Artigos Comentados – Fevereiro 2018

Apresentamos uma seleção de três artigos que foram publicados recentemente, sobre o uso do etomidato para sedação em endoscopia, preparo de cólon com simeticona, e tempo para realização de CPRE em pacientes com colangite aguda. Seguem abaixo:

1. Etomidate versus propofol sedation for complex upper endoscopic procedures: a prospective double-blinded randomized controlled trial.

Mi Gang Kim, Se Woo Park, Jae Hyun Kim, et al. Gastrointestinal Endoscopy 2017 Sep;86(3):452-461.

Introdução:

O propofol é um dos agentes sedativos mais comumente utilizado para realização de procedimentos endoscópicos devido ao rápido início de ação e menor tempo de recuperação, quando comparado com os benzodiazepínicos e opióides. Entretanto, o propofol está associado com graves eventos adversos cardiopulmonares.

O etomidato é um agente hipnótico com rápido início de ação (5-15 seg) e recuperação (5-15 min), que provoca menores efeitos adversos nos parâmetros cardiopulmonares, protege o SNC e não estimula a liberação de histamina.

O exame de ecoendoscopia costuma ser mais prolongado e complexo que a realização da endoscopia alta diagnóstica, além de que a passagem do ecoendoscópio ser mais desconfortável para o paciente.

Objetivos:

Comparar a segurança e efetividade do propofol e etomidato na realização de exames endoscópicos mais complexos e prolongados (no estudo: ecoendoscopia).

Métodos:

Ensaio-clínico, duplo-cego, randomizado, com 128 pacientes que realizaram ecoendoscopia (Hallym University Dongtan Sacred Heart Hospital, Korea). No grupo de propofol a indução de sedação começou com um bolus inicial de 0,5 mg/kg, seguida de titulação com bolus de 0,25 mg/kg. No grupo etomidato a indução começou com um bolus inicial de 0,1 mg/kg, seguida de titulação com bolus de 0,05 mg/kg. A sedação foi administrada por uma enfermeira treinada sob supervisão do médico endoscopista, com objetivo de alcançar sedação profunda (escore 1 de MOAA/S).

Resultados:

Eventos adversos cardiopulmonares em geral foram identificados em 22 pacientes (34,38%) do grupo etomidato e em 33 pacientes (51,56%) do grupo propofol, sem diferença significativa (p = 0,074). No entanto, a incidência de dessaturação (6,25% vs 31,25%; p = 0,001) e depressão respiratória (7,81% vs 32,81%, P = 0,001) foi significativamente menor no grupo etomidato. A freqüência de mioclonia foi significativamente maior no grupo etomidato (34,37% vs 12,5%; p = 0,012). Análise de variância mostrou efeitos significativos do tempo de sedação e uso do etomidato na elevação da pressão arterial sistólica. A satisfação do médico com a sedação foi maior no grupo etomidato.

Conclusões:

A administração de Etomidato resultou em menos eventos de depressão respiratória e teve uma eficácia sedativa melhor do que o propofol; no entanto, foi mais freqüentemente associado ao mioclônia e ao aumento da pressão arterial durante os procedimentos endoscópicos.

link do artigo: AQUI

2. Impact of preprocedure simethicone on adenoma detection rate during colonoscopy: a multicenter, endoscopist-blinded randomized controlled trial.

Yu Bai, Jun Fang, Sheng-Bing Zhao, et al. Endoscopy 2018 Feb;50(2):128-136.

Introdução:

O preparo do cólon para colonoscopia requer remoção completa dos resíduos, fluídos e espuma. O polietilenoglicol (PEG) é amplamente utilizado para o preparo do cólon, com agentes antiespumantes (como a simetilicona) comumente usados em combinação com o PEG. Atualmente existem poucos dados na literatura sobre o efeito da simeticona na taxa de detecção de adenoma (TDA).

Objetivos:

Investigar se o uso da simeticona no preparo do cólon pode aumentar a TDA.

Métodos:

Ensaio-clínico, multicêntrico, randomizado, com endoscopista “cegos” com relação ao uso ou não da simeticona, e pacientes consecutivos que realizaram colonoscopia em 6 centros na China. Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente para um dos dois grupos: PEG com simeticona ou PEG sozinho. O preparo foi realizado com 2L de PEG, com de 30 ml de simeticona no grupo intervenção, 6-8 horas antes da colonoscopia, sendo a mistura administrada em doses de 250 mL a cada 10-15 minutos.

Resultados:

Foram incluídos 583 pacientes. A TDA foi maior no grupo PEG com simeticona (21,0% vs 14,3%, p = 0,04). O número médio de adenomas detectados foi significativamente maior: 2,20 ± 1,36 vs. 1,63 ± 0,89 (p = 0,02). Pacientes no grupo PEG com simeticona apresentaram melhor eficácia no prepraro do cólon: Boston bowel preparation scale (BBPS) ≥6 em 88,3% vs 75,2% (p < 0,001); e escore de bolhas de 1,00 ± 1,26 vs. 3,98 ± 2,50 (p < 0,001). A distensão abdominal foi relatada com menor freqüência no grupo PEG com simeticona (7,8% vs. 19,7%, p < 0,001).

Conclusões:

O uso combinado de PEG e simeticona está associado a uma TDA significativamente aumentada em uma população chinesa.

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3. Association between early ERCP and mortality in patients with acute cholangitis.

Michael Dougherty, Thomas M. Runge, MSCR, Swathi Eluri, et al. Gastrointestinal Endoscopy 2018 Jan;87(1):185-192.

Introdução:

A colangite aguda (CA) é uma condição grave que está associada a alta mortalidade de até 10% apesar do tratamento adequado, e acima de 50% se não tratada. A associação entre o tempo para realização da CPRE e mortalidade em pacientes com colangite aguda não está clara na literatura.

Objetivos:

Investigar se a CPRE precoce dentro de 24 horas está associada a uma menor mortalidade em 30 dias.

Métodos:

Estudo retrospectivo a partir de banco de dados coletado prospectivamente, com pacientes consecutivos com colangite aguda, de acordo com os critérios das Diretrizes Internacionais de Tóquio de 2013, que foram submetidos à CPRE (Odense University Hospital, Dinamarca).

Resultados:

Na análise, 166 pacientes preencheram os critérios de inclusão. Sendo que 48 pacientes (29%) foram submetidos à ERCP dentro de 24 horas, e 118 pacientes (71%) à CPRE tardia. Os pacientes submetidos à ERCP em 24 horas eram mais jovens (65 vs 73 anos; p = 0,01) e apresentavam maior freqüência cardíaca (95 vs 90 bpm; p = 0,02). A mortalidade global foi de 8% entre pacientes submetidos à CPRE precoce, e de 19% entre os pacientes submetidos à CPRE tardia. Após ajuste por fatores de confusão, o desempenho da CPRE dentro de 24 horas foi significativamente associado a menor mortalidade em 30 dias (OR, 0,23; IC 95% 0,05-0,95; p = 0,04).

Conclusões:

Os resultados indicam que a CPRE precoce dentro de 24 horas está associada a menor mortalidade em 30 dias em pacientes com colangite aguda.

Link do artigo: AQUI

 




QUIZ ! Lesão pancreática, você acerta o diagnóstico ?

Paciente sexo feminino, 47 anos, com antecedente de hemangioblastoma de retina e tumores de células renais. Faz exames de rotina, com achado de lesão pancreática.

Complementou-se a avaliação com ressonância magnética de abdomen e ecoendoscopia, com os seguintes achados :

Ecoendoscopia

Ressonancia magnética de abdomen.

 

 




QUIZ!! Qual a alternativa correta?

Paciente feminina, 52 anos, com dor abdominal crônica e inespecífica. Nega icterícia, episódios prévios de pancreatite ou perda de peso. Realizadas endoscopia digestiva alta e tomografia computadorizada de abdomen que não revelaram achados pertinentes para o caso.
Paciente foi encaminhada para realização de ecoendoscopia. Vídeo abaixo da ecoendoscopia biliopancreática, demais achados durante o exame foram normais. (legendas: DP – ducto pancreático; DB – ducto biliar).

 

 
 




Comparação de insuflação com dióxido de carbono e ar em endoscopia e colonoscopia: ensaio clínico prospectivo, duplo cego, randomizado

A endoscopia terapêutica tem se tornado cada vez mais invasiva, realizando procedimentos que muito se assemelham a cirurgias, por sua complexidade, dificuldade técnica, tempo de execução e possibilidade de complicações como hemorragia e perfuração. Os endoscopistas ou centros médicos que realizam procedimentos mais complexos como dissecção endoscópica da submucosa e miotomia endoscópica peroral tem utilizado com maior frequência insufladores de CO2, reduzindo desconforto e impacto de possíveis complicações, principalmente perfurações do trato gastrointestinal.

A maioria dos endoscopistas no entanto não realizam estes procedimentos mais complexos e portanto não possuem interesse ou conhecimento sobre os benefícios da insuflação de CO2 em outros procedimentos mais habituais como endoscopia digestiva alta, colonoscopia e CPRE.

Neste estudo os autores realizaram um ensaio clínico prospectivo, randomizado, duplo-cego, em centro único, comparando a utilização de métodos convencionais de insuflação (ar) vs insuflação com CO2 em pacientes submetidos a endoscopia e colonoscopia realizadas em sequência, durante a mesma sedação (endoscopia + colonoscopia).

Métodos

Foram selecionados inicialmente 215 pacientes, os quais foram alocados aleatoriamente através de software específico em dois grupos por pesquisador não relacionado com a pesquisa. Foram excluídos do estudo pacientes com DPOC, insuficiência cardíaca com dispnéia, cirurgia de ressecção colônica e uso crônico de analgésicos/AINES nos últimos 6 meses.

Os pacientes e médicos/enfermeiros que realizaram o exame ou prestaram assistência após o termino do procedimento não foram informados sobre o tipo de gás utilizado para insuflação. Todos os procedimentos foram realizados por um único especialista ou por um único médico em treinamento (ao todo 5 especialistas e três fellow). Inicialmente foi realizada endoscopia, seguida de colonoscopia, sob sedação moderada (midazolam + propofol). Pólipos menores que 5mm foram removidos através de pinça de biópsia e pólipos maiores através de mucosectomia.

Foi avaliada a escala visual analógica de dor (EVA) 1,3,6 e 24h após o procedimento, além de variáveis como distensão abdominal, dose de sedativos utilizada, taxa de detecção de pólipos e adenomas, efeitos adversos e solicitação de analgesia pelos pacientes durante recuperação pós-exame.

Resultados:

Foram avaliados 215 pacientes, sendo excluídos 3 por preparo inadequado e 4 por colonoscopia incompleta por neoplasia. Os 208 restantes foram divididos aleatoriamente em um grupo submetido aos exames com insuflação de CO2 e outro com ar ambiente (104 em cada grupo). Não houve diferença significativa entre os grupos em relação a dados demográficos, indicação do exame, tipo de preparo de cólon, tempo total de procedimento e tempo de cada procedimento isoladamente (endoscopia e colonoscopia, incluindo entubação cecal e tempo de retirada de aparelho).

Dor abdominal após exame:

Em todos os períodos avaliados, o grupo de pacientes que realizou exames com CO2 teve menor queixa de dor de acordo com a EVA. É importante ressaltar que o momento de maior intensidade álgica foi 1h após o exame, onde o grupo de CO2 teve menor pontuação na escala (13.8 ± 15.5) em comparação ao grupo de insuflação com ar (20.1 ± 19.6), com significância estatística (p=0,01).

O gráfico representa o período no qual os pacientes relataram não sentir absolutamente nenhuma dor, sendo evidência diferença estatisticamente significativa (38.5% vs 24.0%, p=0.025), no momento de pico de dor (1h após o procedimento). Enquanto a significância clínica da diferença entre as escalas de dor 1h após o procedimento (6,8 pontos na escala de dor) possa ser alvo de debate, houve uma diferença de 14,5% de pacientes sem queixa de dor após o exame, favorecendo o grupo de CO2.

Houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, com menor distensão abdominal para o grupo com insuflação de CO2 (1cm vs 2,3cm, p=0,004) embora a avaliação desta distensão tenha sido feita de maneira indireta através da medida da circunferência abdominal. Não foi observada diferença significativa entre a taxa de detecção de pólipos, taxa de detecção de adenomas, quantidade de sedativo utilizado e efeitos adversos no grupo de insuflação de CO2 e ar, respectivamente (26.0% vs 27.9% e 20.2% vs 25.0).

A porcentagem de pacientes que solicitaram analgesia foi menor no grupo de CO2 (2.9% vs 6.7%) no entanto esta diferença não foi estatisticamente significante.

CO2 Ar
Midazolam (mg) 2,4 ±1,4 2,8 ± 1,3
Propofol (mg) 200,6 ±103,6 197,8 ± 78,5
Média ± desvio padrão

 

Como citado previamente, não houve diferença significativa nas doses de sedativo utilizado e as doses utilizadas não devem ter influenciado de maneira considerável as escalas de dor.

Trata-se de trabalho interessante, bem desenhado que levou em consideração cálculo de amostra para chegar ao número de pacientes avaliados, duplo cego, randomizado corroborando de maneira clara pontos avaliados em outros estudos, principalmente a nítida vantagem na utilização de insuflação de CO2, obtendo-se menor queixa de dor (maior porcentagem de pacientes que não sentiram dor alguma) e menor intensidade de dor na escala visual analógica.

 

Opinião:

Quais seriam as implicações práticas destas vantagens do uso de CO2 para o endoscopista que não realiza exames intervencionistas mais invasivos como POEM e ESD?

Sabemos que os convênios não repassam valores adicionais baseados nos equipamentos que utilizamos desde uma torre com imagem HD até um insuflador de CO2. Este estudo demonstra que os principais indicativos de qualidade de exame não foram afetados como a taxa de detecção de pólipos e taxa de detecção de adenomas, taxa de entubação cecal, tempo de exame. A maior vantagem esteve relacionada a uma variável que está relacionada diretamente à satisfação do paciente (dor) e não a qualidade, segurança ou eficácia do exame.

Investimos muito em aquisição e manutenção de aparelhos, acessórios melhores, recepção confortável, sistemas de TV e vários outros. Não recebemos nenhum pagamento adicional por isso mas mesmo assim fazemos estes investimentos porque o paciente recebe melhor assistência, tem maior satisfação e trabalhamos com mais segurança, com maior tranquilidade. Admito que ainda não tenho o equipamento, mas a ideia de adquirir um está cada vez mais frequente.

Se alguém utiliza o CO2 na rotina diária traga a sua experiência para a discussão.

 

 

Artigo original:

Comparison of carbon dioxide and air insufflation during consecutive esophagogastroduodenoscopy and colonoscopy in moderate sedation patients: a prospective double-blind randomized controlled trial. Publicado na Gastrointestinal endoscopy: junho de 2017 (Epub 2016)




Papel da endoscopia nas lesões subepiteliais do trato gastrointestinal

No mês de junho de 2017 foi publicado na “Gastrointestinal Endoscopy” a nova diretriz das lesões subepiteliais (LSEs) no trato gastrointestinal.

Devido a frequência e ao potencial maligno destas lesões faremos aqui alguns comentários  sobre esse Guideline.

Antes de mais nada, o endoscopista deve estar familiarizado com os aspectos endoscópicos e ecoendoscópicos essas lesões.

 

Características das lesões subepiteliais:

 

Começaremos discutindo as características dos Tumores estromais (GISTs). Essas lesões têm formato esférico ou fusiforme sendo mais comuns no estômago (70%) e endurecidos à palpação com a pinça.

  • São da muscular própria. Essa e outras revisões colocam que podem ser da muscularis mucosa (mas faço uma ressalta aqui – desafio quem achar a referência original de um GIST da muscular da mucosa, PS não vale livro texto e revisão!!!)
  • Na Ecoendoscopia, são hipoecóicos e homogêneos.   Alguns aspectos podem sugerir malignidade: tamanho > 3 cm, heterogeneidade, cistos, úlceras e bordas irregulares.
  • Punção ecoguiada (FNA) pode ser realizada com obtenção de material para imunohistoquímica. Entretanto o índice mitótico não pode ser avaliado pelo material da punção (só da cirurgia).
  • Noventa e cinco por cento dos casos são positivos para CD117. Portanto em cerca de 5% o CD117 é negativo!! Para estes casos um novo marcador DOG1 (Discovered on GIST 1) é útil.
  • Todos os GISTs têm algum potencial maligno. Sendo os do delgado mais agressivos com até 50% de malignidade!!! Indicações de cirurgia: sintomas, adenopatia regional, > 2 cm e as de qualquer tamanho no delgado. Para lesões < 2 cm mas com aspectos de alto risco na eco sugere-se ressecção também. Para aqueles pequenos e sem aspectos de alto riso, recomenda-se nova ECO em 6 a 12 meses.

Lesão subepitelial de parede posterior de corpo gástrico

Lesão localizada na quarta camada

 

Leiomiomas são mais comuns no esôfago (especialmente terço distal). Na Eco são idênticos aos GISTs, sendo negativos para CD117 e positivos para desmina e actina. Cirurgia está somente indicada se sintomáticos.

 

Lipomas são mais comuns no antro e cólon. São amarelos e amolecidos (sinal do travesseiro). Hiperecóicos e da submucosa na ECO. Punção, vigilância e tratamento não são necessários.

Lesão subepitelial de bulbo duodenal

Lesão hiperecóica de submucosa sugestiva de lipoma

 

 

Tumores neuroendócrinos (carcinóides) são lesões polipóides podendo ter erosão apical, sendo hipoecóicos e da submucosa ou mucosa profunda. Os gástricos são divididos em três tipos

  • I – associados a anemia perniciosa e gastrite atrófica. Baixa malignidade
  • II – associada à Zollinger-Ellison. Risco intermediário de malignidade
  • III – Solitários. Alto risco de metástases.

EMR pode ser considerada para os tipos I e II que forem < 2 cm, com controle a cada 6-12 meses por três anos. As do Tipo III necessitam tratamento cirúrgico (exceção para as < 1 cm e bem diferenciadas que podem ser ressecadas por via endoscópica)

Os neuroendócrinos retais < 1 cm podem ser ressecados por via endoscópica sem a necessidade de EUS prévio e se as margens forem negativas nem vigilância é necessária. Para lesões intermediárias (entre 1- 2 cm) fazer EUS antes e se ausência de adenopatia e infiltração profunda, a ressecção endoscópica pode ser realizada. E posterior acompanhamento deve ser feito com EUS ou ressonância em 6 e 12 meses. Carcinóides retais com mais de 2 cm dever ser tratados por cirurgia.

Não existem diretrizes para neuroendócrinos duodenais. Entretanto lesões pequenas (< 1 cm) podem ser removidas por EMR.

Tumor neuroendócrino de estômago

 

Pâncreas ectópicos quando localizados na grande curvatura de antro e com umbilicação central nem precisam de EUS para confirmação diagnóstica.

Lesões sugestivas de pâncreas ectópico

 

Tumores de células granulares podem ser diagnosticados com biópsias simples (S-100 positivo). Ressecção pode ser considerada para evitar a necessidade de vigilância.

Tumor de células granulares

 

Cistos de duplicação geralmente se apresentam com uma abaulamento na parede. Na eco podem ser anecóicos ou hipoecóicos (secundários a mucina produzida pelo cisto). Quando anecóicos, a punção deve ser evitada e na dúvida fazer antibióticos na lesões hipoecóicas mediastinais. Não existem dados que apóiam a vigilância nessas lesões e tratamento está indicado apenas se sintomas.

Lesão subepitelial da transição esôfago gástrica

Imagem ecoendoscópica compatível com cisto de duplicação

 

Metástases de melanoma e mama principalmente, podem se apresentar como lesões subepiteliais. São hipoecóicas e heterogêneas. A história clínica ajuda bastante nesse diagnóstico. Assim com a história de hipertensão portal levanta a probabilidade de varizes (estruturas anecóicas na eco).

 

Diagnóstico:

Para algumas lesões, como lipomas, cistos de duplicação e pâncreas ectópicos, aspectos endoscópicos e ecoendoscópicos são suficientes para o diagnóstico.

Lesões hipoecóicas e heterogêneas da submucosa e da muscular própria necessitam de análise tecidual para diagnóstico diferencial e para avaliação de potencial de malignidade. Imunohistoquímica é mandatória para caracterizar esses casos.

Biópsias simples raramente dão diagnóstico. Mesmo biópsias sobre biópsias tem baixa sensibilidade (30-40%).  Biópsias com pinça JUMBO, destelhamento (unroofing) e incisões com estiletes (single-incision needle-knife – SINK) tem um potencial diagnóstico maior, entretanto também estão associadas com risco de sangramento e podem causar fibrose que inviabiliza uma subsequente ressecção endoscópica se necessária.

Em relação a punção ecoguiada (FNA) não existem dados robustos ou diferenças estatísticas entre o calibre da agulha, usar ou não estilete, sucção ou técnica de leque (fanning)

 

Ressecções endoscópicas de lesões subepiteliais:

Mucosectomias com Cap ou com ligadura elástica podem ser realizadas para lesões pequenas (< 20 mm no estômago e < 10 mm no duodeno) e limitadas a mucosa ou sbmucosa.

ESD pode ser empregada para lesões maiores (até 5 cm) e até mesmo para lesões que acometem a muscular própria. Entretanto ESD é tecnicamente difícil, demorada e com risco não insignificante de complicações (perfuração, sangramento e disseminação tumoral, pela ruptura da cápsula)

A tunelização submucosa permite a enucleação da lesão utilizando os mesmos princípios da ESD, entretanto faz-se um túnel submucoso e depois que o tumor é completamente retirado, a incisão da mucosa é fechada. Quando se mantém a integridade da mucosa reduz-se o risco de peritonite e mediastinite. A aplicação dessa técnica, entretanto requer expertise e centros especializados.

Por último foi criada uma técnica de ressecção endoscópica completa da parede, necessitando assim de um fechamento confiável da parede, seja este procedimento com clipes convencionais, clipes over-the-scope, dispositivos de sutura ou endoloops. A efetividade deste fechamento permanece o maior desafio desta técnica.

 

 

Considerações finais:

Lembrando que lesões assintomáticas e benignas (lipomas, cistos, pâncreas ectópico e leiomiomas) não necessitam qualquer intervenção ou seguimento.  Lesões potencialmente malignas podem ser ressecadas por via endoscópica ou cirúrgica dependendo da preferência do paciente, características da lesão (tipo, tamanho e localização) e expertise do centro. E que a ressecção laparoscópica continua sendo a técnica de escolha para lesões sabidamente malignas.

Referência

Gastrointest Endosc. 2017 Jun;85(6):1117-1132. doi: 10.1016/j.gie.2017.02.022. Epub 2017 Apr 3. The role of endoscopy in subepithelial lesions of the GI tract.




QUIZ! – Qual a alternativa correta nesse caso?

TO, feminina, 54 anos, há cerca de 2 anos com episódios de pancreatite aguda recorrente (ao menos 4 episódios), com necessidade de internação e comprovada elevação de enzimas pancreáticas. Paciente foi submetida a colecistectomia há 1 ano, porém voltou a apresentar mais 2 ataques de pancreatite após a cirurgia. Nega tabagismo e etilismo. Foi submetida a colangiopancreatografia por ressonância magnética (imagens abaixo):




Artigo Comentado – Ecoendoscopia na hipertensão portal e no seguimento de pacientes após terapia com ligadura elástica

As recomendações atuais para profilaxia secundária após hemorragia varicosa são a terapia endoscópica com ligadura elástica associada ao uso oral de betabloqueadores. Apesar do tratamento endoscópico ser efetivo na erradicação das varizes, a recidiva das varizes esofágicas é frequente no primeiro ano de acompanhamento. Motivo pelo qual está indicado um seguimento endoscópico para detecção precoce da recidiva das varizes esofágicas. Entretanto, somente a análise endoscópica não é capaz de predizer esse desfecho e quais pacientes irão apresentar novo episódio de sangramento.

Uma vez que as varizes esofágicas são apenas a porção endoscopicamente visível da circulação colateral portossistêmica, a ecoendoscopia pode fornecer imagens anatômicas de alta resolução dos vasos colaterais ao redor do esôfago. Alguns estudos prévios correlacionaram alterações de estruturas vasculares paraesofágicas com a recidiva de varizes esofágicas, sendo as mais estudadas: a veia ázigos, o ducto torácico e as varizes paraesofágicas.

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Desenho esquemático da anatomia paraesofágica  na hipertensão portal.

O estudo a ser comentado foi publicado na revista Gastrointestinal Endoscopy em Setembro de 2016 e foi originado da minha tese de doutorado na faculdade de medicina de São Paulo (USP) que teve como orientador Dr Fauze Maluf.

Metodologia e Objetivo

  • Estudo prospectivo em pacientes cirróticos, acima de 18 anos e após o primeiro episódio de hemorragia digestiva por varizes esofágicas;
  • A profilaxia secundária instituída foi terapia endoscópica com ligadura elástica e uso de betabloqueador por via oral;
  • Utilização da ecoendoscopia na análise do diâmetro máximo de três estruturas paraesofágicas: veia ázigos, ducto torácico e varizes paraesofágicas;
  • As análises ecoendoscópicas foram realizadas em 2 momentos: antes da terapia com ligadura elástica e após a erradicação das varizes esofágicas;
  • Correlacionar os diâmetros máximos destas estruturas com a recidiva de varizes esofágicas após 1 ano de seguimento endoscópico trimestral.

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Visão esquemática de imagem ecoendoscópica da anatomia paraesofágica

 

Resultados

  • Foram encaminhados 317 pacientes para terapia endoscópica das varizes esofágicas. Dos quais, um total de 30 foram inclusos no estudo e acompanhados com endoscopia trimestral por um período de 1 ano.

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Fluxograma dos pacientes do estudo

Com o seguimento endoscópico, foi identificada recidiva das varizes esofágicas em 17 (57%) pacientes; e não houve caso de ressangramento. Sendo os pacientes divididos em dois grupos:

  • recidivantes
  • não recidivantes das varizes esofágicas

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Paciente recidivante. A: Visão endoscópica após a erradicação das varizes esofágicas; Imagem ecoendoscópica; – B: Ducto torácico (2,1 mm); C: Veia ázigos (7 mm); D: Varizes paraesofágicas (7,8 mm)

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Paciente não recidivante. A: Visão endoscópica após a erradicação das varizes; Imagem ecoendoscópica – B: Ducto torácico (4,2 mm); C: Veia ázigos (7,8 mm); D: Varizes paraesofágicas

(3,1 mm)

  • Após análise estatística, foi observado que não houve correlação entre os diâmetros máximos da veia ázigos e do ducto torácico com a recidiva das varizes esofágicas.
  • Entretanto, o diâmetro máximo das varizes paraesofágicas foi um fator preditivo na recidiva das varizes em ambos os momentos de avaliação, antes (p17) e após (p 0.004) a terapia com ligadura elástica.

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  • Para determinar os melhores valores de corte para estes parâmetros, foi realizada uma curva ROC. Os valores de corte obtidos foram: 6,3 mm antes (52% de sensibilidade e 92,3% de especificidade) e 4 mm após a terapia com ligadura elástica (70,6% de sensibilidade e 84,6% de especificidade).

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Curva ROC para determinação dos melhores valores de corte para o diâmetro máximo das varizes paraesofágicas

Discussão

  • Alterações vasculares encontradas nos pacientes com hipertensão portal podem estar relacionadas a recidiva das varizes esofágicas. Desta forma, talvez seja possível individualizar o seguimento destes pacientes de acordo com estes achados.
  • O diâmetro máximo das varizes paresofágicas apresentou correlação estatística com a recidiva das varizes esofágicas em ambos os momentos de estudo. Entretanto, a análise ecoendoscópica após a terapia com ligadura elástica foi um melhor preditor, devido a um menor valor de corte (4 mm), a uma maior sensibilidade e a uma maior área sob a curva na curva ROC (AUC 0,801 vs 0,749).
  • Na maioria dos estudos prévios, não de pôde determinar qual o melhor período para avaliação ecoendoscópica. O diferencial deste estudo foi a realização de duas análises ecoendoscópicas.
  • Apesar das varizes paraesofágicas terem sido preditoras em ambos os períodos, foi sugerido que após a terapia com ligadura elástica seja um melhor momento para avaliação.
  • Outro aspecto importante desse trabalho foi que um tratamento individualizado visando especificamente as varizes paraesofágicas poderia ser proposto:
    1. Caso uma avaliação ecoendoscópica antes da terapia com ligadura elástica evidenciasse varizes paraesofágicas maiores que 6,3 mm, uma terapia combinada de ligadura elástica e escleroterapia poderia ser proposta ao invés de ligadura elástica isolada.
    2. Caso uma avaliação ecoendoscópica após a terapia com ligadura elástica evidenciasse varizes paraesofágicas maiores que 4 mm, uma escleroterapia ecoguiada diretamente nas varizes paraesofágicas poderia ser considerada. Procedimento que já foi demonstrado factível em trabalho prévio realizado no Brasil pelo Dr Gustavo Andrade de Paulo.

 

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Caso Clínico – Drenagem endoscópica transmural ecoguiada de coleção peripancreática pós operatória

As coleções fluidas pós-operatórias são uma complicação bem reconhecida após ressecções pancreáticas e podem levar ao aumento da mortalidade e do tempo de internação hospitalar.
A pancreatectomia distal envolve a ressecção do parênquima pancreático à esquerda da veia porta. A morbidade pós-operatória varia de 9% a 31%, sendo as coleções fluidas peripancreáticas (PFC) uma complicação encontrada em 4% até 40% dos casos e possuindo na fístula pancreática uma das principais causas.
Embora a maioria das PFC pós pancreatectomia distal sejam manejadas conservadoramente por nutrição parenteral total, antibióticos e octreotide intravenoso, cerca de 40% dos casos necessitam de intervenções adicionais.
O caso a seguir é de uma paciente do sexo feminino com 51 anos de idade, que foi referenciada ao nosso serviço para tratamento endoscópico de uma PFC infectada (abscesso intra-abdominal) 28 dias após Pancreatectomia corpo-caudal por um IPMN de ducto principal. Na ocasião apresentava febre e dor abdominal refratárias a tentativa de tratamento clínico (antibioticoterapia).

CASO CLÍNICO

DISCUSSÃO

O tratamento das PFC secundárias a cirurgia pancreática variou ao longo do tempo de cistogastrostomia ou cistoduodenostomia cirúrgica, drenagem percutânea e, mais recentemente, drenagem endoscópica transluminal.
Existem 2 modalidades minimamente invasivas utilizadas para drenar as PFC pós operatórias:

  • Percutânea: tem sido frequentemente a modalidade de escolha para a drenagem de PFC que surgem após a ressecção da cauda pancreática, embora a taxa de sucesso seja menor para PFC infectada, com uma maior taxa de fístula permanente em comparação a PFC não infectada. Cateteres percutâneos podem permanecer no local por várias semanas, prolongando a permanência no hospital para troca e manutenção dos mesmos.
  • Endoscópica: é uma modalidade consagrada para o tratamento das PFC que surgem como uma complicação da pancreatite aguda ou crônica com altas taxas de sucesso, no entanto, seu uso para tratamento das PFC pós pancreatectomia é pouco relatado, apesar do potencial para drenagem efetiva e rápida recuperação.

 
Recentemente, a drenagem endoscópica transluminal ecoguiada tem sido utilizada com sucesso no tratamento das coleções fluidas peripancreáticas pós-operatórias. Varadarajulu e colaboradores relataram sua experiência em 2011 usando drenagem endoscópica ecoguiada no manejo de PFC após pancreatectomia distal em 20 pacientes, com uma taxa de sucesso técnico e clínico de 100% e sem complicações imediatas ou tardias. Gupta e colaboradores descreveram a drenagem endoscópica ecoguiada no pós-operatório de 43 pacientes submetidos a vários tipos de cirurgia abdominal, com taxas de sucesso técnico e clínico de 100% e 79%, respectivamente, nos pacientes de cirurgia pancreática. Além disso, em outro estudo do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, Kwon e colaboradores descreveram uma taxa de sucesso técnico e clínico de 100% com drenagem endoscópica ecoguiada de 9 pacientes com coleções fluidas pós-operatórias.
Um detalhe importante a considerar é que as PFC pós-operatórias, embora resultantes na maioria dos casos de fístulas do ducto pancreático, podem  conter debris sólidos devido à subsequente incorporação de tecido necrótico que foi dissolvido enzimaticamente pelo suco pancreático. Assim, uma vantagem potencial para a drenagem endoscópica transluminal é a capacidade de debridamento de materiais sólidos ou de tecido necrótico por necrosectomia direta, que não podem ser realizados usando drenos percutâneos de pequeno diâmetro.
Alguns pontos permanecem controversos no manejo das PFC pós pancreatectomias:

  • A drenagem transpapilar com colocação de stent de ducto pancreático para fístulas pancreáticas pós-operatórias tem mostrado algum sucesso em pacientes selecionados, no entanto seu uso rotineiro para resolução das FPC pós pancreatectomias ainda não pode ser recomendado.
  • O momento ideal de realizar a drenagem endoscópica também não está estabelecido. A maioria dos estudos exclui pacientes com PFC <4 semanas por causa da presumida falta de maturação da parede. Existem dados limitados sobre a avaliação do sucesso e segurança da drenagem realizada em até 4 semanas da cirurgia. No entanto, há provavelmente uma diferença entre as PFC por complicações de pancreatite vs. ressecção pancreática em virtude das aderências que formam a partir da cirurgia, o que pode contribuir na prevenção de vazamento intraperitoneal.

 
Outro aspecto que merece ser ressaltado é quanto ao modelo dos stents utilizados nas drenagens. Praticamente todos os trabalhos utilizaram stents plásticos (duplo pigtail) em detrimento de stents metálicos. O manejo tradicional inclui o uso de múltiplos stents plásticos, que não foram especificamente projetados para drenagem transluminal e consequentemente requerem várias revisões por obstrução devido ao seu pequeno diâmetro. Os stents biliares metálicos auto-expansíveis (SEMS) totalmente cobertos foram empregados com a esperança que um diâmetro luminal maior facilitaria uma drenagem mais eficaz e durável. Infelizmente, os SEMS’s podem migrar ou ocasionar injúria tecidual com sangramento quando sua extremidade encosta na parede do lúmen.
Com o advento dos stents metálicos de aposição de lúmen (LAMS), as limitações técnicas descritas estão sendo superadas e provavelmente ocorrerá uma mudança de paradigma sobre o assunto, todavia o uso destes novos dispositivos ainda não está amplamente disseminado, especialmente para as PFC pós cirúrgicas, razão pela qual não foram utilizados nos trabalhos mencionados.
Em resumo, a drenagem endoscópica é pelo menos tão segura e eficaz quanto a drenagem percutânea para PFC que surgem após a pancreatectomia distal. Os menores tempo de internação hospitalar e uso de tomografias, além das demais ponderações aqui realizadas, tornam a modalidade endoscópica uma importante estratégia de tratamento dessa comum e difícil complicação, com potencial de se transformar no método de primeira linha brevemente. Uma abordagem multidisciplinar que envolva cirurgiões, endoscopistas e radiologistas intervencionistas provavelmente produzirá os melhores resultados para esses pacientes.

REFERÊNCIAS

– Azeem N, Baron TH, Topazian MD, Zhong N, Fleming CJ, Kendrick ML. Outcomes of endoscopic and percutaneous drainage of pancreatic fluid collections arising after pancreatic tail resection. J Am Coll Surg. Elsevier Inc.; 2012;215(2):177–85.
– Kwon YM, Gerdes H, Schattner M a., Brown KT, Covey AM, Getrajdman GI, et al. Management of peripancreatic fluid collections following partial pancreatectomy: A comparison of percutaneous versus EUS-guided drainage. Surg Endosc Other Interv Tech. 2013;27(7):2422–7.
– Mandai K, Uno K, Yasuda K. Endoscopic ultrasound-guided drainage of postoperative intra-abdominal abscesses. World J Gastroenterol. 2015;21(11):3402–8.
– Prasad G a., Varadarajulu S. Endoscopic Ultrasound-Guided Abscess Drainage. Gastrointest Endosc Clin N Am. Elsevier Inc; 2012;22(2):281–90.
– Tilara A, Gerdes H, Allen P, Jarnagin W, Kingham P, Fong Y, et al. Endoscopic ultrasound-guided transmural drainage of postoperative pancreatic collections. J Am Coll Surg. American College of Surgeons; 2014;218(1):33–40.
– Varadarajulu S, Wilcox CM, Christein JD. EUS-guided therapy for management of peripancreatic fluid collections after distal pancreatectomy in 20 consecutive patients. Gastrointest Endosc. Elsevier Inc.; 2011;74(2):418–23.




QUIZ !!!

 

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Figura 1. Ecoendoscopia setorial exibindo lobularidade difusa do corpo pancreático associada a estrias logitudinais hiperecoicas.

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Figura 2. Mesmos achados da figura anterior, porém com range maior.

 




Coledocoduodenostomia ecoguiada: um procedimento endoscópico-cirúrgico

 

INTRODUÇÃO:

A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) é o procedimento de escolha para a drenagem da via biliar comum, no caso de obstruções distais. Contudo, em aproximadamente 5% de todos os casos, isso não é factível. Nos casos de pacientes operados com alteração da anatomia gastrointestinal e em casos oncológicos, como os tumores periampulares, por exemplo,  a CPRE tem baixas taxas de sucesso e outro método se faz necessário. É aí onde surge a drenagem biliar ecoguiada (DBEG), como uma alternativa eficaz e segura.

As indicações atuais para DBEG são:

  • falha da CPRE
  • alteração anatômica
  • tumor que impeça o acesso a árvore biliar
  • contraindicações ao acesso percutâneo

 

Existem dois métodos para se realizar uma DBEG:

  • Trans-hepática: onde através da pequena curvatura proximal realiza-se uma punção e drenagem ecoguiada do segmento III hepático, ou
  • Extra-hepático: também chamada de coledocoduodenostomia ecoguiada, onde, no bulbo duodenal realiza-se uma punção, dilatação e inserção de uma prótese entre o duodeno e o colédoco, sendo todos os passos sob visão direta da endoscopia agregada a visão radiológica e ecoendoscópica, simultaneamente.

 

CASO CLÍNICO:

Paciente de 80 anos, sexo feminino, com dor abdominal, icterícia progressiva e perda de peso não quantificada há 08 meses.

  • Exames complementares indicavam colestase (AST: 55, ALT: 71, FA: 645, GGT 374, BT: 22,10, BD: 21,0)
  • Ultrassom de fígado e vias biliares evidenciaram dilatação da via biliar intra e extra-hepática, com colédoco de 1,8cm.
  • A tomografia de abdome mantém o achado da dilatação, com evidência de interrupção do coléodoco a nível da cabeça do pâncreas, devido a lesão hipodensa, de 3,0 x 2,7cm, associado a dilatação do ducto de Wirsung, além de disseminação linfonodal da lesão.

 

Tentado inicialmente CPRE para drenagem biliar, sem sucesso por infiltração da papila duodenal e obstrução maligna da mesma. Foi então realizado uma biópsia da lesão que confirmou o diagnóstico da adenocarcinoma de pâncreas.

Diante desse contexto, após consentimento da paciente, foi realizado, sob anestesia geral e utilizando-se um ecoendoscópio setorial com canal de 2.8 mm, uma ecopunção no joelho bulbar junto a parede supero-anterior com intuito de se criar um trajeto fistuloso não anatômico para se proceder a uma drenagem biliar ecoguiada (coledocoduodenostomia), com passagem de prótese metálica  parcialmente recoberta de 60 x 10 mm. O tempo total de procedimento foi de 35 minutos, sendo o tempo de passagem da prótese de 5 minutos. O método de dilatação utilizado foi por meio do estilete e apenas uma prótese foi utilizada, com escoamento imediato de bile esverdeada entremeada a alguns grumos biliares. O esvaziamento de contraste da via biliar  após 20 minutos do procedimento foi considerado ótimo e não houve complicação técnica ou clínica durante ou após o procedimento (Figuras 1, 2, 3).

A paciente teve boa evolução, recebendo alta em 36h e, após uma semana, encontrava-se clinicamente bem, sem dor, com boa aceitação de dieta oral. Novos exames laboratoriais mostram queda significativa dos valores de bilirrubina (BT: 14,30, BD: 12,00). A paciente manteve seguimento clínico e clearance progressivo de bilirrubinas, mantendo-se assintomática por 06 meses e com sobrevida de 07 meses após o procedimento. Destaca-se a melhora da qualidade de vida comprovada objetivamente por meio de escores (SF-36) realizados antes e seriadamente após o acesso ecoguiado.

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Figura 1: Imagem ecoendoscopica setorial demonstrando colédoco distal dilatado a montante da estenose neoplásica, a agulha e a veia porta.

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Figura 2: Imagem radiológica demonstrando a estenose distal na via biliar extrahepática e o aparelho de ecoendoscopia, alem do fio guia passando pelo ponto de punção que ocorreu na face supero-anterior do joelho duodenal.

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Figura 3: Prótese metálica disposta no bulbo duodenal e configurando a coledocoduodenostomia ecoguiada.

DISCUSSÃO:

Apresentamos um caso clínico onde uma neoplasia maligna periampular impedia a drenagem biliar por CPRE e sendo utilizado, com sucesso, método alternativo da drenagem biliar com a utilização da ecoendoscopia setorial: coledocoduodenostomia.

O acesso biliar ecoguiado compõe-se por técnicas intra e extra-hepáticas. A hepatogastrostomia é indicada nas lesões hílares com insucesso da CPRE e a coledocoduodenostomia destaca-se na obstrução do confluente bilioduodenopancreático.

Vale ressaltar que se trata de um procedimeno minimamente invasivo que, agregado a CPRE, permite-se a drenagem biliar em torno de 98% dos casos, portanto o acesso ecoguiado caracteriza uma técnica de resgate relevante. O sucesso terapêutico e técnico, na literatura, é de 85-100%. Ainda vale citar que a relação custo beneficio é favorável a este método quando comparado com o acesso transparietal e cirúrgico. Outrossim, a ciurgia é padrão ouro e deve ser o método de finalização na falha da supracitada técnica.

Em relação as opções de próteses, poder-se-á utilizar próteses metálicas (cobertas, parcialmente cobertas e não cobertas) e plásticas. Na coledocoduodenostomia pode-se utilizar tanto metálicas como plásticas, entretanto na hepatogastrostomia a preferência são as metálicas cobertas.

Concluindo, a coledocoduodenostomia ecoguiada compõe técnica elegante e efetiva de resgate ao acesso biliar na falha da CPRE convencional e deve ser realizada por profissionais com destacada proficiência em CPRE e Ecoendoscopia, além de ambiente com acessórios adequados e hospitalar bem estruturado.

 

Quer saber mais? Clique aqui para acessar o post: Drenagem Biliar Ecoguiada – breve revisão da literatura

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Guedes HG, Lopes RI, de Oliveira JF, Artifon EL. Reality named endoscopic ultrasound biliary drainage. World J Gastrointest Endosc 2015; 7(15): 1181-1185 [PMID: 26504507 PMCID: PMC4613807 DOI: 10.4253/wjge.v7.i15.1181]