Caso Clínico – Fístula biliar pós trauma abdominal fechado

Relato do caso:

Paciente do sexo masculino, com 43 anos de idade, deu entrada no pronto socorro, após ter evadido de outro hospital .

Tinha antecedente de trauma abdominal fechado, após queda de andaime (7 metros), estando internado com conduta não cirúrgica por cerca de 18 dias. Após este período, “fugiu” do hospital de origem e procurou atendimento no PS-HC Marília.

Na entrada, apresentava-se estável hemodinamicamente, porém  emagrecido (estava em jejum desde o trauma), com dor em andar superior de abdômen, sinais de ascite volumosa, além de anasarca e leve icterícia. Foi submetido a tomografia de abdômen com contraste, que evidenciou laceração hepática Grau III, coleções subcapsulares  e volumosa ascite. Optou-se por realizar paracentese, com saída de cerca de 11 litros de secreção biliar.

Laceração hepática Grau III

 

Volumosa ascite

Paracentese com bile

 

Diagnosticada a fístula biliar, paciente foi submetido a Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (CPRE), com papilotomia, sendo evidenciada fístula biliar em ramos secundários a direita. Não foi possível a colocação de prótese (em falta no serviço).

Fístula biliar

Fístula biliar

Após a CPRE, paciente ainda realizou outra paracentese com saída de cerca de 2 litros de bile. Neste momento, foi submetido a laparoscopia, com colocação de dreno perihepático com dificuldade (muitas aderências), para auxiliar na drenagem.

Mesmo com a drenagem externa paciente evoluiu com febre, e dor abdominal, sendo submetido a laparotomia exploradora, com drenagem de múltiplas coleções cavitárias. Foi necessário realizar peritoniostomia, para lavagens frequentes da cavidade. Em nenhuma das abordagens foi possível avaliar a lesão hepática ou tentar alguma terapêutica adicional sobre as vias biliares.

Após boa evolução, com parada de drenagem de bile e secreção purulenta, paciente foi submetido a fechamento da cavidade, pode ser realimentado oralmente, teve boa evolução e posterior alta, encontrando-se atualmente bem, trabalhando e sem alterações biliares.

 

Discussão:

Recentemente vem ganhando terreno as terapias não invasivas para traumas abdominais fechados, em especial de vísceras maciças, como rins, baço e fígado. As melhores condições de cuidados em UTI, associadas a evolução dos procedimentos diagnósticos e intervenções minimalistas, fazem com que terapias não operativas sejam a escolha em pacientes com lesões graves, antes sempre cirúrgicas, como lesões hepáticas acima de grau III.

A escolha da terapia não operativa em paciente com trauma abdominal fechado não reside apenas no grau de lesão das vísceras envolvidas (no caso vísceras maciças), mas na estabilidade hemodinâmica do paciente. Pacientes instáveis, são encaminhados imediatamente a cirurgia. Pacientes estáveis, são submetidos a exame de imagem, diagnóstico do tipo de lesão, e acompanhamento em UTI.

Especificamente no trauma hepático fechado, a principal preocupação e complicação é o sangramento. As fístulas biliares são incomuns, ocorrendo nos casos mais graves (graus de lesão maiores), com incidência estimada em cerca de 2,8 a 7,4% dos casos. Podem ocorrer de imediato, junto ao trauma, ou serem tardias, após cirurgias de controle de dano, ou após necrose de parênquima ou ruptura de biliomas.

O diagnóstico de complicações biliares nos casos de trauma hepático fechado pode ser difícil. Em geral podem aparecer sinais indiretos, como piora do quadro, febre e dor em hipocôndrio direito, e também, um sinal mais específico, a icterícia. Sugere-se que exames seriados de tomografia computadorizada podem evidenciar aumento de coleções com baixa atenuação, ou coleções perihepáticas tardias. Deve-se lembrar de que mesmo a tomografia computadorizada com contraste não é especifica para alterações biliares, com alguns autores sugerindo o estudo das vias biliares com técnicas de radioisótopos.

O tratamento inclui o suporte, antibioticoterapia e diagnóstico precoce. Como em geral as complicações biliares são tardias, os pacientes podem ser submetidos a técnicas minimamente invasivas. Inicialmente, pode-se colocar um dreno cavitário, no local da coleção, ou bilioma, transformando uma lesão biliar em uma fístula controlada, evitando-se a contaminação da cavidade e acumulo de fluídos.

Outra técnica já estabelecida é a realização de CPRE.  A idéia do uso de tal terapêutica é que, devido a papilotomia, há diminuição da pressão biliar, deixando a bile de seguir pela fístula, causando o fechamento desta. Inicialmente após a papilotomia, pode haver ainda alguma dificuldade em drenagem da bile pela papila, secundária ao edema pela manipulação. Assim, hoje se indica o tratamento de fístulas biliares traumáticas com CPRE e próteses, principalmente em fístulas distais. A presença da prótese anula totalmente a pressão na via biliar, aumentando a taxa de fechamento de fístulas.

A evolução após a CPRE em geral é positiva, com o fechamento da fístula. Casos mais graves podem vir a necessitar de posterior cirurgia. Deve-se sempre acompanhar o paciente, principalmente quando da colocação de próteses, para evitar uma futura colangite por não retirada desta.

Você já tratou algum paciente assim? Como realizou o diagnóstico? Qual foi o tratamento e evolução?

 

Agradeço aos colegas Dr. Roberto Tucci Junior, pelo auxílio na condução do caso, e Dra. Flavia Ferreira Magalini na construção do relato.

 

Bibliografia:

Kulaylat AN, et at. Traumatic bile leaks from blunt liver injury in children: a multidisciplinary and minimally invasive approach to management. J Pediatr Surg. 2014;49(3):424-7.

Al-Hassani A, et al. Delayed bile leak in a patient with grade IV blunt liver trauma: A case report and review of the literature. Int J Surg Case Rep. 2015;14:156-9.

Ragavan M, et al.Posttraumatic Intrahepatic Bilioma. Indian J Surg. 2015;77:1399-400. 

Tiwari C, et al. Management of Traumatic Liver and Bile Duct Laceration. Euroasian J Hepatogastroenterol. 2017;7(2):188-190.   

 

Como citar esse artigo:

Sauniti, G. Caso Clínico – Fístula biliar pós trauma abdominal fechado. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-fistula-biliar-pos-trauma-abdominal-fechado/

 

 




Artigos Comentados – Março 2018

Neste post estão listados alguns artigos interessantes publicados recentemente nas revistas Endoscopy e Gastrointestinal Endoscopy.

Transpancreatic precut papillotomy versus double-guidewire technique in difficult biliary cannulation: prospective randomized study

Trabalho publicado na Endoscopy em janeiro de 2018 comparando a taxa de sucesso no acesso biliar em pacientes com canulação difícil e cateterização pancreática inadvertida. Foi comparada a técnica de duplo fio guia com a esfincterotomia transpancreática.
Neste estudo, a esfincterotomia tranpancreática mostrou uma taxa superior de sucesso no acesso biliar (94% x 59%) em relação à  técnica de duplo fio guia, com uma incidência de complicações semelhante.

Abstract

Background and study aims Difficult biliary cannulation and unintentional pancreatic duct cannulation are thought to be important contributors to pancreatitis occurring after endoscopic retrograde cholangiopancreatography. Our aim was to compare and evaluate the rates of success and complications of transpancreatic precut papillotomy (TPPP) and the double-guidewire technique (DGT), both with prophylactic pancreatic stenting.

Patients and methods From April 2011 to March 2014, patients with difficult biliary cannulation, in whom we planned to first position a guidewire in the pancreatic duct, were enrolled, and 68 patients were prospectively randomly allocated to two groups (TPPP 34, DGT 34). We evaluated the rates of success and complications for each group.

Results TPPP had a significantly higher success rate (94.1 %) than DGT (58.8 %). The rate of post-ERCP pancreatitis was 2.9 % in both groups. There was no significant difference between the two groups in the overall rate of complications related to cannulation.

Conclusion If biliary cannulation cannot be achieved, TPPP should be selected first after unintentional pancreatic duct cannulation.

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Polypectomy for complete endoscopic resection of small colorectal polyps

A melhor técnica para remoção de pequenos pólipos colônicos (<1 cm) ainda não está bem definida. Estas lesões podem ser ressecadas por pinça de biópsia, pinça jumbo, hot biopsy, alça fria ou mucosectomia. As ressecções com pinça devem ser realizadas apenas em lesões menores do que 3 mm. Hot biopsy está associada a uma maior incidência de complicações. Nas lesões entre 5-10 mm,  as técnicas de ressecção com alça fria ou mucosectomia parecem ser as mais indicadas.
Neste estudo foi comparada a taxa de ressecção incompleta em pólipos ressecados por alça fria e por mucosectomia, demonstrando uma significativa superioridade da mucosectomia na taxa de ressecção completa destas lesões.

Abstract

Small colorectal polyps are encountered frequently and may be incompletely removed during colonoscopy. The optimal technique for removal of small colorectal polyps is uncertain. The aim of this study was to compare the incomplete resection rate (IRR) by using EMR or cold snare polypectomy (CSP) for the removal of small adenomatous polyps.

Methods: This was a prospective randomized controlled study from a tertiary-care referral center. A total of 358 patients who satisfied the inclusion criteria (polyp sized 6-9 mm) were randomized to the EMR (n =179) and CSP (n =179) groups, and their polyps were treated with conventional EMR or CSP, respectively. After polypectomy, an additional 5 forceps biopsies were performed at the base and margins of polypectomy sites to assess the presence of residual polyp tissue. The EMR and CSP samples were compared to assess the IRR.

Results: Among a total of 525 polyps, 415 (79.0%) were adenomatous polyps, and 41 (16.4%) were advanced adenomas. The overall IRR for adenomatous polyps was significantly higher in the CSP group compared with the EMR group (18/212, 8.5% vs 3/203, 1.5%; P = .001). Logistic regression analysis revealed that the CSP procedure was a stronger risk factor for the IRR (odds ratio [OR] 6.924; 95% confidence interval [CI], 2.098-24.393; P = .003). In addition, piecemeal resection was the most important risk factor for the IRR (OR 28.696; 95% CI, 3.620-227.497; P = .001). The mean procedure time for polypectomy was not significantly different between the EMR and CSP groups (5.5 ± 2.7 vs 4.7 ± 3.4 minutes; P = .410). None of these patients presented with delayed bleeding. There were no severe adverse events related to the biopsies.

Conclusions: EMR was significantly superior to CSP for achieving complete endoscopic resection of small colorectal polyps. Patients with piecemeal resection of polyps had a higher risk for incomplete resection.

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Managing the patient with colorectal adenomas found at an early age

Pequena revisão publicada na Gastrointestinal Endoscopy comentando sobre o aumento da incidência na detecção de lesões colônicas em pacientes jovens e discutindo sobre como acompanhar e orientar estes pacientes.  Artigo open access.

Karen Ma, MD, Joshua Melson, MD, MPH

Department of Medicine, Division of Digestive Diseases, Rush University Medical Center, Chicago, Illinois, USA

Abstract

Colorectal cancer (CRC) continues to be the third most common cause of cancer and the second leading cause of cancer mortality in the United States. The incidence of CRC and mortality in individuals over age 50 have both decreased in the setting of colonoscopy screening programs. Alarmingly, a recent analysis from the National Cancer Institute’s Surveillance, Epidemiology, and End Results Program reported that the incidence of CRC is increasing among adults younger than 50 years of age. Colon cancer incidence rates increased by 1.0% to 2.4% annually since the mid-1980s in adults ages 20 to 39 years and by .5% to 1.3% since the mid-1990s in adults ages 40 to 54 years.

 

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Artigos Comentados – Fevereiro 2018

Apresentamos uma seleção de três artigos que foram publicados recentemente, sobre o uso do etomidato para sedação em endoscopia, preparo de cólon com simeticona, e tempo para realização de CPRE em pacientes com colangite aguda. Seguem abaixo:

1. Etomidate versus propofol sedation for complex upper endoscopic procedures: a prospective double-blinded randomized controlled trial.

Mi Gang Kim, Se Woo Park, Jae Hyun Kim, et al. Gastrointestinal Endoscopy 2017 Sep;86(3):452-461.

Introdução:

O propofol é um dos agentes sedativos mais comumente utilizado para realização de procedimentos endoscópicos devido ao rápido início de ação e menor tempo de recuperação, quando comparado com os benzodiazepínicos e opióides. Entretanto, o propofol está associado com graves eventos adversos cardiopulmonares.

O etomidato é um agente hipnótico com rápido início de ação (5-15 seg) e recuperação (5-15 min), que provoca menores efeitos adversos nos parâmetros cardiopulmonares, protege o SNC e não estimula a liberação de histamina.

O exame de ecoendoscopia costuma ser mais prolongado e complexo que a realização da endoscopia alta diagnóstica, além de que a passagem do ecoendoscópio ser mais desconfortável para o paciente.

Objetivos:

Comparar a segurança e efetividade do propofol e etomidato na realização de exames endoscópicos mais complexos e prolongados (no estudo: ecoendoscopia).

Métodos:

Ensaio-clínico, duplo-cego, randomizado, com 128 pacientes que realizaram ecoendoscopia (Hallym University Dongtan Sacred Heart Hospital, Korea). No grupo de propofol a indução de sedação começou com um bolus inicial de 0,5 mg/kg, seguida de titulação com bolus de 0,25 mg/kg. No grupo etomidato a indução começou com um bolus inicial de 0,1 mg/kg, seguida de titulação com bolus de 0,05 mg/kg. A sedação foi administrada por uma enfermeira treinada sob supervisão do médico endoscopista, com objetivo de alcançar sedação profunda (escore 1 de MOAA/S).

Resultados:

Eventos adversos cardiopulmonares em geral foram identificados em 22 pacientes (34,38%) do grupo etomidato e em 33 pacientes (51,56%) do grupo propofol, sem diferença significativa (p = 0,074). No entanto, a incidência de dessaturação (6,25% vs 31,25%; p = 0,001) e depressão respiratória (7,81% vs 32,81%, P = 0,001) foi significativamente menor no grupo etomidato. A freqüência de mioclonia foi significativamente maior no grupo etomidato (34,37% vs 12,5%; p = 0,012). Análise de variância mostrou efeitos significativos do tempo de sedação e uso do etomidato na elevação da pressão arterial sistólica. A satisfação do médico com a sedação foi maior no grupo etomidato.

Conclusões:

A administração de Etomidato resultou em menos eventos de depressão respiratória e teve uma eficácia sedativa melhor do que o propofol; no entanto, foi mais freqüentemente associado ao mioclônia e ao aumento da pressão arterial durante os procedimentos endoscópicos.

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2. Impact of preprocedure simethicone on adenoma detection rate during colonoscopy: a multicenter, endoscopist-blinded randomized controlled trial.

Yu Bai, Jun Fang, Sheng-Bing Zhao, et al. Endoscopy 2018 Feb;50(2):128-136.

Introdução:

O preparo do cólon para colonoscopia requer remoção completa dos resíduos, fluídos e espuma. O polietilenoglicol (PEG) é amplamente utilizado para o preparo do cólon, com agentes antiespumantes (como a simetilicona) comumente usados em combinação com o PEG. Atualmente existem poucos dados na literatura sobre o efeito da simeticona na taxa de detecção de adenoma (TDA).

Objetivos:

Investigar se o uso da simeticona no preparo do cólon pode aumentar a TDA.

Métodos:

Ensaio-clínico, multicêntrico, randomizado, com endoscopista “cegos” com relação ao uso ou não da simeticona, e pacientes consecutivos que realizaram colonoscopia em 6 centros na China. Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente para um dos dois grupos: PEG com simeticona ou PEG sozinho. O preparo foi realizado com 2L de PEG, com de 30 ml de simeticona no grupo intervenção, 6-8 horas antes da colonoscopia, sendo a mistura administrada em doses de 250 mL a cada 10-15 minutos.

Resultados:

Foram incluídos 583 pacientes. A TDA foi maior no grupo PEG com simeticona (21,0% vs 14,3%, p = 0,04). O número médio de adenomas detectados foi significativamente maior: 2,20 ± 1,36 vs. 1,63 ± 0,89 (p = 0,02). Pacientes no grupo PEG com simeticona apresentaram melhor eficácia no prepraro do cólon: Boston bowel preparation scale (BBPS) ≥6 em 88,3% vs 75,2% (p < 0,001); e escore de bolhas de 1,00 ± 1,26 vs. 3,98 ± 2,50 (p < 0,001). A distensão abdominal foi relatada com menor freqüência no grupo PEG com simeticona (7,8% vs. 19,7%, p < 0,001).

Conclusões:

O uso combinado de PEG e simeticona está associado a uma TDA significativamente aumentada em uma população chinesa.

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3. Association between early ERCP and mortality in patients with acute cholangitis.

Michael Dougherty, Thomas M. Runge, MSCR, Swathi Eluri, et al. Gastrointestinal Endoscopy 2018 Jan;87(1):185-192.

Introdução:

A colangite aguda (CA) é uma condição grave que está associada a alta mortalidade de até 10% apesar do tratamento adequado, e acima de 50% se não tratada. A associação entre o tempo para realização da CPRE e mortalidade em pacientes com colangite aguda não está clara na literatura.

Objetivos:

Investigar se a CPRE precoce dentro de 24 horas está associada a uma menor mortalidade em 30 dias.

Métodos:

Estudo retrospectivo a partir de banco de dados coletado prospectivamente, com pacientes consecutivos com colangite aguda, de acordo com os critérios das Diretrizes Internacionais de Tóquio de 2013, que foram submetidos à CPRE (Odense University Hospital, Dinamarca).

Resultados:

Na análise, 166 pacientes preencheram os critérios de inclusão. Sendo que 48 pacientes (29%) foram submetidos à ERCP dentro de 24 horas, e 118 pacientes (71%) à CPRE tardia. Os pacientes submetidos à ERCP em 24 horas eram mais jovens (65 vs 73 anos; p = 0,01) e apresentavam maior freqüência cardíaca (95 vs 90 bpm; p = 0,02). A mortalidade global foi de 8% entre pacientes submetidos à CPRE precoce, e de 19% entre os pacientes submetidos à CPRE tardia. Após ajuste por fatores de confusão, o desempenho da CPRE dentro de 24 horas foi significativamente associado a menor mortalidade em 30 dias (OR, 0,23; IC 95% 0,05-0,95; p = 0,04).

Conclusões:

Os resultados indicam que a CPRE precoce dentro de 24 horas está associada a menor mortalidade em 30 dias em pacientes com colangite aguda.

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Síndrome de Mirizzi

Em 1948, o cirurgião argentino Pablo L. Mirizzi descreveu um paciente com obstrução parcial do hepatocolédoco secundário a cálculo biliar impactado no infundíbulo da vesícula biliar associado à resposta inflamatória envolvendo o ducto cístico e o ducto hepático comum. Essa apresentação tornou-se conhecida como Síndrome de Mirizzi (SM).

Pablo Luis Mirizzi

Pablo Luis Mirizzi (1893-1964)

Inicialmente, Mirizzi caracterizou a síndrome por associação dos seguintes fatores: ducto cístico com trajeto paralelo ao ducto hepático comum, cálculos impactados no ducto cístico ou no infundíbulo da vesícula biliar, obstrução mecânica do ducto hepático comum por cálculos ou secundário à inflamação, icterícia contínua ou intermitente e colangite recorrente.

Atualmente, ela compreende um espectro de apresentações que variam desde a compressão extrínseca do hepatocolédoco até a presença de fístula colecistobiliar.

É uma complicação relativamente rara, ocorrendo em 0,05% – 3,95% dos pacientes com colelitíase.

Possui maior prevalência em mulheres com idade entre 21 e 90 anos, provavelmente um reflexo da preponderância de litíase biliar nesse grupo.

Quadro clínico e laboratorial

O quadro clínico-laboratorial da SM não é específico. Na anamnese, normalmente o paciente relata colelitíase de longa data, episódios de icterícia obstrutiva e passado de colecistite aguda e/ou colangite.

Os sinais e sintomas referidos geralmente incluem:

  • dor abdominal em hipocôndrio direito e/ou epigástrio;
  • icterícia;
  • náuseas e vômitos;
  • colúria;
  • febre.

Quanto aos exames laboratoriais, as transaminases costumam estar elevadas, bem como a bilirrubina direta, a fosfatase alcalina e a gama- GT.

Cerca de 80% dos pacientes com SM apresentam icterícia, dor abdominal e alterações das provas de função hepática.

Exames de imagem

A ultrassonografia e a tomografia computadorizada de abdome podem sugerir o diagnóstico de SM ao revelar cálculo(s) fixo(s) na área do infundíbulo, próximo à junção do ducto cístico com o hepático comum, e dilatação das vias biliares acima do local da compressão.

A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) também pode revelar compressão ou estreitamento do hepatocolédoco.

colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE)

Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE)

A ecoendoscopia no diagnóstico da coledocolitíase, independentemente do tamanho do cálculo ou do diâmetro coledociano, é um teste diagnóstico mais acurado do que a CPRE para a detecção de cálculo na via biliar principal.

Para o diagnóstico da SM, a ecoendoscopia apresenta uma sensibilidade de 97% e especificidade de 100%.

A colangioressonância pode demonstrar com precisão a presença de dilatação biliar, o grau de obstrução, a localização intra ou extraluminal dos cálculos, podendo revelar ainda alterações anatômicas, como fístulas e malformações.

Classificação

A síndrome de Mirizzi, que antes era classificada em apenas quatro tipos, atualmente, inclui mais um, o tipo V, que compreende a fístula colecistoentérica.

Os tipos são:

I) compressão extrínseca do ducto hepacolédoco por cálculo no infundíbulo da vesícula ou no ducto cístico;

II) presença de fístula colecistobiliar com erosão de diâmetro inferior a 1/3 da circunferência do ducto hepacolédoco;

III) presença de fístula colecistobiliar com diâmetro superior a 2/3 da circunferência do ducto hepacolédoco;

IV) presença de fístula colecistobiliar que envolve toda a circunferência do ducto hepacolédoco;

V) qualquer tipo, mais fístula colecistoentérica (Va: sem íleo biliar e Vb: com íleo biliar).

tipos de classificação síndrome de Mirizzi

Classificação de Csendes para a síndrome de Mirizzi. Modificado de Lacerda PS, et al. Mirizzi syndrome: a surgical challenge. Arq Bras Cir Dig. 2014.

Tratamento

Os casos de Mirizzi tipo I, ou seja, sem fístula colecistobiliar, podem ser tratados pela colecistectomia clássica. Porém, em casos de extenso processo inflamatório, a colecistectomia subtotal com remoção dos cálculos pode ser mais adequada.

Mirizzi II/III (fístula colecistobiliar): abordagem dos pacientes com fístula colecistobiliar envolve colecistectomia subtotal fundo-cística. A vesícula biliar deve ser removida deixando um remanescente de parede medindo cerca de 5-10 mm ao redor da fístula colecistobiliar, a fim de permitir a coledocoplastia do ducto biliar destruído. A exploração do colédoco deve ser sempre realizada usando uma incisão distal à fístula e protegida por um tubo Kehr.

No tipo IV, devido à extensa destruição da via biliar, o tratamento consiste em anastomose bilioenterica.

No tipo V, deve ser realizada a sutura da víscera acometida.

A CPRE e a colangioscopia podem ser realizadas também como técnicas alternativas de tratamento em pacientes sem condições cirúrgicas.

Como citar este artigo

Ruiz RF, Martins B. Síndrome de Mirizzi. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/mirizzi/

Referências

  1. Safioleas M, et al. Mirizzi Syndrome: an unexpected problem of cholelithiasis. Our experience with 27 cases International Seminars in Surgical Oncology 2008;5:12.
  2. Waisberg J, et al. Benign Obstruction of the common hepatic duct (Mirizzi Syndrome): diagnosis and operative management. Arq Gastroenterol 2005;42(1).
  3. Beltran MA, Csendes A, Cruces Ks. The Relationship of Mirizzi Syndrome and Cholecystoenteric Fistula: Validation of a Modified Classification. World J Surg 2008; 32:2237-2243.
  4. Fonseca Neto OCL, Pedrosa MGL, Miranda Al. Surgical management of Mirizzi syndrome. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2008;21(2):51-4.
  5. Machado MAC, et al. Colecistectomia Videolaparoscópica em paciente com Síndrome de Mirizzi. Rev Hosp Clin Fac Med S Paulo 1997;52(6):324-327.

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Artigo Comentado – International consensus recommendations for difficult biliary access

Comentários do artigo – International consensus recommendations for difficult biliary access      

A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) é o procedimento de escolha para o tratamento das enfermidades biliopancreáticas e o acesso biliar é a etapa inicial fundamental do procedimento. O acesso biliar difícil pode ocorrer pela dificuldade da passagem do aparelho até a papila em pacientes com anatomia cirúrgica alterada, como anastomose em Billroth II ou em Y de Roux  e/ou pela tentativa de canulação seletiva da via biliar , neste caso tanto em paciente com anatomia normal ou cirurgicamente alterada. A canulação difícil aumenta os riscos de complicações pós-cpre, particularmente pancreatite (PEP) e perfuração. Vários métodos são utilizados para superar um acesso biliar difícil, como as técnicas alternativas de acesso seletivo da via biliar utilizadas após a falha da canulação convencional da CPRE,  como as técnicas de pré corte ou a utilização do duplo fio guia, além da utilização de procedimentos mais avançados com o uso de equipamentos especiais, como o ecoendoscópio e o enteroscópio com seus acessórios e dispositivos específicos, além do uso da drenagem biliar percutânea. Estas técnicas e procedimentos mais complexos tem riscos significativos, necessitam de treinamentos específicos e de prioridades e critérios nas suas utilizações.

Objetivo do estudo: Criar um consenso internacional de recomendações baseado em evidência para auxiliar os endoscopistas biliopancreáticos a enfrentar os desafios do acesso biliar difícil

Desenho do estudo: – Participaram do estudo especialistas em endoscopia biliopancreática avançada de vários países. – Foram realizadas as pesquisas na literatura ( MEDLINE, Cochrane, Library e Embase ) em 3 áreas :

  • Acesso biliar difícil em anatomia normal
  • Acesso biliar difícil em anatomia alterada
  • Acesso biliar guiado (ecoendoscopia e/ou percutâneo)

Primeiro: foram enviados eletronicamente aos membros do consenso para avaliação das recomendações de acordo com nível de evidência e grau de recomendação. Segundo: Foi realizado uma reunião em julho de 2015 em Taipei ( Taiwan ) onde foram revisadas e discutidas as recomendações . Consenso foi considerado alcançado quando 80% ou mais dos votos indicaram “aceitar completamente” ou “aceitar com alguma reserva”. A recomendação foi rejeitada quando 80% ou mais dos votos “rejeitar completamente” ou “rejeitar com alguma reserva”. O nível de evidência e o grau de recomendação foram avaliados e 13 recomendações alcançaram o consenso.

Resultado das recomendações do consenso:

1- Acesso biliar difícil é definido pela incapacidade de canulação seletiva da via biliar pela técnica convencional de cateterização pela CPRE em 10 minutos ou até 5 tentativas ou pela falha em acessar (chegar) a papila maior. Nível de evidência II-A, Grau de recomendação B, Votação A 56%, B 44%, C 0%, D 0%, E 0%

2- Quando o acesso biliar endoscópico é difícil, técnicas alternativas podem ser necessárias. Estas requerem habilidades específicas e estão potencialmente associadas a um maior risco de eventos adversos. Nível de evidência III, Grau de recomendação C, Votação A 94%, B 0%, C 6%, D 0%, E 0%.

3- Medidas profiláticas contra a PEP (pancreatite pós-cpre), como a utilização de supositório de anti-inflamatório não esteroide via retal e ou a passagem de prótese pancreática são recomendados na falha da canulação biliar convencional. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 94%, B 0%, C 6%, D 0%, E 0%.

4- Quando a canulação biliar é difícil, técnicas como o pré corte (“precut”) e a utilização do duplo fio guia (primeiro deixa no ducto pancreático e o segundo na tentativa de acesso biliar) são recomendados. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 94%, B 6%, C 0%, D 0%, E 0%.

5- Todas as técnicas de pré corte apresentam altas taxas de sucesso de canulação biliar. A técnica de fistulotomia (“needle-knife fistulotomy” – NKF) com estilete parece ter menos eventos adversos. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 56%, B 38%, C 6%, D 0%, E 0%.

6- Paciente com reconstrução a Billroth II, tanto o endoscópio de visão frontal quanto o duodenoscópio de visão lateral apresentam taxas de acessos biliares comparáveis. O uso do duodenoscópio de visão lateral pode estar associado a maior risco de perfuração. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 62,5%, B 37,5%, C 0%, D 0%, E 0%.

7- Paciente com anatomia cirurgicamente alterada, particularmente com anastomose em Y de Roux , a enteroscopia assistida por dispositivo pode facilitar o acesso a papila ou anastomose bilioentérica. Nível de evidência I-A, Grau de recomendação A, Votação A 81%, B 19%, C 0%, D 0%, E 0%.

8- Quando há falha na canulação através da papila pelo métodos convencionais ou se a papila não é acessível, o acesso biliar ecoguiado é uma método viável para drenagem das vias biliares obstruídas. Nível de evidência I-A, Grau de recomendação A, Votação A 81%, B 19%, C 0%, D 0%, E 0%.

9- Onde ambos os acessos biliares guiados por ecoendoscopia são possíveis, a abordagem transduodenal, quando apropriada, parece ser mais segura que o acesso transgástrico. Nível de evidência II-B, Grau de recomendação B, Votação A 81%, B 19%, C 0%, D 0%, E 0%.

10- A drenagem biliar ecoguiada ( “EUS-BD” ) pode ser realizada com altas taxas de sucesso e aceitáveis taxas de eventos adversos em mãos experientes. Nível de evidência I-A, Grau de recomendação A, Votação A 77%, B 23%, C 0%, D 0%, E 0%.

11- O acesso trans-hepático percutâneo é um método viável de intervenção biliar quando os métodos endoscópicos falham ou não são apropriados. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 81%, B 13%, C 6%, D 0%, E 0%.

12- O acesso trans-hepático percutâneo e o acesso biliar ecoguiado ( “EUS-BD” ) parecem ser comparáveis em termos de eficácia e podem ser apropriados em paciente com anatomia cirurgicamente alterada. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 56%, B 31%, C 13%, D 0%, E 0%.

13- Na presença de estenose duodenal significativa, a dilatação endoscópica com balão e ou prótese enteral seguida de canulação biliar convencional pode ser considerada. As técnicas de acesso biliar ecoguiada ( “EUS-BD” ) ou trans-hepático percutâneo são abordagens alternativas de primeira linha. Nível de evidência III, Grau de recomendação C, Votação A 75%, B 19%, C 6%, D 0%, E 0%.

Comentários É importante enfatizar que frente a um caso de via biliar difícil em que o endoscopista não tenha segurança e recursos para avançar, é melhor parar o procedimento e encaminhar o paciente para centros de referência. O desenvolvimento da ecoendoscopia e da enteroscopia com auxílio de acessórios e dispositivos específicos permitiram um avanço no tratamento das enfermidades biliopancreáticas de acesso biliar difícil, através das várias técnicas de drenagens biliares ecoguiadas e do uso da enteroscopia e de seus dispositivos no acesso e tratamento das vias biliares de pacientes com anatomia cirurgicamente alterada. Diante destes avanços, faltava uma metodologia e clareza sobre os melhores passos seguintes em caso de falha. Este consenso esclarece e orienta cada passo no acesso biliar difícil de acordo com as melhores evidências disponíveis. Estas recomendações auxiliam o endoscopista biliopancreático, mas considero que estes procedimentos avançados devam ser realizados em centros de endoscopia biliopancreático de referência e nas mãos de endocopistas habilitados e experientes, devido aos altos riscos de complicações.

Referência: Wei-Chih Liao, et al. International consensus recommendations for difficult biliary access. Gastrointestinal  Endoscopy volume 85, No.2 : 2017. DOI : 10.1016/j.gie.2016.09.037




CPRE: usar fio-guia curto ou longo?

 

Artigo publicado na Am J Gastroenterology em dezembro 2016 por Buxbaum J e col

Na maioria dos casos, a canulação do ducto biliar é a parte mais desafiadora da CPRE. A dificuldade na canulação está associada à pancreatite pós-CPRE.

Os fios-guias longos clássicos, que atravessam todo o comprimento do duodenoscópio e dos acessórios, são controlados pelo assistente para auxilar a canulação. Recentemente, sistemas com fios-guias curtos foram desenvolvidos, em que todo o fio-guia, exceto sua parte mais distal (5-50 cm distais), pode ser “descascado” do papilótomo, permitindo que o endoscopista controle diretamente o fio-guia durante a canulação.

Uma pesquisa recente nos EUA revelou que 43% dos endoscopistas preferem o sistema de fio-guia curto que é controlado pelo próprio endoscopista, em comparação com 33% que preferiam o sistema de fio-guia longo controlado pelo assistente.

Uma abordagem adicional freqüentemente usada para facilitar a canulação é o uso de papilótomo com tamanho menor. Teoricamente, os papilótomos de pequeno diâmetro podem permitir o acesso a vias biliares mais diminutas.

Fio-guia controlado pelo endoscopista

Objetivos:

O objetivo do estudo foi avaliar a segurança e a eficácia da canulação controlada pelo endoscopista versus canulação controlada pelo assistente, e avaliar também a eficácia e segurança da canulação com uso papilótomos de menor diâmetro versus papilótomos de diâmetro padrão.

Métodos:

Ensaio-clínico randomizado e controlado realizado na Los Angeles County + University of Southern California Medical Center.

Os pacientes foram randomizados usando um design fatorial 2 × 2 para a canulação com fio-guia controlado pelo endoscopista e controlado  pelo assistente numa proporção 1:1,  e uso do papilótomo de menor diâmetro (ponta de 3,9 Fr) versus papilótomo padrão (ponta de 4,4 Fr) numa proporção também de 1:1.

A canulação guiada por fio-guia foi utilizada em todos os casos. Injeção de contraste foi usada apenas como uma manobra de salvamento se o avanço do fio não fosse possível.

O fio-guia de 450 cm com ponta reta foi utilizado (Jagtome Rx Biliary System; Boston Scientific; Natick, MA, EUA). Fio-guia de 0,025 polegadas foi utilizado naqueles randomizados para o papilótomo de 3,9Fr, e fio-guia de 0,035 polegadas naqueles randomizados para o papilótomo de 4.3Fr.

Foram incluídos pacientes submetidos a primeira CPRE com indicação de canulação biliar padrão, incluindo coledocolitíase, fístula e obstrução biliar.

Análise estatística:

A hipótese inicial era que haveria uma diferença de 10% na taxa de canulação bem-sucedida (85-95%). Um tamanho de amostra com 498 pacientes foi calculado para demonstrar uma diferença significativa entre os grupos. Como este foi o primeiro ensaio-clínico controlado e randomizado sobre esse tema, foi planejada uma análise intermediária quando 200 pacientes estivem incluídos no estudo.

Resultados:

O estudo foi interrompido após a análise intermediária, com 216 pacientes randomizados, devido a uma taxa significativamente menor de eventos adversos no grupo canulação controlada pelo endoscopista comparada com o grupo canulação controlada pelo assistente: 3/109 (2,8%) vs. 12/107 (11,2 %), p = 0,016; principalmente devido a uma menor taxa de pancreatite pós-CPRE: 3/109 (2,8%) vs. 10/107 (9,3%), p = 0,049 (Figura abaixo).

Houve uma tendência (estatisticamente não significativa: p = 0.106) de menor taxa de complicações, em especial pancreatite pós-CPRE, com o uso do papilótomo de menor diâmetro quando comparado com o uso do papilótomo padrão.

A diferença na taxa da canulação biliar bem-sucedida entre os grupos canulação controlada pelo endoscopista versus controlada pelo assistente foi não significativa:  -0,5% (IC 95%: 12,0 a 11,1%); sendo também não significativa na comparação com papilótomo de menor diâmetro versus diâmetro padrão: -0,9% (IC 95%: 12,5 a 10,6%).

Comentários:

Inicialmente, a canulação biliar era obtida com uso das cânulas de CPRE seguida de injeção de contraste. Um grande impacto na abordagem da canulação foi o advento dos papilótomos no lugar das cânulas, com base em ensaios clínicos que demonstram uma eficácia superior com os papilótomos. O fio-guia na ponta distal do papilótomo permite uma flexibilização variável na direção do ducto biliar, com melhora no acesso biliar. Mais recentemente, a passagem por fio-guia em detrimento a injeção de contraste foi adotada para confirmar o acesso biliar e melhorar a segurança do procedimento. A abordagem guiada pelo fio reduziu consistentemente as taxas de pancreatite pós-CPRE em 8-15% em comparação com a injeção de contraste.

Embora seja amplamente aceito que a injeção de contraste no ducto pancreático é o principal fator responsável da pancreatite pós-CPRE, estudos recentes revelaram que a passagem do fio-guia no ducto pancreático é também um fator causal importante.

Uma das conseqüências potencialmente mais graves da passagem do fio no ducto pancreático é a perfuração traumática do ducto, que é especialmente propensa a acontecer com a passagem às cegas do fio-guia em pacientes com ductos tortuosos. Tal perfuração pode levar a fístulas e pancreatite grave.

Se a passagem do fio-guia para o ducto biliar é o objetivo, e evitar a passagem do fio-guia no ducto pancreático é um componente importante para a segurança do procedimento, isso implica em uma pergunta, quem seria o melhor para controlar o fio-guia: o endoscopista ou o assistente?

Esse estudo publicado em dezembro de 2016 na American Journal of Gastroenterology por Buxbaum e colaboradores demonstrou que a canulação controlada pelo endoscopista reduziu a taxa de eventos adversos, em especial de pancreatite pós-CPRE.

Os resultados desse estudo parecem intuitivos, pois é um fato estabelecido que o trauma mecânico repetitivo da papila, e do ducto pancreático em particular, está associado à pancreatite pós-CPRE. Com o endoscopista controlando o fio-guia, a quantidade de força usada para avançar o fio-guia pode ser substancialmente reduzida, pois há um uso mais apropriado da força, direção e profundidade na manipulação do fio-guia na abordagem controlada por endoscopista.

Dados também já disponíveis na literatura sugerem tempo de uso da fluoroscopia e tempo de procedimento mais curtos com o uso do fio-guia controlado pelo endoscopista (Fazel A, et al. Gastrointest Endosc. 2006).

Artigo deste post:

Buxbaum J, Leonor P, Tung J, Lane C, Sahakian A, Laine L. Randomized Trial of Endoscopist-Controlled vs. Assistant-Controlled Wire-Guided Cannulation of the Bile Duct. Am J Gastroenterol. 2016 Dec;111(12):1841-1847.




CPRE em pacientes submetidos a Bypass Gástrico

 
É sabido que a obesidade é um grave problema de saúde pública e que a cirurgia bariátrica constitui arma poderosa no arsenal terapêutico contra essa enfermidade. Sabe-se, também, que a rápida perda de peso relacionada ao BYPASS GÁSTRICO EM Y DE ROUX (BGYR) é fator de risco para colelitíase e suas complicações como coledocolitíase e pancreatite biliar. Sendo assim, a colecistectomia e a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) são frequentemente indicadas neste grupo de pacientes.
Entretanto, o acesso à via biliar após BGYR constitui um desafio para o endoscopista, visto que este acesso somente é obtido via enteroscopia ou via estômago excluso, através de confecção de gastrotomia para introdução do duodenoscópio.
 

Técnicas endoscópicas para acesso à papila:

1. CPRE via enteroscopia:  a CPRE por enteroscopia é  bem descrita mas parece estar associada a resultados modestos. Entre as limitações, pode-se citar a dificuldade de canulação pela visão tangencial da papila, instabilidade do aparelho, ausência de elevador, dificuldade de utilização dos acessórios devido ao pequeno diâmetro do canal de trabalho e o trajeto tortuoso que o aparelho pode fazer.
Kuga et al publicaram em 2008 uma série de 6 casos de pacientes com anatomia em Y de Roux e submetidos a CPRE em que foi obtido um índice de sucesso em 83,3%1.
A dificuldade de disponibilidade de materiais é o grande limitante desta opção. Uma alternativa publicada pelo grupo do ICESP 5 consiste no uso da enteroscopia para acessar a papila; retirada do enteroscópio; secção do overtube (tomando-se cuidade de clampear o canal de ar com um Kelly) e inserção de um gastroscópio, cujo canal de trabalho comporta a maioria dos acessórios de CPRE.
2. CPRE- transgástrica (CPRE-TG): realizada introduzindo-se o duodenoscópio através de uma gastrotomia no estômago excluso, tem se mostrado uma alternativa viável e, aparentemente, com bons índices de sucesso. Existem duas possibilidades técnicas para acesso ao estômago excluso (ambas com auxílio da laparoscopia):

  1. Realização de gastrotomia na parede anterior do estômago excluso e colocação de um trocater de 15 a 18 mm no quadrante superior esquerdo, por onde passará o duodenoscópio. Geralmente o trocater permanece no estômago em direção a grande curvatura o que permite direcionar o aparelho para o piloro. A conversão para cirurgia aberta raramente é realizada ;
  2. Maturação temporária de um gastrostoma na pele, com acesso direto do duodenoscópio (sem auxílo de trocarter);

.

Veja no vídeo a seguir um exemplo de CPRE-TG para tratamento de coledocolitíase:

Revisão da literatura

Uma revisão sistemática publicada em 2017 analisou 26 estudos, que compilaram 509 CPRE-TG, publicados entre 2007 e 2016 2;

  • 6 estudos foram prospectivos e 20 foram retrospectivos. Não houve estudo controlado e randomizado.
  • Taxa de sucesso em CPRE-TG foi maior que 95%, o que é comparado com CPRE em anatomia padrão e superior aos 60-70% alcançados com CPRE via enteroscopia.
  • Taxa de complicações de 14%, a maioria considerada leve e tratada de forma conservadora, como infecção e sangramento do sítio da gastrotomia, porém houve complicações mais graves relacionadas à própria técnica como pneumotórax hipertensivo, perfurações que necessitaram de tratamento cirúrgico e hérnias incisionais. Com relação a CPRE propriamente, a principal complicação é pancreatite pós-CPRE, seguida de perfuração e sangramento.

 
Um estudo retrospectivo, com 85 CPRE-TG realizadas entre 2004 e 2014, observou uma taxa de complicação de 19%, sendo 88% relacionados à via de acesso e não à CPRE propriamente, a maioria leve. Não houve mortes ou pancreatite grave. Intervenções adicionais, incluindo reparo por laceração na parede posterior do estômago e transfusão sanguínea ocorreram em 4,7% dos casos. Outras complicações que necessitaram de abordagem cirúrgica foram perfuração duodenal e drenagem de abscesso de parede abdominal3.
No Brasil, Falcão et al publicaram estudo com 20 pacientes submetidos a CPRE transgástrica laparoscópica , com sucesso na papilotomia em todos os casos, sem intercorrências maiores4.

CPRE por enteroscopia: A) identificação da papila duodenal maior (seta); B) radioscopia; C) dilatação abalonada da papila; D) retirada do cálculo


CPRE-TG assistida por trocarter

Conclusão

Portanto, a CPRE-TG parece ser um método seguro e altamente efetivo na abordagem dos pacientes com BGYR, sendo imprescindível uma ótima interação entre as equipes cirúrgica e endoscópica.
A CPRE via enteroscopia, embora com resultados mais modestos, pode ser favorecida quando uma intervenção de urgência é indicada (em alças não tão longas).
 

Referências:
  1. Kuga R., Furuya Jr. C.K., Hondo F.Y., Ide E., Ishioka S., Sakai P. ERCP Using Double-Balloon Enteroscopy in Patients with Roux-en-Y Anatomy. Dig Dis 2008; 26(4): 330-5.
  2. Banerjee N., Parepally M., Byrne T.K., PullatT R.C., Coté G.A., Elmunzer B.J. Systematic review of transgastric ERCP in Roux-en-Y Bypass Transgastric patients. Surg Oes Relat Dis 2017; 13(7): 1236-1242.
  3. Grimes K.L, Maciel V.H, Mata W., Arevalo G., Singh K., Arregui M.E. Complications of Laparoscopic Transgastric ERCP in patients with Roux-en-Y Gastric Bypass. Surg Endosc 2015; 29 (7): 1743-9.
  4. Falcao M., Campos J.M., Galvao-Neto M., Ramos A., Secchi T., Alves E., Franca E., Maluf-Filho, Ferraz A. Transgastric Endoscopic Retrograde Cholangiopancreatography for the Management of Biliary Tract Disease after Roux-en-Y Gastric Bypass Treatment of Obesity. Obes Surg 2012; 22 (6): 872-876.
  5. Franco MC, Safatle-Ribeiro AV, Gusmon CC, Ribeiro MS, Maluf-Filho F. ERCP with balloon-overtube-assisted enteroscopy in postsurgical anatomy. Gastrointest Endosc. 2016 Feb;83(2):462-3.



Em relação ao papel da endoscopia na colangite esclerosante primária (CEP), pode-se afirmar:




Passagem de prótese biliar em paciente com prótese duodenal prévia

Paciente do sexo feminino, 76 anos, com história de perda de peso e dor em região epigástrica com irradiação para o dorso.  Realizou endoscopia digestiva que demonstrou abaulamento em parede posterior de antro e bulbo duodenal com mucosa infiltrada e irregular. As biópsias não foram conclusivas.

Abaulamento em parede posterior de região antropilórica com infiltração e irregularidade mucosa


A paciente então foi submetida à tomografia de abdome que evidenciou volumosa lesão no corpo e colo do pâncreas invadindo a parede do antro gástrico e bulbo duodenal além de envolver o tronco celíaco e apresentar amplo contato com a artéria mesentérica superior.

Tomografia demonstrando lesão pancreática invadindo a região do antro e bulbo duodenal


Indicada ecoendoscopia para punção biópsia da lesão, que confirmou adenocarcinoma de pâncreas.

Lesão hipoecóica irregular no colo do pâncreas. Punção ecoguiada da lesão.


A paciente foi encaminhada para iniciar quimioterapia. Dois meses depois evoluiu com quadro de vômitos pós prandiais.  Realizou nova endoscopia que demonstrou obstrução pilórica e duodenal pela lesão. Foi realizada passagem de sonda nasoenteral e encaminhada para avaliação de prótese duodenal.

Injeção de contraste pela SNE demonstrando a estenose do piloro e duodeno. Aspecto radiológico e endoscópico da prótese duodenal.


Realizou passagem da prótese sem intercorrências. Foi utilizada prótese duodenal não recoberta de 22 mm por 90 mm com liberação em posição antro-pilórica.   A paciente evoluiu com melhora dos vômitos e boa aceitação alimentar.
Um mês após a passagem da prótese duodenal a paciente evoluiu com icterícia.  Realizou novo exame de imagem que demonstrou progressão da lesão com invasão do colédoco intrapancreático e dilatação das vias biliares intra e extra hepáticas.
Indicada nova CPRE para tentativa de drenagem biliar.

 
Realizada passagem do aparelho através da prótese duodenal que estava integrada à mucosa da região antropilórica. Tentativa de canulação da papila através da malha da prótese sem sucesso.  Introdução do duodenoscópio até ultrapassar a prótese permitindo  bom acesso à papila.  A colangiografia demonstrou dilatação das vias biliares intra e extra hepáticas com extensa estenose tumoral intrapancreática.  Passagem de prótese metálica parcialmente recoberta de 10 mm por 80 mm.
A paciente evoluiu com melhora da icterícia. Após o procedimento teve sobrevida de 3 meses sem sintomas de obstrução biliar ou de saída gástrica.




Sobre litíase biliar é incorreto afirmar: