Artigos comentados – Agosto 2018

 

Neste post estão listados alguns artigos interessantes publicados nas últimas edições das revistas Gastrointestinal Endoscopy (GIE) e Endoscopy.

 

GIE – Eficácia da drenagem biliar guiada por CPRE vs guiada por EUS para obstrução biliar maligna: estudo prospectivo randomizado controlado

Joo Kyung Park, Young Sik Woo, Dong Hyo Noh, Ju-Il Yang, So Young Bae, Hwan Sic Yun, Jong Kyun Lee, Kyu Taek Lee, Kwang Hyuck Lee
 

 

A drenagem biliar realizada por colangiografia retrógrada endoscópica (CPRE) é o tratamento padrão para obstrução biliar maligna quando a cirurgia curativa não é mais uma opção. Métodos alternativos, como a drenagem biliar percutânea trans-hepática reduzem significativamente a qualidade de vida. Portanto, os objetivos deste estudo foram avaliar a eficácia e segurança da drenagem realizada por ultrassom endoscópico (EUS) em comparação com CPRE na obstrução biliar maligna.

 

Métodos

O estudo prospectivo randomizado e controlado foi realizado com 30 pacientes.15 para  EUS e 15 para CPRE.

O sucesso técnico, o tempo de procedimento, o sucesso clínico e os eventos adversos foram avaliados.

 

Resultados

30 pacientes tiveram obstrução maligna extra-hepática do trato biliar (19 homens, 11 mulheres).

27 pacientes apresentavam adenocarcinomas ductais pancreáticos não ressecáveis

1 paciente tinha câncer do hepatocolédoco distal

2 pacientes tinham linfadenopatia maligna metastática.

Não houve diferenças significativas, tanto em termos de taxa de sucesso técnico e taxa de sucesso clínico (100% vs 93% e 93% vs 100% na CPRE vs EUS, respectivamente; P = 1,00, P = 1,00).

4 pacientes (31%) tiveram disfunção do stent no crescimento de tumores no grupo da CPRE, enquanto 2 pacientes tiveram impactação alimentar e 2 pacientes tiveram migração do stent no grupo EUS. Nenhum evento adverso significativo relacionado ao procedimento ocorreu em nenhum dos grupos.

 

Conclusões

Este estudo prospectivo, randomizado e controlado sugere que o EUS tem segurança semelhante à CPRE.

EUS não foi superior à CPRE em termos de alívio da obstrução biliar maligna.

As drenagens realizadas por EUS podem ter menos casos de crescimento tumoral através da prótese (tumor ingrowth), mas também pode ter mais casos de impactação alimentar ou migração do stent.

Link para o artigo original

 

GIE – Stent metálico auto-expansível coberto e descoberto para tratamento paliativo de estenoses biliares extra-hepáticas primárias malignas: um estudo multicêntrico randomizado

Massimo Conio, Benedetto Mangiavillano, Angelo Caruso, Rosa Angela Filiberti, Todd H. Baron, Luca De Luca, Sergio Signorelli, Mattia Crespi, Mario Marini, Paolo Ravelli, Rita Conigliaro, Antonella De Ceglie

 

Os stents metálicos auto-expansíveis (SEMSs) são usados ​​para aliviar obstruções biliares malignas. Nosso objetivo foi comparar a permeabilidade do stent, a taxa de eventos adversos e a sobrevida global dos stents metálicos ​​cobertos versus descobertos em pacientes com estenoses biliares primárias extra-hepáticas malignas, não candidatos para a cirurgia.

 

Métodos

Trata-se de um estudo multicêntrico randomizado que analisou 158 pacientes com obstrução biliar maligna distal inoperável realizada em 5 centros de referência italianos entre dezembro de 2014 e outubro de 2016. 78 pacientes foram randomizados para receber um SEMS totalmente coberto e 80 pacientes receberam SEMSs descobertos. Dados de 148 (72 cobertos e 76 descobertos) de 158 pacientes foram analisados.

 

Resultados

O tempo médio de perviedade do stent foi menor para os descobertos (240 dias vs 541 dias para USEMS; P =, 031). Eventos adversos ocorreram com 19 dos pacientes com stents cobertos (26,4%) e 10 descobertos (13,2%); P = 0,061

As principais causas da disfunção dos cobertos foram migração (7% vs 0% no grupo descobertos ) e oclusão precoce, principalmente por causa do “sujidade” (necrose tumoral associada à barro biliar) ou supercrescimento.

A oclusão tardia do stent por causa do crescimento do tumor ocorreu em 13,2% dos pacientes no grupo com stents descobertos. Não houve diferenças significativas nos níveis de melhoria da bilirrubina conjugada ou na sobrevida global entre os grupos. Sobrevida mediana foi de 134 dias no grupo cobertos e 112 dias no grupo descobertos (P = .23).

 

Conclusão

O número de eventos adversos relacionados ao stent foi maior, embora não significativamente, entre os pacientes do grupo coberto. Os stents cobertos tiveram uma taxa de migração significativamente maior do que descobertos. Os descobertos tambem apresentaram oclusão mais cedo. Uma diferença significativa na taxa de permeabilidade foi observada em favor do grupo dos stents descobertos.

Link para o artigo original

 

ENDOSCOPY – Fatores associados ao sangramento tardio após a ressecção de grandes pólipos colorretais não pediculados

Elliott, Timothy R.; Tsiamoulos, Zacharias P.; Thomas-Gibson, Siwan; Suzuki, Noriko; Bourikas, Leonidas A.; Hart, Ailsa; Bassett, Paul; Saunders, Brian P.

 

A hemorragia tardia é a complicação significativa mais comum após a ressecção endoscópica em piecemeal dos grandes pólipos colorretais não pediculados. Fatores de risco para o sangramento tardio não estão completamente definidos. Nosso objetivo foi determinar os fatores de risco para o sangramento tardio após o a ressecção.

 

Métodos

Os dados foram analisados ​​prospectivamente em um centro terciário com pacientes que apresentam lesões maiores que 20 mm as quais foram ressecadas por piecemeal entre 2010 e 2012. Dados do paciente, do pólipo e relacionados ao procedimento foram coletados. Quatro fatores no leito lesional pós ressecção foram avaliados para concordância interobservadores e incluídos na análise. A gravidade do sangramento tardio foi relatada de acordo com as diretrizes. Preditores de sangramento foram identificados.

 

Resultados

A hemorragia tardia que necessitou de hospitalização ocorreu após 22 de 330 procedimentos (6,7%).

Um total de 11 pacientes precisou de transfusão sanguínea; destes, 4 foram submetidos a colonoscopia de urgência, 1 sofreu embolização radiológica e 1 necessitou de cirurgia. A concordância interobservador para identificação dos quatro fatores avaliados no leito lesional pós ressecção em piecemeal foi moderada (faixa de kappa de 0,52 a 0,57). Os fatores associados ao sangramento tardio foram fibras musculares visíveis (P = 0,03) e a presença de “mancha vermelho cereja” (P = 0,05). Fatores não associados com o sangramento tardio foram classe de American Association of Anesthesiologists, uso de aspirina, tamanho de pólipo, local e uso de coagulação de plasma de argônio.

 

Conclusões

Fibras musculares visíveis e a presença de “mancha vermelha de cereja” no leito da ressecção foram associadas com sangramento tardio. Esses achados sugerem que a avaliação e a documentação fotográfica do leito lesional após a ressecção em piecemeal são importantes e, quando consideradas juntamente com outros fatores do paciente e do procedimento, podem ajudar a reduzir a incidência e a gravidade do sangramento tardio.

Link para o artigo original

 

 

 

 

 




Artigos comentados – Julho 2018

Apresentamos os artigos considerados de maior relevância na área de endoscopia que foram publicados recentemente.

 

Peroral Endoscopic Pyloromyotomy Is Efficacious and Safe for Refractory Gastroparesis: Prospective Trial With Assessment of Pyloric Function

J Jacques, L Pagnon, F Hure, R Legros, S Crepin, AL Fauchais, S Palat, P Ducrotté, B Marin, S Fontaine, NE Boubaddi, MP Clement, D Sautereau, V Loustaud-Ratti, G Gourcerol, J Monteil. Endoscopy 2018 Jun 12.

Em um estudo prospectivo e em centro único francês, foi avaliado a viabilidade, segurança e eficácia da piloromiotomia endoscópica perioral (G-POEM) para o tratamento de pacientes com gastroparesia refratária. Foram incluídos 20 pacientes (10 diabéticos e 10 não diabéticos). Os pacientes foram submetidos pré e pós procedimento a avaliação extensiva da função pilórica, tempo de esvaziamento gástrico e escores de sintomas e qualidade de vida. O sucesso técnico do G-POEM foi alcançado em 100% dos pacientes com significante melhora dos sintomas, da qualidade de vida e o tempo de esvaziamento gástrico. Entre outras intercorrências, foram relatados três casos de perfuração com manejo clínico e um caso de perfuração onde foi necessária laparoscopia diagnóstica devido a intesa dor abdominal.

Apesar das intercorrências relatadas, elas foram manejadas predominantemente de modo clínico, sem mortalidade associada. Esse estudo demonstra portanto que G-POEM é potencialmente seguro e eficaz no tratamento da gastroparesia refratária. Novos estudos, preferencialmente multicêntricos e randomizados, seriam ideais para o pleno estabelecimento da técnica.

 

Non-Superiority of Lumen-Apposing Metal Stents Over Plastic Stents for Drainage of Walled-Off Necrosis in a Randomised Trial

JY Bang, U Navaneethan, MK Hasan, B Sutton, R Hawes, S Varadarajulu. Gut 2018 Jun 01.

Outros estudos que valem a leitura:

Screening for Dysplasia With Lugol Chromoendoscopy in Longstanding Idiopathic Achalasia

FA Ponds, A Moonen, AJPM Smout, WOA Rohof, J Tack, S van Gool, R Bisschops, AJ Bredenoord, GE Boeckxstaens. Am. J. Gastroenterol 2018 May 11.

Deep Learning Localizes and Identifies Polyps in Real Time with 96% Accuracy in Screening Colonoscopy

G Urban, P Tripathi, T Alkayali, M Mittal, F Jalali, W Karnes, P Baldi. Gastroenterology 2018 Jun 18.

Colorectal Cancer Screening for Average-Risk Adults: 2018 Guideline Update From the American Cancer Society

AMD Wolf, ETH Fontham, TR Church, CR Flowers, CE Guerra, SJ LaMonte, R Etzioni, MT McKenna, KC Oeffinger, YT Shih, LC Walter, KS Andrews, OW Brawley, D Brooks, SA Fedewa, D Manassaram-Baptiste, RL Siegel, RC Wender, RA Smith. CA Cancer J Clin 2018 May 30.

No Superiority of Stents vs Balloon Dilatation for Dominant Strictures in Patients With Primary Sclerosing Cholangitis

CY Ponsioen, U Arnelo, A Bergquist, EA Rauws, V Paulsen, P Cantú, I Parzanese, EM De Vries, KN Van Munster, K Said, O Chazouillères, B Desaint, A Kemgang, M Färkkilä, S Van der Merwe, W Van Steenbergen, HU Marschall, PO Stotzer, D Thorburn, SP Pereira, L Aabakken. Gastroenterology 2018 May 24.




CPRE em mulheres grávidas é seguro ?

Já são muito bem reportados todos os benefícios que os procedimentos endoscópicos podem trazer atualmente aos nossos pacientes. Porém, para uma especial parcela destes pacientes, as gestantes, a eficácia clínica e segurança ainda suscitam dúvidas.

As gestantes estão sujeitas a vários riscos durante os procedimentos endoscópicos, como hipóxia e hipotensão, parto prematuro, trauma e teratogênese. Como regra, os procedimentos devem ser adiados para após o parto.

Porém, as gestantes também estão sujeitas à várias urgências, como : hemorragias digestivas, obstruções intestinais, neoplasias, dificuldade de alimentações e outras, que demandam a realização de procedimentos endoscópicos. Dentre estes, a coledocolitíase é umas das complicações que podem ocorrer durante a gestação e as vantagens de um procedimento menos invasivo, como a colangiografia retrógrada endoscópica (CPRE), são maiores em relação à procedimentos abertos. Outras situações que podem requerer uma CPRE durante a gestação e que dificilmente podem ser postergadas para depois do término da gravidez são: obstruções biliares malignas, colangite e  fístulas ou estenoses biliares.

A gravidez aumenta a chance de colelitíase pois o estrógeno produz aumento na síntese de colesterol, aumentando sua saturação na bile, associado a menor motilidade da vesícula, causada pela progesterona. Apesar da prevalência de 3 a 12% de colelitíase, a coledocolitíase é estimada em cerca de 1 em cada 1000 gestações.

Preparo:

A segurança do procedimento deve abranger todas as áreas. Deve-se sempre contar com a avaliação e sedação pela equipe de anestesia, que será responsável pela escolha das drogas, conforme o trimestre de gestação, manutenção de oxigenação e pressão arterial adequada. A equipe de ginecologia deve ser consultada, com avaliação do feto antes e depois do procedimento. Por fim, o procedimento obrigatoriamente deve ser realizado por profissional capacitado, e com larga experiência, sendo que médicos em treinamento ou profissionais com poucos procedimentos não devem realizar CPRE em gestantes, sem supervisão.

Indicação e tempo de realização:

A indicação adequada é fundamental. Apenas procedimentos com intuito terapêutico devem ser realizados, visto que as complicações habituais da CPRE, podem ser potencialmente mais graves em gestantes.  Colangite, pancreatites biliares graves, coledocolitíase ou lesões ductais são as indicações mais comuns. Vale citar, que adiar procedimentos com indicação formal, com frequência é uma conduta mais deletéria do que possíveis riscos da CPRE.

Em geral, há maior preocupação em indicar procedimentos endoscópicos no primeiro trimestre. Em estudo retrospectivo, CPREs realizadas no primeiro trimestre não diferiram em número de complicações em relação a população geral, porém, houve maior taxa de nascidos pré termo e de baixo peso. Entretanto, também se demonstrou em outro estudo, que a conduta conservadora em pacientes com coledocolitíase levou a maior número de complicações, reinternações , e por fim, maior número de cesarianas. Assim , o tempo ideal de indicação ainda não foi definido.

Precauções:

Radiação

A exposição à radiação é um fator de grande importância e o de maior preocupação. Esta pode ser extremamente deletéria, causando alterações que inclusive podem levar ao abortamento, ou acumulativas, causando danos após longos períodos, como a leucemia. Não há protocolos ou estudos que possam afirmar com certeza os níveis de radiação de segurança. Algumas sociedades de obstetrícia publicaram que um nível de radiação abaixo de 50 mGy estão associados a baixas taxas de aborto e má formações (14s de fluoroscopia em geral liberam cerca de 0,5 mGy de radiação).  Há grande variação pessoal na absorção de radiação, assim não se pode estabelecer padrões. Outros fatores como, tipo de equipamento, uso de proteção, posicionamento do paciente e técnica do endoscopista, parecem ser tão importantes quanto o tempo de fluoroscopia. Deve-se sempre ter em mente, que os efeitos são mais nocivos no primeiro trimestre (efeito tudo ou nada), e sugere-se que toda mulher em idade reprodutiva realize teste de gravidez antes de ser submetida a CPRE.

Várias medidas podem ser adotadas visando diminuir o tempo de exposição:

  • Usar o menor tempo possível para adquirir imagem necessária.
  • Intensificador de imagem o mais próximo possível do paciente
  • Usar colimadores
  • Evitar modos de zoom
  • Utilizar equipamentos modernos com modulação manual de potência (mínimo de 75 Kv)
  • Evitar fotografar procedimentos (há maior dose de radiação em equipamentos que guardam imagens)
  • Utilizar proteção – aventais de chumbo

Há várias publicações, com baixo número de pacientes, de CPRE sem uso de fluoroscopia. Em geral, são procedimentos onde após cateterização profunda (técnica americana, com introdução de cateter tipo “tandem”) onde há aspiração com saída de bile, seguida pela colocação do fio guia e papilotomia com remoção dos cálculos (nota do editor: aparentemente há a certeza do número de cálculos por exames de imagem anteriores). Há também descrição do procedimento em duas etapas, sendo a primeira etapa com colocação de prótese (com técnica semelhante a anterior), e a segunda, após nascimento, com terapia definitiva. Não há indicação formal de nenhum tipo de terapia sem radiação, por falta de estudos.

Bisturi elétrico

O líquido amniótico conduz corrente elétrica, assim a placa do bisturi elétrico deve ser posicionada acima do abdômen (tórax de preferência).

Complicações:

Há poucos estudos específicos com gestantes, mas os dados demonstram que as taxas de perfuração, sangramento e infecção não diferem da população normal submetida à CPRE. Porém, há maior taxa de pancreatite (12% vs 5%), provavelmente pela maior dificuldade do procedimento (uso de fluroroscopia, alterações anatômicas) e menor uso de stents pancreáticos.

Em suma, diante de uma indicação formal de terapêutica por CPRE, com equipe e materiais adequados, e com os cuidados acima, os procedimentos são seguros, e de pouco risco para o feto e para a mãe.

Particularmente tenho pouca experiência, tendo realizado apenas 3 CPREs em gestantes. Uma no primeiro trimestre, uma no segundo e uma no terceiro. Todas com coledocolitíase e icterícia. As três foram monitoradas com cardiotocografia e ultrassonografia fetal imediatamente antes e após o procedimento. Todas em posição supina, com avental duplo sob o dorso e sobre o abdômen. Em uma delas (primeiro trimestre), utilizei gadolínio como contraste, por orientação da equipe de ginecologia, para evitar possíveis má formações de tireoide (aparentemente este risco está restrito ao uso de iodo endovenoso). Os procedimentos não tiveram qualquer tipo de complicação. Foram resolutivos e com baixo tempo de uso total de radiação (menor que 1 minuto). Não houve acompanhamento pós exame.

Portanto, CPREs em gestante são raras, porém, podemos ser solicitados a avaliar e realizar o procedimento em gestantes.

Você tem experiência? Comente abaixo e divida seu conhecimento com a gente!

Veja mais sobre Endoscopia

Bibliografia :

  1. Savas N. Gastrointestinal endoscopy in pregnancy. World J Gastroenterol. 2014 Nov 7;20(41):15241-52. doi:10.3748/wjg.v20.i41.15241. – Open Acces
  2. Agcaoglu O, Ozcinar B, Gok AF, Yanar F, Yanar H, Ertekin C, Gunay K. ERCP without radiation during pregnancy in the minimal invasive world. Arch Gynecol Obstet. 2013 Dec;288(6):1275-8. doi: 10.1007/s00404-013-2890-0.
  3. Magno-Pereira V, Moutinho-Ribeiro P, Macedo G. Demystifying endoscopicretrograde cholangiopancreatography (ERCP) during pregnancy. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2017 Dec;219:35-39. doi: 10.1016/j.ejogrb.2017.10.008.

Confira também: CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II




Artigos comentados – Maio 2018 : Stents metálicos autoexpansíveis

Stents metálicos autoexpansíveis em estenoses biliares malignas.

Qual a melhor opção em próteses metálicas para drenagem de vias biliares ? Qual tem menos tendência a complicações ?

Há muito tempo discute em congressos e corredores o tema, em geral, com tendência a defender experiências locais e tomar decisões baseadas em efeitos colaterais vivenciados.

Assim, para esta postagem, foram selecionados dois artigos recentes da Gastrointestinal Endoscopy trazendo mais conhecimento sobre o assunto:

 

 

1- : Association of covered metallic stents with cholecystitis and stent migration in malignant biliary stricture.  Gastrointestinal Endoscopy, Abril-2018

Trata-se de coorte retrospectiva em único centro com duração de 8 anos, concluída em 2016, avaliando pacientes com icterícia obstrutiva de origem neoplásica tratados com próteses metálicas  autoexpansíveis. Foram avaliados 645 pacientes, dos quais 431 (66,8%)  com próteses metálicas não recobertas (U-SEMS) e 214 totalmente cobertas (FC-SEMS) (33,2%).  A taxa de sobrevida (cerca de 160 dias), sucesso técnico, sucesso clínico, patência (cerca de 550 dias) foram semelhantes nos dois grupos, assim como a taxa de colangite.

Lesões hilares foram mais propensas a oclusão, sendo o uso de AAS um fator protetor, provavelmente devido a redução da produção biliar de mucina, reduzindo a viscosidade da bile (descrito em estudo prévio dos mesmos autores).

Colecistite: 457 pacientes possuíam vesícula no momento da colocação da prótese, sendo evidenciada taxa global de 3,1% de colecistite. O grupo de pacientes com próteses totalmente cobertas teve maior taxa de colecistite (7,8%) do que o grupo de próteses não cobertas (1,2%), com significância estatística. Colelitíase não foi identificada como fator determinante para desenvolvimento de colecistite.

Migração: a taxa de migração foi de 10,7% no grupo de próteses totalmente recobertas e de 1,4% para próteses não recobertas (p>0,001). Lesões hilares foram identificadas como fator de risco para migração.

 

 

2.  Self-expandable metal stents in malignant biliary obstruction: back to the roots with uncovered stents as “new” standart?. Editorial da Gastrointestinal Endoscopy Abril, 2018.

Trata-se de Editorial publicado na GIE, com foco no tipo de prótese a ser utilizado em estenoses biliares malignas, citando o artigo de Jang et al além de vários estudos tipo RCT e meta-análises .

O estudo de Jang et al. citado neste post é comentado no editorial, destacando a superioridade na taxa de colecistite das próteses cobertas (7,8%) em relação às não cobertas (1,2%) e maior taxa de migração das próteses totalmente cobertas.  Ressalta-se que o estudo é retrospectivo. Comparando-o a  outro estudo de mesma natureza, envolvendo 749 pacientes, não foi observada diferença na patência dos stents e taxa de sobrevida dos pacientes. Neste, a taxa global de colecistite foi de 0,5%, com pacientes de próteses não cobertas. A taxa de pancreatite foi maior para próteses cobertas (2,7%) do que não cobertas (1%) que embora tenha significância estatística não possui relevância clínica.

Meta-análise envolvendo 1057 pacientes de um total de 6 artigos tipo ensaio clínico randomizado, e dois retrospectivos evidenciou que não houve diferença no tempo de patência da prótese ou sobrevida do paciente com os diferentes modelos (coberto vs não coberto). Também não foi observada diferença na taxa de pancreatite ou colecistite de acordo com o tipo de prótese utilizada, contrastando com os dois estudos retrospectivos anteriores.

Outra meta-análise citada envolve 1417 pacientes oriundos de 14 artigos. Nesta, evidencia-se que próteses totalmente cobertas possuem risco relativo maior para formação de lama/lodo biliar (2,47), migração (9,33) e tumor “overgrowth” (1,76) quando comparado à próteses não cobertas. Por outro lado, prótese não cobertas possuem risco relativo para tumor “ingrowth” (0,25). No geral, apesar das diferenças citadas, a taxa de patência e disfunção da prótese foram semelhantes em ambos grupos, assim como taxa de colecistite e pancreatite.

Prótese parcialmente recobertas foram desenvolvidas para via biliar porém os resultados de um estudo retrospectivo recente não evidenciou diferença tanto na patência quanto taxa de migração quando comparado a outras próteses metálicas autoexpansíveis.

 

Considerações:

Não há mais discussão sobre a vantagem das próteses metálicas autoexpansíveis em relação às próteses plásticas para tratamento de estenoses malignas. Ressalto que na prática clínica, em muitos centros, ainda pode ser observada dificuldades em obter próteses metálicas, principalmente em casos de pacientes que abrem o quadro com colangite,  pela ausência deste modelo de prótese no estoque dos hospitais. Muitas vezes são passadas próteses plásticas e posterior troca por próteses metálicas.

O melhor tipo de prótese metálica a ser empregado em estenoses biliares malignas ainda é controverso e seguirá sendo tema de congresso por muitos anos. A principal informação que ambos trabalhos trazem, é de que tanto próteses totalmente cobertas quanto próteses não cobertas possuem sucesso técnico, sucesso clínico, taxa de patência, taxa de colecistite, taxa de pancreatite e sobrevida geral semelhantes. Não importa muito que um modelo tenha maior obstrução por tumor overgrowth enquanto o outro tenha por ingrowth, o que interessa é a manutenção da patência da prótese por tempo semelhante.

As considerações feitas no final do editorial resumem bem a idéia de que a prótese deve ser escolhida baseada no padrão do paciente e não em guidelines. Há uma sugestão para utilização de prótese totalmente recobertas para pacientes com expectativa de vida mais longa, aptos para terapêutica adjuvante onde a troca de prótese é mais factível que tentativas de tunelização ou tratamento cirúrgico, onde a remoção dos modelos totalmente cobertos é mais fácil.

Qual sua experiência : Vivenciou algum dos eventos adversos relatados ? Use o espaço abaixo e discuta com outros especialistas sobre o assunto.




Estenose biliar pós transplante hepático

  

As complicações biliares pós-transplante hepático podem ocorrer em 6-40% dos pacientes, sendo mais frequentes após o transplante intervivos.

Elas podem ser precoces, ocorrendo nas primeiras 4 a 6 semanas (fístulas, biloma, estenoses  e deiscência por necrose da anastomose biliar); ou tardias (fístulas, estenoses, colangite, coledocolitíase, cálculos, cast syndrome, disfunção do esfíncter de Oddi, mucocele, doença biliar recidivante).

As estenoses biliares pós-transplante hepático podem ainda ser classificadas em anastomóticas (Figura 1) e não anastomóticas (Figura 2). Suas características estão descritas na Tabela 1.

Figura 1 – Aspecto colangiográfico de estenose anastomótica após transplante hepático de doador cadáver.

Figura 2 – Aspecto fluoroscópico de estenose não anastomótica (doador cadáver), acometendo o hilo hepático, associada à fístula biliar

Tabela 1: Características das estenoses biliares anastomóticas e não anastomóticas pós transplante hepático.

Estenoses anastomóticas Estenoses não anastomóticas
Incidência

 

Doador cadáver: 5 – 15%

Intervivos (Figura 3): 19 – 40%

5 -15%
Característica Isoladas

Curtas em extensão

Múltiplas, longas

Ductos intra-hepáticos

Ducto do doador

Apresentação 1o ano após transplante

(5 a 8 meses)

Etiologia isquêmica: 3-6 meses

Etiologia imunológica: > 1 ano

Fatores de risco Questões técnicas

 

Fístula biliar

Lesões isquêmicas: trombose da artéria hepática, parada cardíaca, isquemia (quente ou fria), condições de preservação ou lesão de reperfusão

 

Lesões imunológicas: rejeição ductopênica, incompatibilidade ABO, polimorfismo de genes, doenças imunomediadas pré-existentes no receptor

 

Outros: infecção CMV e recidiva viral (HBV ou HCV)

Quadro clínico Assintomáticos (alterações laboratoriais)

 

Sintomas inespecíficos: prurido, anorexia, icterícia e febre

 

Dor ausente (imunossupressão e denervação hepática)

Assintomáticos (alterações laboratoriais)

 

Sintomas inespecíficos: prurido, anorexia, icterícia e febre

 

Dor ausente

 

Maior acúmulo de barro biliar: episódios recorrentes de colangite e formação de casts*

Diagnóstico Exames laboratoriais: AST, ALT, bilirrubinas, FAL e  δGT Exames laboratoriais: AST, ALT, bilirrubinas, FAL e  δGT
USG abdominal com Doppler: exame inicial (sensibilidade 38 a 66%) USG abdominal com Doppler: exame inicial (sensibilidade 38 a 66%)
CPRM: acurácia de 95% CPRM: acurácia de 95%

Aspecto radiológico remete à colangite esclerosante primária devido à presença de estenoses múltiplas e extensas

Biópsia hepática Excluir rejeição se alterações dos exames de bioquímica, sem dilatação comprovada da via biliar

* casts: descamação epitelial em molde, CPRM: colangiopancreato ressonância magnética

 

Figura 3 – Paciente transplantado hepático (doador vivo), com estenose complexa, anastomótica e não anastomótica, com lesões acometendo difusamente a via biliar intra-hepática.

 

A estenose biliar também é descrita no doador vivo, com incidência de 0,4% e 6%. É mais frequente quando o lobo hepático direito é utilizado. Os fatores de risco incluem a fístula biliar, idade avançada e o calibre do ducto biliar (< 4 mm). O quadro clínico é inespecífico, podendo haver colestase.

 

TRATAMENTO

Na última década, medidas não operatórias se tornaram a opção terapêutica de primeira linha para as complicações biliares pós transplante hepático. Nos pacientes com anastomose ducto-ducto a colangiografia retrógrada endoscópica (CRE) é a escolha inicial.

O tratamento endoscópico pode ser realizado por meio da dilatação com balão hidrostático ou dilatadores de passagem, seguida da colocação de uma ou mais próteses plásticas, ou ainda, mais recentemente, da prótese metálica autoexpansível totalmente coberta (PMAEC). Na presença de lesões da artéria hepática (insuficiência ou obstrução), estas devem ser abordadas durante o curso do tratamento.

A terapêutica com próteses plásticas múltiplas consiste na dilatação hidrostática da estenose seguida da colocação do maior número de próteses plásticas possível. Os pacientes devem ser submetidos à sessões repetidas, no prazo médio de três meses, para prevenção da oclusão, colangite e formação de cálculos. Todas as próteses devem ser retiradas, a estenose deve ser dilatada e um número progressivamente maior de próteses (Figura 4A e B) deve ser utilizado a cada troca, com objetivo de alcançar o maior diâmetro possível. O tratamento é completado em um ano e a maioria dos pacientes deve precisar de quatro a cinco procedimentos nesse período.

A terapia com prótese metálica totalmente coberta consiste na colocação de uma única PMAEC (Figura 5) após esfincterotomia biliar, sem necessidade de dilatação na maioria das vezes. O tempo de permanência ideal da prótese metálica ainda não está completamente definido. Os resultados do tratamento são favoráveis quando ela é mantida por período superior à 3 meses, não havendo comprovação à respeito do benefício da sua permanência por mais de 6 meses.

Figura 4 – Aspecto radiológico (A) e endoscópico (B) da estenose anastomótica (doador cadáver) tratada com dilatação hidrostática e colocação de próteses plásticas múltiplas.

Figura 5 – Aspecto colangiográfico da PMAE totalmente coberta liberada evidenciando discreta compressão (seta), que corresponde ao ponto da estenose anastomótica.

 

Tabela 2: Comparação do tratamento com próteses plásticas múltiplas e prótese metálica auto-expansível totalmente coberta no tratamento das estenoses biliares pós transplante hepático.

  Próteses plásticas múltiplas PMAEC
Tempo de tratamento 12 meses ± 6 meses
Número de procedimentos 4 a 5 2
Taxa de sucesso

Estenose anastomótica

 

 

Doador cadáver: 82 a 98%

 

Doador vivo: 60 a 75%

 

87,5 a 100%
Taxa de sucesso

Estenose não anastomótica

 

Doador cadáver: 50 a 75%

 

Doador vivo: 25 a 33%

 

Não está indicada.
Taxa de complicações 4 a 16% 14,5 a 18%
Migração 5 a 33,3% 4 a 46,7%
Recidiva 0 a 34% 4,5 47,4%
Custo (6) US$ 16.095 US$ 6.903

PMAEC: prótese metálica auto-expansível totalmente coberta

 

Nos pacientes com estenose grave da anastomose direta ducto-ducto e falha no acesso profundo retrógrado à via biliar é possível a realização do procedimento combinado, com punção biliar percutânea ou guiada por EUS, seguida da terapia endoscópica rendez-vous. A colangioscopia direta também é uma ferramenta disponível para a transposição da estenose em caso de insucesso, com custo inferior ao das duas opções citadas anteriormente (Figura 6).

O tratamento cirúrgico fica reservado para os casos de insucesso da intervenção endoscópica ou radiológica e consiste na conversão da reconstrução para derivação biliar ou em casos extremos, o re-transplante.

Figura 6 – Aspecto colangioscópico da passagem do fio guia pelo orifício da estenose da anastomose biliar.

 

Referências Bibliográficas

  1. Costamagna G, Tringali A, Mutignani M, Perri V, Spada C, Pandolfi M et al. Endotherapy of postoperative biliary strictures with multiple stents: results after more than 10 years of follow-up. Gastrointest Endosc. 2010;72:551-557.10.1016/j.gie.2010.04.052.20630514.
  2. Akamatsu N, Sugawara Y, Hashimoto D. Biliary reconstruction, its complications and management of biliary complications after adult liver transplantation: a systematic review of the incidence, risk factors and outcome. Transpl Int. 2011;24:379-392.10.1111/j.1432-2277.2010.01202.x.21143651.
  3. Chaput U, Vienne A, Audureau E, Bauret P, Bichard P, Coumaros D et al. Temporary placement of fully covered self-expandable metal stents for the treatment of benign biliary strictures. United European Gastroenterol J. 2016;4:403-412.10.1177/2050640615606550.27403307.
  4. Coté GA, Slivka A, Tarnasky P, Mullady DK, Elmunzer BJ, Elta G et al. Effect of Covered Metallic Stents Compared With Plastic Stents on Benign Biliary Stricture Resolution: A Randomized Clinical Trial. JAMA. 2016;315:1250-1257.10.1001/jama.2016.2619.27002446.
  5. Martins FP, Ferrari AP. Cholangioscopy-assisted guidewire placement in post-liver transplant anastomotic biliary stricture. Endoscopy 2018;49:E283-E284. 10.1055/s-0043-117940
  6. Martins FP, De Paulo GA, Contini MLC, Ferrari AP. Metal versus plastic stents for anastomotic biliary strictures after liver transplantation: a randomized controlled trial. Gastrointest Endosc. 2018;87:131e1-131e13. 10.1016/j.gie.2017.04.013.
…………………………………………………………………………………………………………..
Como citar esse artigo:

Martins FP. Estenose biliar pós transplante hepático. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/estenose-biliar-transplante-hepatico/

 




Caso Clínico – Fístula biliar pós trauma abdominal fechado

Relato do caso:

Paciente do sexo masculino, com 43 anos de idade, deu entrada no pronto socorro, após ter evadido de outro hospital .

Tinha antecedente de trauma abdominal fechado, após queda de andaime (7 metros), estando internado com conduta não cirúrgica por cerca de 18 dias. Após este período, “fugiu” do hospital de origem e procurou atendimento no PS-HC Marília.

Na entrada, apresentava-se estável hemodinamicamente, porém  emagrecido (estava em jejum desde o trauma), com dor em andar superior de abdômen, sinais de ascite volumosa, além de anasarca e leve icterícia. Foi submetido a tomografia de abdômen com contraste, que evidenciou laceração hepática Grau III, coleções subcapsulares  e volumosa ascite. Optou-se por realizar paracentese, com saída de cerca de 11 litros de secreção biliar.

Laceração hepática Grau III

 

Volumosa ascite

Paracentese com bile

 

Diagnosticada a fístula biliar, paciente foi submetido a Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (CPRE), com papilotomia, sendo evidenciada fístula biliar em ramos secundários a direita. Não foi possível a colocação de prótese (em falta no serviço).

Fístula biliar

Fístula biliar

Após a CPRE, paciente ainda realizou outra paracentese com saída de cerca de 2 litros de bile. Neste momento, foi submetido a laparoscopia, com colocação de dreno perihepático com dificuldade (muitas aderências), para auxiliar na drenagem.

Mesmo com a drenagem externa paciente evoluiu com febre, e dor abdominal, sendo submetido a laparotomia exploradora, com drenagem de múltiplas coleções cavitárias. Foi necessário realizar peritoniostomia, para lavagens frequentes da cavidade. Em nenhuma das abordagens foi possível avaliar a lesão hepática ou tentar alguma terapêutica adicional sobre as vias biliares.

Após boa evolução, com parada de drenagem de bile e secreção purulenta, paciente foi submetido a fechamento da cavidade, pode ser realimentado oralmente, teve boa evolução e posterior alta, encontrando-se atualmente bem, trabalhando e sem alterações biliares.

 

Discussão:

Recentemente vem ganhando terreno as terapias não invasivas para traumas abdominais fechados, em especial de vísceras maciças, como rins, baço e fígado. As melhores condições de cuidados em UTI, associadas a evolução dos procedimentos diagnósticos e intervenções minimalistas, fazem com que terapias não operativas sejam a escolha em pacientes com lesões graves, antes sempre cirúrgicas, como lesões hepáticas acima de grau III.

A escolha da terapia não operativa em paciente com trauma abdominal fechado não reside apenas no grau de lesão das vísceras envolvidas (no caso vísceras maciças), mas na estabilidade hemodinâmica do paciente. Pacientes instáveis, são encaminhados imediatamente a cirurgia. Pacientes estáveis, são submetidos a exame de imagem, diagnóstico do tipo de lesão, e acompanhamento em UTI.

Especificamente no trauma hepático fechado, a principal preocupação e complicação é o sangramento. As fístulas biliares são incomuns, ocorrendo nos casos mais graves (graus de lesão maiores), com incidência estimada em cerca de 2,8 a 7,4% dos casos. Podem ocorrer de imediato, junto ao trauma, ou serem tardias, após cirurgias de controle de dano, ou após necrose de parênquima ou ruptura de biliomas.

O diagnóstico de complicações biliares nos casos de trauma hepático fechado pode ser difícil. Em geral podem aparecer sinais indiretos, como piora do quadro, febre e dor em hipocôndrio direito, e também, um sinal mais específico, a icterícia. Sugere-se que exames seriados de tomografia computadorizada podem evidenciar aumento de coleções com baixa atenuação, ou coleções perihepáticas tardias. Deve-se lembrar de que mesmo a tomografia computadorizada com contraste não é especifica para alterações biliares, com alguns autores sugerindo o estudo das vias biliares com técnicas de radioisótopos.

O tratamento inclui o suporte, antibioticoterapia e diagnóstico precoce. Como em geral as complicações biliares são tardias, os pacientes podem ser submetidos a técnicas minimamente invasivas. Inicialmente, pode-se colocar um dreno cavitário, no local da coleção, ou bilioma, transformando uma lesão biliar em uma fístula controlada, evitando-se a contaminação da cavidade e acumulo de fluídos.

Outra técnica já estabelecida é a realização de CPRE.  A idéia do uso de tal terapêutica é que, devido a papilotomia, há diminuição da pressão biliar, deixando a bile de seguir pela fístula, causando o fechamento desta. Inicialmente após a papilotomia, pode haver ainda alguma dificuldade em drenagem da bile pela papila, secundária ao edema pela manipulação. Assim, hoje se indica o tratamento de fístulas biliares traumáticas com CPRE e próteses, principalmente em fístulas distais. A presença da prótese anula totalmente a pressão na via biliar, aumentando a taxa de fechamento de fístulas.

A evolução após a CPRE em geral é positiva, com o fechamento da fístula. Casos mais graves podem vir a necessitar de posterior cirurgia. Deve-se sempre acompanhar o paciente, principalmente quando da colocação de próteses, para evitar uma futura colangite por não retirada desta.

Você já tratou algum paciente assim? Como realizou o diagnóstico? Qual foi o tratamento e evolução?

 

Agradeço aos colegas Dr. Roberto Tucci Junior, pelo auxílio na condução do caso, e Dra. Flavia Ferreira Magalini na construção do relato.

 

Bibliografia:

Kulaylat AN, et at. Traumatic bile leaks from blunt liver injury in children: a multidisciplinary and minimally invasive approach to management. J Pediatr Surg. 2014;49(3):424-7.

Al-Hassani A, et al. Delayed bile leak in a patient with grade IV blunt liver trauma: A case report and review of the literature. Int J Surg Case Rep. 2015;14:156-9.

Ragavan M, et al.Posttraumatic Intrahepatic Bilioma. Indian J Surg. 2015;77:1399-400. 

Tiwari C, et al. Management of Traumatic Liver and Bile Duct Laceration. Euroasian J Hepatogastroenterol. 2017;7(2):188-190.   

 

Como citar esse artigo:

Sauniti, G. Caso Clínico – Fístula biliar pós trauma abdominal fechado. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-fistula-biliar-pos-trauma-abdominal-fechado/

 

 




Artigos Comentados – Março 2018

Neste post estão listados alguns artigos interessantes publicados recentemente nas revistas Endoscopy e Gastrointestinal Endoscopy.

Transpancreatic precut papillotomy versus double-guidewire technique in difficult biliary cannulation: prospective randomized study

Trabalho publicado na Endoscopy em janeiro de 2018 comparando a taxa de sucesso no acesso biliar em pacientes com canulação difícil e cateterização pancreática inadvertida. Foi comparada a técnica de duplo fio guia com a esfincterotomia transpancreática.
Neste estudo, a esfincterotomia tranpancreática mostrou uma taxa superior de sucesso no acesso biliar (94% x 59%) em relação à  técnica de duplo fio guia, com uma incidência de complicações semelhante.

Abstract

Background and study aims Difficult biliary cannulation and unintentional pancreatic duct cannulation are thought to be important contributors to pancreatitis occurring after endoscopic retrograde cholangiopancreatography. Our aim was to compare and evaluate the rates of success and complications of transpancreatic precut papillotomy (TPPP) and the double-guidewire technique (DGT), both with prophylactic pancreatic stenting.

Patients and methods From April 2011 to March 2014, patients with difficult biliary cannulation, in whom we planned to first position a guidewire in the pancreatic duct, were enrolled, and 68 patients were prospectively randomly allocated to two groups (TPPP 34, DGT 34). We evaluated the rates of success and complications for each group.

Results TPPP had a significantly higher success rate (94.1 %) than DGT (58.8 %). The rate of post-ERCP pancreatitis was 2.9 % in both groups. There was no significant difference between the two groups in the overall rate of complications related to cannulation.

Conclusion If biliary cannulation cannot be achieved, TPPP should be selected first after unintentional pancreatic duct cannulation.

Link para o artigo: AQUI

 

Polypectomy for complete endoscopic resection of small colorectal polyps

A melhor técnica para remoção de pequenos pólipos colônicos (<1 cm) ainda não está bem definida. Estas lesões podem ser ressecadas por pinça de biópsia, pinça jumbo, hot biopsy, alça fria ou mucosectomia. As ressecções com pinça devem ser realizadas apenas em lesões menores do que 3 mm. Hot biopsy está associada a uma maior incidência de complicações. Nas lesões entre 5-10 mm,  as técnicas de ressecção com alça fria ou mucosectomia parecem ser as mais indicadas.
Neste estudo foi comparada a taxa de ressecção incompleta em pólipos ressecados por alça fria e por mucosectomia, demonstrando uma significativa superioridade da mucosectomia na taxa de ressecção completa destas lesões.

Abstract

Small colorectal polyps are encountered frequently and may be incompletely removed during colonoscopy. The optimal technique for removal of small colorectal polyps is uncertain. The aim of this study was to compare the incomplete resection rate (IRR) by using EMR or cold snare polypectomy (CSP) for the removal of small adenomatous polyps.

Methods: This was a prospective randomized controlled study from a tertiary-care referral center. A total of 358 patients who satisfied the inclusion criteria (polyp sized 6-9 mm) were randomized to the EMR (n =179) and CSP (n =179) groups, and their polyps were treated with conventional EMR or CSP, respectively. After polypectomy, an additional 5 forceps biopsies were performed at the base and margins of polypectomy sites to assess the presence of residual polyp tissue. The EMR and CSP samples were compared to assess the IRR.

Results: Among a total of 525 polyps, 415 (79.0%) were adenomatous polyps, and 41 (16.4%) were advanced adenomas. The overall IRR for adenomatous polyps was significantly higher in the CSP group compared with the EMR group (18/212, 8.5% vs 3/203, 1.5%; P = .001). Logistic regression analysis revealed that the CSP procedure was a stronger risk factor for the IRR (odds ratio [OR] 6.924; 95% confidence interval [CI], 2.098-24.393; P = .003). In addition, piecemeal resection was the most important risk factor for the IRR (OR 28.696; 95% CI, 3.620-227.497; P = .001). The mean procedure time for polypectomy was not significantly different between the EMR and CSP groups (5.5 ± 2.7 vs 4.7 ± 3.4 minutes; P = .410). None of these patients presented with delayed bleeding. There were no severe adverse events related to the biopsies.

Conclusions: EMR was significantly superior to CSP for achieving complete endoscopic resection of small colorectal polyps. Patients with piecemeal resection of polyps had a higher risk for incomplete resection.

Link para o artigo: AQUI

 

Managing the patient with colorectal adenomas found at an early age

Pequena revisão publicada na Gastrointestinal Endoscopy comentando sobre o aumento da incidência na detecção de lesões colônicas em pacientes jovens e discutindo sobre como acompanhar e orientar estes pacientes.  Artigo open access.

Karen Ma, MD, Joshua Melson, MD, MPH

Department of Medicine, Division of Digestive Diseases, Rush University Medical Center, Chicago, Illinois, USA

Abstract

Colorectal cancer (CRC) continues to be the third most common cause of cancer and the second leading cause of cancer mortality in the United States. The incidence of CRC and mortality in individuals over age 50 have both decreased in the setting of colonoscopy screening programs. Alarmingly, a recent analysis from the National Cancer Institute’s Surveillance, Epidemiology, and End Results Program reported that the incidence of CRC is increasing among adults younger than 50 years of age. Colon cancer incidence rates increased by 1.0% to 2.4% annually since the mid-1980s in adults ages 20 to 39 years and by .5% to 1.3% since the mid-1990s in adults ages 40 to 54 years.

 

Link para o artigo: AQUI



Artigos Comentados – Fevereiro 2018

Apresentamos uma seleção de três artigos que foram publicados recentemente, sobre o uso do etomidato para sedação em endoscopia, preparo de cólon com simeticona, e tempo para realização de CPRE em pacientes com colangite aguda. Seguem abaixo:

1. Etomidate versus propofol sedation for complex upper endoscopic procedures: a prospective double-blinded randomized controlled trial.

Mi Gang Kim, Se Woo Park, Jae Hyun Kim, et al. Gastrointestinal Endoscopy 2017 Sep;86(3):452-461.

Introdução:

O propofol é um dos agentes sedativos mais comumente utilizado para realização de procedimentos endoscópicos devido ao rápido início de ação e menor tempo de recuperação, quando comparado com os benzodiazepínicos e opióides. Entretanto, o propofol está associado com graves eventos adversos cardiopulmonares.

O etomidato é um agente hipnótico com rápido início de ação (5-15 seg) e recuperação (5-15 min), que provoca menores efeitos adversos nos parâmetros cardiopulmonares, protege o SNC e não estimula a liberação de histamina.

O exame de ecoendoscopia costuma ser mais prolongado e complexo que a realização da endoscopia alta diagnóstica, além de que a passagem do ecoendoscópio ser mais desconfortável para o paciente.

Objetivos:

Comparar a segurança e efetividade do propofol e etomidato na realização de exames endoscópicos mais complexos e prolongados (no estudo: ecoendoscopia).

Métodos:

Ensaio-clínico, duplo-cego, randomizado, com 128 pacientes que realizaram ecoendoscopia (Hallym University Dongtan Sacred Heart Hospital, Korea). No grupo de propofol a indução de sedação começou com um bolus inicial de 0,5 mg/kg, seguida de titulação com bolus de 0,25 mg/kg. No grupo etomidato a indução começou com um bolus inicial de 0,1 mg/kg, seguida de titulação com bolus de 0,05 mg/kg. A sedação foi administrada por uma enfermeira treinada sob supervisão do médico endoscopista, com objetivo de alcançar sedação profunda (escore 1 de MOAA/S).

Resultados:

Eventos adversos cardiopulmonares em geral foram identificados em 22 pacientes (34,38%) do grupo etomidato e em 33 pacientes (51,56%) do grupo propofol, sem diferença significativa (p = 0,074). No entanto, a incidência de dessaturação (6,25% vs 31,25%; p = 0,001) e depressão respiratória (7,81% vs 32,81%, P = 0,001) foi significativamente menor no grupo etomidato. A freqüência de mioclonia foi significativamente maior no grupo etomidato (34,37% vs 12,5%; p = 0,012). Análise de variância mostrou efeitos significativos do tempo de sedação e uso do etomidato na elevação da pressão arterial sistólica. A satisfação do médico com a sedação foi maior no grupo etomidato.

Conclusões:

A administração de Etomidato resultou em menos eventos de depressão respiratória e teve uma eficácia sedativa melhor do que o propofol; no entanto, foi mais freqüentemente associado ao mioclônia e ao aumento da pressão arterial durante os procedimentos endoscópicos.

link do artigo: AQUI

2. Impact of preprocedure simethicone on adenoma detection rate during colonoscopy: a multicenter, endoscopist-blinded randomized controlled trial.

Yu Bai, Jun Fang, Sheng-Bing Zhao, et al. Endoscopy 2018 Feb;50(2):128-136.

Introdução:

O preparo do cólon para colonoscopia requer remoção completa dos resíduos, fluídos e espuma. O polietilenoglicol (PEG) é amplamente utilizado para o preparo do cólon, com agentes antiespumantes (como a simetilicona) comumente usados em combinação com o PEG. Atualmente existem poucos dados na literatura sobre o efeito da simeticona na taxa de detecção de adenoma (TDA).

Objetivos:

Investigar se o uso da simeticona no preparo do cólon pode aumentar a TDA.

Métodos:

Ensaio-clínico, multicêntrico, randomizado, com endoscopista “cegos” com relação ao uso ou não da simeticona, e pacientes consecutivos que realizaram colonoscopia em 6 centros na China. Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente para um dos dois grupos: PEG com simeticona ou PEG sozinho. O preparo foi realizado com 2L de PEG, com de 30 ml de simeticona no grupo intervenção, 6-8 horas antes da colonoscopia, sendo a mistura administrada em doses de 250 mL a cada 10-15 minutos.

Resultados:

Foram incluídos 583 pacientes. A TDA foi maior no grupo PEG com simeticona (21,0% vs 14,3%, p = 0,04). O número médio de adenomas detectados foi significativamente maior: 2,20 ± 1,36 vs. 1,63 ± 0,89 (p = 0,02). Pacientes no grupo PEG com simeticona apresentaram melhor eficácia no prepraro do cólon: Boston bowel preparation scale (BBPS) ≥6 em 88,3% vs 75,2% (p < 0,001); e escore de bolhas de 1,00 ± 1,26 vs. 3,98 ± 2,50 (p < 0,001). A distensão abdominal foi relatada com menor freqüência no grupo PEG com simeticona (7,8% vs. 19,7%, p < 0,001).

Conclusões:

O uso combinado de PEG e simeticona está associado a uma TDA significativamente aumentada em uma população chinesa.

Link do artigo: AQUI

3. Association between early ERCP and mortality in patients with acute cholangitis.

Michael Dougherty, Thomas M. Runge, MSCR, Swathi Eluri, et al. Gastrointestinal Endoscopy 2018 Jan;87(1):185-192.

Introdução:

A colangite aguda (CA) é uma condição grave que está associada a alta mortalidade de até 10% apesar do tratamento adequado, e acima de 50% se não tratada. A associação entre o tempo para realização da CPRE e mortalidade em pacientes com colangite aguda não está clara na literatura.

Objetivos:

Investigar se a CPRE precoce dentro de 24 horas está associada a uma menor mortalidade em 30 dias.

Métodos:

Estudo retrospectivo a partir de banco de dados coletado prospectivamente, com pacientes consecutivos com colangite aguda, de acordo com os critérios das Diretrizes Internacionais de Tóquio de 2013, que foram submetidos à CPRE (Odense University Hospital, Dinamarca).

Resultados:

Na análise, 166 pacientes preencheram os critérios de inclusão. Sendo que 48 pacientes (29%) foram submetidos à ERCP dentro de 24 horas, e 118 pacientes (71%) à CPRE tardia. Os pacientes submetidos à ERCP em 24 horas eram mais jovens (65 vs 73 anos; p = 0,01) e apresentavam maior freqüência cardíaca (95 vs 90 bpm; p = 0,02). A mortalidade global foi de 8% entre pacientes submetidos à CPRE precoce, e de 19% entre os pacientes submetidos à CPRE tardia. Após ajuste por fatores de confusão, o desempenho da CPRE dentro de 24 horas foi significativamente associado a menor mortalidade em 30 dias (OR, 0,23; IC 95% 0,05-0,95; p = 0,04).

Conclusões:

Os resultados indicam que a CPRE precoce dentro de 24 horas está associada a menor mortalidade em 30 dias em pacientes com colangite aguda.

Link do artigo: AQUI

 




Síndrome de Mirizzi

Em 1948, o cirurgião argentino Pablo L. Mirizzi descreveu um paciente com obstrução parcial do hepatocolédoco secundário a cálculo biliar impactado no infundíbulo da vesícula biliar associado à resposta inflamatória envolvendo o ducto cístico e o ducto hepático comum. Essa apresentação tornou-se conhecida como Síndrome de Mirizzi (SM).

Pablo Luis Mirizzi

Pablo Luis Mirizzi (1893-1964)

Inicialmente, Mirizzi caracterizou a síndrome por associação dos seguintes fatores: ducto cístico com trajeto paralelo ao ducto hepático comum, cálculos impactados no ducto cístico ou no infundíbulo da vesícula biliar, obstrução mecânica do ducto hepático comum por cálculos ou secundário à inflamação, icterícia contínua ou intermitente e colangite recorrente.

Atualmente, ela compreende um espectro de apresentações que variam desde a compressão extrínseca do hepatocolédoco até a presença de fístula colecistobiliar.

É uma complicação relativamente rara, ocorrendo em 0,05% – 3,95% dos pacientes com colelitíase.

Possui maior prevalência em mulheres com idade entre 21 e 90 anos, provavelmente um reflexo da preponderância de litíase biliar nesse grupo.

Quadro clínico e laboratorial

O quadro clínico-laboratorial da SM não é específico. Na anamnese, normalmente o paciente relata colelitíase de longa data, episódios de icterícia obstrutiva e passado de colecistite aguda e/ou colangite.

Os sinais e sintomas referidos geralmente incluem:

  • dor abdominal em hipocôndrio direito e/ou epigástrio;
  • icterícia;
  • náuseas e vômitos;
  • colúria;
  • febre.

Quanto aos exames laboratoriais, as transaminases costumam estar elevadas, bem como a bilirrubina direta, a fosfatase alcalina e a gama- GT.

Cerca de 80% dos pacientes com SM apresentam icterícia, dor abdominal e alterações das provas de função hepática.

Exames de imagem

A ultrassonografia e a tomografia computadorizada de abdome podem sugerir o diagnóstico de SM ao revelar cálculo(s) fixo(s) na área do infundíbulo, próximo à junção do ducto cístico com o hepático comum, e dilatação das vias biliares acima do local da compressão.

A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) também pode revelar compressão ou estreitamento do hepatocolédoco.

colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE)

Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE)

A ecoendoscopia no diagnóstico da coledocolitíase, independentemente do tamanho do cálculo ou do diâmetro coledociano, é um teste diagnóstico mais acurado do que a CPRE para a detecção de cálculo na via biliar principal.

Para o diagnóstico da SM, a ecoendoscopia apresenta uma sensibilidade de 97% e especificidade de 100%.

A colangioressonância pode demonstrar com precisão a presença de dilatação biliar, o grau de obstrução, a localização intra ou extraluminal dos cálculos, podendo revelar ainda alterações anatômicas, como fístulas e malformações.

Classificação

A síndrome de Mirizzi, que antes era classificada em apenas quatro tipos, atualmente, inclui mais um, o tipo V, que compreende a fístula colecistoentérica.

Os tipos são:

I) compressão extrínseca do ducto hepacolédoco por cálculo no infundíbulo da vesícula ou no ducto cístico;

II) presença de fístula colecistobiliar com erosão de diâmetro inferior a 1/3 da circunferência do ducto hepacolédoco;

III) presença de fístula colecistobiliar com diâmetro superior a 2/3 da circunferência do ducto hepacolédoco;

IV) presença de fístula colecistobiliar que envolve toda a circunferência do ducto hepacolédoco;

V) qualquer tipo, mais fístula colecistoentérica (Va: sem íleo biliar e Vb: com íleo biliar).

tipos de classificação síndrome de Mirizzi

Classificação de Csendes para a síndrome de Mirizzi. Modificado de Lacerda PS, et al. Mirizzi syndrome: a surgical challenge. Arq Bras Cir Dig. 2014.

Tratamento

Os casos de Mirizzi tipo I, ou seja, sem fístula colecistobiliar, podem ser tratados pela colecistectomia clássica. Porém, em casos de extenso processo inflamatório, a colecistectomia subtotal com remoção dos cálculos pode ser mais adequada.

Mirizzi II/III (fístula colecistobiliar): abordagem dos pacientes com fístula colecistobiliar envolve colecistectomia subtotal fundo-cística. A vesícula biliar deve ser removida deixando um remanescente de parede medindo cerca de 5-10 mm ao redor da fístula colecistobiliar, a fim de permitir a coledocoplastia do ducto biliar destruído. A exploração do colédoco deve ser sempre realizada usando uma incisão distal à fístula e protegida por um tubo Kehr.

No tipo IV, devido à extensa destruição da via biliar, o tratamento consiste em anastomose bilioenterica.

No tipo V, deve ser realizada a sutura da víscera acometida.

A CPRE e a colangioscopia podem ser realizadas também como técnicas alternativas de tratamento em pacientes sem condições cirúrgicas.

Como citar este artigo

Ruiz RF, Martins B. Síndrome de Mirizzi. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/mirizzi/

Referências

  1. Safioleas M, et al. Mirizzi Syndrome: an unexpected problem of cholelithiasis. Our experience with 27 cases International Seminars in Surgical Oncology 2008;5:12.
  2. Waisberg J, et al. Benign Obstruction of the common hepatic duct (Mirizzi Syndrome): diagnosis and operative management. Arq Gastroenterol 2005;42(1).
  3. Beltran MA, Csendes A, Cruces Ks. The Relationship of Mirizzi Syndrome and Cholecystoenteric Fistula: Validation of a Modified Classification. World J Surg 2008; 32:2237-2243.
  4. Fonseca Neto OCL, Pedrosa MGL, Miranda Al. Surgical management of Mirizzi syndrome. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2008;21(2):51-4.
  5. Machado MAC, et al. Colecistectomia Videolaparoscópica em paciente com Síndrome de Mirizzi. Rev Hosp Clin Fac Med S Paulo 1997;52(6):324-327.

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Artigo Comentado – International consensus recommendations for difficult biliary access

Comentários do artigo – International consensus recommendations for difficult biliary access      

A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) é o procedimento de escolha para o tratamento das enfermidades biliopancreáticas e o acesso biliar é a etapa inicial fundamental do procedimento. O acesso biliar difícil pode ocorrer pela dificuldade da passagem do aparelho até a papila em pacientes com anatomia cirúrgica alterada, como anastomose em Billroth II ou em Y de Roux  e/ou pela tentativa de canulação seletiva da via biliar , neste caso tanto em paciente com anatomia normal ou cirurgicamente alterada. A canulação difícil aumenta os riscos de complicações pós-cpre, particularmente pancreatite (PEP) e perfuração. Vários métodos são utilizados para superar um acesso biliar difícil, como as técnicas alternativas de acesso seletivo da via biliar utilizadas após a falha da canulação convencional da CPRE,  como as técnicas de pré corte ou a utilização do duplo fio guia, além da utilização de procedimentos mais avançados com o uso de equipamentos especiais, como o ecoendoscópio e o enteroscópio com seus acessórios e dispositivos específicos, além do uso da drenagem biliar percutânea. Estas técnicas e procedimentos mais complexos tem riscos significativos, necessitam de treinamentos específicos e de prioridades e critérios nas suas utilizações.

Objetivo do estudo: Criar um consenso internacional de recomendações baseado em evidência para auxiliar os endoscopistas biliopancreáticos a enfrentar os desafios do acesso biliar difícil

Desenho do estudo: – Participaram do estudo especialistas em endoscopia biliopancreática avançada de vários países. – Foram realizadas as pesquisas na literatura ( MEDLINE, Cochrane, Library e Embase ) em 3 áreas :

  • Acesso biliar difícil em anatomia normal
  • Acesso biliar difícil em anatomia alterada
  • Acesso biliar guiado (ecoendoscopia e/ou percutâneo)

Primeiro: foram enviados eletronicamente aos membros do consenso para avaliação das recomendações de acordo com nível de evidência e grau de recomendação. Segundo: Foi realizado uma reunião em julho de 2015 em Taipei ( Taiwan ) onde foram revisadas e discutidas as recomendações . Consenso foi considerado alcançado quando 80% ou mais dos votos indicaram “aceitar completamente” ou “aceitar com alguma reserva”. A recomendação foi rejeitada quando 80% ou mais dos votos “rejeitar completamente” ou “rejeitar com alguma reserva”. O nível de evidência e o grau de recomendação foram avaliados e 13 recomendações alcançaram o consenso.

Resultado das recomendações do consenso:

1- Acesso biliar difícil é definido pela incapacidade de canulação seletiva da via biliar pela técnica convencional de cateterização pela CPRE em 10 minutos ou até 5 tentativas ou pela falha em acessar (chegar) a papila maior. Nível de evidência II-A, Grau de recomendação B, Votação A 56%, B 44%, C 0%, D 0%, E 0%

2- Quando o acesso biliar endoscópico é difícil, técnicas alternativas podem ser necessárias. Estas requerem habilidades específicas e estão potencialmente associadas a um maior risco de eventos adversos. Nível de evidência III, Grau de recomendação C, Votação A 94%, B 0%, C 6%, D 0%, E 0%.

3- Medidas profiláticas contra a PEP (pancreatite pós-cpre), como a utilização de supositório de anti-inflamatório não esteroide via retal e ou a passagem de prótese pancreática são recomendados na falha da canulação biliar convencional. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 94%, B 0%, C 6%, D 0%, E 0%.

4- Quando a canulação biliar é difícil, técnicas como o pré corte (“precut”) e a utilização do duplo fio guia (primeiro deixa no ducto pancreático e o segundo na tentativa de acesso biliar) são recomendados. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 94%, B 6%, C 0%, D 0%, E 0%.

5- Todas as técnicas de pré corte apresentam altas taxas de sucesso de canulação biliar. A técnica de fistulotomia (“needle-knife fistulotomy” – NKF) com estilete parece ter menos eventos adversos. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 56%, B 38%, C 6%, D 0%, E 0%.

6- Paciente com reconstrução a Billroth II, tanto o endoscópio de visão frontal quanto o duodenoscópio de visão lateral apresentam taxas de acessos biliares comparáveis. O uso do duodenoscópio de visão lateral pode estar associado a maior risco de perfuração. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 62,5%, B 37,5%, C 0%, D 0%, E 0%.

7- Paciente com anatomia cirurgicamente alterada, particularmente com anastomose em Y de Roux , a enteroscopia assistida por dispositivo pode facilitar o acesso a papila ou anastomose bilioentérica. Nível de evidência I-A, Grau de recomendação A, Votação A 81%, B 19%, C 0%, D 0%, E 0%.

8- Quando há falha na canulação através da papila pelo métodos convencionais ou se a papila não é acessível, o acesso biliar ecoguiado é uma método viável para drenagem das vias biliares obstruídas. Nível de evidência I-A, Grau de recomendação A, Votação A 81%, B 19%, C 0%, D 0%, E 0%.

9- Onde ambos os acessos biliares guiados por ecoendoscopia são possíveis, a abordagem transduodenal, quando apropriada, parece ser mais segura que o acesso transgástrico. Nível de evidência II-B, Grau de recomendação B, Votação A 81%, B 19%, C 0%, D 0%, E 0%.

10- A drenagem biliar ecoguiada ( “EUS-BD” ) pode ser realizada com altas taxas de sucesso e aceitáveis taxas de eventos adversos em mãos experientes. Nível de evidência I-A, Grau de recomendação A, Votação A 77%, B 23%, C 0%, D 0%, E 0%.

11- O acesso trans-hepático percutâneo é um método viável de intervenção biliar quando os métodos endoscópicos falham ou não são apropriados. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 81%, B 13%, C 6%, D 0%, E 0%.

12- O acesso trans-hepático percutâneo e o acesso biliar ecoguiado ( “EUS-BD” ) parecem ser comparáveis em termos de eficácia e podem ser apropriados em paciente com anatomia cirurgicamente alterada. Nível de evidência I-B, Grau de recomendação A, Votação A 56%, B 31%, C 13%, D 0%, E 0%.

13- Na presença de estenose duodenal significativa, a dilatação endoscópica com balão e ou prótese enteral seguida de canulação biliar convencional pode ser considerada. As técnicas de acesso biliar ecoguiada ( “EUS-BD” ) ou trans-hepático percutâneo são abordagens alternativas de primeira linha. Nível de evidência III, Grau de recomendação C, Votação A 75%, B 19%, C 6%, D 0%, E 0%.

Comentários É importante enfatizar que frente a um caso de via biliar difícil em que o endoscopista não tenha segurança e recursos para avançar, é melhor parar o procedimento e encaminhar o paciente para centros de referência. O desenvolvimento da ecoendoscopia e da enteroscopia com auxílio de acessórios e dispositivos específicos permitiram um avanço no tratamento das enfermidades biliopancreáticas de acesso biliar difícil, através das várias técnicas de drenagens biliares ecoguiadas e do uso da enteroscopia e de seus dispositivos no acesso e tratamento das vias biliares de pacientes com anatomia cirurgicamente alterada. Diante destes avanços, faltava uma metodologia e clareza sobre os melhores passos seguintes em caso de falha. Este consenso esclarece e orienta cada passo no acesso biliar difícil de acordo com as melhores evidências disponíveis. Estas recomendações auxiliam o endoscopista biliopancreático, mas considero que estes procedimentos avançados devam ser realizados em centros de endoscopia biliopancreático de referência e nas mãos de endocopistas habilitados e experientes, devido aos altos riscos de complicações.

Referência: Wei-Chih Liao, et al. International consensus recommendations for difficult biliary access. Gastrointestinal  Endoscopy volume 85, No.2 : 2017. DOI : 10.1016/j.gie.2016.09.037