Artigos comentados – Março 2019

 

Bom dia a todos! Vamos iniciar o mês de março com uma pequena seleção de artigos científicos publicados recentemente que acredito ser de interesse de muitos colegas. Foi difícil filtrar e escolher apenas 3 artigos dentro de vários interessantes que saíram ultimamente. Boa leitura!

 

ARTIGO 1: Erradicação completa do Barrett deve ser o objetivo da terapia endoscópica

 

A Terapia Endoscópica de Barrett é cada vez mais utilizada para o tratamento de displasia e adenocarcinoma intramucoso. O tratamento ideal é a ressecção endoscópica (mucosectomia ou ESD) podendo ser combinada com ablação por radiofrequência ou APC-híbrido do epitélio remanescente.

Embora o objetivo seja alcançar a erradicação completa da metaplasia intestinal (ER-MI), a terapia endoscópica, algumas vezes, só é capaz de alcançar a erradicação completa da displasia (EC-D), permanecendo ainda focos de MI no epitélio remanescente.

Nesta meta-análise de 40 estudos (n = 4410) com 12.976 pacientes-anos de acompanhamento total, Sawas et al avaliaram o risco de recorrência de displasia após EC-D versus após ER-MI.

A recidiva de displasia foi relatada em 274/4061 (5%) dos pacientes que obtiveram ER-MI versus 58/349 pacientes (12%) daqueles que atingiram EC-D (RR 2,8).

Da mesma forma, a recorrência de HGD / câncer foi significativamente maior naqueles pacientes que alcançaram apenas EC-D (6%) versus ER-MI (3%; IC95%: 2-4%) (RR 3,6). Nos estudos que relataram a localização anatômica das recidivas, a maioria deles (77%) localizava-se na região da junção gastroesofágica.

Comentário: A erradicação completa de todo o esôfago de Barrett deve ser o objetivo da terapia endoscópica. Qualquer metaplasia intestinal residual que persista tem o potencial de progressão neoplásica. A maioria das recidivas ocorre na região da junção gastroesofágica, e esta área deve ser cuidadosamente examinada durante a endoscopia de vigilância pós ressecção/ablação endoscópica.

 

Sawas T, Alsawas M, Bazerbachi F, et al. Persistent intestinal metaplasia after endoscopic eradication therapy of neoplastic Barrett’s esophagus increases the risk of dysplasia recurrence: meta-analysis. Gastrointest Endosc 2018 Dec 7. (clique no link: https://doi.org/10.1016/j.gie.2018.11.035)

 

 

ARTIGO 2: Retrovisão no cólon ascendente versus segundo exame na visão frontal: resultados de uma meta-análise

 

  • Lesões no cólon direito são frequentemente perdidas durante o exame padrão de colonoscopia.
  • Estudos mostraram que a retrovisão no cólon ascendente pode aumentar a taxa de detecção de adenomas. Outros estudo mostraram que um segundo exame na visão frontal também é capaz de aumentar esses índices.
  • O objetivo desta meta-análise foi comparar as taxas de perda de adenoma e as taxas de detcção de adenoma entre os dois métodos.
  • Foram selecionados 4 estudos com 1882 pacientes.
  • As taxas de perda de adenoma no cólon direito variaram de 8-13% e não houve diferença entre as duas técnicas com relação a essa taxa.
  • O segundo exame de visão frontal no cólon direito aumentou a TDA em 10% (p<.01)
  • A retrovisão no cólon ascendente aumentou a TDA em 6% (p<.01)

 

Comentários: O exame cuidadoso do cólon direito é fundamental para não deixar passar desapercebido lesões sésseis neste segmento. Em especial, os adenomas serrilhados são lesões difíceis de diagnosticar devido sua natureza plana e muito semelhante à mucosa normal adjacente. Limpar as secreções, tirar as bolhas com simeticona, olhar atrás das pregas e finalmente, associar uma destas duas técnicas (ou ambas) pode aumentar sua taxa de detecção de adenomas.

 

Increasing adenoma detection rates in the right side of the colon comparing retroflexion with a second forward view: a systematic review. Madhav Desai, Mohammad Bilal, Nour Hamade, et al. Gastrointest Endosc 2019, Mar .(Clique no link: https://doi.org/10.1016/j.gie.2018.09.006)

 

ARTIGO 3: Biópsias de LST colorretais aumentam fibrose e podem dificultar a ressecção

 

Estudo retrospectivo realizado no Hospital Universitário de Osaka comparou os achados de fibrose submucosa em lesões de crescimento lateral (LSTs) com biópsias prévias versus sem biópsias prévias.

A realização de biópsias previamente à ressecção dobrou o índice de fibrose submucosa severa (20% vs 10% – p=.03).

Não houve diferença entre os grupos com relação ao desfecho do tratamento, ou seja, ressecção completa em bloco e eventos adversos.

Comentários: a propedêutica endoscópica pré-operatória talvez seja um dos maiores desafios para o colonoscopista. Avaliar a lesão com uso de corantes, examinar detalhadamente sua superfície (de preferência com magnificação de imagens) e decidir a melhor estratégia de ressecção é tarefa que exige dedicação e experiência do endoscopista.

Não raramente recebemos pacientes cuja colonoscopia prévia foram feitas múltiplas biópsias! Sinceramente não vejo um bom motivo nem para fazer um único fragmento de biópsia, quanto mais múltiplas. O fato de vir adenocarcinoma no fragmento de anátomo não é contraindicação para ressecção endoscópica. Da mesma forma, o resultado de adenoma de baixo grau ou de alto grau não garante que em alguma outra região da lesão não possa se esconder um adenocarcinoma invasivo.

Não há nada de errado em estudar a lesão, documentar bem e não mexer na lesão num primeiro momento, deixando para decidir com calma posteriormente, conversando com paciente e familiares sobre a melhor estratégia terapêutica, seja por via endoscópica em caráter ambulatorial, ou internado no centro cirúrgico, ou mesmo decidir pela cirurgia.

Embora este estudo não tenha demonstrado impacto negativo nos resultados da ressecção pela fibrose, não podemos nos esquecer que se trata de um centro japonês avançado com alta expertise em ESD. Certamente esses resultados não podem ser extrapolados para centros ocidentais com baixo volume de terapêutica.

Fukunaga S, Nagami Y, Shiba M, et al. Impact of preoperative biopsy sampling on severe submucosal fibrosis on endoscopic submucosal dissection for colorectal laterally spreading tumors: a propensity score analysis. Gastrointest Endosc. 2019 Mar;89(3) (clique no link: https://doi.org/10.1016/j.gie.2018.07.032)




Câncer gástrico precoce – Diagnóstico com cromoscopia e magnificação

Paciente 66 anos, sexo feminino, sem queixas, veio para exame de endoscopia digestiva alta (EDA) para avaliação pré-operatória (gastroplastia redutora).

Após lavagem abundante da câmara gástrica com água e simeticona, identificada gastrite atrófica com metaplasias intestinais em antro, e lesão deprimida suspeita (0-IIc / Classificação de Paris), medindo cerca de 1,5 cm, localizada na grande curvatura para parede anterior de antro distal, fotos a seguir:

Exame com luz branca.

Exame com luz branca.

Exame com cromoscopia com BLI-bright.

Exame com cromoscopia óptica com LCI.

 

Após identificação da lesão com luz branca e com uso da cromoscopia óptica, realizada avaliação com uso da magnificação, sendo possível observar com mais detalhes a linha demarcatória, e a irregularidade das criptas e da vascularização no leito da lesão:

A biópsia demonstrou adenocarcinoma bem diferenciado, intramucoso. A paciente foi então encaminhada para realização de estadiamento com ecoendoscopia, que evidenciou que lesão não apresentava sinais de invasão da submucosa, e não se observaram linfonodomegalias (eusT1aN0Mx).

Paciente foi então encaminhada para realização de ressecção da lesão gástrica pela técnica de dissecção endoscópica da submucosa (ESD) com o Dr Nelson Miyajima (H. Nipo-Brasileiro).

Procedimento ocorreu sem intercorrências. E o AP evidenciou adenocarcinoma bem diferenciado, restrito a mucosa, ausência de invasão linfovascular, e margens livres (estadiamento pTis).

 

Veja mais sobre: processo de limpeza e desinfecção de endoscópios

 




Drenagem interna com pigtail no tratamento de fístula gastrocutânea

Paciente do sexo feminino, 57 anos, no pós operatório tardio de hepatectomia por colangiocarcinoma. Durante o acompanhamento pós operatório evoluiu com carcinomatose peritoneal, ascite e obstrução biliar tratada com a colocação de um stent plástico.

Relata que ha 2 meses apresentou coleção abdominal infectada que foi drenada percutaneamente, evoluindo com fístula gastrocutânea no local da drenagem, que se manteve mesmo após a remoção dos drenos. Foi então encaminhada para avaliação da possibilidade de terapia endoscópica para resolução da fístula.

Na primeira avaliação a paciente estava estável, sem sinais infecciosos, alimentando-se oralmente mas com alto débito pela fístula gastrocutânea.

A tomografia mostrava uma coleção anterior ao estômago comunicando-se com a pele na região do flanco direito.  Presença de ascite em pequena quantidade e espessamento do peritônio e epiplon, compatíveis com carcinomatose. Além disso havia trombose de veia porta com importante circulação colateral perigástrica e esofágica.

Endoscopia Digestiva Alta

A endoscopia demonstrou um orifício fistuloso com aproximadamente 15 mm, localizado na parede anterior do antro proximal. No interior da cavidade da fístula era visível a presença de resíduos alimentares.

 

Orifício fistuloso na parede anterior do antro gástrico proximal com resíduos alimentares no seu interior.

 

Conduta:

Foi então proposto à paciente a realização de drenagem interna para tentar fechar a fístula cutânea.

Inicialmente foi realizada uma fistulografia para avaliar o tamanho da cavidade e os trajetos fistulosos.  Para isso um balão extrator de 15 mm foi utilizado para obstruir o orifício fistuloso  e permitir a injeção de contraste. A fistulografia demonstrou uma coleção perigástrica com 6 cm no maior diâmetro e a presença de 3 trajetos fistulosos para a pele.

Fistulografia. Utilizado balão extrator para ocluir o orifício e permitir a injeção de contraste. Nota-se marca metálica (agulha) colada na pele para marcar o local do orifício gástrico. Presença de prótese biliar plástica colocada previamente.

 

Após a delimitação da fístula o cateter balão desinsuflado foi introduzido no orifício fistuloso e realizada lavagem com soro fisiológico até a saída dos resíduos alimentares e do excesso de fibrina.

Depois da limpeza, o fio-guia foi introduzido com auxílio de um cateter introdutor e uma prótese de duplo pig tail de 7 F por 5 cm foi colocada no interior da cavidade perigástrica através do orifício fistuloso. Após a colocação do pigtail uma sonda nasoenteral foi posicionada em posição pós pilórica.

 

1. Fistulografia. Na imagem nota-se também a prótese biliar colocada previamente. 2. Colocação do fio guia no interior da cavidade da fístula. 3. Cateter de duplo pigtail inserido dentro da fístula e SNE posicionada em posição pós pilórica.

 

Prótese de duplo pigtail colocada no orifício fistuloso. Na última imagem nota-se a presença da SNE.

Evolução:

No dia seguinte ao procedimento o débito da fístula já reduziu consideravelmente.  Foi liberada dieta líquida sem resíduos via oral e iniciada a dieta enteral.  A paciente recebeu alta no segundo dia após a realização do procedimento.

Dez dias após a drenagem interna as fístulas cutâneas fecharam.  A SNE foi removida e dieta de consistência pastosa iniciada. A prótese de pigtail foi mantida em posição.

 

1. Dois orifícios fistulosos cutâneos abertos. 2. Dez dias após o procedimento. Parada completa da drenagem pelas fistulas e cicatrização dos orifícios.

 

No momento a paciente está há mais de 60 dias do procedimento, alimentando-se oralmente e sem recidiva das fístulas cutâneas.

Discussão

Deiscências e fístulas após cirurgias gastrointestinais são geralmente tratadas de forma minimamente invasiva através de drenagem cirúrgica ou percutânea, desvio do trânsito alimentar e oclusão utilizando dispositivos endoscópicos. Vários tratamentos endoscópicos foram propostos com este objetivo.  Os mais comuns incluem o uso de próteses metálicas recobertas, clipes, plugues, colas e terapia a vácuo.

Porém, mesmo quando a colocação de uma prótese metálica recoberta é possível anatomicamente, a drenagem interna (com uso de próteses plásticas de duplo pigtail) pode ser oferecido como primeira linha de tratamento em fístulas mais tardias.  Nestas situações a drenagem interna pode evitar a necessidade de repetidas drenagens percutâneas ou cirúrgicas e também reduzir a necessidade de múltiplas reabordagens endoscópicas.

Além disso, a drenagem interna com pigtail pode ser utilizada como terapia de resgate nas fístulas que se mantém após o tratamento com próteses metálicas recobertas.

Nas fístulas a prótese melhora a drenagem interna favorecendo o retorno da secreção coletada para o órgão, consequentemente reduzindo o débito do trajeto cutâneo, facilitando o seu fechamento.  A presença da prótese também age como um corpo estranho na cavidade e nas bordas do orifício fistuloso causando escarificação e promovendo a reepitelização.

Referências

Gianfranco Donatelli, Jean-Loup Dumont, Fabrizio Cereatti, Parag Dhumane, Thierry Tuszynski, Bertrand Marie Vergeau, Bruno Meduri. Endoscopicinternaldrainageasfirst-linetreatmentfor fistula following gastrointestinal surgery: a case series. Endoscopy International Open 2016

Donatelli G, Dumont JL, Cereatti F et al. Treatment of leaks following sleeve gastrectomy by endoscopic internal drainage (EID). Obes Surg 2015;

Lemmers A, Tan DM, Ibrahim M et al. Transluminal or percutaneous endoscopic drainage and debridement of abscesses after bariatric surgery:a case series. ObesSurg 2015; 25: 2190–2219




Manejo Endoscópico da Síndrome de Boerhaave

Tratamento Endoscópico da Síndrome de Boerhaave

A Síndrome de Boerhaave (SB) é uma rara condição definida como perfuração esofágica espontânea de esôfago normal, não relacionada a corpos estranhos, instrumentação prévia, cirurgia ou trauma.

Após sua descrição inicial em 1724, a SB passou a ser considerada a perfuração gastrintestinal mais letal, com mortalidade próxima a 100%, se não diagnosticada ou se nenhum tratamento for instituído, e 20 – 40% de mortalidade global. A SB pode ser difícil de ser reconhecida na urgência, com possibilidade de um diagnóstico equivocado na apresentação em quase metade dos casos relatados. É mais comum em homens, por volta dos 60 anos de idade, estando a ruptura localizada na maioria dos casos na parede lateral esquerda do terço inferior, com diâmetro médio de 2cm.

Os sintomas mais comuns da SB incluem vômitos (84%), dor torácica (79%), dispneia (53%), dor epigástrica (47%) e disfagia (21%). A tríade de Mackler (dor torácica, vômitos e enfisema) é altamente sugestiva, porém encontrada em apenas um terço dos casos. O exame físico pode revelar enfisema subcutâneo e sinais relacionados ao desenvolvimento de hidropneumotórax.

A radiografia pode evidenciar pneumomediastino, derrame pleural, hidropneumotórax e presença de ar subdiafragmático, no entanto, pode ser normal em cerca de 12% dos pacientes. A tomografia computadorizada com contraste oral é capaz de identificar uma perfuração e o processo inflamatório circundante (por exemplo, mediastinite) – Figura 1. A maioria dos autores recomenda a endoscopia digestiva alta para confirmar a SB, com sensibilidade e especificidade de 100% e 83%, respectivamente – Figura 2. Há, contudo, preocupação quanto ao aumento do tamanho da perfuração existente.

    Figura 1 – Tomografia computadorizada mostrando pneumomediastino (setas) na parte inferior do esôfago no local da perfuração – corte Axial (a) e Coronal (b).

Figura 2 – Imagens endoscópicas mostrando perfuração esofágica (setas) em pacientes com SB.

Até recentemente a intervenção cirúrgica figurava como base do tratamento, no entanto, cirurgias em apresentações agudas carregam um alto nível de complicações. Com os avanços na endoscopia, tem havido um interesse crescente no uso de terapias endoluminais, incluindo sutura (OverStitch, Apollo EndosurgeryInc., Austin, TX, United States), clipes through-the-scope (TTS) e over-the-scope (OTSC, OvescoInc., Tubingen, Germany), além da derivação através de stents esofágicos autoexpansíveis.

O manejo atual da SB inclui tratamentos conservadores, endoscópicos e cirúrgicos. As taxas de sobrevivência para cada tratamento são de 75%, 100% e 81%, respectivamente. Nos casos de diagnóstico precoce e apresentação clínica com sepse, o tratamento cirúrgico é favorecido. O cenário ideal para abordagem endoscópica acontece quando o diagnóstico ocorre dentro das primeiras 48h e não existe sinais de sepse ou contaminação grosseira. O manejo conservador pode ser proposto apenas para pacientes com diagnóstico tardio, sem sepse e boa tolerância à contaminação pleural – quando há falha nesta abordagem geralmente é reconsiderado o tratamento cirúrgico.

O tratamento endoscópico visa principalmente evitar a contaminação séptica e guiar a reepitelização da mucosa esofágica, seja com o stent esofágico ou através da sutura endoscópica.

Os stents foram amplamente avaliados para uso em casos de fístulas esofágicas / perfuração, incluindo pacientes com SB. De fato, seu uso em associação com drenagem torácica tubular ajudou a evitar a cirurgia em 60% dos pacientes na primeira série de casos publicada e apresentou 100% de sucesso clínico em um estudo recente. A principal desvantagem do uso dos stents nesta situação é a migração, que pode ocorrer em até 31% dos pacientes, sendo necessário reposicionamento freqüente e eventualmente colocação de um novo. No que tange o tipo de stent utilizado, os metálicos auto-expansíveis parcialmente cobertos apresentam menor taxa de migração, mantendo boa facilidade de remoção. Com o intuito de mitigar as chances desta complicação faz-se necessário uso de fixação, que pode ser externa (técnica de Shim) ou através de endoclipes, preferencialmente do tipo over-the-scope – Figura 3.

Figura 3 – Uso de stent esofágico metálico autoexpansível totalmente recoberto com fixação externa através de sonda (técnica de Shim).

Endoclipes over-the-scope e dispositivos de sutura endoscópica têm sido utilizados com sucesso na SB, sejam em monoterapia ou eventualmente associados a outras modalidades endoscópicas, como derivação através de stens. Infelizmente no Brasil ainda possuem baixíssima disponibilidade nos centros hospitalares, o que limita consideravelmente suas aplicações – Figura 4.

Figura 4 – Posicionamento do OTSC para fechamento da perfuração sob supervisão fluoroscópica e endoscópica.

Assim, com base no exposto, sugerimos a seguinte abordagem endoscópica: para pacientes com apresentação precoce (<24h) e perfuração ≤1cm, fechamento direto com endoclipe ou sutura endoscópica. Na presença de extravasamento de contraste do esôfago, derrame pleural, empiema ou contaminação mediastinal, a drenagem adjuvante é mandatória, seja por radiologia intervencionista ou cirurgia (cirurgia torácica vídeoassistida ou toracotomia). Para aqueles pacientes com perfuração ≥1cm, o fechamento endoluminal primário pode ser tentado por derivação através da colocação de stent, associada a drenagem pleural, conforme necessário.

Idealmente, faz-se necessário um estudo prospectivo para fortalecer as recomendações apresentadas na literatura médica, bem como padronizar as indicações, o tempo e as características anatômicas para todas as modalidades de tratamento utilizadas.

Referências Bibliográficas

1. Dickinson KJ et al. Endoscopic therapy in the management of Boerhaave syndrome. Endoscopy International Open 2016; 04: E1146–E1150.

2. Tellechea JI et al. Role of Endoscopy in the Management of Boerhaave Syndrome. Clin Endosc 2018;51:186-191

3. Aloreidi Khalil et al. Non-surgical management of Boerhavaave´s syndrome: a case series study and review of the literature. Endoscopy International Open 2018; 06: E92–E97.




CÂNCER GÁSTRICO PRECOCE COM ULCERAÇÃO: SERÁ QUE É FÁCIL CARACTERIZAR?

 

A definição de Câncer gástrico precoce inclui lesões que acometem as camadas mucosa e submucosa independente do acometimento linfático. Alguns problemas surgem à partir daí:

  • A definição de câncer gástrico precoce leva em conta a possibilidade de metástase linfática;
  • O tratamento endoscópico está indicado para lesões com risco zero ou risco negligenciável de metástases linfáticas (Figura 1);
  • Vários autores sugerem uma espécie de “redefinição” do conceito de câncer gástrico precoce levando em consideração as crescentes indicações de tratamento endoscópico;
  • Sabe-se que a presença de ulceras é um dos fatores que impacta nas taxas de metástases linfáticas e, portanto, nas indicações de tratamento endoscópico para o câncer gástrico precoce;
  • Será que é fácil diagnosticar e caracterizar ulcerações nas lesões gástricas precoces?

FIGURA 1. INDICAÇÕES CLÁSSICAS E EXPANDIDAS PARA O TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DO CÂNCER GÁSTRICO PRECOCE

 

De acordo com as diretrizes japonesas existem quatro fatores que impactam nas indicações de tratamento endoscópico para o câncer gástrico precoce: tamanho, diferenciação, profundidade e presença de ulcerações (FIGURA 1).  Três desses fatores (tamanho, profundidade e presença de ulceração) são usualmente determinados durante o exame endoscópico.

No estudo original de Gotoda, no ano 2000, as ulcerações foram definidas com base na avaliação patológica de espécimes cirúrgicos de acordo com a presença de convergência de pregas, fibrose na submucosa ou deformidade de camada muscular própria, e não em alterações descritas durante o exame endoscópico das lesões.

Nas rotinas de avaliação dos pacientes portadores de lesões gástricas precoces, a definição da presença ou não de ulceração é feita durante o exame de endoscopia que antecede o tratamento do paciente, seja ele endoscópico ou cirúrgico. Fica a dúvida se a caracterização inadequada dessas ulcerações poderia conduzir os pacientes a tratamentos mais agressivos e, por vezes, desnecessários.

Sung Park e colaboradores conduziram um estudo muito interessante, publicado no periódico Clinical Endoscopy no ano de 2017,  para avaliar se os endoscopistas eram capazes de diagnosticar a presença de ulceração durante a caracterização de uma lesão gástrica precoce. Endoscopistas receberam um questionário via e-mail com sete imagens endoscópicas de lesões bem diferenciadas tratadas cirurgicamente (FIGURA 2). Em quatro delas (imagens A, B, E e G) havia ulceração descrita durante a análise histopatológica (fibrose em camada submucosa ou muscular própria).

A conclusão dos autores foi que a definição da presença ou não de ulceração variou bastante entre os endoscopistas, principalmente para as lesões que não apresentavam ruptura da integridade mucosa e nem convergência de pregas (FIGURA 3).  A presença de ulceração foi superestimada nos grupos com menor experiência endoscópica, o que levaria esse grupo a indicar tratamentos mais “agressivos” para um grupo de pacientes que poderia se beneficiar do tratamento endoscópico.

FIGURA 3. RESUMO DAS RESPOSTAS AOS QUESTIONÁRIOS (Adaptada do artigo original de Park, SM et al. Clinical Endoscopy 2017)

 

A maior parte dos endoscopistas ficou mais à vontade para diagnosticar ulcerações quando haviam depressões e rupturas da integridade da mucosa (nas figuras A,B,C e G). A presença de convergência de pregas não foi valorizada como um aspecto associado à presença de ulcerações. Cerca de 64% dos endoscopistas diagnosticaram a lesão E como sem ulceração, quando na verdade a presença de convergência de pregas traduz a presença de fibrose em submucosa ou em camadas mais profundas, ou seja, significa ulceração.

Os autores deixam a mensagem que o diagnóstico de ulceração no câncer gástrico precoce ainda envolve muitos questionamentos e dificuldades e que treinamento e experiência do endoscopista  são fundamentais para melhorar as indicações de tratamento endoscópico.

Um ponto interessante levantado por esse estudo foi que toda a fundamentação das indicações de tratamento endoscópico foi feita há cerca de 20 anos com base em espécimes cirúrgicos e com base na definição histopatológica da presença de ulcerações, e não com base em aspectos endoscópicos. Os equipamentos endoscópicos evoluíram bastante nesse período e hoje a maior parte dos serviços dispõe de equipamentos com alta definição de imagem e recursos de cromoscopia. Estudos que reforçam as indicações de tratamento endoscópico com base em critérios endoscópicos que sejam de fácil reconhecimento para o endoscopista se fazem necessários.

Além disso, uma informação prática e de grande importância para os endoscopistas, é que a presença de ruptura da integridade da mucosa e a convergência de pregas são aspectos importantes que definem a presença de ulcerações nas lesões gástricas precoces.

REFERÊNCIAS:

  1. Park SM, Kim BW, Kim JS et al. Can EndoscopicUlcerationsin Early Gastric Cancer Be Clearly Defined before EndoscopicResection? A Survey among Endoscopists. Clin Endosc. 2017 Sep;50(5):473-478.
  2. Barreto SG, Windsor JA. Redefining earlygastric cancer. Surg Endosc. 2016 Jan;30(1):24-37.
  3. Lee HL. Identificationof Ulcerationin Early Gastric Cancer before Resection is Not Easy: Need for a New Guideline for Endoscopic Submucosal Dissection Indication Based on Endoscopic Image. Clin Endosc. 2017 Sep;50(5):410-411.
  4. Gotoda T, Yanagisawa A, Sasako M et al. Incidence of lymph node metastasis from early gastric cancer: estimation with a large number of cases at two large centers. Gastric Cancer. 2000Dec;3(4):219-225.



QUIZ! H. pylori e lesões gástricas




QUIZ!! Tratamento endoscópico do Esôfago de Barrett.

Paciente de 55 anos, sexo masculino, tabagista, obeso (IMC 38 kg/m2), com doença do refluxo gastrointestinal (DRGE) de longa data. Vem em acompanhamento de devido ao achado anterior de esôfago de Barrett (C3M5), cuja a biópsia tinha revelando displasia de baixo grau. Foi submetido à duas terapias ablativas com radiofrequência. Abaixo as fotos do terceiro exame, que demonstrou redução significativa da epitelização colunar em esôfago distal, restando apenas uma pequena área de cerca de 1 cm pela parede anterior junto à TEG. Realizada a terceira sessão de ablação com radiofrequência com um cateter de ablação focal.

Exame com NBI evidenciando área de epitelização colunar em esôfago distal.

Ablação com radiofrequência do esôfago de Barrett.

Aspecto pós-ablação com radiofrequência.

 

 




Mucosectomia de Esôfago com Duette

 
Paciente masculino, 74 anos, encaminhado para realização de endoscopia digestiva alta (EDA) de rotina para acompanhamento de esôfago de Barrett.
A endoscopia revelou esôfago de Barrett curto, porém com área nodular avermelhada não corada com ácido acético.
 

 
Biópsia: adenocarcinoma tubular bem diferenciado, ocorrendo em área de displasia de alto grau em esôfago de Barret com metaplasia intestinal incompleta.
Ecoendoscopia: espessamento da mucosa, porém sem sinais de invasão da submucosa profunda ou da muscular própria. Ausência de acometimento linfonodal. Estadiamento T1a N0 Mx
Foi então indicado a mucosectomia para melhor análise da lesão. (Digo melhor análise, pois até este ponto não sabemos se a ressecção endoscópica pode ser curativa ou não.)
 

 
Anatomopatológico após a ressecção:

  • adenocarcinoma bem diferenciado medindo 0,6 cm,
  • Invasão de submucosa medindo 0,2 cm
  • Presença de invasão perineural.

 
A magnitude da invasão submucosa neste caso, extrapola os critérios considerados adequados para ressecção endoscópica segundo a sociedade europeia de endoscopia (ESGE – clique para ler esse guideline).
Segundo esse guideline, o tratamento endoscópico da neoplasia superficial do Barrett é a primeira opção caso a neoplasia seja restrita a mucosa (T1a).
Em neoplasias com invasão da submucosa (T1b), a ressecção endoscópica pode ser uma alternativa à cirurgia se atender aos seguintes critérios histopatológicos:

  • neoplasias com invasão na submucosa inferior a 500µm
  • histologia bem ou moderadamente diferenciada
  • ausência de invasão vascular e linfática
  • margens livres

 
Quanto à técnica de ressecção, a mucosectomia e a ESD parecem ser igualmente eficazes. O artigo abaixo é um estudo prospectivo randomizado muito bem conduzido que ilustra bem essa situação:
A randomised trial of endoscopic submucosal dissection versus endoscopic mucosal resection for early Barrett’s neoplasia. Gut. 2017 May;66(5):783-793. Terheggen G et al.
“CONCLUSIONS:  In terms of need for surgery, neoplasia remission and recurrence, ESD and EMR are both highly effective for endoscopicresection of early BO neoplasia. ESD achieves a higher R0 resection rate, but for most BO patients this bears little clinical relevance. ESD is, however, more time consuming and may cause severe AE.”
 
Para fechar essa discussão, é importante ressaltar que no caso dos pacientes que já desenvolveram adenocarcinoma ou displasia de alto grau no EB, a ablação do epitélio remanescente deve ser realizada. Isso pode ser feito através de radiofrequência – tecnologia recentemente incorporado em nosso meio – ou através do APC híbrido (não é a técnica de argônio comum!!!). Clique aqui para ver um vídeo desse procedimento.
Copio trecho do guideline da ESGE:
After endoscopic resection of visible abnormalities containing any degree of dysplasia or neoplasia, complete eradication of all remaining Barrett’s epithelium should be strived for, preferably with RFA. (After endoscopic resection of visible abnormalities, recurrence rates between 15 % in 5 years and 30 % in 3 years have been reported for patients in whom the remaining BE is left untreated.)
 




QUIZ! Teste seus conhecimentos sobre pólipos gástricos!

 

 

Você acha que sabe bastante sobre os pólipos gástricos? Então responda a este Quiz!

 

 

 

 




Síndrome de Plummer-Vinson

Dificuldade em engolir ou disfagia é um sintoma comum. Membranas esofágicas, apesar de infrequentes, podem ocorrer em associação com anemia por deficiência de ferro e disfagia. Esta tríade clínica foi denominada de diversas formas: “Síndrome de Plummer–Vinson” (SPV) e “Síndrome de Paterson–Brown–Kelly”. O primeiro termo foi derivado dos nomes de dois médicos americanos da Mayo Clinic (Henry Stanley Plummer e Porter Paisley Vinson), e o segundo por dois otorrinolaringologistas ingleses (Donald Ross Paterson e Adam Brown-Kelly).

A tríade típica da SPV não é vista em todos os pacientes com membrana esofágica. Disfagia e anemia por deficiência de ferro são as características mais comuns, embora alguns pacientes não apresentem uma membrana claramente demonstrável. Da mesma forma, nem todos os pacientes com anemia e membrana esofágica apresentam disfagia.

A Síndrome de Plummer-Vinson (SPV) é uma condição rara e que continua a ser enigmática, apesar de transcorrido um século desde a sua primeira descrição. A literatura disponível sobre sua patogênese, tratamento e história natural é limitada a relatos de casos e série de casos retrospectivas. Apesar de raros relatos em crianças e adolescentes, a maioria dos pacientes acometidos é de meia-idade (47 anos). A raça branca parece ser mais afetada que a negra, bem como as mulheres são muito mais afetadas que os homens (8:1), de tal forma que, em determinado momento, a SPV foi considerada uma doença exclusivamente feminina. Esta notável preponderância feminina pode ser atribuída, pelo menos em parte, a uma maior prevalência de anemia ferropriva entre as mulheres, devido à menor ingestão dietética, perda de sangue menstrual e gravidez.

Patogênese

A patogênese exata da SPV ou da formação da membrana esofágica não é clara porque, pelo menos em parte, tais estudos são difíceis de conduzir devido à natureza infrequente dessa condição. Vários mecanismos foram propostos, como fatores genéticos, nutricionais, autoimunes e infecciosos. No entanto, a anemia ferropênica é único fator aceito por unanimidade para desempenhar um papel. Sabe-se que o trato gastrointestinal é susceptível à ferropenia, dada sua elevada taxa de renovação celular com enzimas dependentes de ferro. Dessa forma, é possível que tal alteração promova degradação da mucosa e formação de membranas, bem como alteração na contração muscular por degradação progressiva dos músculos da faringe devido à redução de enzimas oxidativas ferro-dependentes.

Tratamento

O tratamento dos pacientes com Síndrome de Plummer-Vinson tem por objetivo a correção da anemia, bem como da disfagia.

A reposição com ferro por via oral é eficaz no tratamento da maioria dos pacientes com anemia ferropriva, entretanto, em algumas situações específicas, nas quais a terapia por via oral é insuficiente, a administração de ferro por via parenteral é uma alternativa eficaz.

A dilatação endoscópica através dos dilatadores de Savary-Gilliard ou de balão é bastante eficaz e segura. É recomendada utilização da “regra dos 3”, que consiste em três diâmetros consecutivos de dilatadores em cada sessão, tendo como alvo um diâmetro final de 15mm. Normalmente são necessárias poucas sessões, eventualmente apenas uma, para alcançar resolução da disfagia, com eventos adversos em torno 1-3%.

O desfecho em curto prazo é geralmente favorável porque a disfagia e a anemia podem ser tratadas de forma eficaz. Alguns pacientes podem recidivar, principalmente por causa da descontinuação
de tratamento e menos comumente após uma melhora clínica que parecia estável. As taxas de recorrência variaram entre 14% e 30% e ocorrem geralmente no seguimento a longo prazo.

Outras opções terapêuticas descritas são coagulação com plasma de argônio ou YAG laser, especialmente em casos de múltiplas recorrências.

A Síndrome de Plummer-Vinson está associada a um alto risco de transformação maligna (3% -30%) e por isso é considerada uma lesão pré-cancerosa, principalmente para carcinoma de células escamosas da hipofaringe ou do esôfago superior. Portanto, o acompanhamento a longo prazo desses pacientes é necessário. A vigilância através de endoscopia digestiva alta anual para detecção precoce de neoplasia é recomendada por muitos autores, contudo a eficácia desta recomendação não está confirmada definitivamente.

Caso clínico de exemplo:

Mulher, 45 anos, com queixas de disfagia alta (cervical) progressiva, predominantemente para sólidos, há cerca de um ano e meio.

Nega DM, HAS ou perda de peso neste intervalo de tempo. Não é tabagista ou etilista, tampouco possui histórico de neoplasias nos antecedentes clínicos. Como única intervenção cirúrgica, submeteu-se à gastroplastia redutora à Capella há 7 anos para tratamento de obesidade, sem relato de reganho de peso.

Exames laboratoriais revelaram Hb 9,1g/dL (12-16g/dL), Ht 28,5%,  Ferro sérico 20µg/dL (37-145 µg/dL), Transferrina 80 µg/dL (250-380 µg/dL), Sat. Ferro 19% (20-40%).

No caso em questão, a EDA revelou curto segmento de estenose no esôfago proximal, imediatamente abaixo do cricofaríngeo, composto por finas membranas esbranquiçadas, que ocupavam metade da circunferência local cada e conferiam leve/moderada resistência à passagem do gastroscópio (9,8mm).

As biópsias da área de estenose evideciaram esofagite crônica leve, sem sinais de especificidade. Concomitante à reposição de ferro procedeu-se dilatação endoscópica através de sondas termoplásticas (Savary-Gilliard) até 17mm, obtendo-se excelentes resultados em sessão única:

 

Referências Bibliográficas

1. Goel A, Bakshi S, Soni N, Chhavi N. Iron deficiency anemia and Plummer–Vinson syndrome: current insights. Journal of Blood Medicine. 2017:8 175-184.

2. Goel A, Lakshmi CP, Bakshi SS, Soni N, Koshy S. Single-center prospective study of Plummer-vinson syndrome. Dis Esophagus. 2016;29(7):837–841

3. Bakari G, Benelbarhdadi I, Bahije L, Essaid A. Endoscopic treatment of 135 cases of Plummer-Vinson web: a pilot experience. Gastrointest Endosc. 2014; 80(4):738-741.

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Como citar esse artigo:
Brasil G. Síndrome de Plumer-Vinson. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-de-plummer-vinson/