Manejo Endoscópico da Síndrome de Boerhaave

Tratamento Endoscópico da Síndrome de Boerhaave

A Síndrome de Boerhaave (SB) é uma rara condição definida como perfuração esofágica espontânea de esôfago normal, não relacionada a corpos estranhos, instrumentação prévia, cirurgia ou trauma.

Após sua descrição inicial em 1724, a SB passou a ser considerada a perfuração gastrintestinal mais letal, com mortalidade próxima a 100%, se não diagnosticada ou se nenhum tratamento for instituído, e 20 – 40% de mortalidade global. A SB pode ser difícil de ser reconhecida na urgência, com possibilidade de um diagnóstico equivocado na apresentação em quase metade dos casos relatados. É mais comum em homens, por volta dos 60 anos de idade, estando a ruptura localizada na maioria dos casos na parede lateral esquerda do terço inferior, com diâmetro médio de 2cm.

Os sintomas mais comuns da SB incluem vômitos (84%), dor torácica (79%), dispneia (53%), dor epigástrica (47%) e disfagia (21%). A tríade de Mackler (dor torácica, vômitos e enfisema) é altamente sugestiva, porém encontrada em apenas um terço dos casos. O exame físico pode revelar enfisema subcutâneo e sinais relacionados ao desenvolvimento de hidropneumotórax.

A radiografia pode evidenciar pneumomediastino, derrame pleural, hidropneumotórax e presença de ar subdiafragmático, no entanto, pode ser normal em cerca de 12% dos pacientes. A tomografia computadorizada com contraste oral é capaz de identificar uma perfuração e o processo inflamatório circundante (por exemplo, mediastinite) – Figura 1. A maioria dos autores recomenda a endoscopia digestiva alta para confirmar a SB, com sensibilidade e especificidade de 100% e 83%, respectivamente – Figura 2. Há, contudo, preocupação quanto ao aumento do tamanho da perfuração existente.

    Figura 1 – Tomografia computadorizada mostrando pneumomediastino (setas) na parte inferior do esôfago no local da perfuração – corte Axial (a) e Coronal (b).

Figura 2 – Imagens endoscópicas mostrando perfuração esofágica (setas) em pacientes com SB.

Até recentemente a intervenção cirúrgica figurava como base do tratamento, no entanto, cirurgias em apresentações agudas carregam um alto nível de complicações. Com os avanços na endoscopia, tem havido um interesse crescente no uso de terapias endoluminais, incluindo sutura (OverStitch, Apollo EndosurgeryInc., Austin, TX, United States), clipes through-the-scope (TTS) e over-the-scope (OTSC, OvescoInc., Tubingen, Germany), além da derivação através de stents esofágicos autoexpansíveis.

O manejo atual da SB inclui tratamentos conservadores, endoscópicos e cirúrgicos. As taxas de sobrevivência para cada tratamento são de 75%, 100% e 81%, respectivamente. Nos casos de diagnóstico precoce e apresentação clínica com sepse, o tratamento cirúrgico é favorecido. O cenário ideal para abordagem endoscópica acontece quando o diagnóstico ocorre dentro das primeiras 48h e não existe sinais de sepse ou contaminação grosseira. O manejo conservador pode ser proposto apenas para pacientes com diagnóstico tardio, sem sepse e boa tolerância à contaminação pleural – quando há falha nesta abordagem geralmente é reconsiderado o tratamento cirúrgico.

O tratamento endoscópico visa principalmente evitar a contaminação séptica e guiar a reepitelização da mucosa esofágica, seja com o stent esofágico ou através da sutura endoscópica.

Os stents foram amplamente avaliados para uso em casos de fístulas esofágicas / perfuração, incluindo pacientes com SB. De fato, seu uso em associação com drenagem torácica tubular ajudou a evitar a cirurgia em 60% dos pacientes na primeira série de casos publicada e apresentou 100% de sucesso clínico em um estudo recente. A principal desvantagem do uso dos stents nesta situação é a migração, que pode ocorrer em até 31% dos pacientes, sendo necessário reposicionamento freqüente e eventualmente colocação de um novo. No que tange o tipo de stent utilizado, os metálicos auto-expansíveis parcialmente cobertos apresentam menor taxa de migração, mantendo boa facilidade de remoção. Com o intuito de mitigar as chances desta complicação faz-se necessário uso de fixação, que pode ser externa (técnica de Shim) ou através de endoclipes, preferencialmente do tipo over-the-scope – Figura 3.

Figura 3 – Uso de stent esofágico metálico autoexpansível totalmente recoberto com fixação externa através de sonda (técnica de Shim).

Endoclipes over-the-scope e dispositivos de sutura endoscópica têm sido utilizados com sucesso na SB, sejam em monoterapia ou eventualmente associados a outras modalidades endoscópicas, como derivação através de stens. Infelizmente no Brasil ainda possuem baixíssima disponibilidade nos centros hospitalares, o que limita consideravelmente suas aplicações – Figura 4.

Figura 4 – Posicionamento do OTSC para fechamento da perfuração sob supervisão fluoroscópica e endoscópica.

Assim, com base no exposto, sugerimos a seguinte abordagem endoscópica: para pacientes com apresentação precoce (<24h) e perfuração ≤1cm, fechamento direto com endoclipe ou sutura endoscópica. Na presença de extravasamento de contraste do esôfago, derrame pleural, empiema ou contaminação mediastinal, a drenagem adjuvante é mandatória, seja por radiologia intervencionista ou cirurgia (cirurgia torácica vídeoassistida ou toracotomia). Para aqueles pacientes com perfuração ≥1cm, o fechamento endoluminal primário pode ser tentado por derivação através da colocação de stent, associada a drenagem pleural, conforme necessário.

Idealmente, faz-se necessário um estudo prospectivo para fortalecer as recomendações apresentadas na literatura médica, bem como padronizar as indicações, o tempo e as características anatômicas para todas as modalidades de tratamento utilizadas.

Referências Bibliográficas

1. Dickinson KJ et al. Endoscopic therapy in the management of Boerhaave syndrome. Endoscopy International Open 2016; 04: E1146–E1150.

2. Tellechea JI et al. Role of Endoscopy in the Management of Boerhaave Syndrome. Clin Endosc 2018;51:186-191

3. Aloreidi Khalil et al. Non-surgical management of Boerhavaave´s syndrome: a case series study and review of the literature. Endoscopy International Open 2018; 06: E92–E97.




CÂNCER GÁSTRICO PRECOCE COM ULCERAÇÃO: SERÁ QUE É FÁCIL CARACTERIZAR?

 

A definição de Câncer gástrico precoce inclui lesões que acometem as camadas mucosa e submucosa independente do acometimento linfático. Alguns problemas surgem à partir daí:

  • A definição de câncer gástrico precoce leva em conta a possibilidade de metástase linfática;
  • O tratamento endoscópico está indicado para lesões com risco zero ou risco negligenciável de metástases linfáticas (Figura 1);
  • Vários autores sugerem uma espécie de “redefinição” do conceito de câncer gástrico precoce levando em consideração as crescentes indicações de tratamento endoscópico;
  • Sabe-se que a presença de ulceras é um dos fatores que impacta nas taxas de metástases linfáticas e, portanto, nas indicações de tratamento endoscópico para o câncer gástrico precoce;
  • Será que é fácil diagnosticar e caracterizar ulcerações nas lesões gástricas precoces?

FIGURA 1. INDICAÇÕES CLÁSSICAS E EXPANDIDAS PARA O TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DO CÂNCER GÁSTRICO PRECOCE

 

De acordo com as diretrizes japonesas existem quatro fatores que impactam nas indicações de tratamento endoscópico para o câncer gástrico precoce: tamanho, diferenciação, profundidade e presença de ulcerações (FIGURA 1).  Três desses fatores (tamanho, profundidade e presença de ulceração) são usualmente determinados durante o exame endoscópico.

No estudo original de Gotoda, no ano 2000, as ulcerações foram definidas com base na avaliação patológica de espécimes cirúrgicos de acordo com a presença de convergência de pregas, fibrose na submucosa ou deformidade de camada muscular própria, e não em alterações descritas durante o exame endoscópico das lesões.

Nas rotinas de avaliação dos pacientes portadores de lesões gástricas precoces, a definição da presença ou não de ulceração é feita durante o exame de endoscopia que antecede o tratamento do paciente, seja ele endoscópico ou cirúrgico. Fica a dúvida se a caracterização inadequada dessas ulcerações poderia conduzir os pacientes a tratamentos mais agressivos e, por vezes, desnecessários.

Sung Park e colaboradores conduziram um estudo muito interessante, publicado no periódico Clinical Endoscopy no ano de 2017,  para avaliar se os endoscopistas eram capazes de diagnosticar a presença de ulceração durante a caracterização de uma lesão gástrica precoce. Endoscopistas receberam um questionário via e-mail com sete imagens endoscópicas de lesões bem diferenciadas tratadas cirurgicamente (FIGURA 2). Em quatro delas (imagens A, B, E e G) havia ulceração descrita durante a análise histopatológica (fibrose em camada submucosa ou muscular própria).

A conclusão dos autores foi que a definição da presença ou não de ulceração variou bastante entre os endoscopistas, principalmente para as lesões que não apresentavam ruptura da integridade mucosa e nem convergência de pregas (FIGURA 3).  A presença de ulceração foi superestimada nos grupos com menor experiência endoscópica, o que levaria esse grupo a indicar tratamentos mais “agressivos” para um grupo de pacientes que poderia se beneficiar do tratamento endoscópico.

FIGURA 3. RESUMO DAS RESPOSTAS AOS QUESTIONÁRIOS (Adaptada do artigo original de Park, SM et al. Clinical Endoscopy 2017)

 

A maior parte dos endoscopistas ficou mais à vontade para diagnosticar ulcerações quando haviam depressões e rupturas da integridade da mucosa (nas figuras A,B,C e G). A presença de convergência de pregas não foi valorizada como um aspecto associado à presença de ulcerações. Cerca de 64% dos endoscopistas diagnosticaram a lesão E como sem ulceração, quando na verdade a presença de convergência de pregas traduz a presença de fibrose em submucosa ou em camadas mais profundas, ou seja, significa ulceração.

Os autores deixam a mensagem que o diagnóstico de ulceração no câncer gástrico precoce ainda envolve muitos questionamentos e dificuldades e que treinamento e experiência do endoscopista  são fundamentais para melhorar as indicações de tratamento endoscópico.

Um ponto interessante levantado por esse estudo foi que toda a fundamentação das indicações de tratamento endoscópico foi feita há cerca de 20 anos com base em espécimes cirúrgicos e com base na definição histopatológica da presença de ulcerações, e não com base em aspectos endoscópicos. Os equipamentos endoscópicos evoluíram bastante nesse período e hoje a maior parte dos serviços dispõe de equipamentos com alta definição de imagem e recursos de cromoscopia. Estudos que reforçam as indicações de tratamento endoscópico com base em critérios endoscópicos que sejam de fácil reconhecimento para o endoscopista se fazem necessários.

Além disso, uma informação prática e de grande importância para os endoscopistas, é que a presença de ruptura da integridade da mucosa e a convergência de pregas são aspectos importantes que definem a presença de ulcerações nas lesões gástricas precoces.

REFERÊNCIAS:

  1. Park SM, Kim BW, Kim JS et al. Can EndoscopicUlcerationsin Early Gastric Cancer Be Clearly Defined before EndoscopicResection? A Survey among Endoscopists. Clin Endosc. 2017 Sep;50(5):473-478.
  2. Barreto SG, Windsor JA. Redefining earlygastric cancer. Surg Endosc. 2016 Jan;30(1):24-37.
  3. Lee HL. Identificationof Ulcerationin Early Gastric Cancer before Resection is Not Easy: Need for a New Guideline for Endoscopic Submucosal Dissection Indication Based on Endoscopic Image. Clin Endosc. 2017 Sep;50(5):410-411.
  4. Gotoda T, Yanagisawa A, Sasako M et al. Incidence of lymph node metastasis from early gastric cancer: estimation with a large number of cases at two large centers. Gastric Cancer. 2000Dec;3(4):219-225.



QUIZ! H. pylori e lesões gástricas




QUIZ!! Tratamento endoscópico do Esôfago de Barrett.

Paciente de 55 anos, sexo masculino, tabagista, obeso (IMC 38 kg/m2), com doença do refluxo gastrointestinal (DRGE) de longa data. Vem em acompanhamento de devido ao achado anterior de esôfago de Barrett (C3M5), cuja a biópsia tinha revelando displasia de baixo grau. Foi submetido à duas terapias ablativas com radiofrequência. Abaixo as fotos do terceiro exame, que demonstrou redução significativa da epitelização colunar em esôfago distal, restando apenas uma pequena área de cerca de 1 cm pela parede anterior junto à TEG. Realizada a terceira sessão de ablação com radiofrequência com um cateter de ablação focal.

Exame com NBI evidenciando área de epitelização colunar em esôfago distal.

Ablação com radiofrequência do esôfago de Barrett.

Aspecto pós-ablação com radiofrequência.

 

 




Mucosectomia de Esôfago com Duette

 
Paciente masculino, 74 anos, encaminhado para realização de endoscopia digestiva alta (EDA) de rotina para acompanhamento de esôfago de Barrett.
A endoscopia revelou esôfago de Barrett curto, porém com área nodular avermelhada não corada com ácido acético.
 

 
Biópsia: adenocarcinoma tubular bem diferenciado, ocorrendo em área de displasia de alto grau em esôfago de Barret com metaplasia intestinal incompleta.
Ecoendoscopia: espessamento da mucosa, porém sem sinais de invasão da submucosa profunda ou da muscular própria. Ausência de acometimento linfonodal. Estadiamento T1a N0 Mx
Foi então indicado a mucosectomia para melhor análise da lesão. (Digo melhor análise, pois até este ponto não sabemos se a ressecção endoscópica pode ser curativa ou não.)
 

 
Anatomopatológico após a ressecção:

  • adenocarcinoma bem diferenciado medindo 0,6 cm,
  • Invasão de submucosa medindo 0,2 cm
  • Presença de invasão perineural.

 
A magnitude da invasão submucosa neste caso, extrapola os critérios considerados adequados para ressecção endoscópica segundo a sociedade europeia de endoscopia (ESGE – clique para ler esse guideline).
Segundo esse guideline, o tratamento endoscópico da neoplasia superficial do Barrett é a primeira opção caso a neoplasia seja restrita a mucosa (T1a).
Em neoplasias com invasão da submucosa (T1b), a ressecção endoscópica pode ser uma alternativa à cirurgia se atender aos seguintes critérios histopatológicos:

  • neoplasias com invasão na submucosa inferior a 500µm
  • histologia bem ou moderadamente diferenciada
  • ausência de invasão vascular e linfática
  • margens livres

 
Quanto à técnica de ressecção, a mucosectomia e a ESD parecem ser igualmente eficazes. O artigo abaixo é um estudo prospectivo randomizado muito bem conduzido que ilustra bem essa situação:
A randomised trial of endoscopic submucosal dissection versus endoscopic mucosal resection for early Barrett’s neoplasia. Gut. 2017 May;66(5):783-793. Terheggen G et al.
“CONCLUSIONS:  In terms of need for surgery, neoplasia remission and recurrence, ESD and EMR are both highly effective for endoscopicresection of early BO neoplasia. ESD achieves a higher R0 resection rate, but for most BO patients this bears little clinical relevance. ESD is, however, more time consuming and may cause severe AE.”
 
Para fechar essa discussão, é importante ressaltar que no caso dos pacientes que já desenvolveram adenocarcinoma ou displasia de alto grau no EB, a ablação do epitélio remanescente deve ser realizada. Isso pode ser feito através de radiofrequência – tecnologia recentemente incorporado em nosso meio – ou através do APC híbrido (não é a técnica de argônio comum!!!). Clique aqui para ver um vídeo desse procedimento.
Copio trecho do guideline da ESGE:
After endoscopic resection of visible abnormalities containing any degree of dysplasia or neoplasia, complete eradication of all remaining Barrett’s epithelium should be strived for, preferably with RFA. (After endoscopic resection of visible abnormalities, recurrence rates between 15 % in 5 years and 30 % in 3 years have been reported for patients in whom the remaining BE is left untreated.)
 




QUIZ! Teste seus conhecimentos sobre pólipos gástricos!

 

 

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Síndrome de Plummer-Vinson

Dificuldade em engolir ou disfagia é um sintoma comum. Membranas esofágicas, apesar de infrequentes, podem ocorrer em associação com anemia por deficiência de ferro e disfagia. Esta tríade clínica foi denominada de diversas formas: “Síndrome de Plummer–Vinson” (SPV) e “Síndrome de Paterson–Brown–Kelly”. O primeiro termo foi derivado dos nomes de dois médicos americanos da Mayo Clinic (Henry Stanley Plummer e Porter Paisley Vinson), e o segundo por dois otorrinolaringologistas ingleses (Donald Ross Paterson e Adam Brown-Kelly).

A tríade típica da SPV não é vista em todos os pacientes com membrana esofágica. Disfagia e anemia por deficiência de ferro são as características mais comuns, embora alguns pacientes não apresentem uma membrana claramente demonstrável. Da mesma forma, nem todos os pacientes com anemia e membrana esofágica apresentam disfagia.

A Síndrome de Plummer-Vinson (SPV) é uma condição rara e que continua a ser enigmática, apesar de transcorrido um século desde a sua primeira descrição. A literatura disponível sobre sua patogênese, tratamento e história natural é limitada a relatos de casos e série de casos retrospectivas. Apesar de raros relatos em crianças e adolescentes, a maioria dos pacientes acometidos é de meia-idade (47 anos). A raça branca parece ser mais afetada que a negra, bem como as mulheres são muito mais afetadas que os homens (8:1), de tal forma que, em determinado momento, a SPV foi considerada uma doença exclusivamente feminina. Esta notável preponderância feminina pode ser atribuída, pelo menos em parte, a uma maior prevalência de anemia ferropriva entre as mulheres, devido à menor ingestão dietética, perda de sangue menstrual e gravidez.

Patogênese

A patogênese exata da SPV ou da formação da membrana esofágica não é clara porque, pelo menos em parte, tais estudos são difíceis de conduzir devido à natureza infrequente dessa condição. Vários mecanismos foram propostos, como fatores genéticos, nutricionais, autoimunes e infecciosos. No entanto, a anemia ferropênica é único fator aceito por unanimidade para desempenhar um papel. Sabe-se que o trato gastrointestinal é susceptível à ferropenia, dada sua elevada taxa de renovação celular com enzimas dependentes de ferro. Dessa forma, é possível que tal alteração promova degradação da mucosa e formação de membranas, bem como alteração na contração muscular por degradação progressiva dos músculos da faringe devido à redução de enzimas oxidativas ferro-dependentes.

Tratamento

O tratamento dos pacientes com Síndrome de Plummer-Vinson tem por objetivo a correção da anemia, bem como da disfagia.

A reposição com ferro por via oral é eficaz no tratamento da maioria dos pacientes com anemia ferropriva, entretanto, em algumas situações específicas, nas quais a terapia por via oral é insuficiente, a administração de ferro por via parenteral é uma alternativa eficaz.

A dilatação endoscópica através dos dilatadores de Savary-Gilliard ou de balão é bastante eficaz e segura. É recomendada utilização da “regra dos 3”, que consiste em três diâmetros consecutivos de dilatadores em cada sessão, tendo como alvo um diâmetro final de 15mm. Normalmente são necessárias poucas sessões, eventualmente apenas uma, para alcançar resolução da disfagia, com eventos adversos em torno 1-3%.

O desfecho em curto prazo é geralmente favorável porque a disfagia e a anemia podem ser tratadas de forma eficaz. Alguns pacientes podem recidivar, principalmente por causa da descontinuação
de tratamento e menos comumente após uma melhora clínica que parecia estável. As taxas de recorrência variaram entre 14% e 30% e ocorrem geralmente no seguimento a longo prazo.

Outras opções terapêuticas descritas são coagulação com plasma de argônio ou YAG laser, especialmente em casos de múltiplas recorrências.

A Síndrome de Plummer-Vinson está associada a um alto risco de transformação maligna (3% -30%) e por isso é considerada uma lesão pré-cancerosa, principalmente para carcinoma de células escamosas da hipofaringe ou do esôfago superior. Portanto, o acompanhamento a longo prazo desses pacientes é necessário. A vigilância através de endoscopia digestiva alta anual para detecção precoce de neoplasia é recomendada por muitos autores, contudo a eficácia desta recomendação não está confirmada definitivamente.

Caso clínico de exemplo:

Mulher, 45 anos, com queixas de disfagia alta (cervical) progressiva, predominantemente para sólidos, há cerca de um ano e meio.

Nega DM, HAS ou perda de peso neste intervalo de tempo. Não é tabagista ou etilista, tampouco possui histórico de neoplasias nos antecedentes clínicos. Como única intervenção cirúrgica, submeteu-se à gastroplastia redutora à Capella há 7 anos para tratamento de obesidade, sem relato de reganho de peso.

Exames laboratoriais revelaram Hb 9,1g/dL (12-16g/dL), Ht 28,5%,  Ferro sérico 20µg/dL (37-145 µg/dL), Transferrina 80 µg/dL (250-380 µg/dL), Sat. Ferro 19% (20-40%).

No caso em questão, a EDA revelou curto segmento de estenose no esôfago proximal, imediatamente abaixo do cricofaríngeo, composto por finas membranas esbranquiçadas, que ocupavam metade da circunferência local cada e conferiam leve/moderada resistência à passagem do gastroscópio (9,8mm).

As biópsias da área de estenose evideciaram esofagite crônica leve, sem sinais de especificidade. Concomitante à reposição de ferro procedeu-se dilatação endoscópica através de sondas termoplásticas (Savary-Gilliard) até 17mm, obtendo-se excelentes resultados em sessão única:

 

Referências Bibliográficas

1. Goel A, Bakshi S, Soni N, Chhavi N. Iron deficiency anemia and Plummer–Vinson syndrome: current insights. Journal of Blood Medicine. 2017:8 175-184.

2. Goel A, Lakshmi CP, Bakshi SS, Soni N, Koshy S. Single-center prospective study of Plummer-vinson syndrome. Dis Esophagus. 2016;29(7):837–841

3. Bakari G, Benelbarhdadi I, Bahije L, Essaid A. Endoscopic treatment of 135 cases of Plummer-Vinson web: a pilot experience. Gastrointest Endosc. 2014; 80(4):738-741.

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Como citar esse artigo:
Brasil G. Síndrome de Plumer-Vinson. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-de-plummer-vinson/ 



Gastrostomia percutânea com auxílio de magnetos, sem endoscopia ou métodos de imagem: estudo animal

Existem diversas indicações para realização de gastrostomia endoscópica percutânea incluindo distúrbios de deglutição, neoplasias, fístulas, estenoses complexas entre outras.

O procedimento é tecnicamente simples e rápido evitando a morbidade de técnicas cirúrgicas, no entanto, algumas vezes o endoscopista encontra uma barreira frustrante quando não consegue atingir a câmara gástrica em decorrência de estenoses.  Nessas situações restam basicamente três opções para a ostomia: a) gastrostomia cirúrgica com sua morbidade associada mesmo que realizada laparoscopicamente;  b) gastrostomia percutânea guiada por imagem (maior risco de lesão de órgãos adjacentes e pouco difundida no país); c) gastrostomia via endoscópica através de gastroscópios de fino calibre (indisponíveis para a grande maioria dos endoscopistas).
Um grupo de pesquisadores de Curitiba trouxe uma proposta inovadora com grande potencial de trazer mais uma opção técnica  para endoscopistas e pacientes.

A descrição da nova técnica está no artigoA novel percutaneous magnetically guided gastrostomy technique without endoscopy or imaging guidance: a feasibility study in a porcine model“, publicado na Surgical Endoscopy em maio 2018.

O grupo composto por pesquisadores das áreas de medicina, engenharia, biotecnologia e veterinária desenvolveu modelos experimentais utilizando magnetos como idéia central, sendo um deles intragástrico e outro percutâneo.

O magneto externo possuía desenho com orifício central para permitir a punção gástrica no entanto o mesmo não apresentava “força magnética” suficiente para garantir a tração do estômago durante a punção. O modelo foi substituído por um magneto cilíndrico mais robusto.  O modelo de magneto interno foi realizado com uma sonda nasogástrica/nasoenteral acoplada a seis magnetos cilíndricos de 1 cmx1 cm, dispostos na extremidade distal da sonda, com espaçadores entre eles garantindo maior flexibilidade.

Inicialmente os testes foram realizados em cadáveres porcinos que eram aproveitados após o uso de cirurgias laparoscópicas que não envolvessem cirurgia gástrica ou esofágica.  Após  alguns protótipos e tentativas, chegou-se a um modelo final, utilizado experimentalmente em modelos vivos suínos.

A técnica pode ser resumida através dos seguintes passos:

  1. Passagem de sonda nasogástrica às cegas até o estômago, seguido da passagem de um fio-guia flexível.
  2. Remoção da sonda nasogástrica seguida da passagem da sonda com magneto interno através do fio-guia.
  3. Remoção do fio-guia. Insuflação de ar ambiente através da sonda com magneto interno.
  4. Colocação de magneto externo sobre o abdome em topografia gástrica até ser percebida uma “resistência” causada pela força magnética entre os dois imãs.
  5. Realizar gastropexia com auxílio de “fixadores em T” (T-tags) de forma convencional.
  6. Punção percutânea do estômago (já fixo à parede abdominal) com auxílio de trocarte de cistotomia.
  7. Remoção do mandril do cistótomo seguido de passagem de sonda de gastrostomia 14Fr. Insuflação do balão interno e fixação da sonda.

Gastrostomia com magnetos. Figura adaptada de Bonin et al. Surg Endosc. Jul 2018.

Os autores citam sucesso dessa técnica em cinco modelos animais (dois vivos), com duração aproximada de cerca de 10min. Os dois modelos vivos foram submetidos a eutanásia posteriormente com achado de adequada fixação do estômago à parede abdominal.

Comentários:

O conceito do trabalho é extraordinário assim como sua descrição mostrando as dificuldades encontradas até chegar ao modelo final. A possibilidade de realizar uma gastrostomia em paciente com estenoses esofágicas, à beira do leito, sem sedação, com mínima intervenção porém mantendo segurança é simplesmente espetacular.

A sonda de gastrostomia utilizada no estudo foi de 14Fr, sendo de pequeno calibre o que traz certas limitações ao seu uso em virtude da facilidade de obstrução.

Tive a sorte de participar de práticas experimentais com Giordano-Nappi enquanto fazia residência de endoscopia e vi de perto a realização de gastrostomia percutânea usando um trocarte de largo calibre que permitia a passagem de sondas de 20Fr. A mesma idéia pode ser aplicada à gastrostomia guiada por magnetos já que ambas técnicas são feitas após gastropexia.  Outra possibilidade é de usar as sondas de 14Fr e realizar dilatações posteriormente, durante troca de gastrostomia para permitir o uso de sondas de maior calibre.

Na discussão do trabalho é citada uma limitação relacionada a espessura da parede gástrica, já que uma parede muito espessa pode inviabilizar o adequado “acoplamento” magnético entre os magnetos interno e externo.  Essa limitação não deve ser comum na prática já que a maioria dos pacientes com estenose esofágica necessitando de gastrostomia deve apresentar pouco tecido adiposo e parede pouco espessa.

Parabenizo os autores pela iniciativa da pesquisa e cito que algumas imagens aqui dispostas foram editadas para melhor compreensão do leitor no entanto são de propriedade dos autores do estudo.

Link para o artigo: A novel percutaneous magnetically guided gastrostomy technique without endoscopy or imaging guidance: a feasibility study in a porcine model

Referência
Surg Endosc. 2018 Jul 18. doi: 10.1007/s00464-018-6335-5. [Epub ahead of print]

A novel percutaneous magnetically guided gastrostomy technique without endoscopy or imaging guidance: a feasibility study in a porcine model. Bonin EAFerreira PRWde Paula Loureiro MCosta-Casagrande TAde Oliveira Salvalaggio PGomes GFNoda RWGostout CJCavazzola LT.




QUIZ – Lesão subepitelial em bulbo duodenal

 

Paciente masculino, J.C.W., 61 anos, com histórico de tromboembolismo pulmonar há mais de 5 anos, após trauma pélvico contuso de alto impacto, sem sequelas. Sem outras comorbidades, sem alergias e sem uso de medicações diárias no momento. Realizou endoscopia digestiva alta há cerca de 30 dias por quadro de dispepsia, onde foi observada lesão elevada, subepitelial à propedêutica endoscópica (presença de sinal da tenda) em parede anterior do bulbo duodenal, próximo à transição para a segunda porção duodenal. Ela era recoberta por mucosa normal e estimada em 15mm.

 

Autores:

Eduardo Carboni da Silva

Eduardo Aimore Bonin

Guilherme Francisco Gomes

Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Nossa Senhora das Graças, Curitiba, Paraná




Caso clínico – Melanoma metástatico e Gastrite

Paciente do sexo masculino, 27 anos, portador de melanoma metastático, tendo realizado 03 doses de Ipilimumabe (imunoterápico), evolui com náuseas, vômitos, dor epigástrica e perda ponderal de cerca de 08 Kg em 10 dias. Na admissão, estável do ponto de vista hemodinâmico. Ao exame, abdome plano, RHA presentes, flácido, doloroso a palpação em região epigástrica, sem sinais de irritação peritoneal.  Realizou EDA:

Foi realizada inicialmente a pesquisa imunohistoquimica para CMV e pesquisa para outras bactérias (ex: Streptococcus), sendo negativa, além de se afastar melanoma metástatico (não seria também a característica endoscópica esperada). Anatomopatológico inicial apenas com importante infiltrado linfocítico e neutrofílico inespecífico. Foi aventada a possibilidade de gastropatia relacionada ao Ipililumabe e diante da gravidade do aspecto endoscópico e urgente necessidade de iniciar terapêutica, após discussão entre gastroenterologia e oncologia, foi optado por iniciar Metilprednisolona 02 mg/Kg/dia. Além de iniciar corticoterapia, foi realizada passagem de SNE pós pilórica, IBP endovenoso e sucralfato. O paciente apresentou significativa melhora clínica em 48 horas e após 01 semana da internação hospitalar, obteve alta hospitalar para desmame ambulatorial do corticoide. Durante acompanhamento ambulatorial, paciente trouxe revisão de lâmina do primeiro anatomopatológico (AP do diagnóstico) sendo evidenciado que 04 células endoteliais estavam acometidas pelo CMV e a pesquisa para H. pylori positiva (paucibacilar). Em discussão multidisciplinar entre oncologista, gastroenterologista e patologista, a gastropatia foi atribuída a imunoterapia. Dentre os aspectos considerados, tem-se: aspecto endoscópico não é típico para CMV (principalmente pelo fato que o antro encontrava-se completamente recoberto por camada de fibrina) assim como também não era típico para H. pylori, além do acometimento paucibacilar pelo H. pylori e apenas 04 células endoteliais acometidas pelo CMV, o que não justificaria a gravidade do aspecto endoscópico e o fato da lesão endotelial identificada na histologia não ser típica do CMV. Fora isso, tem-se a resposta terapêutica e rápida com uso da metilprednisolona (02 mg/kg/dia). Segue a última EDA realizada ambulatorialmente:

Os imunoterápicos correspondem a nova classe de quimioterápicos cujas indicações tem-se ampliado. São drogas que estimulam as células T a atuarem contra as células neoplásicas. Os eventos adversos gastrointestinais mais comumente relacionados são a colite e hepatotoxidade. Para tratamento dos eventos adversos, a corticoterapia exerce papel importante. Apesar de não existirem relatos de caso relacionando o uso do ipililumabe com a gastropatia medicamentosa, na literatura existem dois relatos de casos relacionando o uso do Nivolumabe (outro tipo de imonuterápico) com gastropatia. A característica clínica, endoscópica e histológica é muito semelhante ao caso apresentado acima.  Seguem os dois relatos de caso na referência abaixo do texto. Dessa forma, os gastroenterologistas e endoscopistas tem que ficar atentos quanto a gastropatia medicamentosa mediada por imunoterápicos (classe nova de quimioterápicos)  vir a ser encontrada com maior frequência em futuro próximo em função do aumento da prescrição desta classe de imunoterápicos não somente para o melanoma como também para outras neoplasias.

Referências:

  • Boyke J, Dejulio T. Severe esophagitis and gastritis from NivolumabTherapy. ACG Case Rep J 2017
  • Kobayashi M, Yamaguchi O, Nagata K, Nonaka K, Ryozawa S, Acute hemorrhagic gastritis after nivolumab treatment, Gastrointestinal Endoscopy (2017)

Elaborado em colaboração com:

Dr. Rodrigo Antônio Vieira Guedes (oncologista)

Dr. Nathanael de Freitas Pinheiro Junior (patologista)