Neoplasia periampular sem lesão visível

Paciente do sexo feminino, 53 anos, sem comorbidades prévias, iniciou quadro de icterícia, febre e aumento de enzimas caniculares.

  • Realizou ressonância magnética (RNM) abdominal que identificou sinais de colangite com dilatação da VB intra e extra-hepáticas.
  • Submetida a CPRE em serviço externo com evidência de “papilite” e microcálculos no coledoco. Realizado fistulotomia, dilatação de papila, varredura com balão extrator e passagem de prótese plástica. Biopsiado a papila que resultou em amostra inconclusiva.

Após um mês, apresentou novamente quadro de colangite e a nova RNM de abdome apresentava as mesmas alterações, agora com a presença de prótese biliar.

  • Realizada ecoendoscopia que mostrou dilatação do colédoco (16 mm) e ducto principal pancreático (4,5 mm), com interrupção dos mesmos na topografia da papila duodenal, sem nítida lesão perceptível na ecoendoscopia. Efetuada punção ecoguiada com agulha fina. 
  • Em nova CPRE, realizada dilatação, biópsias de papila e passagem de nova prótese plástica.

Resultado de anatomopatológico da punção ecoguiada e das biópsias por CPRE: adenocarcinoma moderadamente diferenciado de papila duodenal, superficialmente invasivo e ulcerado.

Paciente foi submetida a gastroduodenopancreatectomia com linfadenectomia regional. Estadiamento revelou comprometimento linfático, vascular e neural pT3b pN2. O tratamento adjuvante com quimioterapia foi indicado.

Vídeo

Comentários:

Esse caso ilustra bem a importância de insistir na elucidação diagnóstica dos tumores periampulares. Apesar da imagem endoscópica e da RNM não demonstrarem lesão nítida na papila duonenal maior, a suspeita se manteve devido a grande dilatação do colédoco (16mm) associado a icterícia, sem uma causa muito convincente (apenas microcálculos na CPRE anterior). Isso motivou a realização da Ecoendoscopia concomitante para melhor investigar a região, a qual demonstrou dilatação do duto pancreático principal que não havia sido evidenciado na RNM, o que aumentou ainda mais a suspeita de uma lesão periampular. Nesses casos, a punção guiada por ecoendoscopia justamente no local onde ocorre a interrupção dos dutos aumenta a sensibilidade diagnóstica.

O adenocarcinoma de papila duodenal faz parte do grupo de tumores periampulares que surgem nas proximidades da ampola de Vater. A incidência é maior na população com síndromes de Polipose Hereditária. O quadro clínico mais comum é de síndrome colestática obstrutiva associado a dor abdominal, emagrecimento e anemia. Laboratorialmente evidencia-se aumento de bilirrubinas diretas e enzimas caniculares. A avaliação diagnóstica das vias biliares se inicia com USG de abdome, com pouca sensibilidade para visualizar o tumor. A CPRE é indicada para o diagnóstico, permitindo a identificação do tumor, biópsia e descompressão biliar. A ecoendoscopia apresenta importância para detecção e punção de tumores pequenos como também no estadiamento. O tratamento padrão envolve a gastroduodenopancreatectomia e frequentemente associada à quimioterapia adjuvante e radioterapia.

Por ser um diagnóstico raro e de maior complexidade, é fundamental ressaltá-lo precocemente diante de um quadro de colestase obstrutiva, com melhora do prognóstico quando detectado inicialmente.

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Como citar esse artigo?

Cardoso ACFL, Martins BC. Neoplasia periampular sem lesão visível. Endoscopia Terapêutica 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/neoplasia-periampular-sem-lesao-visivel/




Critérios de Fukuoka para IPMN

O consenso de Fukuoka, também conhecido como critérios de Fukuoka ou guideline de Fukuoka, fornece as diretrizes para diagnóstico, seguimento e tratamento da neoplasia mucinosa papilar intraductal (IPMN) do pâncreas.

Tumores císticos no pâncreas estão sendo cada vez mais diagnosticado e muitas vezes é difícil saber se estamos diante de uma lesão neoplásica ou não.

A neoplasia mucinosa papilar intraductal (IPMN) merece atenção especial não só pela sua frequência, mas também pelo potencial de malignidade, sendo consideradas lesões pré-malignas. Por conta disso, existe intensa discussão de condutas que variam desde a vigilância periódica até a ressecção cirúrgica limitada até a pancreatectomia total.

Antigamente, grande parte dessas lesões eram ressecadas, tendo em vista seu potencial maligno. Após a publicação dos critérios de Sendai (2006) e Fukuoka (2012), uma conduta conservadora tem sido adotada na maioria das lesões. Atualmente, a diretriz revisada de Fukuoka (2017) é o guideline mais utilizado para diagnóstico e tratamento desses tumores [2].

1. Classificação

Os IPMNs podem ser classificados em três tipos:

  • IPMN de ducto priuncipal (MD-IPMN)
  • IPMN de ducto secundário (BD-IPMN)
  • tipo misto.

MD-IPMN é caracterizado por dilatação segmentar ou difusa do ducto pancreático principal (MPD) > 5 mm sem outras causas de obstrução. Cistos pancreáticos > 5 mm de diâmetro que se comunicam com o MPD devem ser considerados como BD-IPMN (pseudocisto é o diagnóstico diferencial para pacientes com história prévia de pancreatite). Os pacientes do tipo misto possuem critérios tanto para MD-IPMN quanto para BD-IPMN.

2. Investigação

De acordo com essa diretriz, os IPMN podem ser classificados como Fukuoka-positivos com estigmas de alto risco, lesões com características preocupantes ou Fukuoka-negativos

2.1 IPMN Fukuoka-positivos

IPMN Fukuoka-positivos são aqueles que têm estigmas de alto risco para malignidade:

  • Lesões na cabeça do pâncreas cursando com icterícia obstrutiva
  • Nódulos murais > 5 mm e hipercaptantes
  • Dilatação do ducto pancreático principal > 10 mm (IPMN de duto principal)

2.2 IPMNs com “características preocupantes”

Os IPMNs com “características preocupantes” são aqueles com:

  • Lesões císticas > 3 cm
  • Paredes císticas espessadas ou hipercaptantes
  • Dilatação do ducto pancreático principal entre 5–9 mm
  • Mudanças abruptas no diâmetro do ducto pancreático e atrofia distal
  • Evidência de linfonodos
  • Elevação sérica de CA 19-9
  • Crescimento cístico de pelo menos 5 mm em 2 anos
  • Sinais clínicos de pancreatite

2.3 IPMN Fukuoka-negativos

IPMNs Fukuoka-negativos são aqueles sem estigmas de alto risco e sem as “características preocupantes” descritas acima.

Nota: o melhor exame de imagem para se avaliar lesões de 5 mm é o ultrassom endoscópico. Na indisponibilidade desse método a ressonância magnética (RNM) pode ser utilizada, mas apresenta acurácia inferior.

3. Conduta

As diretrizes também incluem recomendações sobre a abordagem terapêutica:

  • IPMNs positivos para Fukuoka devem ser tratados cirurgicamente, desde que paciente tenha condições clínicas
  • Na presença de “características preocupantes” e evidências no EUS de nódulos murais > 5 mm, alterações no ducto principal ou presença de citologia maligna ou suspeita de malignidade, a ressecção cirúrgica também deve ser considerada.
  • Na ausência dessas alterações, acompanhamento com TC/RNM ou EUS devem ser realizados em intervalos específicos, dependendo do tamanho do IPMN (ver figura 1)

Uma abordagem baseada nessas diretrizes mostrou que o risco de tratamento excessivo de IPMN “inofensivos” devido a cirurgia injustificada e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de tumores malignos a partir de IPMNs aparentemente “inofensivos” é extremamente baixo.

Um estudo incluindo mais de 1.100 pacientes com IPMN mostrou que [3]:

  • a taxa de malignidade em 5 anos em IPMN Fukuoka-negativos foi inferior a 2%
  • Na presença de “características preocupantes”, o risco de carcinoma em IPMN não operados foi de aproximadamente 4%
  • em pacientes Fukuoka-positivos, a incidência de câncer de pâncreas em 5 anos foi de 49%

Importante: pacientes com IPMN sob vigilância apresentam risco aumentado de neoplasias pancreáticas independentemente das lesões císticas. Portanto, a vigilância deve sempre incluir todo o pâncreas. [4]

Figura 1: Algoritmo para o gerenciamento de suspeita de BD-IPMN. *A pancreatite pode ser uma indicação cirúrgica para alívio dos sintomas. &. O diagnóstico diferencial inclui mucina. A mucina pode se mover com a mudança na posição do paciente, pode ser deslocada com a lavagem do cisto e não tem fluxo Doppler. As características do nódulo tumoral verdadeiro incluem falta de mobilidade, presença de fluxo Doppler e PAAF do nódulo mostrando tecido tumoral. @. A presença de paredes espessadas, mucina intraductal ou nódulos murais é sugestiva de envolvimento do ducto principal. Na sua ausência, o envolvimento do ducto principal é inconclusivo. Abreviaturas: BD-IPMN, neoplasia mucinosa papilar intraductal do ducto secundário; PAAF, aspiração por agulha fina. Adaptado de Tanaka M, et al. Pancreatology 2017

Referências

  1. IMPN: Fukuoka Classification (guidelines). Siegbert Faiss. Disponível em: https://www.endoscopy-campus.com/en/classifications/impn-fukuoka-classification-guidelines/
  2. Tanaka M, Fernandez-del Castillo C, Kamisawa T, Jang JY, Levy P, Ohtsuka T, et al. ‘Revisions of international consensus Fukuoka guidelines for the management of IPMN of the pancreas’, Pancreatology 2017; 17 :738–53.
  3. Mukewar S, de Pretis N, Aryal-Khanal A, Ahmed A, Sah R, Enders F, Larson JJ, et al. ‘Fukuoka criteria accurately predict risk for adverse outcomes during follow-up of pancreatic cysts presumed to be intraductal papillary mucinous neoplasms’, Gut 2017 Oct; 66(10): 1811–17.
  4. Yamaguchi K, Kanemitsu S, Hatori T, Maguchi H, Shimizu Y, Tada M, et al.

Como citar esse artigo

Martins BC. Critérios de Fukuoka para IPMN. Endoscopia Terapêutica 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/criterios-de-fukuoka-para-ipmn




Gastroentero Anastomose Ecoguiada (EUS-GE): tips and tricks

Autores: Matheus Franco, Hugo Guedes, Pedro Victor Aniz.

Introdução

A doença maligna é responsável por cerca de 50% a 80% dos casos de obstrução ao esvaziamento gástrico (gastric outlet obstruction – GOO), sendo o câncer de pâncreas a malignidade associada mais comumente (15% a 20%). Pacientes com GOO podem apresentar piora progressiva com náuseas, vômitos, perda de peso, dor abdominal e desidratação grave. Como os pacientes com GOO secundário a uma malignidade irressecável têm expectativa de vida limitada, o tratamento paliativo prioriza a resolução dos sintomas.

As intervenções paliativas para GOO incluem gastrojejunostomia (GJ) cirúrgica aberta ou laparoscópica, stent duodenal usando stents metálicos autoexpansíveis (SEMS) e gastroenterostomose ecoguiada (EUS-GE).

O uso de stent duodenal está associado a maiores taxas de complicações relacionadas ao stent, como reobstrução e reintervenção em comparação com a GJ cirúrgica.

Desde 2015, a EUS-GE tem sido estudada para o manejo da GOO, emergindo como uma alternativa terapêutica com resultados comparáveis à GJ cirúrgica, porém com os benefícios potenciais por ser uma técnica menos invasiva.

Nesse post temos objetivo de relatar uma série de casos de execução da EUS-GE, com foco no debate da técnica realizada.

Relato de caso

Paciente feminina, 92 anos, com câncer gástrico metastático, com obstrução pilórica, com quadro de náuseas e vômitos incoercíveis.

Após discussão multidisciplinar, optado por paliação dos sintomas com realização de EUS-GE. Vídeo abaixo:

Câncer gástrico com obstrução pilórica
Distensão da alça enteral e enterografia com contraste
Punção ecoguiada de alça enteral próxima ao estômago
Dilatação do lúmen da prótese
EUS-GE com LAMS bem posicionada

Tips and Tricks

Materiais necessários:

  • Hot Axios 20 mm (preferencialmente)
  • Fio-guia teflonado 0.035 in
  • Prótese biliar plástica reta com sistema de liberação 10 Fr (sustentador e empurrador)
  • Overtube de estômago (para casos onde não for possível progredir o empurrador da prótese de 10 Fr)
  • balão dilatador de 15 a 18 mm.
  • bomba de água com soro fisiológico e diluição de 01 ml de índigo carmin
  • equipo de bomba de água e bomba de água.

Intraprocedimento:

EDA e radioscopia:

  • Passar o fio-guia distalmente à lesão obstrutiva e ao ângulo de Treitz.
  • Deixar o fio-guia e passar o sustentador e o empurrador de 10 Fr distalmente à lesão obstrutiva e ao Treitz. Se necessário usar o overtube gástrico para evitar a alça do fio-guia dentro do estômago.
  • Retirar fio-guia e sustentador de prótese biliar de 10 Fr e realizar enterografia com contraste para checar a posição do empurrador pós-obstrução maligna

Ecoendoscopia:

  •  Iniciar distensão da alça de delgado com instilação de SF 0,9% com índigo carmin através da bomba de água conectada ao empurrador da prótese biliar.
  • Com o ecoendoscópio identificar alça enteral adjacente dilatada e com auxílio da radioscopia.
  • Ao identificar a alça enteral (duodeno distal ou jejuno proximal) na região do Treitz em posição estável do aparelho, realizar a punção da alça com a prótese de aposição de lumens (HotAxios, Boston Scientific), em técnica free-hand, à semelhança da técnica para drenagem de pseudocistos pancreáticos.
  • Realizar dilatação da prótese após confirmação do posicionamento correto da prótese, através da visão endoscópica com saída de soro com azul de índigo carmin pela prótese no estômago, e com a radioscopia.

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Referências

Joel Oliveira, Matheus Franco, Gustavo Rodela, Fauze Maluf-Filho, Bruno Martins.  Endoscopic ultrasound-guided gastroenterostomy (gastroenteric anastomosis).  Int J Gastrointest Interv 2022;11:112-118.  https://doi.org/10.18528/ijgii220024




Microcálculos e barro biliar – Quais seus valores para a prática clínica?

A doença calculosa da vesícula biliar é responsável por grande volume das cirurgias eletivas dentro do nosso sistema de saúde e as complicações da doença biliar geram inúmeros atendimentos e internações de urgência: colecistite aguda, pancreatite aguda biliar, coledocolitíase e colangite aguda.

Nos Estados Unidos há dados que demonstram prevalência de colelitíase de 6% na população masculina e 9% em pacientes do sexo feminino. Há poucos estudos nacionais, cada um demonstrou prevalência variável, mas todos acima de 5% da população brasileira e com predominância no sexo feminino. 

Dentre as suas formas de apresentação, o barro biliar e a microlitíase são achados menos frequentes e discute-se se seriam um passo intermediário na formação dos cálculos biliares. Nesse artigo descreveremos seus conceitos e principais repercussões clínicas.

Barro Biliar

O barro biliar é mais comumente formada de cristais de colesterol a partir da estase biliar, mas sua composição pode variar de acordo com a etiologia2 (complexos de cálcio-ceftriaxone, por exemplo).

Frequentemente relatado em situações específicas que predispõem estase biliar ou formação de cristais como: nutrição parenteral, doentes críticos, uso de ceftriaxone e gestação como exemplos mais comuns. Nessas situações, o barro biliar possui potencial reversível e, caso paciente não apresente complicações da doença biliar, recomenda-se observação até a retirada do fator causal.

Descrito principalmente como um achado ultrassonográfico, a vesícula biliar apresenta um conteúdo hipoecogênico que se deposita formando nível em relação a bile mais fluída e sem formar sombra acústica posterior. O barro biliar muda de posição lentamente de acordo com o decúbito do paciente.

Figura 1 – Ultrassonografia transabdominal demonstrando barro biliar hipoecogênico formando nível conforme a gravidade, sem formação de sombra acústica posterior.

Em estudos observacionais apresenta evolução variável, podendo regredir espontaneamente em até 20% dos casos seguidos por 3 anos. Entretanto, em paciente elegíveis; recomenda-se o tratamento cirúrgico preferencialmente a colecistectomia videolaparoscópica quando há sintomas compatíveis com obstrução biliar ou se vigência de doença biliar complicada.

Microlitíase

É definida como presença de cálculos menores que 3 mm. Devido a suas dimensões possui difícil visualização via ultrassonografia transabdominal. Assim, situações clínicas de alta suspeita de litíase biliar com ultrassonografia transabdominal negativa podem ser melhor esclarecidas via ecoendoscopia (exame que pode chegar a sensibilidade de 95% para esse diagnóstico). 4

Figura 2 – Achado ecoendoscópico de microlitíase biliar – microcálculos hiperecogênicos em suspensão na vesícula biliar (aspecto de céu estrelado).

Como esse achado depende, muitas vezes, de um exame de alta complexidade e pouco disponível como a ecoendoscopia; a quase totalidade do casos de microlitíase são de pacientes com sintomas de cólica biliar ou após doença biliar complicada. Além disso, acredita-se que os microcálculos possuem um maior potencial de migração devido às suas dimensões. Por isso, recomenda-se o tratamento cirúrgico preferencialmente a colecistectomia videolaparoscópica

Por fim, é importante ressaltar que a literatura disponível para essas formas de apresentação da doença calculosa da vesícula biliar é focada em paciente sintomáticos ou em investigação etiológica de doença biliar complicada.  Dessa forma, onde se tem maior disponibilidade de exames no contexto de paciente assintomático, recomenda-se cautela frente a esses achados para não oferecermos procedimentos fúteis ao paciente.

Referências

  1. Everhart, J. E., Khare, M., Hill, M. & Maurer, K. R. Prevalence and ethnic differences in gallbladder disease in the United States. Gastroenterology 117, 632–639 (1999).
  2. Coelho, J. C., Bonilha, R., Pitaki, S.A., et al. Prevalence of gallstones in a Brazilian Population. Int Surg. 84: 25-28 (1999).
  3. Wang, H. H., Portincasa, P., Liu, M., Tso, P. & Wang, D. Q. H. Similarities and differences between biliary sludge and microlithiasis: Their clinical and pathophysiological significances. Liver Res. 2, 186–199 (2018).
  4. Ko, C. W., Sekijima, J. H. & Lee, S. P. Biliary sludge. Ann. Intern. Med. 130, 301–311 (1999).
  5. Dill, J. E. et al. Combined Endoscopic Ultrasound and Stimulated Biliary Drainage in Cholecystitis and Microlithiasis – Diagnoses and Outcomes. Endoscopy 27, 424–427 (1995).
  6. Lammert, F. et al. EASL Clinical Practice Guidelines on the prevention, diagnosis and treatment of gallstones. J. Hepatol. 65, 146–181 (2016).




FNA ou FNB, qual a melhor opção para abordagem das Lesões Subepiteliais?

Lesões subepiteliais (LSE) no trato gastrointestinal superior são achados relativamente comuns em pacientes submetidos a endoscopia digestiva alta. São mais frequentemente encontradas no estômago, seguidos por esôfago, duodeno e intestino grosso. A localização aparenta ser importante no diagnóstico, por exemplo: leiomiomas são mais encontrados nos dois terços inferiores do esôfago, enquanto os tumores estromais gastrointestinais (GISTs) são os mais frequentes no estômago.

De fato, quando localizados no esôfago, o risco de uma lesão maligna potencial é baixo (7%). Por outro lado, quando a LSE está localizada no estômago ou duodeno esse risco é muito maior, com algumas publicações relatando ocorrência de GISTs em mais de 70% e 50% dos casos, respectivamente.

Assim sendo, obter um diagnóstico etiológico apropriado da SEL passa a ser fundamental para estabelecer a melhor conduta. Diante das ferramentas disponíveis para este fim, a aquisição de tecido através da ultrassonografia endoscópica (EUS-TA) é a mais comumente utilizada, seja pela aspiração por agulha fina (FNA) ou pela biópsia por agulha fina (FNB).

Punção de lesão subepitelial

O que dizem os estudos?

Uma meta-análise de 17 estudos avaliando um total de 978 procedimentos de EUS-TA para LSE do trato gastrointestinal superior mostrou uma taxa de diagnóstico combinada de 59,9% (IC 95% 54,8%-64,7%) com heterogeneidade significativa entre os estudos. Os estudos incluídos nesta metanálise foram publicados entre 2004 e 2014 e avaliaram principalmente agulhas do tipo FNA ou a agulha do tipo FNB QuickCore Tru-Cut. A análise de subgrupo não mostrou diferença na taxa de diagnóstico entre FNA, FNB ou agulha Trucut, tampouco entre agulhas de calibre 19, 22 ou 25G. Os modelos mais recentes de agulhas FNB, projetadas para obter melhores amostras histológicas, foram usadas em apenas dois estudos.

Em outra meta-análise de 10 estudos com 669 pacientes, comparando FNB e FNA, a primeira superou a segunda em todos os resultados diagnósticos avaliados, ou seja, taxa de amostragem adequada (94,9% x 80,6%), taxa de aquisição de núcleo histológico ideal (89,7% x 65%), precisão diagnóstica (OR, 4.10; 95% CI, 2.48-6.79; P < .0001) e o número de passagens necessárias para obter amostras de diagnóstico (mean difference, –.75; 95% CI, –1.20 to –.30; P = .001). As agulhas utilizadas foram predominantemente 22G e os modelos de agulhas FNB avaliados incluíram ProCore de bisel reverso (Cook Medical), Acquire (Boston Scientific) e SharkCore (Medtronic).

A superioridade do EUS-FNB foi corroborada por dois grandes estudos retrospectivos multicêntricos recentemente publicados por de Moura et al (2020) e Trindade AJ et al (2019) nas revistas Gastrointestinal Endoscopy e Endoscopy Internacional Open, respectivamente.

Até o presente momento não há RCT que comparem os vários desenhos e tamanhos das agulhas FNB, ou os aspectos técnicos da amostragem, tais como o número ideal de passagens da agulha e o uso de avaliação rápida ou macroscópica no local do procedimento (ROSE ou MOSE). No entanto, o tamanho da agulha (22G vs. 19G) parece não ter impacto na sensibilidade.

Diante da constatação acima relatada, a Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE) em seu recente (18/02/2022) publicado Guideline para o Manejo Endoscópico das Lesões Subepiteliais, elencou as seguintes recomendações sobre as técnicas de aquisição de tecido:

  • A ESGE recomenda biópsia por agulha fina guiada por ultrassonografia endoscópica (EUS-FNB) ou biópsia assistida por incisão da mucosa (MIAB) igualmente para diagnóstico histológico das LSE ≥20 mm de tamanho (Recomendação forte, evidência de qualidade moderada).
  • A ESGE sugere o uso de MIAB (primeira escolha) ou EUS-FNB (segunda escolha) para diagnóstico histológico das LSE <20 mm de tamanho (Recomendação fraca, evidência de baixa qualidade).

Esclarecimentos sobre a MIAB

  • A biópsia endoscópica convencional da mucosa sobrejacente as LSE usualmente não fornece tecido tumoral para avaliação patológica. Portanto, técnicas especiais de biópsia foram desenvolvidas, como os métodos mordida sobre mordida, pinça jumbo e com uso de alça.
  • Técnicas mais recentes envolvem a abertura da LSE para expor sua superfície (destelhamento), ou a criação de túnel submucoso, permitindo a biópsia direta do tumor. Existem diversas variantes destas técnicas, sendo todas referidas de forma coletiva como Biópsia Assistida por Incisão da Mucosa (MIAB).
  • A MIAB foi avaliada em uma meta-análise de 7 séries, principalmente retrospectivas, incluindo um total de 159 pacientes com LSE do trato gastrointestinal superior (diâmetro médio de 21 mm, 94,8% localizados no estômago). O rendimento diagnóstico global combinado, definido como a taxa de amostras adequadas para diagnóstico patológico, foi de 89% (IC 95% 82,7%-93,5%).

Conclusão

Para concluir e respondendo ao questionamento proposto no início, de acordo com a melhor evidência científica disponível até o momento, a FNB deve ser a modalidade de escolha na abordagem diagnóstica das LSE do trato gastrointestinal.

Referências

  1. Endoscopic management of subepithelial lesions including neuroendocrine neoplasms: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy 2022; 54: 1-18
  2. Opinion: How to manage subepithelial lesions of the upper gastrointestinal tract? World J Gastrointest Endosc 2015 December 10; 7(18): 1262-1267
  3. II Brazilian consensus statement on endoscopic ultrasonography. ENDOSCOPIC ULTRASOUND/ VOLUME 6 / ISSUE 6 | NOVEMBER-DECEMBER 2017.



Ecoendoscopia para câncer gástrico: Quando, como e o porquê. Uma análise crítica da utilidade do método.

Atualmente, o câncer gástrico (CG) é o quinto câncer mais diagnosticado e a terceira causa de morte oncológica no mundo.  O estadiamento preciso é imperativo para a escolha do tratamento mais apropriado. A ecoendoscopia (EUS) é o melhor método não cirúrgico disponível para a avaliação da profundidade da invasão do câncer gástrico.

Quando solicitar a ecoendoscopia (indicações)?

  • Avaliação pré-tratamento endoscópico (ESD)

No estômago, a avaliação endoscópica pré-operatória nem sempre consegue predizer com acurácia a profundidade de invasão (diferente do cólon e esôfago, onde temos classificações que guiam a conduta).

Alguns achados endoscópicos sugerem invasão maciça da submucosa: hipertrofia ou convergência de pregas, ulcerações extensas, superfície muito irregular, sinal da não extensão.

Na ausência destes sinais ou na dúvida, a ecoendoscopia pode ser útil. Lembrando que em revisão sistemática, Mocellin & Pasquali encontraram uma sensibilidade de 85% e uma especificidade de 90% para diferenciar T1 (precoce) de T2 (quando a muscular própria está comprometida), sendo a sensibilidade de 87% e uma especificidade bem menor de 75% para a diferenciação de tumores intramucosos (T1a) daqueles com invasão da submucosa (T1b).

Um ponto que vale a pena ressaltar é que a maioria das lesões que teve o estadiamento incorreto de invasão da SM pela EUS era overstaging,  isto é,  eram na verdade lesões intramucosas (T1a).

Figura 1A – Imagem ecoendoscópica com aspecto sugerindo invasão da SM.

Figura 1B – Imagem da EUS da mesma lesão parecendo ser intramucosa.

Peça histológica da ESD comprovou que a lesão era mesmo restrita a mucosa.  Além disto, tradicionalmente, o tratamento endoscópico era restrito as lesões intramucosas, sendo algumas lesões com comprometimento superficial da submucosa (SM1 < 500 micra) consideradas como critério expandido. Entretanto, no último Guideline Japonês, algumas lesões SM1 foram consideradas como indicações relativas (Vide figura 3).

Figura 3

Outro dado importante, publicado recentemente na conceituada revista Nature, é que ESD antes da cirurgia para CG com invasão da SM ≥ 500 micra não prejudicou a sobrevida após cirurgia adicional. “Trocando em miúdos”, se a lesão na endoscopia – parecer superficial; na histologia – bem diferenciado e na ecoendoscopia – não invadir a muscular própria e não tiver linfonodoadenomegalia. Então, propor para o paciente a ressecção endoscópica com a intenção curativa e preservação do órgão, mas deixando claro que de acordo com o estadiamento histológico (invasão maciça da SM e infiltração angiolinfática) poderá ser necessária cirurgia complementar; e que neste caso, a ESD não prejudica em nada os resultados cirúrgicos.

  • Decisão de quimio perioperatória

Desde o estudo MAGIC, a quimioterapia perioperatória (antes e depois da cirurgia) mostrou-se benéfica no aumento da sobrevida para tumores (T ≥ 2, qualquer N e M0) Entretanto, alguns cirurgiões e alguns protocolos institucionais, preferem a cirurgia upfront nos casos T2 N0 M0. Se esta for a estratégia proposta, a EUS pode ser útil. A acurácia da EUS para Estadiamento N varia de 65 a 90%. E a sensibilidade e especificidade entre diferenciar T1-2 de T3-4 é de 86 e 91%, respectivamente.

  • Diagnóstico de metástases não detectadas pela tomografia

EUS tem um papel limitado no diagnóstico de metástases à distância. Entretanto, com uma tomografia negativa, a EUS pode identificar pequenas metástases no lobo esquerdo hepático e ascites neoplásicas de baixo volume mudando a conduta destes casos para tratamento paliativo.

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NÃO SÃO INDICAÇÕES DE ECOENDOSCOPIA

– Quando o resultado não vai mudar a conduta

– Se lesões metastáticas já foram identificadas a tomografia

– Reestadiamento pós quimio ou radioterapia.

COMO realizar a EUS para o estadiamento do CG.

  • Aparelhos

A maioria dos estudos utilizou aparelhos radiais. Mini-probes com frequência de até 20 MHz podem ser úteis especialmente para o Estadiamento T mas são pouco disponíveis e tem limitação para lesões maiores de 3 cm e para o estadiamento linfonodal. Aparelhos lineares são mais disponíveis e podem ser especialmente úteis para lesão distais, da incisura e da pequena curvatura.  Por vezes, a combinação de aparelho pode permitir um estadiamento mais preciso.

  • Aspecto gerais

Decúbito lateral esquerdo e sedação consciente.

  • Princípios específicos e dicas

Imagens devem ser obtidas perpendiculares e mantendo uma distância de 0,5 -1,0 cm da parede ao probe.

Aspire o ar de todo o estômago, infusão de 200-400 ml de água (cuidado para não broncoaspirar). Comece da parte mais distal e vá puxando o aparelho.

Não existe definição restrita de valores da parede gástrica, mas considere um valor de 2-4 mm e uma relação de 1:1:1 da mucosa, submucosa e muscular própria.

LIMITAÇÕES

  • É um método operador dependente com baixa concordância interobservador.
  • Lesões ulceradas estão associada a overstaging devido à fibrose.
  • Lesões localizadas na cárdia, no fundo, na pequena curvatura, na incisura e próximo ao piloro são mais difíceis de serem examinadas pela EUS.
  • Estadiamento impreciso é mais comum nas lesões indiferenciadas e maiores do que 3 cm.

O porquê de realizar a EUS para estadiamento do CG?

Apesar do último Guideline europeu não recomendar o uso rotineiro da EUS antes da ESD; para indicações precisas, com uma técnica correta, com aparelhos adequados e conhecendo as limitações do método; a EUS é uma ferramenta útil para definir a conduta de muitos casos de CG. Este é um tema controverso, com dados por vezes conflitantes. Mais estudos, com metodologia mais homogênea e com um tratamento endoscópico mais difundido e incluindo os casos com invasão superficial da SM, são desejados para definir com exatidão o papel da EUS na conduta do CG. Algoritmo racional baseado do tratamento do CG com ênfase no papel da EUS está na figura 3.

Figura 3

E você o que acha? Concorda que a ecoendoscopia pode ser útil no estadiamento do câncer gástrico ou acha que não serve para nada? Ou que até atrapalha? Deixe sua opinião nos comentários abaixo

Referências

  1. Kuroki K, Oka S, Tanaka S, Yorita N, Hata K, Kotachi T, et al. Clinical significance of endoscopic ultrasonography in diagnosing invasion depth of early gastric cancer prior to endoscopic submucosal dissection. Gastric Cancer [Internet]. 2021;24(1):145–55. Available from: https://doi.org/10.1007/s10120-020-01100-5
  2. Ono H, Yao K, Fujishiro M, Oda I, Uedo N, Nimura S, et al. Guidelines for endoscopic submucosal dissection and endoscopic mucosal resection for early gastric cancer (second edition). Dig Endosc. 2021;33(1):4–20.
  3. Mocellin S, Pasquali S. Diagnostic accuracy of endoscopic ultrasonography (EUS) for the preoperative locoregional staging of primary gastric cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2015;2015(2).
  4. Ioannis S. Papanikolaoua, Maria Triantafylloua, Konstantinos Triantafylloua, Thomas Röschb. EUS in the management of gastric cancer. Ann Gastroenterol. 2011;24(1):9–15.
  5. Kuroki K, Oka S, Tanaka S, Yorita N, Hata K, Kotachi T, et al. Preceding endoscopic submucosal dissection in submucosal invasive gastric cancer patients does not impact clinical outcomes. Sci Rep [Internet]. 2021;11(1):1–9. Available from: https://doi.org/10.1038/s41598-020-79696-y
  6. Pei Q, Wang L, Pan J, Ling T, Lv Y, Zou X. Endoscopic ultrasonography for staging depth of invasion in early gastric cancer: A meta-analysis. J Gastroenterol Hepatol. 2015;30(11):1566–73.
  7. Pimentel-Nunes P, Libânio D, Bastiaansen BAJ, Bhandari P, Bisschops R, Bourke MJ, et al. Endoscopic submucosal dissection for superficial gastrointestinal lesions: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline – Update 2022. Endoscopy. 2022;591–622.
  8. Moura RN. Você sabe quais os critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura)? Endoscopia Terapêutica; 2022.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/criterios-esd-gastrico-ecura
  9. National Comprehensive Cancer Network – Clinical Practice Guidelines in Oncology – Version 2.2022 Gastric Cancer January 2022



QUIZ ! Será que você sabe os principais detalhes da punção ecoguiada de tumores pancreáticos sólidos?

 

Homem, 50 anos,  com quadro de dor abdominal, icterícia e perda ponderal há 2 meses. Referenciado para realização de Ecoendoscopia em virtude do achado de lesão sólida na cabeça do pâncreas à TC durante a investigação diagnóstica.

 




Assuntos gerais : Endometriose Intestinal

Introdução

A endometriose é uma doença ginecológica benigna definida pela presença de glândulas endometriais fora da cavidade uterina. É frequentemente diagnosticada na terceira década de vida, afetando 10 a 12% das mulheres em idade reprodutiva.

A sua etiologia ainda hoje é discutida, e a teoria mais popular é a da menstruação retrógrada. Durante a menstruação células endometriais migram através das trompas de Falópio para o peritônio e ali crescem sob a influência de fatores hormonais. Outras teorias consistem na transformação de células de outras topografias em células endometriais através de diferentes meios (metaplasia, células tronco).

A endometriose profunda é definida como a invasão subperitoneal com profundidade maior que 5 mm, sendo o intestino o órgão extragenital mais acometido, apresentando de 5 a 12% de prevalência nas mulheres com endometriose. A topografia é em 90% dos casos em cólon sigmoide e reto. Embora o envolvimento intestinal isolado possa ser observado, cerca de 50 % dos pacientes com doença no reto apresenta acometimento em outros locais. Curiosamente, em aproximadamente 30% dos casos com envolvimento de retossigmoide, o cólon direito também é acometido.

 

Sintomas

Os sintomas da endometriose intestinal podem ser inespecíficos como dismenorreia, dispareunia e dor pélvica crônica. Sintomas intestinais mais específicos, como diarreia, constipação, sangue nas fezes, distensão abdominal, disquezia e raramente obstrução intestinal, também podem ocorrer. No entanto, quaisquer sintomas pélvicos, especificamente de natureza cíclica, devem levantar a suspeita de endometriose.

Além disso, pacientes com endometriose frequentemente apresentam comorbidades psicopatológicas significativas, como ansiedade e depressão, que muitas vezes podem potencializar a gravidade da dor experimentada.

Diagnóstico

  • Exame físico : através do toque pélvico bimanual é frequentemente útil no diagnóstico, especialmente se realizado no momento da menstruação, período em que as lesões podem estar mais inflamadas, sensíveis e palpáveis.
  • Ultrassom transvaginal: exame de escolha como avaliação inicial, permite descrever tamanho, localização, distância da borda anal, profundidade e número de nódulos. Endometriomas se demonstram como imagens hipoecoicas que envolvem a parede intestinal a partir da serosa, podendo se estender para a muscular própria e a submucosa e raramente a mucosa (5% dos casos de endometriose intestinal). No entanto a limitação dessa técnica consiste em lesões no sigmoide, pois geralmente estão fora do campo de visão.
  • Ultrassom retal: é considerado o teste de escolha para avaliar lesões que infiltram a parede intestinal com alta acurácia na determinação de profundidade, além da possibilidade de confirmação histológica através da punção. Outra importante função deste método é no diagnóstico diferencial de lesões subepiteliais. A endometriose quase sempre acomete mais de uma camada, especialmente a serosa e raramente acomete a camada mucosa. Demais lesões subepiteliais primárias da parede intestinal costumam ser restritas a apenas uma camada.

Figura 1: Paciente com endometriose e abaulamento submumoso em cólon sigmoide

Figura 2: Ecoendoscopia demonstrando invasão maciça de imagem hipoecoica em submucosa de cólon

Figura 3: Punção ecoguiada de imagem hipoecoica

  • Colonoscopia: fornece sinais específicos em apenas 4% dos casos de endometriose profunda, se demonstra como lesões subepiteliais e eventualmente com mucosa apresentando edema, enantema, friabilidade, irregularidade de superfície ou mesmos quadros de estenoses. Apesar baixa sensibilidade (7%) desse exame para o diagnóstico de endometriose, a colonoscopia possibilita investigação de outras doenças que podem levar a sintomas atribuídos a endometriose.

Figura 4: Endometriose profunda causando redução da luz em cólon sigmoide. Imagem cedida pela Dra Renata Nobre Moura.

  • Ressonância: altamente eficiente e acurada, apresenta melhor resolução entre as estruturas e maior campo de visão. Esta técnica é cada vez mais utilizada nos casos em que o ultrassom apresenta dúvidas, na suspeita acometimento profundo da pelve ou quando há programação cirúrgica.

Tratamento

Como tratamento medicamentoso de primeira linha estão as combinações estroprogestogênicas, progestogênios isolados e análogos do hormônio liberador de gonadotrofina, sendo muito úteis também na prevenção de recorrência pós-operatória da doença. Em um estudo de pacientes utilizando o tratamento medicamentoso, foi observada uma diminuição de 53% dos sintomas gastrointestinais. Entretanto após 12 meses, 33% optaram pelo tratamento cirúrgico devido aos sintomas persistentes.

O exame padrão ouro no diagnóstico da endometriose é a laparoscopia, sendo também o método de escolha para o tratamento cirúrgico da endometriose pélvica sintomática. Dessa forma uma avaliação pré-operatória com os exames citados acima, é crucial para o manejo da doença, sendo que na presença de lesões intestinais ou no sistema urinário, um cirurgião especialista é altamente recomendado.

O tratamento cirúrgico é indicado nos pacientes que não respondem ao tratamento medicamentoso, e deve-se ser realizado preferencialmente de forma conservadora, com exceção dos casos estenose intestinal, uretral ou massas de características duvidosas, onde a remoção radical deve ser indicada.

Pontos chave Endometriose Intestinal

– 10 a 12% das mulheres (faixa etária 30 anos)

– patogênese: teoria da menstruação

– 5 a 12% acometimento intestinal

– 90% cólon e reto

– assintomática, inespecífico ou sintomas cíclicos

– exame físico: toque bimanual

– ultrassom transvaginal: exame inicial, limitação para cólon sigmoide

– ultrassom retal: confirmação de acometimento intestinal e diagnóstico diferencial de lesões subepiteliais

– ressonância: avaliação geral de endometriose profunda

– colonoscopia: lesões subepitelais e investigação sintomas paralelos

– tratamento medicamentoso: primeira escolha

– tratamento cirúrgico: laparoscopia, conservador quando possível

Referências

Nezhat C, Li A, Falik R, Copeland D, Razavi G, Shakib A, Mihailide C, Bamford H, DiFrancesco L, Tazuke S, Ghanouni P, Rivas H, Nezhat A, Nezhat C, Nezhat F. Bowel endometriosis: diagnosis and management. Am J Obstet Gynecol. 2018 Jun;218(6):549-562. doi: 10.1016/j.ajog.2017.09.023. Epub 2017 Oct 13. PMID: 29032051.

Habib N, Centini G, Lazzeri L, Amoruso N, El Khoury L, Zupi E, Afors K. Bowel Endometriosis: Current Perspectives on Diagnosis and Treatment. Int J Womens Health. 2020 Jan 29;12:35-47. doi: 10.2147/IJWH.S190326. PMID: 32099483; PMCID: PMC6996110.

Rossini LG, Ribeiro PA, Rodrigues FC, Filippi SS, Zago Rde R, Schneider NC, Okawa L, Klug WA. Transrectal ultrasound – Techniques and outcomes in the management of intestinal endometriosis. Endosc Ultrasound. 2012 Apr;1(1):23-35. doi: 10.7178/eus.01.005. PMID: 24949332; PMCID: PMC4062201.

Bourgioti C, Preza O, Panourgias E, Chatoupis K, Antoniou A, Nikolaidou ME, Moulopoulos LA. MR imaging of endometriosis: Spectrum of disease. Diagn Interv Imaging. 2017 Nov;98(11):751-767. doi: 10.1016/j.diii.2017.05.009. Epub 2017 Jun 23. PMID: 28652096.

Colaiacovo R, Carbonari A, Ganc R, de Paulo G, Ferrari A. Bowel endometriosis mimicking gastrointestinal stromal tumor and diagnosed by endoscopic ultrasound. Endoscopy. 2014;46 Suppl 1 UCTN:E433-4. doi: 10.1055/s-0034-1377429. Epub 2014 Oct 14. PMID: 25314180.

Nácul, Andrea Prestes e Spritzer, Poli MaraAspectos atuais do diagnóstico e tratamento da endometriose. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia [online]. 2010, v. 32, n. 6 [Acessado 3 Abril 2022] , pp. 298-307. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0100-72032010000600008>. Epub 28 Set 2010. ISSN 1806-9339. https://doi.org/10.1590/S0100-72032010000600008.

Milone, M., Mollo, A., Musella, M., Maietta, P., Sosa Fernandez, L. M., Shatalova, O., Conforti, A., Barone, G., De Placido, G., & Milone, F. (2015). Role of colonoscopy in the diagnostic work-up of bowel endometriosis. World journal of gastroenterology, 21(16), 4997–5001. https://doi.org/10.3748/wjg.v21.i16.4997




Tumores neuroendócrinos do pancreas

Introdução

A incidência dos tumores neuroendócrinos do pâncreas está crescendo, possivelmente devido à realização com maior frequência exames de imagem e à qualidade destes exames. No entanto, sua prevalência felizmente ainda é rara. Esse post do Endoscopia Terapêutica tem a finalidade de servir como um guia de consulta quando eventualmente nos depararmos com uma dessas situações no dia a dia.

Conceitos gerais importantes sobre tumores neuroendócrinos do trato gastrointestinal

Os TNE correspondem a um grupo heterogêneo de neoplasias que se originam de células neuroendócrinas (células enterocromafins-like), com características secretórias.

Todos os TNE gastroenteropancreáticos (GEP) são potencialmente malignos e o comportamento e prognóstico estão correlacionados com os tipos histológicos.

Os TNE podem ser esporádicos (90%) ou associados a síndromes hereditárias (10%), como a neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM-1), SD von Hippel-Lindau, neurofibromatose e esclerose tuberosa.

Os TNE são na sua maioria indolentes, mas podem determinar sintomas. Desta forma, podem ser divididos em funcionantes e não funcionantes:

  • Funcionantes: secreção de hormônios ou neurotransmissores ativos: serotonina, glucagon, insulina, somatostatina, gastrina, histamina, VIP ou catecolaminas. Podem causar uma variedade de sintomas
  • Não funcionantes: podem não secretar nenhum peptídeo/ hormônios ou secretar peptídeos ou neurotransmissores não ativos, de forma a não causar manifestações clínicas.

Tumores neuroendócrinos do pâncreas (TNE-P)

Os TNE funcionantes do pâncreas são: insulinoma, gastrinoma, glucagonoma, vipoma e somatostatinoma.

Maioria dos TNE-P são malignos, exceção aos insulinomas e TNE-NF menores que 2 cm.

A cirurgia é a única modalidade curativa para TNE-P esporádicos, e a ressecção do tumor primário em pacientes com doença localizada, regional e até metastática, pode melhorar a sobrevida do paciente.

De maneira geral, TNE funcionantes do pancreas devem ser ressecados para controle dos sintomas sempre que possível. TNE-NF depende do tamanho (ver abaixo).

Tumores pancreáticos múltiplos são raros e devem despertar a suspeita de NEM1.

A SEGUIR VAMOS VER AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE CADA SUBTIPO HISTOLÓGICO

INSULINOMAS

  • É o TNE mais frequente das ilhotas pancreáticas.
  • 90% são benignos, porém são sintomáticos mesmo quando pequenos.
  • Cerca de 10% estão associadas a NEM.
  • São lesões hipervascularizadas e solitárias, frequentemente < 2 cm.
  • Tríade de Whipple:
    • hipoglicemia (< 50)
    • sintomas neuroglicopenicos (borramento visual, fraqueza, cansaço, cefaleia, sonolência)
    • desaparecimento dos sintomas com a reposição de glicose
  • insulina sérica > 6 UI/ml
  • Peptídeo C > 0,2 mmol/l
  • Pró-insulina > 5 UI/ml
  • Teste de jejum prolongado positivo (99% dos casos)

 

GASTRINOMAS

  • É mais comum no duodeno, mas 30% dos casos estão no pâncreas
  • São os TNE do pâncreas mais frequentes depois dos insulinomas.
  • Estão associados a Sd. NEM 1 em 30%, e nesses casos se apresentam como lesões pequenas e multifocais.
  • Provocam hipergastrinemia e síndrome de Zollinger-Ellison.
  • 60% são malignos.
  • Tratamento: cirúrgico nos esporádicos (DPT).
  • Na NEM 1, há controvérsia na indicação cirúrgica, visto que pode não haver o controle da hipergastrinemia mesmo com a DPT (tumores costumam ser múltiplos)

GLUCAGONOMAS

  • Raros;  maioria esporádicos.
  • Geralmente, são grandes e solitários, com tamanho entre 3-7 cm ocorrendo principalmente na cauda do pâncreas.
  • Sintomas: eritema necrolítico migratório (80%), DM, desnutrição, perda de peso, tromboflebite, glossite, queilite angular, anemia
  • Crescimento lento e sobrevida longa
  • Metástase linfonodal ou hepática ocorre em 60-75% dos casos.

VIPOMAS

  • Extremamente raros
  • Como os glucagonomas, localizados na cauda, grandes e solitários.
  • Maioria maligno e metastático
  • Em 10% dos casos pode ser extra-pancreático.
  • Quadro clínico relacionada a secreção do VIP (peptídeo vasoativo intestinal):
    • diarréia (mais de 3L litros por dia) – água de lavado de arroz
    • Distúrbios hidro-eletrolítico: hipocalemia, hipocloridria, acidose metabólica
    • Rubor
  • Excelente resposta ao tratamento com análogos da somatostatina.

 

SOMATOSTATINOMAS

  • É o menos comum de todos
  • Somatostatina leva a inibição da secreção endócrina e exócrina e afeta a motilidade intestinal.
  • Lesão solitária, grande, esporádico, maioria maligno e metastatico
  • Quadro clínico:
    • Diabetes (75%)
    • Colelitíase (60%)
    • Esteatorréia (60%)
    • Perda de peso

TNE NÃO FUNCIONANTES DO PÂNCREAS

  • 20% de todos os TNEs do pâncreas.
  • 50% são malignos.
  • O principal diagnóstico diferencial é com o adenocarcinoma

TNE-NF bem diferenciados menores que 2 cm: duas sociedades (ENETS e NCCN) sugerem observação se for bem diferenciado. Entretanto, a sociedade norte-americana NETS recomenda observação em tumores menores que 1 cm e conduta individualizada, entre 1-2 cm.

TNE PANCREÁTICO RELACIONADOS A SINDROMES HEREDITARIAS

  • 10% dos TNE-P são relacionados a NEM-1
  • Frequentemente multicêntricos,
  • Geralmente acometendo pessoas mais jovens.
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)

PS: Você se recorda das neoplasias neuroendócrinas múltiplas? 

As síndromes de neoplasia endócrina múltipla (NEM) compreendem 3 doenças familiares geneticamente distintas envolvendo hiperplasia adenomatosa e tumores malignos em várias glândulas endócrinas. São doenças autossômicas dominantes.

NEM-1
  • Doença autossômica dominante
  • Predispoe a TU (3Ps): Paratireóide; Pituitária (hipófise); Pâncreas,
  • Geralmente de comportamento benigno, porém apresentam potencial maligno
  • Gastrinoma 30-40%; Insulinoma 10%; TNE-NF 20-50%; outros 2%
  • Tto cirúrgico é controverso, pq as vezes não controla a gastrinemia (tumores múltiplos)
NEM-2A:
  • Carcinoma medular da tireoide,
  • Feocromocitoma,
  • Hiperplasia ou adenomas das glândulas paratireoides (com consequente hiperparatireoidismo).
NEM-2B:
  • Carcinoma medular de tireoide,
  • Feocromocitoma
  • Neuromas mucosos e intestinais múltiplos

Referências:

  1. Pathology, classification, and grading of neuroendocrine neoplasms arising in the digestive system – UpToDate ; 2021
  2. Guidelines for the management of neuroendocrine tumours by the Brazilian gastrointestinal tumour group. ecancer 2017,11:716 DOI: 10.3332/ecancer.2017.716

Como citar esse artigo:

Martins BC, de Moura DTH. Tumores neuroendócrinos do pancreas. Endoscopia Terapêutica. 2022; vol 1.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/tumores-neuroendocrinos-do-pancreas




Podemos considerar a ecoendoscopia um exame seguro?

A ecoendoscopia é um método emergente e minimamente invasivo que dia a dia vem se aprimorando e adquirindo novas tecnologias e, com isso, ampliando suas finalidades diagnósticas e terapêuticas. No Brasil, deixou de ser exame restrito aos grandes hospitais das capitais, estando atualmente difundido por quase todo o país. No entanto, com o aumento da sua demanda, observam-se também maiores índices de eventos adversos. Mas, afinal, podemos considerá-la um método seguro?

A perfuração é um dos eventos adversos mais temidos, pois na maioria das vezes requer tratamento cirúrgico. Os locais mais comumente acometidos são as áreas de maior angulação, como a hipofaringe, o duodeno (durante a passagem do aparelho do bulbo para a segunda porção) e a transição do retossigmoide. O maior risco de perfuração em relação à endoscopia digestiva alta é devido principalmente às características do aparelho: o ecoendoscópio, além de calibroso, possui uma ponta pouco flexível devido a um segmento rígido nos 4 cm distais, aumentando o desafio na introdução do aparelho, principalmente se o paciente possuir alterações pós-cirúrgicas, divertículos e estenoses associadas. Essa dificuldade se torna ainda mais acentuada pelo campo de visão restrito quando há necessidade de utilização do aparelho linear, dedicado à realização das punções ecoguiadas.

Para minimizar o risco de perfuração, é importante que o ecoendoscopista esteja familiarizado com o equipamento e conheça bem a anatomia. Pacientes submetidos a punções ecoguiadas estão até dez vezes mais propensos a eventos adversos, comparativamente àqueles não puncionados, mesmo assim com incidência em torno de 1-3%. Dor, infecções, pancreatite aguda e hemorragia são os eventos mais observados. Peritonite biliar e implante tumoral são extremamente raros, com poucos casos reportados na literatura, e a mortalidade relatada, estimada em 0,02%.

O risco de infecção pós-punção pode ocorrer especialmente nas lesões de natureza cística. Para tanto, recomendam-se alguns cuidados no intuito de diminuir esse evento, como realizar punção única, esvaziar, sempre que possível, completamente o conteúdo do cisto e administrar antibiótico profilático.

A possibilidade de pancreatite iatrogênica sempre deve ser considerada nas punções pancreáticas e ocorre em cerca de 2% dos casos, sendo a forma leve a mais frequentemente observada, estando os pacientes com história de pancreatite aguda recorrente e aqueles com doenças pancreáticas benignas sob maior risco. Para aumentar a segurança do procedimento, deve-se evitar transfixar o ducto pancreático, além de grandes segmentos de parênquima pancreático saudável com a agulha da punção.

Hemorragias leves e autolimitadas intraluminais são reportadas em até 4% dos casos e usualmente não requerem intervenção endoscópica, cirúrgica ou transfusões. Estão sob maior risco os pacientes com lesões císticas, bem vascularizadas (como tumores neuroendócrinos, lesões subepiteliais mesenquimais e algumas metástases) ou aquelas próximas aos grandes vasos, e portadores de hipertensão portal. O uso do doppler para calcular o melhor trajeto da agulha e o questionamento sob uso de anticoagulantes e antiplaquetários são primordiais para diminuir o risco de hemorragia.

Devido ao relativo baixo risco de eventos adversos, principalmente considerando casos fatais, podemos considerar a ecoendoscopia, com ou sem punção, procedimento seguro, estando o sucesso da técnica diretamente relacionado ao treinamento adequado e experiência do médico executante, além da pronta identificação/tratamento do evento adverso e apropriada seleção do paciente.

Podemos considerar a ecoendoscopia um exame seguro? - Punção ecoguiada de cisto pancreático

Punção ecoguiada de cisto pancreático

 

Podemos considerar a ecoendoscopia um exame seguro? - Material de punção ecoguiada

Material de punção ecoguiada

 

Como citar este artigo

Ribeiro MSI. Podemos considerar a ecoendoscopia um exame seguro?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/podemos-considerar-a-ecoendoscopia-um-exame-seguro/

Referências

  1. Jenssen C et al. World J Gastroenterol. 2012 Sep 14; 18(34): 4659–4676.

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