment strategy for treating atrial-esophageal fistula: esophageal stenting or surgical repair?: A case report and literature review. Medicine (Baltimore), v. 95, n. 43, p. e5134, Oct 2016. ISSN 1536-5964. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27787367 >. 

Como citar este artigo

Oliveira JFD. Lesão Esofágica Pós-Ablação Cardíaca. Endoscopia Terapeutica 2023 Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/lesao-esofagica-pos-ablacao-cardiaca/




Quiz! Qual diagnótico desse pólipo?

Paciente feminina, 54 anos, com sintomas dispépticos. 

Realizou EDA, que revelou estômago com mucosa normal e H.pylori negativo.

No fundo gástrico, identificado pólipo séssil avermelhado com as características abaixo:




Laudos em endoscopia digestiva alta-parte III Como descrever as alterações encontradas.

Em nossos primeiros artigos sobre o tema (Laudos Endoscópicos e Fotodocumentação) abordamos como o laudo endoscópico deve ser estruturado, destacando a importância de uma boa foto documentação e da coerência entre o que está descrito e o que está documentado nas imagens.

A intenção deste documento é orientar como descrever as características mais importantes das principais alterações endoscópicas.

Obviamente existem preferências individuais na maneira de redigir o texto, sendo que alguns preferem texto corrido enquanto outros preferem separar em parágrafos, alguns preferem uso da voz passiva e outros voz ativa, e assim por diante. A escolha do estilo usado na descrição das alterações compete a cada profissional. No entanto, é importante estar atento a alguns princípios.

Fornecer as informações necessárias para enquadrar as lesões dentro de uma classificação validada pela literatura.

Exemplo: classificação de Los Angeles. O endoscopista deve descrever a extensão das erosões (maior ou menor do que 5 mm), se são confluentes ou não, e, em caso de erosões confluentes, descrever se acometem mais ou menos do que 75% da circunferência esofágica.

Escrever de forma objetiva

Evitar informações desnecessárias e um texto prolixo. Isso torna a leitura do seu relatório mais precisa e mais agradável. Vale a pela usar frases curtas sempre que possível.

Usar termos descritores padronizados e validados, de acordo com a Minimal Standard Terminology for Digestive Endoscopy (M.S.T. 3.0)

Segue abaixo uma lista com as alterações endoscópicas mais comuns e as sugestões para descrição que são um verdadeiro guia prático para você:

Esofagite erosiva

O que é importante?

  • descrever a extensão das erosões (maiores ou menores do que 5 mm)
  • presença de confluência ou não
  • em caso de erosões confluentes, descrever se acometem mais ou menos do que 75% da circunferência esofágica.

Exemplos:

Mucosa encontra-se opacificada e espessada na região distal, com erosões (menores/maiores) do que 5 mm, não confluentes (ou confluentes em menos do que 75% da circunferência) ao nível da transição esofagogástrica.

Mucosa do segmento distal do esôfago, ao nível da transição esofagogástrica exibe coloração opaca e perda do padrão vascular. Notam-se erosões lineares menores/maiores do que 5 mm, sem confluência (ou exibindo confluência em menos/mais do que 75% da circunferência).

Esôfago de Barrett

O que é importante?

  • descrever a extensão máxima do acometimento circunferencial (C) e a extensão máxima da projeção de epitélio colunar (M) segundo a classificação de Praga.
  • descrever os achados da avaliação do epitélio colunar, com uso de cromoscopia ou magnificação quando disponível
  • relatar a realização de biópsias e se foram realizadas de forma dirigida ou de acordo com protocolo de Seattle.

Exemplos de descrição:

Nota-se epitelização colunar em esôfago distal sendo circunferencial por 1,0 cm e com extensão máxima de 3,0 cm (Praga C1M3). Realizada cromoscopia virtual com (NBI/LCI), seguido de cromoscopia com solução de ácido acético, não se observando áreas suspeitas para displasia. Realizadas biópsias nos quatro quadrantes conforme protocolo de Seattle.

Nota-se em esôfago distal, junto à transição esofagogástrica (localizada a 38 cm dos incisivos), mucosa apresentando coloração rosa-salmão, com acometimento circunferencial de cerca de 1,0 cm (37-38 cm dos incisivos), e com duas projeções de até 3,0 cm pelas paredes anterior e posterior (35-38 cm). Realizada cromoscopia virtual com (NBI/LCI), seguido de cromoscopia com solução de ácido acético, não se observando áreas suspeitas para displasia. Realizadas biópsias nos quatro quadrantes conforme protocolo de Seattle.

Exemplos de Conclusão

  • Epitelização colunar em esôfago distal.
  • Esôfago de Barrett curto/longo (quando já existe a confirmação diagnóstica),
  • Alterações endoscópicas sugestivas de epitelização colunar em esôfago distal

Esofagite eosinofílica

O que é importante?

  • descrever os segmentos do esôfago acometidos.
  • presença de estrias longitudinais ou não
  • presença de exsudato na superfície mucosa ou não
  • presença de padrão em “traqueização” ou não
  • áreas de estenose
  • a realização de biópsias nos segmentos proximal, médio e distal.

Exemplos de descrição no corpo do laudo:

Mucosa dos segmentos proximal, médio e distal apresenta edema e perda do padrão vascular habitual. Além disso notam-se estrias longitudinais, padrão em “traqueização” e exsudato puntiforme aderido. Não visualizamos segmento estenótico. Realizadas biópsias dos segmentos de esôfago.

Mucosa do esôfago médio e distal apresenta aspecto espessado e esbranquiçado, associado a estrias e fissuras longitudinais, anéis concêntricos e exsudato pontilhado esbranquiçado. Realizadas biópsias de esôfago proximal, médio e distal.

Exemplos de Conclusão

  • Alterações endoscópicas compatíveis com esofagite eosinofílica.
  • Esofagite eosinofílica?

Hérnia hiatal

O que é importante?

  • descrever a relação entre a transição esofagogástrica e o pinçamento diafragmático
  • o endoscopista pode também descrever a distância entre as estruturas anatômicas e os incisivos (ou arcada dentária superior – ADS)

Exemplos de descrição no corpo do laudo:

Transição esofagogástrica situada 2,0 cm acima do pinçamento diafragmático.

Transição esofagogástrica situada a 38 cm da ADS, 2,0 cm acima do pinçamento diafragmático.

Exemplos de Conclusão

  • Hérnia hiatal.
  • Hérnia hiatal por deslizamento.
  • Hérnia hiatal mista (tipo III)

Fundoplicatura

O que é importante?

  • Descrever se a TEG está sob a zona de pressão constituída pela fundoplicatura + hiatoplastia ou se está deslizada (considera-se deslizamento da FPL quando a TEG está situada 2,0 cm acima da zona de pressão)
  • descrever se a fundoplicatura está intra-abdominal ou migrada
  • descrever se a fundoplicatura envolve toda a circunferência da cárdia, se envolve parcialmente a cárdia ou se está desgarrada.
  • descrever se há hérnia paraesofágica ou não

Exemplos de descrição no corpo do laudo:

À retrovisão observa-se fundoplicatura intra-abdominal (ou migrada) envolvendo circunferencialmente (ou parcialmente) a cárdia.

À retrovisão observa-se fundoplicatura migrada e parcialmente desgarrada, associada a hérnia paraesofágica.

Exemplos de Conclusão

  • Fundoplicatura íntegra
  • Fundoplicatura em bom aspecto
  • Fundoplicatura (total ou parcial) com bom aspecto 
  • Fundoplicatura migrada, porém não desgarrada
  • Fundoplicatura desgarrada e migrada

Gastrite enantemática (ou enantematosa)

O que é importante?

  • descrever a distribuição do enantema: restrito ao antro, restrito ao corpo, difuso.
  • descrever a intensidade do enantema: leve, moderado ou acentuado

Exemplos de descrição:

Mucosa de (corpo/antro) apresenta enantema difuso de (leve/moderada) intensidade.

Exemplos de Conclusão

  • Gastrite enantemática leve de antro
  • Pangastrite enantematosa moderada

Gastrite erosiva

O que é importante?

  • descrever a distribuição das erosões: restritas ao antro, ao corpo, difusas.
  • descrever o aspecto das erosões: se planas ou elevadas
  • descrever a intensidade do acometimento: leve, moderado ou acentuado

Exemplos de descrição:

Mucosa de (corpo/antro) apresenta erosões (planas/elevadas) em (pequena/grande) quantidade

Exemplos de Conclusão

  • Gastrite erosiva plana leve de antro.
  • Pangastrite erosiva intensa.

Gastrite atrófica

O que é importante?

  • descrever as características da mucosa atrófica como presença de palidez, aspecto adelgaçado da mucosa, realce da vascularização subeptielial, se há redução numérica e/ou volumétrica das pregas do corpo (em caso de gastrite atrófica de corpo)
  • descrever a extensão do acometimento: restrito ao antro, envolvendo antro e corpo, restrito ao corpo, envolvendo antro e pequena curvatura do corpo, etc.
  • documentar caso haja a realização de biópsias e os respectivos locais

Nota: o endoscopista pode utilizar classificações como a classificação de Kimura-Takenoto ou estadiamento OLGA. Estadiamento OLGA depende da coleta de biópsias nos locais adequados e da solicitação do endoscopista no pedido de anatomopatológico.

Exemplos de descrição:

Mucosa de antro apresenta sinais de atrofia que se estendem para incisura angularis e pequena curvatura de corpo distal. Realizadas biópsias de acordo com protocolo OLGA.

Mucosa de antro e pequena curvatura de corpo exibem palidez, realce da vascularização subepitelial e aspecto adelgaçado, compatível com atrofia. Realizadas biópsias de corpo, antro e incisura de acordo com protocolo OLGA.

Mucosa de corpo e fundo apresenta-se adelgaçada e com maior visualização dos vasos submucosos. Além disso há redução numérica e volumétrica das pregas gástricas. Realizadas biópsias de corpo e antro em frascos separados.

Exemplos de conclusão:

  • Gastrite atrófica de antro.
  • Gastrite atrófica de corpo.
  • Alterações endoscópicas sugestivas de gastrite atrófica de antro / corpo
  • Alterações endoscópicas compatíveis com gastrite atrófica (tipo C-2 de Kimura-Takemoto)

Metaplasia intestinal gástrica

O que é importante?

  • descrever a extensão do acometimento: restrito ao antro, envolvendo antro e corpo, restrito ao corpo, envolvendo antro e pequena curvatura do corpo, etc.
  • descrever se houve a realização de biópsias e os locais.

    • Nota: o endoscopista pode decidir pela realização de biópsias de corpo, antro e incisura e solicitar ao patologista a classificação conforme protocolo OLGIM.

Nota: importante salientar que existem variações no fenótipo da metaplasia intestinal, a qual pode apresentar-se como placas esbranquiçadas levemente elevadas, ou placas superficialmente elevadas com centro deprimido (o centro geralmente é mais avermelhado), ou apenas como múltiplas áreas deprimidas. À magnificação é possível observar alteração do padrão de microarquitetura de superfície, presença de substância branca opaca e sinal da crista azul (light blue crest).

Exemplos de descrição:

Observam-se placas esbranquiçadas discretamente elevadas, sugestivas de metaplasia intestinal, distribuídas por toda extensão do antro. Realizada cromoscopia e biópsias de acordo com protocolo OLGIM.

Notam-se inúmeras áreas superficialmente elevadas, cm coloração vermelha, exibindo padrão de microarquitetura de superfície sugestivo de metaplasia intestinal. As lesões distribuem-se pelo corpo e antro, se destacam após cromoscopia. Realizadas biópsias.

Exemplos de conclusão:

  • Alterações endoscópicas sugestivas de metaplasia intestinal em antro.
  • Focos de metaplasia intestinal em corpo gástrico

Lesão subepitelial

O que é importante?

  • descrever a localização da lesão, seu tamanho estimado, consistência e mobilidade
  • descrever o aspecto da mucosa que recobre a lesão (íntegra ou não)

Exemplos de descrição:

Observa-se lesão elevada recoberta por mucosa íntegra, medindo aproximadamente 10mm, móvel à palpação com a pinça, localizada em parede anterior de antro, compatível com lesão subepitelial.

Nota-se lesão elevada, recoberta por mucosa lisa, de aspecto subepitelial, medindo 2,5 cm, localizada em parede posterior de segmento médio de corpo, endurecida ao toque da pinça.

Exemplos de conclusão:

  • Lesão subepitelial em corpo gástrico.
  • Lesão subepitelial em antro gástrico

Úlcera gástrica

O que é importante?

Importante uma descrição detalhada da úlcera com informações importantes para guiar o tratamento, bem como para levantar suspeita quanto natureza benigna ou maligna. A descrição deve incluir:

  1. localização da úlcera
  2. tamanho
  3. formato (ovalada, alongada)
  4. profundidade (rasa, profunda)
  5. aspecto das bordas (regulares ou não / definidas ou não),
  6. retração ou deformidade das pregas,
  7. aspecto do fundo da úlcera (fibrina, restos necróticos, restos hematínicos, etc)

Finalmente, conclui-se a fase do ciclo da úlcera conforme a classificação de Sakita

No caso de úlcera hemorrágica, descrever a presença de estigmas de sangramento recente (vaso visível, coágulo aderido) conforme classificação de Forrest, e se foi realizada terapia endoscópica.

Exemplos de descrição:

Na parede anterior do antro distal observa-se uma ulceração profunda, com formato redondo, medindo cerca de 20 mm. A ulceração apresenta bordos regulares, edemaciados e com halo de enantema. O fundo da ulceração é recoberto por fibrina espessa com restos necróticos.

Na pequena curvatura do antro distal, nota-se úlcera superficial em cicatrização, com convergência de pregas, bordas regulares, hiperemiadas e com pequena área linear de fibrina medindo aproximadamente 5 mm.

Na pequena curvatura do antro, presença de retração cicatricial, compatível com cicatriz de úlcera gástrica.

Exemplos de conclusão:

  • Úlcera em atividade no antro gástrico (Sakita A1)
  • Retração cicatricial no antro gástrico (Sakita S2)
  • Cicatriz de úlcera bulbar (Sakita S2)

Anatomia alterada cirurgicamente

O que é importante?

Descrever a alteração anatômica encontrada, o tamanho do remanescente gástrico (se houver) e sempre que possível identificar o tipo de reconstrução de trânsito que foi empregada. Importante descrever o tipo, tamanho e aspecto da anastomose.

A seguir, exemplificaremos as principais cirurgias que lidamos no nosso dia a dia.

Bypass gastrico

O que é importante?

Descrever o tamanho do remanescente gástrico, presença de constrição anelar se houver e estimar o diâmetro da anastomose. Importante avaliar presença de erosões ou ulceras perianastomoticas e se há torção de eixo na alça alimentar.

Exemplos de descrição:

Estômago operado, com evidências de gastroplastia redutora e reconstrução a Y de Roux.

Coto gástrico medindo 4 cm, com mucosa de aspecto preservado.

Anastomose gastrojejunal em bom aspecto, medindo aproximadamente 1,5 cm de diâmetro e sem lesões.

Alça alimentar sem alterações de eixo ou lesões de mucosa.

Exemplos de conclusão:

Gastroplastia redutora com reconstrução a Y de Roux (Bypass gástrico)

Status pós-operatório de gastroplastia redutora com reconstrução em Y de Roux

Gastrectomia Vertical

O que é importante?

Descrever a forma do remanescente gástrico, atentando-se para a transição corpo antro, próximo da incisura angularis, onde pode haver estenose ou torção de eixo.

Exemplos de descrição:

Presença de sutura longitudinal na grande curvatura do corpo, conferindo forma tubular ao órgão.

Transição corpo-antro (ou…. região da incisura angularis) permitindo a passagem do aparelho sem dificuldades.

Mucosa….

Exemplos de conclusão:

Gastrectomia vertical.

Status pós-operatório de gastrectomia vertical.

Como citar este artigo

Cardoso DMM. e Martins BC. Laudos em endoscopia digestiva alta-parte III Como descrever as alterações encontradas. Endoscopia Terapeutica 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/laudos-em-endoscopia-digestiva-alta-parte-iii-como-descrever-as-alteracoes-encontradas/




Dicas para o uso do cianoacrilato na hemorragia digestiva varicosa

O uso do adesivo tissular, n-butil-2-cianoacrilato, foi descrito pela primeira vez em 1986 para tratamento de varizes gástricas, pelo Prof. Nib Sohendra. O cianoacrilato não depende dos fatores de coagulação por se tratar de um polímero que solidifica em segundos quando em contato com umidade, sangue ou fluídos tissulares, permitindo a interrupção do sangramento em 100% dos casos.

Nesse video, resumimos o passo a passo, as indicações clínicas e os principais cuidados com o uso do cianoacrilato. Bons estudos!




Tumor de células granulares do esôfago: relato de caso com revisão da literatura

Relato de Caso

Mulher, 49 anos, hipertensa, sem história familiar ou passados cirúrgicos significativos, procurou o serviço para realizar endoscopia diagnóstica devido à distensão intermitente e regurgitação. O exame físico e os resultados dos exames laboratoriais não mostraram nenhuma anormalidade significativa, enquanto a endoscopia digestiva alta evidenciou lesão nodular branco-amarelada de aspecto subepitelial e consistência fibroelástica em esôfago distal, medindo aproximadamente 6mm.

Tumor de células granulares (visão endoscópica)

Foram realizadas biópsias da lesão esofágica, revelando tumor de células granulares esofágicas.

Optamos pela ressecção da lesão esofágica e, portanto, foi solicitado exame complementar para seu estadiamento.

À ecoendoscopia, o diagnóstico de lesão subepitelial foi confirmado e a lesão foi descrita como oval, hipoecóica, homogênea, de aproximadamente 5,6 mm x 1,6 mm, com limites precisos e contornos regulares, inserido na mucosa profunda, apresentando discreta invasão da camada na submucosa e sem comprometimento de linfonodos regionais.

Tumor de células granulares (visão ecoendoscópica)

Quanto à terapêutica, optamos pela mucosectomia endoscópica com auxílio de banda elástica. O procedimento sucedeu com a identificação da lesão, seguido de delimitação com banda elástica e ressecção com alça diatérmica. À macroscopia da peça, revelou-se livre de lesão às margens laterais.

Tumor de células granulares (peça)

A paciente permaneceu assintomática após o procedimento e o estudo anatomopatológico confirmou o diagnóstico de tumor de células granulares localizado na submucosa, com margens laterais livres e profundas, afirmando a ausência de malignidade.

Tumor de células granulares (lâmina anatomopatológico)

Discussão

Tal paciente está dentro do grupo epidemiológico mais acometido pelos tumores de células granulares do esôfago (TCG) e o diagnóstico, conforme aponta a literatura, foi feito acidentalmente. Sabe-se que, embora pequeno, há risco de crescimento e desenvolvimento de malignidade. Além disso, são evidentes os entraves quanto ao acompanhamento desses casos, logo, de acordo com a paciente, optamos pela ressecção endoscópica. 

Os TCG foram descritos pela primeira vez por Abrikossoff em 1926 e aproximadamente 8% se desenvolvem no trato gastrointestinal, sendo o esôfago responsável por um a dois terços dos casos.

Os TCG esofágicos também podem ser:

  • Vermelhos ou branco-acinzentados
  • Raramente ulcerados
  • Origem neurogênica (derivada das células de Schwann)
  • Pequeno potencial maligno (2 a 4%)
  • Predominantes no sexo feminino e meia-idade
  • Maioria assintomático (principalmente nos menores de 2cm)
  • Achado incidental à endoscopia na sua maioria

EUS é o melhor procedimento para avaliar lesões da submucosa gastrointestinal superior e deve ser realizado em todos os pacientes com o diagnóstico de TCG esofágico, pois o tamanho do tumor e o grau de invasão são importantes para definir o método de tratamento. 

A confirmação diagnóstica pode ser realizada através de:

  • Endoscopia com biópsia (confirmação em 50-83% dos casos);
  • Ressecção endoscópica da mucosa (EMR);
  • Biópsia guiada por EUS
  • Aspiração por agulha fina guiada por EUS

Por endoscopia e EUS, os TCG são difíceis de distinguir de outros tumores submucosos, por exemplo, leiomiomas ou tumores estromais gastrointestinais e, por isso, a análise histopatológica é essencial (13).

Um potencial maligno foi relatado em 2% a 4% dos TCGs esofágicos, especialmente os maiores que 1cm. Os critérios histológicos de malignidade propostos por Fanburg-Smith ainda são discutíveis entre os patologistas, sendo a metástase o único critério de malignidade com concordância unânime. Portanto, a ressecção deve ser realizada, exceto nas lesões menores de 1 cm,  em que os relatos na literatura sugerem conduta conservadora com endoscopia e EUS.

Em geral, várias abordagens endoscópicas estão disponíveis para tratar TCG, incluindo mucosectomia auxiliada por banda elástica, viável em casos confinados à mucosa (16).

Recomendações de conduta da literatura:

  • Lesões menores que 1 cm: pode-se adotar conduta conservadora com endoscopia e/ou EUS;
  • Lesões entre 1 e 2 cm: ressecção endoscópica da mucosa (EMR);
  • Lesões entre 2 e 3 cm: ressecção endoscópica submucosa
  • Lesões maiores que 3cm, originários da muscular própria ou alta suspeita de malignidade: remoção cirúrgica com cirurgia aberta tradicional ou cirurgia toracoscópica

Nossa paciente está dentro do grupo epidemiológico mais acometido pelos tumores de células granulares do esôfago e seu diagnóstico foi estabelecido com ultrassonografia diagnóstica e USE. A conduta menos conservadora foi justificada pelo limite do risco de crescimento e potencial maligno da lesão junto às limitações de realização de séries de EDA no âmbito do sistema público de saúde do país. Em relação ao tratamento propriamente dito, optou-se por realizar a EMR com auxílio de banda elástica, devido à pequena dimensão da lesão (6 mm) e à restrição à mucosa, conforme visualizado anteriormente na USE. O procedimento foi realizado com sucesso, sem complicações, e a amostra foi enviada para estudo anatomopatológico, confirmando o diagnóstico.

Como citar este artigo

Martins SFS. Tumor de células granulares do esôfago: relato de caso com revisão da literatura. Endoscopia Terapeutica 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/tumor-de-celulas-granulares-do-esofago-relato-de-caso-com-revisao-da-literatura/