Devemos fixar próteses metálicas totalmente recobertas em patologias benignas?

Resumo do artigo “Evaluating no fixation, endoscopic suture fixation, and an over-the-scope clip for anchoring fully covered self-expandable metal stents in benign upper GI conditions: a comparative multicenter international study” publicado na GIE em março de 2025.

As próteses metálicas endoscópicas foram introduzidas na década de 1990 e tem aplicação no manejo de diversas patologias. No contexto das doenças benignas, que envolvem estenoses, fístulas, perfurações e sangramento refratário de varizes esofágicas, são utilizadas as próteses totalmente recobertas (FCSEMS). Estes modelos de prótese contam com um revestimento de silicone que previne o crescimento tecidual, permitindo sua remoção, porém apresentam maior potencial de migração.

Fig. 1 – Técnicas de fixação das próteses: Superior, clipe over-the-scope. Inferior, sutura endoscópica. Adaptado de Mehta A et al., Gastrointest Endosc. 2025 [1].

O trabalho de Amit Mehta e colaboradores avaliou o benefício da fixação das FCSEMS com clipes over-the-scope ou sutura endoscopica em patologias benignas do trato gastrointestinal superior quando comparados à não fixação. Foi realizado um estudo de coorte retrospectiva que incluiu os dados de 16 centros entre 2011 e 2022, avaliando defechos que envolveram duração dos procedimentos, migração das próteses, sucesso clínico, sucesso técnico e eventos adversos.

Foram incluídos 311 pacientes com 316 FCSEMS colocadas, sendo que em 122 pacientes (39,2%) não foi realizada fixação, em 95 realizada fixação com sutura (30,5%) e em 94 fixação com clipe over-the-scope (30,2%). A necessidade de tratamento endoscópico decorreu da presença de estenose benigna em 174 pacientes (56%), fístula ou perfuração em 135 casos (43%) e sangramento refratário de varizes esofágicas em 2 (0,6%).

A duração dos procedimentos foi de 41,7 ± 34,5 minutos para o grupo sem fixação, 79,5 ± 53,3 minutos no grupo da sutura endoscópica e 66 ± 44,9 minutos nas próteses fixadas com clipe over-the-scope, observando-se menor tempo de procedimento com diferença estatisticamente significativa (p<0,01) quando não realizada fixação da prótese em comparação aos demais grupos. Não houve diferença significativa do tempo de procedimento quando comparadas as duas tecnicas de fixação.

Ocorreu migração de 88 das 316 próteses, 49 (39%) quando não foram fixadas, 23 (24%) nas fixadas com sutura endoscópica e 16 (17%) quando fixadas com clipe over-the-scope, observando-se diferença considerada estatísticamente significativa na comparação da fixação com sutura endoscópica em relação à não fixação (P = .01) e da fixação com clipe over-the-scope com a não fixação (P = .001). Não houve diferença das taxas de migração quando comparados os dois métodos de fixação (P = .2).

Fig. 2 – Comparação de migração das próteses com e sem fixação. Adaptado de Mehta A et al., Gastrointest Endosc. 2025 [1].

Atingiu-se o sucesso clínico em 194 pacientes (62%), 98 dos que apresentavam estenoses (56%), 94 daqueles com fístula/perfurações (70%) e nos 2 pacientes com sangramento refratário por varizes (100%). Comparando-se ao grupo em que não foi realizada fixação (n = 64; 52%) houve maior sucesso clínico nos grupos submetidos à fixação das próteses. No grupo de sutura, 66 casos apresentaram sucesso clínico (69%; P = .02) e no grupo com fixação por clipe over-the-scope 64 pacientes (68%; P = .03).

No que concerne à possível dificuldade de remoção dos clipes over-the-scope, o trabalho destaca que, na maioria dos casos, estes puderam ser retirados apenas com uso de pinça dente de rato, sendo em apenas 7 casos necessário o uso de dispositivo específico.

O artigo realiza tambem uma breve comparação de custos no mercado americano entre a utilização de clipes over-the-scope e sutura endoscópica, que favoreceu numericamente a fixação com over-the-scope, destacando ainda a necessidade de uso de aparelho duplo canal para o dispositivo de sutura.

Os achados do estudo embasam o benefício da utilização de fixação para FCSEMS em patologias benignas do trato gastrointestinal superior, demonstrando redução significativa na taxas de migração e melhor resposta clínica, sem diferença observada entre os métodos de fixação avaliados. O maior sucesso clínico obtido quando fixada a prótese pode ser explicado como uma representação do benefício clínico de reduzir a migração, embora a obtenção de resposta clínica seja multifatorial, dependente da patologia de base e de fatores associados ao paciente.

Comentários

Neste trabalho, os dispositivos de fixação endoscópica demonstraram benefício na redução da migração das FCSEMS com potencial melhora na resposta clínica dos pacientes. À medida que eles se tornam mais disponíveis em nosso mercado, pode ser interessante considerar sua incorporação à prática para obtenção de melhores resultados.

Clique para mais informações sobre: Próteses metálicas de esôfago • Endoscopia Terapeutica.

Referências

  1. Mehta A, Ashhab A, Shrigiriwar A, et al. Evaluating no fixation, endoscopic suture fixation, and an over-the-scope clip for anchoring fully covered self-expandable metal stents in benign upper GI conditions: a comparative multicenter international study (with video). Gastrointest Endosc. 2025 Mar;101(3):589-597. doi: 10.1016/j.gie.2024.08.015. Epub 2024 Aug 22. PMID: 39179133
  2. Reijm AN, Didden P, Schelling SJC, et al. Self-expandable metal stent placement for malignant esophageal strictures – changes in clinical outcomes over time. Endoscopy. 2019 Jan;51(1):18-29. doi: 10.1055/a-0644-2495. Epub 2018 Jul 10.PMID: 29991071
  3. Bakken JC, Wong Kee Song LM, de Groen PC, Baron TH. Use of a fully covered self-expandable metal stent for the treatment of benign esophageal diseases. Gastrointest Endosc. 2010 Oct;72(4):712-20. doi: 10.1016/j.gie.2010.06.028. PMID: 20883848

Como citar este artigo

Logiudice FP. Devemos fixar próteses metálicas totalmente recobertas em patologias benignas? Endoscopia Terapeutica 2025, Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/devemos-fixar-proteses-metalicas-totalmente-recobertas-em-patologias-benignas/




Quiz!

Colaboração: Ygor Rocha Fernandes, Mateus Pereira Funari

Paciente do sexo feminino, 44 anos, com antecedente de cirurgia bariátrica (Bypass Gástrico em Y de Roux) realizada em 2012, e diagnóstico prévio de hipotireoidismo. Desde o final de 2022, evoluiu com dor abdominal progressiva, episódios de náuseas e vômitos, além de perda de peso significativa.

Uma endoscopia digestiva alta (EDA) realizada em junho de 2023 identificou uma estenose na anastomose gastrojejunal, com achados sugestivos de isquemia. A paciente foi submetida a revisão cirúrgica da anastomose, no entanto, os sintomas persistiram.

Em janeiro de 2024, uma tomografia computadorizada (TC) de abdome revelou perfuração bloqueada da anastomose e uma coleção perianastomótica, além de uma lesão polipoide de 2,5 cm na segunda porção do duodeno, na região periampular. Diante desses achados, foi solicitada uma ressonância magnética (RM) de abdome superior, que confirmou uma lesão polipoide intraluminal de 3,2 cm na parede lateral da segunda porção do duodeno, com realce heterogêneo.

Após discussão multidisciplinar, optou-se por nova cirurgia para drenagem da coleção, revisão da anastomose e EDA intra-operatória para avaliar a lesão polipoide em duodeno, em março de 2024. Durante o ato cirúrgico, foi realizada uma gastrotomia para acesso endoscópico ao duodeno. A endoscopia revelou uma lesão pediculada, com superfície vilosa, localizada na parede lateral da segunda porção do duodeno, oposta à papila maior (seta). A base do pedículo media 15 mm de comprimento por 12 mm de espessura, e a porção cefálica da lesão apresentava diâmetro de 30 mm.




Artigo comentado: Over-the-scope clip as first-line treatment of peptic ulcer bleeding: a multicenter randomized controlled trial (TOP Study)

Publicado por Soriani et al. na Endoscopy em maio de 2024 (1).

Introdução

As hemorragias digestivas altas (HDA) são frequentes na prática clínica e sua principal etiologia envolve as úlceras pépticas. Recentemente, os “over-the-scope clips” (OTSC) vêm sendo empregados para a hemostasia em úlceras pépticas, inclusive como primeira linha. Estudos envolvendo diferentes etiologias demonstraram melhores resultados para o OTSC quando comparado ao tratamento padrão com clipes convencionais (“through-the-scope clips” – TTSC) (2-4). Visando compreender melhor a eficácia do OTSC, este estudo inclui apenas HDA por úlcera péptica, randomizando o tratamento para OTSC ou TTSC.

Métodos

O estudo foi conduzido em cinco centros europeus. Pacientes com HDA submetidos a EDA em até 24h da admissão com classificação de Forrest Ia, Ib e IIa (inclusive após remoção de coágulo) foram randomizados para OTSC ou TTSC. Nos casos de Forrest I submetidos a terapia com TTSC, associou-se rotineiramente o tratamento com solução de adrenalina conforme recomendação do Guideline da ESGE (5). Neste mesmo grupo, as úlceras Forrest IIa poderiam ter terapia associada com adrenalina ou não. Não houve limite na quantidade de clipes empregada em ambos os grupos.

O desfecho primário foi ressangramento em 30 dias; os secundários correspondem a sucesso clínico, necessidade de nova EDA, necessidade de transfusão de concentrado de hemácias, tempo de internação, mortalidade em 30 dias e complicações associadas a terapia endoscópica.

Resultados

Entre 2018 e 2022, foram incluídos 112 pacientes (OTSC = 61 x TTSC = 51). Todos os pacientes foram classificados como Forrest I ou IIa (15 casos após remoção de coágulo) e receberam altas doses de IBP peri-procedimento (dose não especificada). Os grupos foram similares considerando as características dos pacientes (uso de AINE, anticoagulantes, antiplaquetários, DAOC, alterações hemodinâmicas, RNI, Hb, etc) e da úlcera (tamanho, topografia, Forrest, etc).

Apenas um paciente no grupo do OTSC recebeu um segundo clipe. No grupo TTSC, a média foi de 2 clipes (variação de 1 a 8) e 28/51 receberam injeção de solução de adrenalina.

Em relação ao desfecho primário, não houve diferença entre os grupos: OTSC 1/61 paciente (1,6%) x TTSC 2/51 (3,9%) apresentaram ressangramento dentro de 30 dias (RR = 0,42 (95%CI 0,04 – 4,53, P = 0,47). Todos os casos foram tratados adequadamente em uma segunda endoscopia: o sangramento no grupo do OTSC foi resolvido com clipes convencionais e os dois casos do braço TTSC foram resolvidos, um com OTSC, e outro com método térmico.

No tocante aos desfechos secundários, a hemostasia inicial foi maior no grupo do OTSC: 98.4% (60/61) x 78.4% (40/51) (RR = 1,25, 95%CI 1,08 – 1,45, P = 0,003). O caso de insucesso inicial do OTSC foi tratado com TTSC; dos 11 casos de insucesso inicial do TTSC, 10 foram resolvidos com OTSC e um precisou associar ainda, método térmico e pó hemostático. Vale ressaltar que dos 11 casos de falha do TTSC, 7 eram úlceras fibróticas e 3 localizadas na parede posterior do bulbo.

Não houve diferença em termos de transfusão sanguínea (p = 0,66), tempo de internação (p = 0,92) e mortalidade em 30 dias (p = 0,18).

Não houve eventos adversos relacionados à terapia endoscópica.

Discussão

Com o desenvolvimento de novas tecnologias, é interessante compreender seu papel e vantagens em relação a outros métodos. Devemos considerar que os métodos que temos atualmente para hemostasia das úlceras pépticas, sendo os principais térmicos e TTSC associados ou não à injeção de adrenalina, são altamente eficazes na grande maioria dos casos. De antemão, reconhecemos limitações principalmente dos TTSC para úlceras fibróticas, de grandes dimensões, e em posições desfavoráveis, como parede posterior do bulbo e pequena curvatura gástrica. Neste contexto, e ainda em casos de falha de um método prévio, ou seja, como terapia de resgate, percebe-se o maior benefício potencial dos OTSC.

O trabalho exposto mostra justamente este resultado, uma vez que o posicionamento/estabilização do cap e maior abrangência tecidual pelos OTSC favorecem este método em casos previamente reconhecidos como de difícil abordagem com os TTSC. A diferença em termos de resultados apresentou-se basicamente no crossover com uso de OTSC em casos de falha de TTSC (11 casos, sendo 7 úlceras fibróticas e 3 na parede posterior do bulbo). Nos demais casos, permanece a impressão de uma alta eficácia dos métodos convencionais (como TTSC) que justifica seu uso, mesmo com os OTSC disponíveis. Por outro lado, também é adequado optar pelos OTSC nestas ocasiões, uma vez que esta recurso apresenta eficácia e segurança similares.

Em outras palavras, em situações “comuns”, podemos optar pelos TTSC ou pelos OTSC, porém em situações em que os TTSC apresentam pior desempenho (ex.: úlceras fibróticas, localização em parede posterior de bulbo e pequena curvatura de corpo gástrico), os OTSC devem ser empregados como primeira escolha.

Esta colaboração foi muito importante em termos de conduta baseada em evidências, pois foi o primeiro trabalho que randomizou OTSC e TTSC no contexto exclusivo de úlceras pépticas. Se por um lado, poderia haver a impressão de que existe uma superioridade em quase todas as situações, do outro, poderia existir o receio de dificuldade técnica e eventos adversos associados. Como habitual, nenhum dos extremos foi demonstrado e cabe o reconhecimento dos benefícios e limitações de cada método para o melhor emprego do arsenal terapêutico disponível. Novos estudos, a experiência prática e o aprimoramento das tecnologias certamente poderão elaborar ainda mais as discussões, bem como aumentar a eficácia das terapias hemostáticas endoscópicas.

Para mais informações sobre HDA clique: abordagem inicial, plano de ação e outras recomendações.

Referências

  1. Soriani P, Biancheri P, Bonura GF, et al. Over-the-scope clip as first-line treatment of peptic ulcer bleeding: a multicenter randomized controlled trial (TOP Study). Endoscopy. 2024;56(9):665-673. doi:10.1055/a-2303-4824. 38599622.
  2. Jensen DM, Kovacs T, Ghassemi KA, Kaneshiro M, Gornbein J. Randomized Controlled Trial of Over-the-Scope Clip as Initial Treatment of Severe Nonvariceal Upper Gastrointestinal Bleeding. Clin Gastroenterol Hepatol. 2021;19(11):2315-2323.e2. doi:10.1016/j.cgh.2020.08.046.
  3. Meier B, Wannhoff A, Denzer U, et al. Over-the-scope-clips versus standard treatment in high-risk patients with acute non-variceal upper gastrointestinal bleeding: a randomized controlled trial (STING-2). Gut. 2022;71(7):1251-1258. doi:10.1136/gutjnl-2021-325300.
  4. Bapaye J, Chandan S, Naing LY et al. Safety and efficacy of over-the-scope clips versus standard therapy for high-risk nonvariceal upper GI bleeding: systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc 2022; 96: 712–720 doi:10.1016/j.gie.2022.06.032.
  5. Gralnek IM, Stanley AJ, Morris AJ, et al. Endoscopic diagnosis and management of nonvariceal upper gastrointestinal hemorrhage (NVUGIH): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline – Update 2021. Endoscopy. 2021;53(3):300-332. doi:10.1055/a-1369-5274.



Uso da Terapia Endoscópica a Vácuo no Manejo de Fístula Esofágica Pós-Tireoidectomia

Relato de Caso

Paciente masculino, 46 anos, natural de Arapiraca-AL, apresentou queixa de massa cervical volumosa, rouquidão e discreta disfagia, com piora recente. Os sintomas tiveram início há três anos. Foi diagnosticado com tumoração na tireoide, sendo confirmada, por citologia aspirativa com agulha fina, a presença de carcinoma medular em estágio avançado, associado a linfonodomegalia e paralisia do nervo laríngeo recorrente direito.

O paciente foi submetido a uma tireoidectomia total com esvaziamento cervical bilateral em sua cidade de origem. Durante a cirurgia, houve lesão do esôfago cervical, prontamente reparada com rafia. Para monitoramento no pós-operatório, optou-se pela colocação de um dreno tubular, além da passagem de uma sonda nasoenteral (SNE) para alimentação precoce. No sétimo dia de pós-operatório, o paciente apresentou dor e inchaço cervical, associados a febre e deterioração do estado geral. Um teste oral com azul de metileno evidenciou extravasamento de conteúdo pelo dreno cervical. O paciente foi transferido para um hospital terciário de referência em Maceió, onde foi internado na UTI geral. Uma endoscopia à beira do leito identificou uma fístula esofagotorácica localizada abaixo do cricofaríngeo, no esôfago proximal, comunicando-se com a cavidade torácica facilmente acessada com o endoscópio.

Figura 1: cavidade por visão endoscópica.

A cavidade apresentava exsudato espesso e amarelado, aderente às superfícies e com contaminação grosseira por saliva e debris, vistos no vídeo e fotos a seguir:



Figura 2: cavidade com exsudato espesso e amarelado.

Figura 3: O ápice pulmonar direito foi visualizado.

Realizou-se uma toalete cavitária com soro fisiológico 0,9%, seguida pela instalação de um sistema de terapia a vácuo (técnica modificada) com sonda nasogástrica Nº 18. Após a primeira troca, observou-se melhora significativa do quadro clínico e laboratorial, permitindo a alta da UTI para a enfermaria após o terceiro dia de terapia com pressão negativa.

Na terceira troca, era evidente a melhora na contaminação e redução do tamanho da cavidade, que se encontrava recoberta por tecido de granulação. A evolução endoscópica positiva acompanhou-se de uma melhora clínica significativa do paciente, que permaneceu estável e sem sinais de septicemia.



Vídeo de evolução após a terceira troca.



Vídeo de evolução após a quarta troca.



Vídeo de evolução após a sexta troca.

Foram necessárias seis trocas do sistema à vácuo, realizados semanalmente até o fechamento completo da cavidade e resolução em definitivo da fístula.

O relatório patológico descreve: carcinoma medular da tireoide, tumor que mede 4 x 3,3 cm (classificação de estadiamento pT3b pN1b M0). Houve invasão linfática (8 de 10 linfonodos).

Discussão

A perfuração e o extravasamento de conteúdo esofágico são condições graves e potencialmente fatais, frequentemente levando ao desenvolvimento de sepse, com uma taxa de mortalidade variando entre 12% e 50%. O prognóstico piora significativamente com o atraso no início do tratamento: a mortalidade aumenta de 7,4% para 20,3% quando a intervenção ocorre após 24 horas do evento, ressaltando a importância crítica da identificação e intervenção precoces.

A perfuração do esôfago cervical é comumente associada a complicações decorrentes de procedimentos esofágicos ou intubação traqueal. A alta mortalidade relacionada a essa condição deve-se à anatomia do esôfago proximal, que facilita o acesso de bactérias e enzimas digestivas ao mediastino, levando ao desenvolvimento de uma condição grave, a mediastinite, além de empiema, sepse e síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.

Diversos tratamentos para perfurações esofágicas são descritos na literatura, mas ainda não há um procedimento considerado padrão-ouro. As abordagens podem ser conservadoras ou cirúrgicas. A abordagem conservadora inclui antibioticoterapia, nutrição parenteral e drenagem torácica, sendo indicada para pacientes selecionados com perfurações bem contidas, contaminação mínima e sem sinais de obstrução ou sepse. Já a abordagem cirúrgica pode variar desde rafia primária até esofagectomia com reconstrução imediata ou tardia do trato gastrointestinal, além de drenagem extensa do mediastino. Ambos os tratamentos visam prevenir a disseminação de conteúdo para o mediastino, eliminar e controlar a infecção, manter o estado nutricional do paciente e assegurar a integridade e continuidade do trato digestivo. O diagnóstico e a intervenção imediatos permanecem de importância vital.

A tireoidectomia (total ou parcial) é o tratamento de escolha para neoplasias da tireoide, sendo as principais complicações o hematoma cervical, hipoparatireoidismo transitório e lesão do nervo laríngeo recorrente. A perfuração inadvertida do esôfago é uma complicação rara. Devido à raridade desse evento, há escassez de dados na literatura, o que torna seu manejo mais desafiador.

Nesse contexto, novas terapias têm emergido e ganhado popularidade, como o uso de endoclipes e stents metálicos. Em 2003, a terapia endoscópica a vácuo (EVT) surgiu como uma alternativa, inicialmente empregada para o fechamento de fístulas de anastomose em cirurgias retais. A terapia endoscópica assistida por vácuo para fechamento de vazamentos de anastomose foi desenvolvida para superar as limitações do tratamento convencional não cirúrgico.

O fechamento de feridas cirúrgicas com pressão negativa é uma modalidade terapêutica bem estabelecida e amplamente utilizada desde 1997 para o tratamento de lesões abertas crônicas. Esse método é aplicado em diversas especialidades, como cirurgia geral, ortopedia, plástica e vascular. O procedimento consiste em selar o sítio cirúrgico com um adesivo e aplicar pressão subatmosférica. O aumento da vascularização aliado à redução da colonização bacteriana são fatores essenciais para o sucesso dessa terapia, acelerando a reparação da ferida e preparando o leito até sua cobertura definitiva por meio de diversos métodos de reconstrução tecidual.

Na EVT, o objetivo é criar um ambiente com pressão negativa que estimula o crescimento de tecido de granulação, preenchendo a cavidade e reduzindo a presença de fibrina e tecido necrótico. Esse preenchimento contínuo da cavidade com tecido de granulação resulta em uma diminuição progressiva do diâmetro e profundidade da cavidade durante as sessões subsequentes, promovendo o fechamento do defeito transmural e acelerando a cicatrização.

Um estudo de Luttikhold et al., multicêntrico realizado em cinco hospitais de três países europeus, avaliou o sucesso do fechamento de perfurações esofágicas com EVT, alcançando uma taxa de 89%. As indicações para o uso da EVT no trato gastrointestinal incluem defeitos transmurais agudos, precoces e crônicos da parede esofágica e da junção esofagogástrica. Há evidências publicadas de sucesso no fechamento de vazamentos em linhas de sutura após ressecções oncológicas e procedimentos bariátricos, além de perfurações iatrogênicas e rupturas espontâneas. A duração média do tratamento até o fechamento completo varia entre 11 e 28 dias, sendo o intervalo de troca do dispositivo um fator crucial para o sucesso da terapia.

A técnica da esponja modificada, confeccionada com sonda nasogástrica, gaze e adesivo antimicrobiano, é uma abordagem segura e relativamente simples, que se apresenta como uma alternativa eficaz para o manejo de defeitos do trato gastrointestinal. O EVT modificado é de fácil inserção e permite intervalos maiores entre as trocas do sistema. Sua relação custo-efetividade tem o potencial de expandir seu uso, democratizando o acesso à técnica e impactando significativamente o tratamento de casos desafiadores, contribuindo para desfechos mais favoráveis.

REFERÊNCIAS

  1. Esophageal fistula complicating thyroid lobectomy. Nicholas D. Ward, Cortney Y. Lee, James T. Lee, and David A. Sloan. Journal of surgical case reports (JSCR), Jan 2015;
  2. Cost-effective modified endoscopic vacuum therapy for the treatment of gastrointestinal transmural defects: step-by-step process of manufacturing and its advantages. Moura, Diogo et al. VIDEOGIE, Volume 6, No. Dec. 2021;
  3. Current treatment and outcome of esophageal perforations in adults: systematic review and meta-analysis of 75 studies. Biancari F, D’Andrea V,  Paone R, Di Marco C,  Savino G, Koivukangas V, Saarnio J, Lucenteforte E. World J Surg. Fev 2013;
  4. Endoscopic vacuum therapy in the upper gastrointestinal tract: when and how to use it. Gutschow CA, Schlag C, Vetter D. Langenbecks Arch Surg. May 2022;
  5. Endoluminal vacuum-assisted closure (E-Vac) therapy for postoperative esophageal fistula: successful case series and literature review. Rubicondo C, Lovece A, Pinelli D, Indriolo A, Lucianetti A, Colledan M. World Journal Surgical Oncology. Nov. 2020;
  6. The use of endoluminal vacuum (E-Vac) therapy in the management of upper gastrointestinal leaks and perforation. Nathan R. Smallwood,   James W. Fleshman,   Steven G. Leeds &   J. S. Burdick. Surgical endoscopy. Set 2015;
  7. Endoscopic vacuum therapy for esophageal perforation: a multicenter retrospective cohort study. Luttikhold J, Pattynama LMD, Seewald S, Groth S, Morell BK, Gutschow CA, Ida S, Nilsson M, Eshuis WJ, Pouw RE. Endoscopy. Sep. 2023.



Quiz! Caso Clínico

Colaboração: Marcelo Fialho Roman, Luiz Carlos Pereira Bin

Paciente feminina, 73 anos, tabagista, HAS, insuficiência cardíaca (IC), estenose aórtica moderada/grave.

Medicações em uso: de Enalapril 20mg, Hidroclorotiazida 25mg, AAS 100mg, Sinvastatina 40mg.

Durante internação, por IC descompensada, apresentou 3 episódios de melena. Não houve instabilidade hemodinâmica. Houve necessidade de transfusão de 1 unidade de hemoconcentrado.

Exames laboratoriais (antes da transfusão): Hb: 8,7| Ht: 27 | Leu: 7.500 sem desvios | Cr: 1,0 | Ur: 39 | Na 136 | K 3,5 e demais exames sem particularidades

EDA: gastrite antral erosiva plana leve; UREASE negativa

Realizou preparo anterógrado com manitol, em que foram evidenciadas:




Pólipos Hiperplásicos na Endoscopia – Risco de Neoplasia, Conduta e Recidiva

Os pólipos gástricos são achados comuns, estando presente em 0,5% a 23% das endoscopias digestivas altas (1). A incidência de cada tipo histológico é variável de acordo com a população estuda, sendo os pólipos de glândulas fúndicas e os hiperplásicos os mais comuns. Um estudo feito no Brasil (2) mostrou que os pólipos hiperplásicos são os mais prevalentes, correspondendo a 71,3% dos pólipos, enquanto nos Estados Unidos (3) os de glândulas fúndicas são os mais comuns, representando 77%.

Os pólipos hiperplásicos são mais frequentes na sexta ou sétima décadas de vida, com uma questionável predominância no sexo feminino (4). Sua etiologia está geralmente associada a uma regeneração exacerbada da mucosa secundária a agressão contínua. Dessa forma, existe uma forte associação entre o pólipo hiperplásico e a presença de infeção pelo H. pylori, gastrite crônica, gastrite autoimune, metaplasia intestinal, gastropatia química, cirrose hepática e pós-terapia hemostática de angiectasias gástricas (4,5). Na maioria dos casos são assintomáticos no entanto, podem causar anemia, hemorragia digestiva ou até dificuldade do esvaziamento gástrico.

Tipicamente eles são solitários, menores que 20 mm e localizados no antro (60%) (4), vide figuras 1 a 3. Múltiplos pólipos podem estar presentes em até 20% dos casos (4). Geralmente são sésseis, com superfície lisa ou discretamente lobulada, friáveis e hiperemiados. No entanto podem crescer e atingir tamanhos maiores que 100 mm, associado a erosões ou úlceras superficiais em sua superfície.

Figura 1: pólipo hiperplásico em antro.
Figura 2: pólipo hiperplásico intruso no piloro.
Figura 3: pólipo hiperplásico extruindo do piloro.

Risco de malignização

A presença de displasia ou malignidade pode ocorrer em 1,9% a 10,4% dos pólipos hiperplásicos (6). No entanto essa prevalência pode variar de acordo com a população. Em pacientes asiáticos a displasia pode ocorrer em 1,4% a 16,4% dos casos e malignidade em 1,1% a 4,4%. Já em pacientes ocidentais a displasia pode acontecer em 3,3% a 9,7% dos casos e a malignidade em 0,6% a 2,1% (7).

O principal fator de risco para a presença de displasia ou malignidade é o tamanho do pólipo, especialmente aqueles maiores que 25 mm (5,8). Outros fatores que podem estar associados são: idade maior que 65 anos, presença de metaplasia intestinal e displasia na mucosa adjacente (5,8).

Conduta

A Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal (ASGE) recomenda a ressecção de todos os pólipos hiperplásicos maiores que 5 mm (9), enquanto o guideline britânico recomenda a retirada daqueles maiores que 10 mm (10). Outras indicações seriam a presença de displasia à biópsia ou pólipos sintomáticos (11).

A pesquisa de H. pylori é fundamental nesses casos, uma vez que existe uma associação entre a presença do pólipo hiperplásico e a infecção pelo H. pylori, que pode chegar a até 37% (4,8). Além disso, a erradicação da bactéria pode promover a regressão do pólipo em até 84% dos casos, especialmente dos pólipos menores, e parece reduzir as taxas de recidiva pós-ressecção (12).

Um exame cuidadoso do restante do estômago também é muito importante, pois esses pacientes apresentam outras alterações que predispõe ao câncer gástrico, como atrofia gástrica e metaplasia intestinal. A taxa de lesões malignas sincrônicas pode chegar a 7,1% (11).

O seguimento endoscópico ainda não está bem estabelecido. Recomenda-se repetir a endoscopia digestiva alta em 12 meses, especialmente naqueles pacientes que apresentaram displasia (11).

Recidiva

Os pólipos hiperplásicos apresentam altas taxas recidiva, mesmo quando ressecados em monobloco (R0), podendo variar de 12% a 51% (6,8).  O tempo médio para o diagnóstico da recorrência é entre 1 e 2 anos e não necessariamente estão associados a riscos maiores de displasia ou malignidade (5,12).

O mecanismo pelo qual ela acontece ainda não está bem estabelecido. Aparentemente a técnica de ressecção, seja mucosectomia ou dissecção endoscópica de submucosa não tem relação a recidiva. A infecção pelo H. pylori, conforme descrito anteriormente, parece ter uma associação tanto com o surgimento do pólipo quanto com a sua recidiva após a ressecção (12). Portanto seu tratamento deve ser sempre tentado. A localização no antro também se relaciona a uma maior recorrência, acredita-se que pela maior contratilidade local e um provável refluxo biliar (6). Outros fatores que podem estar associados são: pólipos grandes (maiores que 16 mm), múltiplos, superfície lobulada, idade menor que 65 anos e presença de cirrose (5,6).

Conclusão

Os pólipos hiperplásicos são achados relativamente comuns em endoscopias digestivas altas do dia a dia. Geralmente são pequenos e assintomáticos. No entanto, devido ao risco de displasia e malignidade, mesmo que pequeno, eles devem ser ressecados, principalmente quando maiores que 10 mm. Deve-se dar atenção especial para a pesquisa de H. pylori e de outras entidades que podem estar associadas como gastrite, atrofia e metaplasia. Apesar de altas taxas de recidiva, ainda não está bem estabelecido nenhum protocolo de seguimento.

Referencias

  1. Yacoub H, Bibani N, Sabbah M, et al. Gastric polyps: a 10-year analys of 18,496 upper endoscopies. BMC Gastroentereol. 2022;22:70.
  2. Morais DJ, Yamanaka A, Zeitume JM et al. Gastric polyps: a retrospective analys of 26,000 digestives endoscopies. Arq Gastroenterol. 2007;44:14-7.
  3. Carmack SW, Genta RM, Schuler CM et al. Am J Gastroenterol. 2009;104:1524-1532.
  4. Kovari B, Kim BH, Lauwers GY. The pathology of gastric and duodenal polyps: current concepts. Histopathology. 2021;78:106-124.
  5. Forté E, Petit B, Walter T, et al. Risk of neoplastic change in large gastric hyperplastic polyps and recurrence after endoscopic resection. Endoscopy. 2020;52:444-453.
  6. Kim Y, Kang S, Ahn J, et al. Risk factors associated with recurrence of gastric hyperplastic polyps: a single-center, long-term, retrospective cohort study. Surgical Endoscopy. 2023;37:7563-7572.
  7. Bar N, Kinaani F, Sperber AD, et al. Low Risk of Neoplasia and Intraprocedural Adverse Events in Gastric Hyperplastic Polypectomy. J Clin Gastroenterol. 2021;55:851-855.
  8. João M, Areia M, Alves S, et al. Gastric Hyperplastic Polyps: A Benign Entity? Analys of Recurrence and Neoplastic Transformation in a Cohort Study. GE Port J Gastroenterol. 2021;28:328-335.
  9. Evans JA, Chandrasekhara V, Chathadi KV et al. The role of endoscopy in the management of premalignant and malignant conditions of the stomach. Gastrointest Endosc. 2015;82:1-8.
  10. Banks M, Graham D, Jansen M et al. British Society of Gastroenterology guidelines on the diagnosis and management of patients at risk of gastric adenocarcinoma. Gut. 2019;68:1545-1575.
  11. Cheesman AR, Greenwald DA, Shah SC. Current Management of Benign Epithelial Gastric Polyps. Curr Treat Options Gastro. 2017;15:676-690.
  12. Cho YS, Nam SY, Moon HS et al. Helicobacter pylori eradication reduces risk for recurrence of gastric hyperplastic polyp after endoscopic resection. Korean J Intern Med. 2023;38:167-175.

Como citar este artigo

Retes FA. . Pólipos Hiperplásicos na Endoscopia – Risco de Neoplasia, Conduta e Recidiva. Endoscopia Terapeutica 2024 vol II. disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/polipos-hiperplasicos-risco-de-neoplasia-conduta-e-recidiva/




QUIZ ! Cáusticos na emergência

Paciente de 28 anos, feminino, com relato de tentativa de suicídio através da ingestão de um copo de solução com soda cáustica há cerca de 12h com queixa de sialorréia, dor retroesternal e epigástrica. Realizou endoscopia em outro serviço cujo laudo descreve mucosa esofágica edemaciada, enantemática com exsudato inflamatório difuso e erosões. Retornou ao setor de endoscopia após 2 meses com quadro de disfagia para sólidos e aceitação irregular de dieta pastosa, sendo evidenciada estenose esofágica e iniciado programa de dilatação.




Quiz !!!




Perda de lesões em endoscopia digestiva alta: encarando a realidade

A endoscopia digestiva alta é o único método diagnóstico capaz de detectar lesões do trato gastrointestinal alto pré neoplásicas (adenomas e displasias) e neoplásicas precoces. Entretanto, mesmo pacientes previamente examinados não estão isentos do risco de detectar neoplasia nesses órgãos durante o seu seguimento de curto e médio prazo.

Conforme dados da World Health Organization, tumores do trato digestivo são detectados em estadio clínico inicial (ECI) na menor parte dos casos no ocidente, com taxas variando entre 7% e 16,9% para tumores esofágicos e entre 10,2 e 18% tumores gástricos.1 O diagnóstico em estágios avançados está diretamente associado à pobre sobrevida em 5 anos – 13% para tumores esofágicos e de 17% para tumores gástricos. Por outro lado, a identificação e o tratamento da doença localizada muda história natural da doença, atingindo taxas de sobrevida em 5 anos acima de 80%.2

Nesse contexto, vários estudos foram realizados para avaliar a taxa de perda de lesões neoplásicas em endoscopias digestivas altas. De forma geral, mas não consensual, define-se como lesão perdida aquela identificada no intervalo de 6 meses até 36 meses após a endoscopia índex. Esse período foi estabelecido considerando-se o tempo de duplicação tumoral gástrico de 2 a 3 anos sugerido por Fujita. Esse intervalo de tempo baseia-se no conceito de que os tumores gástricos podem ser visibilizados em endoscopias até 3 anos antes da sua apresentação clínica inicial. 3

Uma meta-análise de 2022 mostrou que 11,3% das neoplasias esofagogástricas e duodenais foram perdidas em endoscopias digestivas altas.2 Desses casos, 29% dos casos haviam realizado exame em um intervalo de 1 ano e 71% entre 1 e 3 anos do momento do diagnóstico.2

Uma revisão sistemática e metanálise de Pimenta-Melo A.R, et al mostraram resultados semelhantes: 9,4% dos tumores gástricos são potencialmente perdidos. A principal lesão perdida é o adenocarcinoma localizado no corpo gástrico. Os fatores preditivos para falha diagnóstica são: idade mais jovem (<55 anos), sexo feminino sexo, atrofia gástrica acentuada, adenoma ou úlcera gástrica e número inadequado de fragmentos de biópsia. 4

No Japão, foram realizadas endoscopias de seguimento em 44% dos 8.364 pacientes do estudo. Desses, 32 pacientes (0,9%) tiveram diagnóstico de câncer gástrico nos meses subsequentes. A incidência aumentou para 3,9% em pacientes com idade entre 60-69 anos com atrofia acentuada, definida como O2-3 de Kimura-Takemoto. 5

Os principais fatores atribuídos à falha de reconhecimento pelo endoscopista devem-se às alterações discretas na aparência dos tumores superficiais e à exploração incompleta da mucosa devido aos pontos cegos, especialmente em cárdia, pequena curvatura e parede posterior do corpo gástrico. 2,4 Outro fator é a presença de biópsia negativa, apesar da suspeição endoscópica pelo aspecto macroscópico da lesão. 6

O subgrupo de pacientes com lesões gástricas sincrônicas também foi avaliado, mostrando que 23,3% das lesões sincrônicas foram perdidas. Com isso, os autores demonstram a necessidade de uma inspeção cuidadosa da mucosa adjacente, mesmo em pacientes com lesões visíveis. Os principais preditores de risco foram lesões pequenas, adenoma como tipo histológico e àquelas localizadas no terço superior gástrico. 4

Em uma revisão sistemática e meta-análise de 2022, ao avaliar apenas casos de esôfago de Barrett, a taxa de perda de lesões com displasia de alto grau ou adenocarcinoma foi de 26%. Nesse trabalho, foi considerado o intervalo de 1 ano entre a endoscopia índex com esôfago de Barrett (sem displasia, displasia de baixo grau ou indefinida) e a endoscopia que detectou displasia de alto grau ou adenocarcinoma.7 Realizar exame com aparelho de alta definição, dispender 1 minuto de inspeção a cada 1 cm do esôfago de Barrett, utilizar recursos de cromoscopia (virtual e com ácido acético) e identificar adequadamente e registrar fotograficamente os principais marcos anatômicos demonstrou aumento na taxa de detecção dessas lesões. 8

Em um estudo recente (Endoscopy 2022) com base nos registros de câncer da Polônia, a perda média de lesões no trato digestivo alto após uma endoscopia foi de 6% (N=33.241 total), percentual que se manteve estável entre os anos de 2012 e 2018. Foram definidos como tumores perdidos àqueles diagnosticados entre 6 e 36 meses da endoscopia índex. 9 Nesse mesmo trabalho, a maioria das lesões perdidas foram gástricas (81%), seguidas das esofágicas (17%) e duodenais (2%). No esôfago, as taxas de perda de adenocarcinomas e de carcinoma escamoso foram 6,1% e 4,2%, respectivamente. Além disso, estágios mais avançados no momento do diagnóstico foram observados nos pacientes com adenocarcinoma em relação aos tumores escamosos esofágicos. No estômago a taxa global de perda de adenocarcinomas foi de 5,7%. Quanto à localização, a proporção de lesões gástricas perdidas proximais e distais foi semelhante, porém as lesões proximais foram diagnosticadas em estágios mais avançados. Lesões definidas como perdidas (entre 6 e 36 meses) apresentaram-se proporcionalmente em estágios mais avançados em relação às lesões definidas como prevalentes (< 6 meses). Os principais fatores de risco associados à perda de lesões foram exames realizados de forma ambulatorial (RR: 1,3); sexo feminino (RR 1,3); e pacientes com múltiplas comorbidades (Charlson comorbidity index ≥ 5; RR 6). 9

Um estudo escocês mostrou que 73% dos casos de perda de lesões estiveram relacionados ao endoscopista ou ao seguimento: não identificação da lesão (27%); não realização de biópsias (14%); biópsias insuficientes (9%); ou seguimento inadequado (9%).10 Esse mesmo trabalho mostrou que 67% dos pacientes tinham endoscopia prévia em intervalo menor de 1 ano, 13% entre 1 e 2 anos e 20% entre 2 e 3 anos. 10 Cerca de 70% dos tumores esofágicos e gástricos e foram diagnosticados em estadio avançado (EC III e IV). Sintomas de alarme (disfagia, anemia, hematêmese, perda ponderal, vômito) estavam presentes na endoscopia inicial em 75% dos pacientes com tumores esofágicos e 57% daqueles com neoplasias gástricas.10

Entre as principais limitações no diagnóstico de lesões esofagogástricas e duodenais estão os fatores relacionadas ao operador, como a não identificação da lesão, à sedação inadequada, ao preparo inadequado do órgão, à distensibilidade insuficiente das pregas gástricas, a não realização de biópsias ou biópsias insuficientes. Fatores como a experiência do endoscopista e a qualidade dos aparelhos utilizados nos exames também são fatores relevantes, porém pouco estudados. A maioria dos trabalhos possuem dados anteriores à era da cromoscopia e da magnificação. Os principais fatores atribuídos à falha de reconhecimento pelo endoscopista devem-se às alterações discretas na aparência dos tumores superficiais, a baixa suspeição diagnóstica, e à exploração incompleta da mucosa devido aos pontos cegos, especialmente no estômago.

Apesar da endoscopia ter um alto valor preditivo negativo (99,7%)4, pacientes que persistem com sintomas de alarme após uma endoscopia sem achados críticos devem prosseguir a investigação, e aqueles com atrofia acentuada devem repetir a endoscopia anualmente.

Aparelhos com alta definição de imagem e com cromoscopia digital devem ser preconizados. É preciso realizar um preparo adequado, com lavagem e remoção de saliva e bolhas, adequada insuflação e tempo suficiente de inspeção. Ainda, o exame deve ser sistematizado, a fim de identificar discretas alterações da mucosa, caracterizando-as conforme as classificações endoscópicas, realizando a foto documentação (> 25 fotos) e coletando biópsias adequadas. Especial atenção deve ser dada para as seguintes regiões da câmera gástrica: grande curvatura do corpo, antro, incisura angularis e cárdia. Enfim, as boas práticas endoscópicas devem ser preconizadas para não perder a chance de diagnosticar lesões iniciais, passíveis de tratamentos curativos.

Referências

  1. Global Cancer Observatory. Cancer Survival. https://gco.iarc.fr/survival/survmark/.
  2. Menon S, Trudgill N, Open EI, et al. How commonly is upper gastrointestinal cancer missed at endoscopy ? A meta-analysis. 2014:46-50.
  3. Background IH. Biology of Early Gastric Carcinoma I . Historical Background. 1978;9:297-309. doi:10.1016/S0344-0338(78)80028-4
  4. Pimenta-Melo AR, Monteiro-Soares M, Libânio D, Dinis-Ribeiro M. Missing rate for gastric cancer during upper gastrointestinal endoscopy: A systematic review and meta-Analysis. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2016;28(9):1041-1049. doi:10.1097/MEG.0000000000000657
  5. Hosokawa O, Watanabe K, Hatorri M, Douden K, Hayashi H, Kaizaki Y. Detection of gastric cancer by repeat endoscopy within a short time after negative examination. Endoscopy. 2001;33(4):301-305. doi:10.1055/s-2001-13685
  6. Hosokawa O. STEKKW. Diagnosis of gastric cancer up to three years after negative upper gastrointestinal endoscopy. Endoscopy. 1998;30(8):669-674.
  7. Sawas T, Majzoub AM, Haddad J, et al. Magnitude and Time-Trend Analysis of Postendoscopy Esophageal Adenocarcinoma: A Systematic Review and Meta-analysis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2022;20(2):e31-e50. doi:10.1016/j.cgh.2021.04.032
  8. BasL.A. M.Weusten1, 2, Raf Bisschops3 , Mario Dinis-Ribeiro4, Massimiliano di Pietro5, Oliver Pech6 MCWS, , Francisco Baldaque-Silva8 9, , Maximilien Barret10, Emmanuel Coron11, 12 G-E, Rebecca C. Fitzgerald5, MarnixJansen14 MJ, , Ines Marques-de-Sa4 , ArtiRattan16 WKT, EvaP. D.Verheij17, Pauline A.Zellenrath7, Konstantinos Triantafyllou18 REP. Diagnosis and management of Barrett esophagus: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2023;55.
  9. Januszewicz W, Witczak K, Wieszczy P, et al. Prevalence and risk factors of upper gastrointestinal cancers missed during endoscopy: A nationwide registry-based study. Endoscopy. 2022;54(7):653-660. doi:10.1055/a-1675-4136
  10. Witherspoon P, Mccole D. Missed Diagnoses in Patients with Upper Gastrointestinal Cancers. doi:10.1055/s-2004-825853

Como citar este artigo

Casamali C. Perda de lesões em endoscopia digestiva alta: encarando a realidade. Endoscopia Terapeutica 2024, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/?p=18967




Quiz: achados pós-ESD!

Paciente masculino, 57 anos, com história de dispepsia.

Endoscopia Digestiva Alta revela lesão plano-elevada (0-IIa de Paris), com superfície vilosa, aspecto regular, com bordas mal delimitadas, localizada na grande curvatura do antro proximal de 12 mm (Fig.1)

Biópsias: adenoma com displasia de baixo grau.

Figura 1: A) lesão 0-IIa de Paris à luz branca; B)  cromoscopia com NBI; C) cromoscopia com índigo carmim a 0,4%.

Realizado tratamento endoscópico pela técnica de ESD híbrida (Fig. 2)

Figura 2: A) incisão circunferencial da mucosa, seguida de apreensão e ressecção com alça de polipectomia; B) aspecto do leito após recuperação do espécime; C) síntese do leito com hemoclipes.

O laudo anatomopatológico revelou:

  • Adenoma gástrico do tipo intestinal com displasia de baixo grau;
  • Margens periféricas e profundas livres de displasia;
  • H. pylori negativa

A endoscopia de controle 7 meses após o tratamento endoscópico revelou o seguinte achado (Fig. 3)

Figura 3: achados da endoscopia de seguimento.