QUIZ – ENDOSCOPIA PEDIÁTRICA

Em se tratando da população pediátrica, é sabido que a realização de biópsias em áreas macroscopicamente normais à endoscopia aumenta sobremaneira o diagnóstico de muitas doenças.




QUIZ! Achado em antro gástrico. Você acerta esta aqui?

Paciente de 31 anos encaminhado ao cirurgião para “gastrectomia por GIST gástrico”. Paciente nega qualquer sintoma no momento, tendo realizado endoscopia por queixas dispépticas há cerca de 4 meses. Traz o exame de endoscopia (fotos de interesse abaixo), não tendo sido realizadas biópsias.

 




Artigos comentados – Julho 2018

Apresentamos os artigos considerados de maior relevância na área de endoscopia que foram publicados recentemente.

 

Peroral Endoscopic Pyloromyotomy Is Efficacious and Safe for Refractory Gastroparesis: Prospective Trial With Assessment of Pyloric Function

J Jacques, L Pagnon, F Hure, R Legros, S Crepin, AL Fauchais, S Palat, P Ducrotté, B Marin, S Fontaine, NE Boubaddi, MP Clement, D Sautereau, V Loustaud-Ratti, G Gourcerol, J Monteil. Endoscopy 2018 Jun 12.

Em um estudo prospectivo e em centro único francês, foi avaliado a viabilidade, segurança e eficácia da piloromiotomia endoscópica perioral (G-POEM) para o tratamento de pacientes com gastroparesia refratária. Foram incluídos 20 pacientes (10 diabéticos e 10 não diabéticos). Os pacientes foram submetidos pré e pós procedimento a avaliação extensiva da função pilórica, tempo de esvaziamento gástrico e escores de sintomas e qualidade de vida. O sucesso técnico do G-POEM foi alcançado em 100% dos pacientes com significante melhora dos sintomas, da qualidade de vida e o tempo de esvaziamento gástrico. Entre outras intercorrências, foram relatados três casos de perfuração com manejo clínico e um caso de perfuração onde foi necessária laparoscopia diagnóstica devido a intesa dor abdominal.

Apesar das intercorrências relatadas, elas foram manejadas predominantemente de modo clínico, sem mortalidade associada. Esse estudo demonstra portanto que G-POEM é potencialmente seguro e eficaz no tratamento da gastroparesia refratária. Novos estudos, preferencialmente multicêntricos e randomizados, seriam ideais para o pleno estabelecimento da técnica.

 

Non-Superiority of Lumen-Apposing Metal Stents Over Plastic Stents for Drainage of Walled-Off Necrosis in a Randomised Trial

JY Bang, U Navaneethan, MK Hasan, B Sutton, R Hawes, S Varadarajulu. Gut 2018 Jun 01.

Outros estudos que valem a leitura:

Screening for Dysplasia With Lugol Chromoendoscopy in Longstanding Idiopathic Achalasia

FA Ponds, A Moonen, AJPM Smout, WOA Rohof, J Tack, S van Gool, R Bisschops, AJ Bredenoord, GE Boeckxstaens. Am. J. Gastroenterol 2018 May 11.

Deep Learning Localizes and Identifies Polyps in Real Time with 96% Accuracy in Screening Colonoscopy

G Urban, P Tripathi, T Alkayali, M Mittal, F Jalali, W Karnes, P Baldi. Gastroenterology 2018 Jun 18.

Colorectal Cancer Screening for Average-Risk Adults: 2018 Guideline Update From the American Cancer Society

AMD Wolf, ETH Fontham, TR Church, CR Flowers, CE Guerra, SJ LaMonte, R Etzioni, MT McKenna, KC Oeffinger, YT Shih, LC Walter, KS Andrews, OW Brawley, D Brooks, SA Fedewa, D Manassaram-Baptiste, RL Siegel, RC Wender, RA Smith. CA Cancer J Clin 2018 May 30.

No Superiority of Stents vs Balloon Dilatation for Dominant Strictures in Patients With Primary Sclerosing Cholangitis

CY Ponsioen, U Arnelo, A Bergquist, EA Rauws, V Paulsen, P Cantú, I Parzanese, EM De Vries, KN Van Munster, K Said, O Chazouillères, B Desaint, A Kemgang, M Färkkilä, S Van der Merwe, W Van Steenbergen, HU Marschall, PO Stotzer, D Thorburn, SP Pereira, L Aabakken. Gastroenterology 2018 May 24.




QUIZ! Técnicas de cirurgia bariátrica

Você é bom em anatomia bariátrica?  Demonstre o seu conhecimento identificando corretamente as técnicas cirúrgicas utilizadas baseando-se nas imagens endoscópicas!

Cada uma das 5 linhas de fotos corresponde a uma técnica diferente:




QUIZ !!! Teste seus conhecimentos !!!

 

Paciente sexo feminino, 64 anos de idade, portadora de sintomas dispépticos, submetida a EDA com os seguintes achados. Qual é o diagnóstico dessas alterações em segunda porção duodenal?




METÁSTASE GÁSTRICA DE MELANOMA

Metástases gástricas de melanoma

Metástase de melanoma pigmentado constituída de células epitelióides pleomórficas; coloração de hematoxilina e eosina, 40x.

O melanoma maligno é uma das doenças malignas mais comuns que metastatizam para o tubo digestivo. A metástase pode ocorrer no momento do diagnóstico primário ou décadas após, como primeiro sinal de recorrência. Os sítios mais comuns de metástases de melanoma maligno são o intestino delgado (50%), cólon (31,3%), estômago (20%) e ânus e reto (25%)(1).

Já melanoma maligno primário do gastrointestinal pode surgir em várias áreas do trato digestivo: 33% estão localizados na nasofaringe, 5,9% no esôfago, 2,7% no estômago, 2,3% no intestino delgado, 1,4% na vesícula biliar, 9% no cólon, 22% no reto e 31% na região anal (2, 3).

Os pacientes com metástases de melanoma para o TGI podem apresentar sintomas como dor abdominal, disfagia, obstrução do intestino delgado, diarreia, hematêmese e melena (1), mas frequentemente são inespecíficos, e a indicação de realizar a endoscopia normalmente é investigação de anemia crônica por deficiência de ferro (2).

Endoscopicamente, as metástases gástricas do melanoma podem apresentar-se como úlceras pigmentadas enegrecidas, pigmentos enegrecidos difusos na mucosa, múltiplos diminutos nódulos na mucosa ou submucosa, lesões polipoides ou massas extrínsecas. Essas lesões são frequentemente pigmentadas, porém podem apresentar-se de forma não-pigmentadas, mimetizando outras neoplasias epiteliais e linfoma MALT. Portanto, as biópsias são mandatórias em pacientes com história de melanoma submetidos à endoscopia, mesmo em lesões não-pigmentadas. A cápsula endoscópica ou enteroscopia são úteis quando há suspeita de lesão no delgado. O PET-CT tem alta sensibilidade para detectar metástases de melanoma, entretanto não é capaz de detectar metástases gástricas (2).

A intervenção cirúrgica pode ser realizada especialmente em pacientes sintomáticos, para alívio da dor e melhora da qualidade de vida. Médicos oncologistas escolhem imunoterapia sistêmica com o anticorpo monoclonal anti-CTLA4 ipilimumab, que tem sido provada como tratamento efetivo para melanoma metastático (2).

O prognóstico é ruim, com sobrevida média de 4 a 6 meses.

Referência

1. Pommer B et al. Gastric metastases from malignat melanoma. Endoscopy 2008; 40: E30-E31

2. Genova, Pietro; Sorce, Maria; Gabibi, Daniela; Genova, Gaspare; Gebbbia, Vittorio; Galanti, Daniela; Ancona, Chiara; Valerio, Maria Rosaria. Gastric and Retal Metastases From Malignant Melanoma Presenting With Anemia

Hipocrômica e Tratada com Imunoterapia. Case Report In Oncological Medicine. 2017

3. Rai MP et al. BMJ Case Rep 2018. Doi: 10.116/bcr-2018-224914




QUIZ! – Qual sua hipótese sobre essas lesões elevadas gástricas?

 

Masculino, 45 anos

Queixa de dor epigástrica e empachamento pós-prandial

AP: HAS em uso de atenolol

AF: n.d.n.




QUIZ ! – Sobre os achados duodenais em Doença Celíaca :

 

 

 




Esôfago negro

Esôfago proximal

Esôfago proximal/médio

Esôfago médio

Esôfago distal

Esôfago distal

INTRODUÇÃO

A necrose esofágica aguda (NEA), também conhecida como esôfago negro ou esofagite necrotizante, é uma síndrome rara caracterizada por uma aparência escurecida da mucosa, com comprometimento circunferencial difuso, que afeta principalmente os dois terços distais interrompendo-se abruptamente na junção gastroesofágica (a mucosa gástrica mantém-se normal).

EPIDEMIOLOGIA

A necrose esofágica aguda é uma condição rara com uma prevalência estimada de até 0,2 % em séries de autópsia. Em algumas séries de endoscopia, a prevalência da NEA variou de 0,001 a 0,2% dos casos. A incidência parece ser mais do que quatro vezes maior nos homens em comparação com as mulheres e os pacientes têm uma idade média de 68 anos no diagnóstico.

ETIOLOGIA E PATOGÊNESE

A etiologia da necrose esofágica aguda não é clara, mas a isquemia e a obstrução da saída gástrica podem ser eventos desencadeantes. Em alguns relatos tem sido associada ao uso de antibióticos de amplo espectro, infecções (por exemplo, candida albicans, citomegalovírus, vírus do herpes e klebsiella pneumoniae), volvo gástrico, hérnia paraesofágica, hiperglicemia, cetoacidose diabética, síndrome de Stevens-Johnson, vômitos intensos e prolongados, hepatite alcoólica, acidose lática e até dissecção aórtica. Ou seja, em geral são pacientes com quadro clínico bastante debilitado e com risco de comprometimento circulatório.

Outra hipótese para sua etiologia seria a presença de dois eventos associados, onde o inicial, um estado vascular de baixo fluxo, predisporia a mucosa à uma lesão intensa e o segundo causaria uma obstrução da saída gástrica levando à um acúmulo de líquido no estômago, o que promoveria um refluxo gastresofágico, resultando em lesão direta, e por fim, necrose. O que fortalece tal hipótese é que a redução temporária do fluxo sanguíneo esofágico pode resultar em necrose esofágica extensa que se resolve rapidamente quando o fluxo é reestabelecido. Além disso, a necrose esofágica aguda tende a ocorrer no terço distal do esôfago, que é relativamente hipovascularizado em comparação com outros segmentos esofágicos. A necrose da mucosa esofágica e submucosa, com trombose microscópica e recuperação rápida após o reestabelecimento do fluxo são eventos semelhantes aos ocorridos na colite isquêmica.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Aproximadamente 70% dos pacientes com necrose esofágica aguda apresentam hemorragia digestiva alta com hematêmese e melena. Os sintomas podem aparecer rapidamente após um evento desencadeante. Outros sintomas gastrointestinais incluem: disfagia, dor epigástrica e dor torácica. Os pacientes também podem ter sintomas relacionados à  patologia subjacente a qual predispôs ao evento desencadeante inicial e apresentarem-se com sinais de sepse, incluindo taquicardia e hipotensão.

ACHADOS LABORATORIAIS

Os achados laboratoriais não são específicos e frequentemente são devidos à doença subjacente. Eles incluem: acidose lática, hipoalbuminemia, anemia, insuficiência renal e hiperglicemia.

DIAGNÓTICO

A necrose esofágica aguda é habitualmente diagnosticada incidentalmente em pacientes submetidos à endoscopia digestiva alta para avaliação de sangramento gastrointestinal. Embora a aparência endoscópica seja sugestiva, são necessárias biópsias esofágicas para excluir outras etiologias e estabelecer o diagnóstico.

Endoscopia e biópsia – Na endoscopia, é caracterizada por descoloração periférica circunferencial com tecido hemorrágico friável subjacente associado a diminutos pontos enegrecidos, e também por uma delimitação precisa entre a mucosa esofágica e a gástrica, a qual tem aparência normal distalmente à junção gastroesofágica.

Geralmente envolve o terço distal do esôfago, embora o envolvimento proximal tenha sido descrito. À medida que a doença progride, o esôfago pode ficar parcialmente coberto com exsudatos brancos espessos que são descolados facilmente revelando um tecido de granulação rosa. Esses exsudatos provavelmente representam células mucosas espalhadas.

As biópsias servem para diferenciar a necrose de outras condições nas quais a mucosa também pode estar escurecida e também para descartar causas infecciosas, como por exemplo, candida albicans, citomegalovírus, vírus herpes simples e klebsiella pneumoniae.

Na histologia, há necrose extensa comprometendo a mucosa e a submucosa. Inflamação e destruição parcial de fibras musculares adjacentes podem ocasionalmente ser observadas, e os vasos sanguíneos às vezes são trombosados e/ou ocluídos.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial inclui outras condições em que a mucosa esofágica também pode estar escurecida. A necrose esofágica aguda pode ser diferenciada destas condições pela história clínica e pela biópsia.

  • Melanose – melanose esofágica tem sido descrita em pacientes com esofagite crônica subjacente. É mais comumente observada no esôfago distal. Em contraste com a necrose esofágica aguda, a descoloração é frequentemente focal. As biópsias revelam melanócitos com características de coloração de pigmento semelhantes à melanina.
  • Pseudomelanose – A pseudomelanose é devida à deposição de tecido de pseudomelanina, um pigmento derivado da degradação lisossômica. Na histologia, um pigmento marrom composto por lipofuscina e melanina pode ser visualizado dentro dos macrófagos.
  • Melanoma – O melanoma primário do esôfago é raro. Geralmente se origina no esôfago médio e distal e tem uma aparência polipoide. O diagnóstico é feito pela presença de atividade melanocítica juncional na avaliação histológica da mucosa esofágica.
  • Acantose nigricans – é caracterizada por placas de aspecto aveludado, verrucoso e hiperpigmentado. Embora possa ser benigno, também pode ser um fenômeno paraneoplásico comumente associado a neoplasias malignas intra-abdominais.
  • Resíduo de carvão – O pó de carvão ou o carbono é o pigmento exógeno mais comum a ser depositado nos tecidos do corpo humano. O mecanismo pelo qual o pó de carvão é depositado no esôfago não está claro.
  • Ingestão cáustica – O dano esofágico grave causado pela ingestão de agentes corrosivos pode provocar desprendimento da mucosa e uma pigmentação preta da parede esofágica. Tais pacientes podem apresentar um histórico de ingestão cáustica e podem ter queimaduras orofaríngeas associadas.
  • Esofagite Pseudomembranosa – geralmente é relatada em associação com graves doenças sistêmicas. Uma membrana concêntrica, fina, amarela ou preta, recobre os terços distais e, menos comumente, o esôfago inteiro. Pode ser desalojada da parede, revelando uma mucosa subjacente friável. Na histologia, a pseudomembrana não tem membrana basal e é composta por exsudato fibrinoso e células inflamatórias misturadas.

TRATAMENTO

Existem dados limitados para orientar o manejo da necrose esofágica aguda, e o gerenciamento de tal condição é amplamente baseado na experiência clínica.

A terapêutica inicial consiste em expansão de volume com fluidos intravenosos e tratamento da doença de base. A supressão do acidez gástrica com inibidores de bomba de prótons deve ser adotada para reduzir a lesão péptica adicional. A ingestão oral deve ser evitada por pelo menos 24 horas. O uso da suspensão de sucralfato deve ser considerado pelo seu papel na prevenção de lesão esofágica péptica associada.

As sondas nasogástricas ou nasoenterais devem ser evitadas, a menos que sejam usadas afim de descomprimir uma obstrução da saída gástrica ou se houver vômito persistente. Uma decisão sobre o uso de antimicrobiano e/ou antifúngico deve ser feita individualmente, especialmente na configuração de pacientes que estão criticamente doentes ou parecem estar sépticos.

HISTÓRIA NATURAL

Com cuidados de suporte, a resolução dos achados endoscópicos ocorre na maioria dos pacientes. No entanto, as taxas de mortalidade em pacientes com necrose esofágica aguda variam de 13 a 35%. A mortalidade é em grande parte devido à doença de base, sendo que apenas 6% das mortes são diretamente atribuíveis à complicações da NEA.

COMPLICAÇÕES

  • Perfuração esofágica – A perfuração esofágica é uma complicação aguda da necrose esofágica que ocorre em menos de 7% dos pacientes, mas requer intervenção urgente dada a alta mortalidade associada. A presença de dor retroesternal ou lombar severa persistente pode indicar seu aparecimento. Pacientes com perfuração esofágica podem ter crepitação à palpação da parede torácica devido à presença de enfisema subcutâneo.
  • Estenose esofágica – As estenoses esofágicas são complicações à longo prazo da necrose esofágica aguda e ocorrem em 25 a 40 % dos pacientes. Os pacientes com estenoses geralmente apresentam disfagia gradualmente progressiva e habitualmente requerem dilatação endoscópica.

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Confira também: Esofagite por cândida – Kodsi

Bibliografia

1. Worrell SG, Oh DS, Greene CL, et al. Acute esophageal necrosis: A cases series and long term follow-upAnn Thorac Surg. 2014;98(1):341–2. [PubMed]
2. Kimura Y, Seno H, Yamashita Y. A case of acute necrotizing esophagitisGastrointestinal Endosc. 2014;80(3):525–526. [PubMed]
3. Gurvitis GE, Cherian K, Shami MN, et al. Black esophagus: New insights and multicenter international experience in 2014Dig Dis Sci. 2015;60(2):444–453. [PubMed]
4. Altenburger DL, Wagner AS, Li S, Garavaglia J. A case of black esophagus with histopathologic description and characterizationArch Pathol Lab Med. 2011;135(6):797–8. [PubMed]
5. Grudell AB, Mueller PS, Viggiano TR. Black esophagus: Report of six cases and review of the literature, 1963–2003Dis Esophagus. 2006;19(2):105–110. [PubMed]
6. Gurvitis GE, Shapsis A, Lau N, et al. Acute esophageal necrosis: A rare syndromeJ Gastroenterol. 2007;42(1):29–38. [PubMed]
7. Garas G, Wou C, Sawyer J, et al. Acute oesophageal necrosis syndromeBMJ Case Reports. 2011:bcr1020103423. [PMC free article] [PubMed]
8. Akkinepally S, Poreddy V, Moreno A. Black esophagusCleve Clin J Med. 2009;76(7):400. [PubMed]



Quando devemos associar betabloqueador à nossa ligadura elástica?

 

Hemorragia digestiva alta (HDA) por varizes esofágicas (VE) é uma grave complicação da hipertensão portal, sobretudo em pacientes com cirrose hepática e outra descompensação da doença, como ascite, encefalopatia ou icterícia (1).

O risco de sangramento em pacientes com cirrose em seguimento por 1 ano é estimado em cerca de 12%, com mortalidade de até 30%. Por outro lado, a chance de ressangramento nos pacientes sem tratamento pode atingir 70%, com mortalidade semelhante à do primeiro episódio (1,2). Dessa forma, a prevenção adequada da HDA varicosa constitui um dos principais objetivos na abordagem da hipertensão portal desde o surgimento das primeiras estratégias de tratamento (2).

Os betabloqueadores não seletivos (BBNS) são muito eficazes nos diferentes estágios da cirrose hepática. Dados recentes sugerem que, em pacientes com cirrose compensada, podem reduzir a incidência de complicações clínicas (3). Em pacientes com VE de alto risco para sangramento (médio ou grosso calibre ou finas com sinais da cor vermelha e/ou Child B ou C), reduzem significativamente a incidência do primeiro sangramento. Naqueles com HDA varicosa prévia, previnem a recorrência do sangramento, em associação à ligadura elástica (LE), sendo que o mais importante componente dessa associação é a terapia farmacológica (3).

Com relação à profilaxia primária, as recomendações mais recentes mantem o uso de BBNS ou ligadura elástica (LE) como primeira opção. A escolha, nesse caso, baseia-se nos recursos disponíveis, na experiência do centro de tratamento e na preferência e características do paciente (4,5,6). Por outro lado, alguns estudos avaliaram o benefício da associação de BBNS à ligadura elástica na prevenção do primeiro sangramento em comparação à ligadura elástica isolada.

  • O primeiro, publicado por Sarin e col. em 2005, incluiu 144 pacientes, sendo 72 para LE e 72 para LE associada ao propranolol. Não houve diferença na redução do sangramento ou da mortalidade entre os grupos, porém a recidiva das VE foi menor entre os pacientes que receberam a terapia combinada (7).
  • Outro estudo, mais recente, incluiu 66 pacientes, 32 para LE e 34 para LE associada ao propranolol, com resultados semelhantes (8).
  • Apesar desses e outros trabalhos mostrarem algum benefício, não está indicada, até o momento, a associação de BBNS à LE para os pacientes que nunca apresentaram HDA varicosa.

 

No que diz respeito à profilaxia secundária, não há dúvidas quanto à recomendação de associar-se BBNS à LE (4,5,6). A pergunta é: devemos fazê-lo em todos os pacientes?

  • Reconhecidamente, alguns pacientes (cerca de 15% dos cirróticos) apresentam contraindicação ao uso da medicação.
  • São consideradas contraindicações: Asma ou DPOC, doença vascular periférica, bloqueios cardíacos, insuficiência cardíaca descompensada, diabetes insulinodependente (com episódios de hipoglicemia) e alergia.
  • Além disso, outros 15% dos pacientes com cirrose apresentam intolerância até mesmo a doses mínimas da medicação devido eventos adversos, tais como: broncoespasmo, fadiga, disfunção sexual e dispneia (3).

 

A grande discussão nos últimos anos, envolve o risco do uso de BBNS em pacientes com cirrose e doença hepática avançada. O racional seria o fato dos BBNS reduzirem o débito cardíaco. Pacientes com cirrose e ascite refratária são muito dependentes do débito cardíaco para manter uma pressão arterial média (PAM) adequada. Dessa forma, BBNS poderiam ocasionar piora da perfusão renal e síndrome hepatorrenal, uma condição de alta mortalidade (3).

Inicialmente, Sersté e col. observaram aumento da mortalidade associada ao uso de BBNS em pacientes com ascite refratária, o que levantou essa discussão (9). Um estudo subsequente não confirmou esses resultados, mas mostrou maior mortalidade associada ao uso de BBNS em pacientes com peritonite bacteriana espontânea (PBE) (10). Notadamente, em ambos, os pacientes em uso de BBNS apresentavam PAM significativamente mais baixa que os demais.

Contudo, diversos outros estudos desde então não repetiram esses resultados.  Uma metanálise concluiu que o uso de BBNS não está associado ao aumento na mortalidade de pacientes com cirrose e ascite ou ascite refratária. Além disso, observou-se que, nos trabalhos que apresentaram efeitos deletérios significativos dos BBNS, havia diferença relevante na PAM entre os que usavam ou não a medicação (3, 11).

Portanto, a tendência é evitar associação de BBNS à LE em pacientes com cirrose hepática e pressão arterial baixa (PAS < 90 mmHg), principalmente na presença de ascite volumosa, ascite refratária ou PBE prévia. Esses achados refletem-se nas últimas recomendações quanto às doses da medicação:

  • pacientes sem ascite – dose máxima de propranolol 320 mg/dia e de nadolol 160 mg/dia;
  • pacientes com ascite – dose máxima de propranolol 160 mg/dia e de nadolol 80 mg/dia (4,5,6).

 

Em resumo:

  • não devemos associar BBNS à LE em pacientes com cirrose para profilaxia primária do sangramento varicoso.
  • No caso da profilaxia secundária, a medicação é fundamental e aparece como o mais importante componente dessa associação, porém não deve ser usada em pacientes com contraindicação ou intolerância.
  • Atenção deve ser dada à monitorização dos parâmetros hemodinâmicos do paciente, em especial, aqueles com ascite volumosa, ascite refratária ou PBE prévia. Nesses pacientes, o uso da medicação deve ser visto com cautela e em doses mais baixas.
  • Pressão arterial baixa (PAS < 90 mmHg) está associada a complicações, como síndrome hepatorrenal e, nesse caso, a medicação deve ser descontinuada.

 

REFERÊNCIAS:

  1. Garcia-Tsao G, Bosch J. Management of varices and variceal hemorrhage in cirrhosis. N Engl J Med 2010;362:823-32.
  2. Baiges A et al. Pharmacologic prevention of variceal bleeding and rebleeding. Hepatol Int. 2017.
  3. Garcia-Tsao G. The Use of nonselective betablockers for treatment of portal hypertension. Gastroenterol Hepatol. 2017;13(10):617-619.
  4. de Franchis R; Baveno V Faculty. Expanding consensus in portal hypertension. Report of the Baveno VI Consensus Workshop: stratifying risk and individualizing care for portal hypertension. J Hepatol. 2015;63:743-52.
  5. Garcia-Tsao G, Abraldes JG, Berzigotti A, Bosch J. Portal hypertensive bleeding in cirrhosis: Risk stratification, diagnosis, and management: 2016 practice guidance by the American Association for the study of liver diseases. 2017;65:310-35.
  6. Bittencourt PL et al. Variceal Bleeding: Update of Recomendations from the Brazilian Association of Hepatology. Arq Gastroenterol 2017;54(4):349-355.
  7. Sarin et al. Endoscopic variceal ligation plus propranolol versus endoscopic variceal ligation alone in primary prophylaxis of varicela bleeding. Am J Gastroenterol 2005;100:797-804.
  8. Bonilha DQ et al. Propranolol associated with endoscopic band ligation reduces recurrence of esophageal varices for primary prophylaxis of variceal bleeding: a randomized-controlled trial. Eur J Gastroenterol Hepatol 2015;27(1):84-90.
  9. Sersté et al. Deleterious effects of beta-blockers on survival in patients with cirrhosis and refractory ascites. Hepatology 2010;52(3):1017-22.
  10. Mandorfer M et al. Nonselective β blockers increase risk for hepatorenal syndrome and death in patients with cirrhosis and spontaneous bacterial peritonitis. Gastroenterology 2014; 146(7):1680-90.
  11. Chirapongsathorn, S. et al. Nonselective β-Blockers and Survival in Patients With Cirrhosis and Ascites: A Systematic Review and Meta-analysis. Clin Gastroenterol Hepatol 2016;14(8):1096-1104.