Saline-pocket endoscopic submucosal dissection para neoplasias colorretais superficiais. Trial randommizado controlado.

Artigo original: Saline-pocket endoscopic submucosal dissection for superficial colorectal neoplasms: a randomized controlled trial ; Publicado na edicação de agosto da Gastrointestinal endoscopy por Harada e colaboradores.

Trata-se de um trial comparando aspectos da técnica convencional de ESD com técnica de ESD utilizando túnel submucoso (análogo ao túnel realizado em POEM), com grande número de pacientes, em único centro.

Métodos:

Estudo prospectivo, randomizado, em único centro, realizado entre abril de 2017 e novembro de 2018, envolvendo ressecção de lesões colônicas superficiais por técnicas de ESD convencional e ESD por túnel submucoso (ESD-TS). Todas as ressecções foram realizadas pelo mesmo endoscopista , com ampla experiência em técnicas de ESD (>500).

Critérios de inclusão: lesão superficial de cólon LST granular (LST-G) e não granular (LST-NG), com extensão longitudinal ≥ a 20mm, adenoma ou adenocarcinoma.

Critérios de exclusão: lesão >5cm, paciente <20anos, doença inflamatória intestinal, polipose, lesão recorrente pós ressecção.

Materiais: colonoscópio Olympus (PCF-Q260AZ – modelo com diâmetro de 9,5/9,8mm*, Flush-knife BT (Fujifilm), Pinça coagrasper (Olympus), bisturi elétrico Erbe, insuflação com dióxido de carbono (CO2),  cap tipo ST-Hood (Fujifilm). Solução utilizada para injeção submucosa: hialuronato de sódio.

*os modelos tradicionais tem em torno de 12,8mm de diâmetro no tubo de inserção e canal de trabalho de 3,7mm

Resumo da técnica de ESD por túnel submucoso:

  1. Injeção submucosa de hialuronato de sódio COM índigo carmin na borda proximal da lesão (marcação margem proximal)
  2. Injeção submucosa de hialuronato de sódio SEM índigo carmin distando cerca de 10-20mm da borda distal da lesão (entrada do túnel submucoso)
  3. Entrada no túnel submucoso utilizando o cap
  4. Utilização de soro fisiológico ao invés de insuflação durante período de dissecção da base da lesão
  5. Dissecção até chegar na margem proximal da lesão (marcada com índigo carmin)
  6. Ressecção das bordas da lesão e remoção da mesma

 

Randomização: As lesões foram randomizadas de maneira estratificada, 50% para cada grupo, obedecendo os critérios de lesão conforme localização (direita – proximal à flexura esplênica ; esquerda – cólon descendente e sigmóide ; reto) e tipo macroscópico (granular e não-granular).

Variáveis:

Objetivo principal: velocidade de dissecção (mm2/min)

Objetivo secundário: avaliação do tempo total de ESD, porcentagem de ressecção “en bloc”, ressecção completa, incidência de complicações (perfuração, sangramento, febre, dor abdominal) e volume de solução utilizada para injeção submucosa durante procedimento.

Resultados:

Foram randomizados 95 pacientes (48 para ESD convencional e 47 para ESD com túnel submucoso). Destes, quatro não foram analisados pois tiveram ressecção incompleta (um caso sem sucesso na ressecção e outros três em que foi utilizada alça para complementar a ressecção – algo como  “ESD em peace-meal”.  Avaliando sucesso técnico do procedimento, foi obtida taxa superior (97,9% x 93,8%) no grupo de ESD-TS, embora não tenha sido observada significância estatística.

Os grupos de pacientes randomizado se mostrou uniforme com taxas equivalentes em relação a dados demográficos, fibrose submucosa e grau de gordura no tecido submucoso.

  1. Velocidade de ressecção, tempo de procedimento e tipo de lesão

A velocidade de ressecção foi superior no grupo de ESD-TS em relação à ESD convencional tanto para lesões granulares (21,6 x 19,3 mm2/min, p=0,1) quanto não-granulares (19,3 x 14,4mm2/min, p=0,001). O tempo total de procedimento foi consideravelmente menor no grupo de ESD-TS em relação à ESD convencional tanto para lesões granulares (26min x 45min ; p=0,018) quanto para lesões não granulares (30min x 40min, p=0.058) .

  1. Localização lesão
    Em cólon direito houve maior velocidade de ressecção com ESD-TS (18,8 x 14,3 mm2/min) e menor tempo de procedimento (31 x 39min), ambos com significância estatística. Em cólon esquerdo observou-se padrão semelhante enquanto não houve diferença significativa nas ressecções em reto.
  2. Outros
    As taxas de ressecção “en bloc” e ressecção completa foram de 100% ambas técnicas de ESD, sem casos de perfuração. Foram observados três casos de sangramento tardio (6,7%) em ambos grupos, 1 caso (2,2%) de dor abdominal/febre em cada grupo.

Considerações:

A técnica convencional de ESD  possui benefícios inegáveis na remoção de tumores superficiais do cólon e reto, com elevada taxa de sucesso e baixa morbidade porém é tecnicamente difícil, sendo habitualmente bastante trabalhosa e com tempo prolongado de procedimento. Após o desenvolvimento das técnicas de miomectomia endoscópica (POEM) foi idealizada uma modificação das técnicas convencionais de ESD utilizando o túnel submucoso como alternativa à ressecção da lesão.

Os autores do estudo citam benefícios do uso do túnel submucoso com destaque para maior estabilidade do aparelho durante o procedimento uma vez que o mesmo fica “ancorado” no túnel, havendo pouca interferência de pulsação e movimento respiratório do paciente. Nas técnicas convencionais de ESD é notória a necessidade de maior manipulação/movimentação do aparelho para poder ressecar todas a base da lesão. Outras vantagens são citadas em relação ao uso de solução salina durante a dissecção como redução do embaçamento da lente / fumaça causada pelo eletrocautério; maior ângulo de visão causado pelo índice de refração da água.

Vale ressaltar que todos os procedimentos de ressecção deste estudo foram executados por um médico bastante experiente, com mais de 500 casos de ESD, realizando ressecção de adenomas/adenocarcinomas de 2-5cm por técnica convencional de ESD em 40-45 min e ESD por túnel submucoso em 26-30min. A taxa de complicação de um profissional com essa experiência é muito baixa sendo razoável imaginar que os resultados possam ser ainda mais expressivos com profissionais menos experientes ou em treinamento.

Uma limitação do método está no calibre do aparelho utilizado, que é pediátrico, com calibre semelhante ao de um gastroscópio padrão, de pouca disponibilidade na maior parte dos centros de endoscopia.

Não tenho experiência significativa em procedimentos de ESD ou POEM porém acompanho com frequência nos simpósios, congressos e cursos ao vivo e realmente tenho a impressão do aparelho se manter mais estável durante os procedimentos de POEM que nos de ESD mesmo sabendo que seus propósitos são totalmente diferentes assim como as patologias que requerem estas terapêuticas. A impressão é de que a técnica de ESD por túnel submucoso pode tornar a ressecção endoscópica de lesões mais frequente, mantendo a adequada segurança.

 




Assuntos Gerais – Tuberculose Intestinal

A tuberculose intestinal (TBI) perfaz cerca de 2% dos casos totais de tuberculose. Por se tratar de uma doença endêmica no Brasil, o gastroenterologista e/ou endoscopista irá se deparar com a TBI em algum momento de sua prática médica.

O grande dilema da TBI é a dificuldade diagnóstica, uma vez que os sintomas são inespecíficos e podem mimetizar outras patologias tais como doença de Crohn e malignidades. Mesmo em locais endêmicos as taxas de erro diagnóstico são bem elevadas (em torno de 50 a 70%). Desta maneira, pacientes com TBI tem um atraso no diagnóstico e no início do tratamento específico, e ainda pode ser pior quando a terapia imunossupressora é erroneamente instituída no casos “Crohn-like”.

Na TBI o segmento mais frequentemente acometido é a região ileocecal, e isto é atribuído à maior abundância de tecido linfoide nesta região, além de ter uma maior estase de material fecal propiciando maior absorção e contato do bacilo com a mucosa intestinal. O cólon direito é o segundo local mais acometido e pode ser explicado pelo fato de o trânsito ser mais lento em relação ao delgado e com isso há uma maior exposição dos bacilos à mucosa colônica.

Os achados tomográficos que podem suspeitar de TBI são: espessamento de parede intestinal, linfadenopatia abdominal com necrose central, coleções intra-abdominais e inflamação peritoneal. A ressonância do abdome é útil para delimitar melhor a inflamação peritoneal. O USG pode ser utilizado para detectar estenoses de delgado, inflamações no omento e ascite.

O PPD e o quantiferon possuem baixa sensibilidade e especificidade. A histopatologia pode ser positiva em 54% dos casos e a confirmação microbiológica varia entre 18 a 50%.

A EDA não é útil para os casos de TBI. A colonoscopia é imprescindível com visualização direta da mucosa, avaliação de estenoses e/ou fístulas além de permitir realização de biópsias para histologia e cultura. Achados como ileíte ulcerada (ver imagem abaixo), úlceras transversais (ver imagem abaixo), acometimento da válvula ileocecal, pseudodivertículos levam a suspeição de TBI. O acometimento do cólon esquerdo, presença de úlceras longitudinais, úlceras aftosas e lesões salteadas falam mais a favor de doença de Crohn.

Tuberculose intestinal. À esquerda: Úlcera profunda circunferencial em íleo terminal. À direita: Úlcera transversal em cólon ascendente

 

A laparoscopia algumas vezes deve ser feita. É segura, efetiva e com sensibilidade de mais de 92% para o diagnóstico de TB com envolvimento peritoneal.

Algumas dicas para tentar diferenciar a TBI de uma DII são:

TB INTESTINAL D. CROHN
QUADRO CLÍNICO Comum ter febre baixa, sudorese noturna. Sintomas gerais menos comuns.

Hematoquezia é mais frequente

RADIOLOGIA Linfonodomegalia abdominal, ascite “Sinal do pente”: ingurgitamento vascular do mesentério
COLONOSCOPIA Úlceras circulares ou transversais, maior número de granulomas no anatomopatológico Úlceras predominantemente longitudinais e padrão de pedra de calçamento é mais típico

 

A TBI responde rapidamente à terapia antituberculosa e com isso pode prevenir complicações cirúrgicas. A obstrução intestinal é a complicação mais comum.  Estenoses < 12cm podem ser tratadas conservadoramente. Em até 11% dos casos pode ocorrer perfuração e com alta morbi-mortalidade.

O médico endoscopista precisa conhecer a tuberculose intestinal e ter noção das alterações endoscópicas sugestivas de TBI.  As lesões devem sempre ser biopsiadas com a finalidade de conseguir o diagnóstico pela anatomopatologia e/ou cultura.

Referências Bibliográficas

  • Kentley J et al. Trop Med Int Health. 2017 Aug;22(8):994-999
  • Limsrivilai Jet al. Am J Gastroenterol. 2017 Mar;112(3):415-427
  • Jia Yi MA. Journal of Digestive Diseases 2016; 17; 155–161
  • Pratapi Mouli V et al. Aliment Pharmacol Ther. 2017 Jan;45(1):27-36

 

 




QUIZ! Classificação JNET – Você acha que é bom o bastante?

Um grupo experiente incluindo 38 especialistas japoneses (Japan NBI Expert Team) se juntou para criar uma classificação utilizando NBI e magnificação para unificar as várias classificações existentes.

Desse encontro surgiu a classificação JNET que dividiu as lesões colorretais em 4 subtipos: 1; 2A; 2B (high e low) e 3 baseado nos padrões vascular e de superfície.

Baseado nessa classificação a histologia e a profundidade de invasão das lesões colorretais podem ser estimadas guiando a conduta terapêutica!

Se você quiser pode dar uma olhadinha no link abaixo para se preparar…

https://endoscopiaterapeutica.net/pt/classificacao/classificacao-endoscopica-de-cromoscopia-com-nbi-narrow-band-image-e-magnificacao-para-tumores-colorretais-proposta-pela-japan-nbi-expert-team-jnet/

Agora, se você acha que está preparado, é só rolar a tela e começar o super QUIZ abaixo!!!!

Link para saber mais sobre a classificação JNET 




Caso Clínico – Espiroquetose Intestinal

 

Paciente, masculino, 45 anos, HIV + há cerca de 20 anos, relata ter interrompido o uso de anti-retrovirais há 6 meses por conta própria.

Queixa-se de diarreia associada a episódios de enterorragia nos últimos 2 meses.

Foi encaminhado ao nosso serviço para realização de colonoscopia que evidenciou em cólon sigmoide, múltiplas erosões planas e desnudas esparsamente distribuídas sobre mucosa edemaciada e medindo entre 2-3 mm. Ainda em sigmoide notou-se a presença de lesões polipoides, com tamanhos em torno de 4-8 mm, avermelhadas e com erosões apicais.

Seguem as imagens:

Realizamos múltiplas biópsias que mostraram colite crônica com componente erosivo e hiperplasia folicular linfóide com presença de estruturas consistentes com espiroquetose intestinal.

 

Revisão:

  • A espiroquetose intestinal é definida histologicamente como a presença de microrganismos da família spirochetaceae ligadas ao ápice das células do epitélio cólico.
  • A doença pode ser provocada por um grupo heterogêneo de bactérias. Em humanos, a Brachyspira aalborgi e a Brachyspira pilosicoli predominam.
  • A incidência da colonização intestinal por espiroquetas varia de 1% nos países desenvolvidos a até 34% nas áreas mais pobres, atingindo taxas de colonização de 62,5% entre homossexuais e em pacientes portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV).
  • O significado clínico dessa colonização ainda é incerto e a maioria dos infectados permanece assintomática.
  • Quando há sintomas gastrointestinais, o tratamento mais utilizado e efetivo é feito com metronidazol na dose de 500 mg 3 vezes ao dia por 10 dias. Há relatos de séries de casos onde a clindamicina e macrolídeos foram utilizados com sucesso.
  • Manifestação de sintomas é mais comum em pacientes imunodeprimidos.
  • A infecção pelo Treponema pallidum deve ser excluída, pois os tratamentos são diferentes e as complicações por essa última são mais graves.

 

Acentuamento da borda em escova, que assume aspecto felpudo à histologia

 

Referências

  1. Bechara C. S. et al. “ESPIROQUETOSE INTESTINAL ‐ RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA.” Journal of Coloproctology vol. 38 (2018); 68. doi.org/10.1016/j.jcol.2018.08.144

2. Nadal, Luis Roberto Manzione, & Nadal, Sidney Roberto. (2011). Intestinal spirochetosis. Journal of Coloproctology (Rio de Janeiro)31(4), 405-406.

 




Journal Scan – Endocuff/ Alça a frio/ Recidiva pós-ressecção endoscópica

Selecionamos 3 artigos das principais revistas endoscópicas para discussão:

 

Effect of Endocuff use on colonoscopy outcomes: A systematic review and meta-analysis

Konstantinos Triantafyllou, Paraskevas Gkolfakis, Georgios Tziatzios, Ioannis S Papanikolaou, Lorenzo Fuccio, and Cesare Hassan 

CENÁRIO

Endocuff – um dispositivo plástico com projeções flexíveis montado na ponta do colonoscópio, promete melhorar a inspeção mucosa no cólon.

OBJETIVO

Estudar o efeito do Endocuff na taxa de detecção de adenomas (ADR), detecção de adenomas avançados (AADR) e no número médio de adenomas por colonoscopia (MAC).

MÉTODO

Buscas na literatura identificaram trials randomizados controlados avaliando colonoscopias com Endocuff (Endocuff assisted colonoscopy – EAC) vs colonoscopia convencional (CC) quanto a ADR, AADR e MAC. O tamanho de efeito no desfecho do estudo foi calculado a partir de modelo de efeito fixo ou aleatório e foi demonstrado como risco relativo (RR) [intervalo de confiança (CI) de 95%] e diferença média (MD) (95% CI). A taxa de necessidade de remoção do Endocuff também foi calculada.

RESULTADOS

Identificamos nove estudos incluindo 6038 pacientes. Todos incluíram população mista (rastreamento, seguimento e exames diagnósticos). Sete estudos avaliaram a primeira, e dois avaliaram a segunda geração do dispositivo. EAC foi associada a aumento da ADR quando comparada à CC [RR (95%CI):1.18 (1.05-1.32);Ι2 = 71%]; EAC beneficiou mais endoscopista com ADR ≤ 35% comparados aqueles com ADR > 35% [RR (95%CI): 1.37 (1.08-1.74); Ι2 = 49% vs 1.10 (0.99-1.24); Ι2 = 71%]. Quanto a AADR e MAC, não foi observada diferença entre EAC e CC [RR (95%CI): 1.03 (0.85-1.25); Ι2 = 15% e MD (95%CI): 0.30 (-0.17-0.78); Ι2 = 99%]. A análise de subgrupos não mostrou qualquer diferença entre as duas gerações do dispositivo. Nos braços EAC do estudo, o dispositivo precisou ser removido em 3% (95%CI: 2%-5%) dos casos, principalmente devido a tortuosidade do sigmoide ou presença de divertículo no seu trajeto.

CONCLUSÃO

EAC aumentou a ADR comparada com CC, especialmente para endoscopistas com baixa ADR. Não foi observado efeito significante quanto a AADR e MAC.

Comentários:

Diversos trabalhos têm se ocupado de buscar maneiras de incrementar a ADR, uma vez que a taxa é o principal indicador de qualidade de serviços de colonoscopia e em última análise a real entrega da proteção oferecida pela colonoscopia na prevenção de CCR passa por uma ADR satisfatória. Nessa busca surgem desde recomendações técnicas, como revisão de segmentos do cólon, retrovisão em cólon direito e outros, além de dispositivos capazes de aumentar a detecção de lesões.

Este estudo compila achados de outros trabalhos comparando EAC com CC e aponta para melhor desempenho de EAC, supostamente pelo acessório auxiliar a visibilização da face proximal das haustrações do cólon. No entanto, essas conclusões deve ser observadas com reserva. Vale mencionar que, as variáveis extraídas dos estudos selecionados, não incluem tempo de retirada nos exames, seja em EAC ou CC. Embora ainda haja discussão sobre o assunto, acredita-se que um maior tempo de retirada do aparelho favoreça uma maior detecção de pólipos e, consequentemente, de adenomas. Não é possível afirmar, portanto, que a maior detecção associada ao uso do acessório não seja fruto de um exame com tempo de retirada mais longo imposto pela própria presença do Endocuff.

 

 

Risk factors for local recurrence and appropriate surveillance interval after endoscopic resection

Yoriaki Komeda, Tomohiro Watanabe, Toshiharu Sakurai, Masashi Kono, Kazuki Okamoto, Tomoyuki Nagai, Mamoru Takenaka, Satoru Hagiwara, Shigenaga Matsui, Naoshi Nishida, Naoko Tsuji, Hiroshi Kashida, and Masatoshi Kudo

CENÁRIO

Fatores de risco para recorrência local após polipectomia, mucosectomia (EMR), e dissecção endoscópica da submucosa (ESD) não estão definidos. Além disso, o intervalo apropriado para seguimento endoscópico de tumores colorretais com alto risco de recorrência local não estão estabelecidos.

OBJETIVO

Identificar as características clinico-patológicas de lesões recorrentes após ressecção endoscópica de tumor colorretal e determinar o intervalo apropriado.

MÉTODO

Trezentos e sessenta pacientes (1412 tumores colorretais) submetidos a polipectomias, EMR, ou ESD e foram seguidas por mais de 1 ano para identificação de recorrência local, foram incluídos no estudo. Os achados clinicopatológicos associados com recorrência local foram determinados via análises uni e multivariada.

RESULTADOS

Recorrência local foi observada em 31 dos 360 pacientes (8,6%) [31 das 1412 lesões (2.2%)] após ressecção de tumor colorretal. Ressecção em piecemeal, tamanho do tumor maior que 2 cm, e presença de componente viloso foram associados com recorrência local. Destes, ressecção em piecemeal foi identificada como fator de risco independente para a recorrência. Lesões ressecadas em mais de 5 fragmentos foram associadas a maior risco de recorrência com tempo médio de 3 meses entre a ressecção e a recorrência, nestes casos. O período de recorrência em casos ressecados em mais de 5 fragmentos foi mais curto que o daquelas ressecadas em menos de 4 fragmentos (3.8 ± 1.9 meses vs 7.9 ± 5.0 meses, P < 0.05).

CONCLUSÕES

Recorrência local de tumores colorretais tratados endoscopicamente depende de desfechos do primeiro procedimento. Ressecção em piecemeal foi o único fator de risco significante associado com recorrência local após ressecção endoscópica.

Comentários

Embora o estudo não tenha ineditismo sobre os fatores associados à recorrência local, seus achados, obtidos a partir de uma ampla casuística, estão alinhados com a literatura prévia e ajudam a cristalizar a importância do entendimento da lesão, no momento de definir a terapêutica endoscópica.

Já havia sido demonstrada a associação entre ressecção em piecemeal e o risco aumentado de recorrência local (PMID 25848926). Componente viloso da lesão e tamanho > 2 cm também foram apontados como fatores de risco para recorrência local na análise univariada, Adicionalmente, neste estudo, os autores observaram recorrência mais precoce na lesões ressecadas com > 5 fragmentos e embora reconheçam não ter havido critério único para o agendamento da colonoscopia de seguimento, trazem uma recomendação para esse follow-up.

Recommendation of interval before repeat colonoscopy.

Interval before a repeat colonoscopy
1-3 mo after piecemeal resection ≥ 5 pieces (high risk for recurrence)
4-6 mo after piecemeal resection ≤ 4 pieces (moderate risk for recurrence)
6 mo after en blocresection for cancer (low risk for recurrence)
≥ 12 mo after en bloc resection for adenoma (very low risk for recurrence)

Excerto de PMID 25848926

 

 

Cold snare endoscopic resection of nonpedunculated colorectal polyps larger than 10 mm: a systematic review and pooled-analysis

Viveksandeep Thoguluva Chandrasekar, MD, Marco Spadaccini, MD, Muhammad Aziz, MBBS1,2, Roberta Maselli, MD, PhD3, Seemeen Hassan, MD4, Lorenzo Fuccio, MD5, Abhiram Duvvuri, MD1,2, Leonardo Frazzoni, MD5, Madhav Desai, MD1,2, Alessandro Fugazza, MD3, Ramprasad Jegadeesan, MD1,2, Matteo Colombo, MD3, Chandra Skekhar Dasari, MD2, Cesare Hassan, MD, PhD6, Prateek Sharma, MD1,2, Alessandro Repici, MD3

CENÁRIO E OBJETIVOS

Polipectomia com alça diatérmica (hot snare polypectomy – HSP) e mucosectomia (EMR) são padrão na ressecção de pólipos colorretais ≥10 mm. Para evitar o risco de dano induzido por eletrocautério, surgem evidências recentes sobre o uso de polipectomia com alça e EMR a frio para essas lesões. O objetivo desta análise é relatar os desfechos de ressecções por alça a frio para pólipos > 10 mm.

MÉTODO

Os bancos de dados da PubMed/Medline, Embase, Google Scholar, e Cochrane foram consultados para identificar estudos, publicados até julho de 2018, que realizaram ressecções por alça a frio para pólipos colorretais ≥10 mm. Os desfechos primários foram eventos adversos (sangramento, perfuração e dor abdominal pós-polipectomia) e os secundários foram taxa de ressecção completa, taxas de pólipo residual, e taxas de adenomas versus pólipos sésseis serrilhados (SSPs). Análise de subgrupos foi realizada  considerando tamanho, localização da lesão e técnica de ressecção

RESULTADOS

Oito estudos foram incluídos na análise final, com 522 pólipos colorretais com tamanho médio de 17,5 mm (10-60). A taxa global de eventos adversos foi de 1,1% (95% CI. 0,2%-2,0%; I2 = 0%). As taxas de sangramento intra e pós-procedimento foram de 0,7% (95% CI, 0%-1.4%) e 0,5% (95% CI, 0,1%-1,2%), respectivamente, com taxa de dor abdominal de 0,6% (95% CI, 0,1%-1,3%).

Pólipos ≥20 mm tiveram taxa de sangramento intra-procedimento maior, de 1,3% (95% CI, 0,7%-3,3%) e taxa de dor abdominal de 1,2% (95% CI, 0, 7%-3,0%), mas sem sangramentos tardios. Não foram relatadas perfurações. A taxa de ressecção completa foi de 99,3% (95% CI, 98,6%-100%). Taxas agrupadas de pólipos residuais de qualquer histologia, adenomas, e SSPs foram 4,1% (95% CI, 0,2%-8,4%), 11,1% (95% CI, 4,1%-18,1%), e 1,0% (95% CI, 0,4%-2,4%), respectivamente, durante período de seguimento que variou de 154 a 258 dias.

CONCLUSÕES

Os resultados desta revisão sistemática e análise agrupada foram excelentes com ressecção com alça a frio de pólipos colorretais > 10 mm considerando as taxas de sangramento pós-polipectomia, ressecção completa e de pólipos residuais. Estudos controlados aleatorizados comparando ressecção a frio com alça diatérmica em pólipos > 10 mm são necessários para investigação adicional.

Comentários:

O estudo chama a atenção por demonstrar segurança e bons resultados na abordagem de lesão > 10 mm, ou até mesmo > 20 mm, sem a “proteção” da coagulação vascular instantânea ou mesmo da desvitalização de lesões residuais, oferecida pelo eletrocautério, algo a ser visto com reservas por muitos até algum tempo atrás.

 




Caso clínico: Doença de Crohn de íleo terminal e válvula ileocecal.

Paciente M.D., sexo feminino 36 anos. Diagnóstico de Doença de Crohn após falha de tratamento de fístula perineal complexa, de difícil controle clínico em 2014.
Em 2014, foi encaminhada para proctologista, que realizou colonoscopia, detecatndo ulcerações profundas em íleo terminal, deformidade de vávula íleocecal e leve proctite (figuras 1 a 5) As biópsias confirmaram padrão histológicos sugestivo de Doença de Crohn. Também foi realizada a época tomografia computadorizada, que evidenciou espessamento de segmento de cerca de 10 cm do íleo terminal.

Figura 1 :  Proctite Leve


Figura 2 : Proctite leve


Figura 3 : Íleite terminal com ulcerações


Figura 4 : Íleite terminal com ulcerações



Figura 5 : CecoFoi iniciado então terapia com Adalimumabe + Azatioprina e tratamento com seton da fístula, sendo que a paciente apresentou melhora clínica, com remissão e marcadores inflamatórios com melhora.
Em 2016,durante acompanhamento, foi detectado aumento de calprotectina fecal, sendo realizada nova colonoscopia, que demostrava recidiva da doença em íleo terminal, agora sendo possível apenas a avaliação dos primeiros centímetros do íleo terminal, já se notando estenose ileal e dificuldade de entrada na válvula íleocecal, por deformidade da mesma. (figuras 6 a 8).

Figura 6: Ceco


Figura 7 : Íleo Terminal


Figura 8 : Íleo Terminal


Devido a recidiva, optou-se por otimizar a dose de Adalimumabe semanal, mantendo o paciente bem ate junho de 2016.
Em dezembro de 2016, paciente apresentou novo aumento de calprotectina fecal, optando-se agora pela troca de medicamento em uso. Iniciou-se Infliximabe associado a azatioprina, mantendo-se o paciente em remissão. Uma colonoscopia realizada ao fim de 2017 mostrava agora um estenose em válvula íleocecal, não sendo possível avaliar o íleo terminal adequadamente (figuras 9 e 10).

Figura 10 : Estenose de válvula íleo cecal.


Figura 9 : Estenose de válvula íleo cecal.


 
Paciente se manteve assintomático, com remissão clínica e laboratorial até dezembro de 2018, quando começou a apresentar quadros de suboclusão e dor abdominal alguma horas após se alimentar. Nova colonoscopia confirmou o quadro de estenose de vávula ileocecal (figuras 11 a 13)

Figura 11: Ceco


Figura 12: Válvula ileocecal


Figura 13: Válvula íleocecal.


Assim, devido aos achados da colonoscopia, associado a sintomatologia, optou-se por realizar a dilatação de válvula íleocecal. Em tempo, paciente se recusou a realizar enteroressonância, por fobia, para avaliar outras possíveis estenoses ileais.
Para a dilatação, utilizou-se balão tipo C.R.E., guiado, estagiado nos tamanhos 12-13,5-15mm, preenchido com água, mantendo-se cerca de um minuto em cada estágio (três minutos no último estágio), sendo a dilatação repetida duas vezes antes da retirada do balão:

É possivel avaliar ao final do vídeo, que não havia doença ao nível da estenose, que era curta, e com nítida dilatação do íleo terminal a montante. Também se verifica a presença de grande úlceração isolada em íleo terminal, sugestiva de reativação da doença.
Hoje, passados dois meses da dilatação, paciente segue assintomática, tendo sido reajustada a dose de Infliximabe.
 
 
 




QUIZ !! Rastreio do câncer colorretal

 




TRANSPLANTE DE MICROBIOTA FECAL

O transplante de microbiota fecal (TMF) ou transplante fecal consiste na infusão de fezes de um doador saudável no trato gastrointestinal de um paciente que possua alguma doença relacionada a alteração da flora intestinal.

Os primeiros relatos de TMF são de 1700 anos atrás em que um médico chinês administrava suspensões de fezes humanas por via oral a pacientes com intoxicação alimentar e/ou diarreia grave. Em 2013 foi publicado na New England Journal of Medicine o primeiro estudo bem desenhado sobre o sucesso do TMF em infeções por Clostridium difficile e que a partir daí tem motivado inúmeros outros trabalhos relacionados ao tema.

A indicação formal do TMF atualmente é nas infecções recorrentes por Clostridium difficile com uma taxa de cura de até 90%.

Há estudos em andamento de TMF em outras doenças gastrintestinais (doença inflamatória intestinal, síndrome do intestino irritável) assim como em doenças endócrinas (obesidade, síndrome metabólica), neurológicas (Parkinson, esclerose múltipla), hematológicas (PTI, GVHD) e psiquiátricas (autismo).

Para o bom andamento do TMF é necessário uma equipe multidisciplinar (médico assistente quer seja o clínico, gastroclínico ou geriatra, infectologista e o endoscopista) alinhada e com protocolo bem estabelecido no serviço.

ETAPAS DO PROCEDIMENTO

  1. ESCOLHA DO DOADOR

O doador pode ser aparentado ou não. Este deverá passar por um screening infeccioso rigoroso e um questionário quanto a presença de outras doenças que possam inviabilizar a doação.

  1. COLETA, PREPARO E ADMINISTRAÇÃO DO MATERIAL

O doador deve chegar no laboratório do dia do procedimento e o tempo ideal entre a coleta das fezes e a infusão do material é de 6 horas. O peso fecal deve ser no mínimo de 50g e o volume total da suspensão é de 100 a 200ml, que será infundido a depender da rota escolhida. Há opção também de congelar o material mas é preferível a utilização de fezes frescas (vide imagem abaixo).

  1. ROTA DE ADMINISTRAÇÃO

Segundo os artigos publicados até o momento todas as 5 rotas estudadas apresentam resultados semelhantes. Desta maneira o TMF pode ser realizado por:

  • Endoscopia digestiva alta com sonda nasogástrica/nasoenteral
  • Enteroscopia anterógrada
  • Colonoscopia
  • Retosigmoidoscopia
  • Enema

O que vai determinar a escolha do método será a condição clínica do paciente e experiência do endoscopista. Na via alta é sugerido infundir no intestino delgado até 100ml lentamente através da sonda nasoenteral ou pelo próprio canal de acessório ou por um cateter spray. Na rota baixa sugere-se infundir a maior quantidade possível do material (média de 200ml) no íleo terminal e cólon direito.

  1. CUIDADOS PRÉ, PERI E PÓS TMF

O preparo do exame é o jejum adequado e nos casos de a rota escolhida ser baixa pode ser realizado preparo intestinal com solução de manitol ou polietilenoglicol.

Alguns cuidados podem ser tomados, no entanto ainda nada consensual, tais como:

  • Uso de inibidores de bomba de prótons
  • Uso de procinéticos
  • Uso de antidiarreicos (loperamida)

É preconizada a infusão de cerca de 100ml do material fecal de forma lenta quando utilizada a via alta ao passo que quando o TMF é feito por via baixa utilizam volumes pouco maiores (cerca de 200ml).

  1. EVENTOS ADVERSOS

Os eventos adversos podem ocorrer em até 30% dos casos sendo geralmente nas primeiras 48 horas pós procedimento e tratados conservadoramente. Os mais comuns são febre, diarreia, cólicas abdominais e eructações. Já foram descritos casos raros de óbito por regurgitação com broncoaspiração do material fecal e perfuração por megacolon tóxico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até o momento a única indicação do TMF com evidência científica comprovada é nas infecções graves por Clostridium difficile. Por conta do aumento na incidência e morbimortalidade relacionada a infecção pelos C difficile o transplante de microbiota fecal tem sido um boa opção terapêutica nos casos selecionados. No Brasil ainda não há um regimento bem definido para o procedimento e são poucos centros que tem feito o TMF. No entanto com as descobertas recentes da influência da microbiota intestinal na resposta imune, pode ser que no futuro novas indicações surjam e o TMF seja um procedimento largamente utilizado no nosso país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Bennet JD, et al. Lancet. 1989 Jan 21;1(8630):164.
  2. Zhang F, et al. Am J Gastroenterol. 2012 Nov;107(11):1755
  3. Van Nood E, et al. N Engl J Med. 2013 Jan 31;368(5):407-15
  4. Cammarota G, et al. Gut 2017;66:569–580
  5. Mullish BH, et al. Gut 2018;0:1–22
  6. Choi HH, et al. Clin Endosc. 2016 May;49(3):257-65



SANGRAMENTO TARDIO PÓS-MUCOSECTOMIA DE CÓLON. SERÁ QUE PODEMOS EVITAR ESSE DRAMA?

Introdução

A mucosectomia é um procedimento endoscópico amplamente realizado em todo o mundo para o tratamento de lesões superficiais do TGI.  Consiste basicamente na injeção submucosa de fluidos para elevação da lesão, seguida do corte e consequente remoção da mesma usando alças diatérmicas.

A grande maioria desses procedimentos é realizada de forma ambulatorial, com altas taxas de sucesso e baixa incidência de complicações imediatas e tardias. As complicações mais comuns são o sangramento, perfuração e a síndrome pós-polipectomia, de injúria térmica dos tecidos.

Sangramento

O sangramento é o evento adverso tardio mais comum associado ao procedimento de mucosectomia de cólon, com uma incidência que varia entre 2 e  10%. Na maioria das vezes ocorre até 7 dias após  a mucosectomia, com alguns autores descrevendo sangramento até 30 dias após o procedimento.

Os sangramentos tardios geralmente são de grande monta e podem acarretar consequências clínicas importantes como choque hipovolêmico e instabilidade hemodinâmica, com necessidade de admissão hospitalar, hemotransfusões, reintervenções endoscópicas e, por vezes, intervenção radiológica ou cirúrgica.

Um fato interessante em relação aos sangramentos tardios, é que não há nenhum tipo de profilaxia com eficácia comprovada, para sua prevenção. Será que existem meios para prever os quadros de sangramento pós mucosectomia  e, dessa maneira, evitar esses eventos?

Fatores de risco para sangramento

Vários autores em diferentes países vêm fazendo esses mesmos questionamentos e vamos fazer aqui uma compilação dos estudos mais recentes.

No passado, vários fatores foram relacionados aos quadros de sangramento tardio, como por exemplo, ocorrência de sangramento imediato, tamanho e localização das lesões, uso de antitrombóticos, experiência do endoscopista, técnica de mucosectomia utilizada, dentre outros.

Nos últimos anos, no entanto, diferentes grupos que se dedicam ao estudo de desfechos pós ressecções endoscópicas têm observado que o aspecto do leito de ressecção imediatamente após o procedimento é, talvez, o fator mais importante associado aos quadros de sangramento tardio.

A aparência dos leitos de ressecção pode variar bastante. Podemos ter leitos aparentemente “limpos” aonde é possível observar somente o aspecto das fibras submucosas, orientadas obliquamente, com aspecto areolar, que se cruzam no leito de ressecção. Essas fibras podem, por vezes, exibir corantes azuis (índigo carmine e azul de metileno) como mostrado na Figura 1.

Podemos, contudo, observar leitos de ressecção com inúmeras alterações como vasos visíveis, exibindo diferentes calibres, vasos seccionados, áreas de fibrose, exposição e lesões da camada muscular, além de estigmas de coagulação (Figura 2).

Kim e colaboradores mostraram em um estudo publicado em 2017, que envolveu 505 pacientes, que o aspecto alterado do leito de ressecção teve forte associação com episódios de sangramento tardio (que ocorreu em 2,7% dos casos do estudo). Os autores identificaram duas situações distintas, que mereceram destaque:

  • presença de estigmas ou injúrias por coagulação – graduadas em leve (sem estigmas), moderada (pequena quantidade de debris brancos no leito de ressecção) e acentuadas (debris brancos cobrindo o leito de ressecção)
  • presença de vasos visíveis e seccionados.

 

Lesões por coagulação acentuadas (OR 16,79 95% CI 1,82-145,55) e presença de vasos seccionados (OR 18,91 95% CI 3,10-115,18) foram as variáveis que associaram-se de forma independente a episódios de sangramento tardio.

Timothy Elliot e colaboradores, conduziram um estudo interessante que foi publicado em 2018 na Endoscopy, para investigar fatores envolvidos com sangramento tardio pós-mucosectomias. O estudo envolveu 330 pacientes, com uma taxa de sangramentos tardios de 6,7% (necessidade de internação hospitalar), sendo que metade dos pacientes internados precisaram de hemotransfusões.

Os autores destacaram que nenhuma variável clínica (gênero, idade, presença de comorbidades, uso de anti-trombóticos), ou associada à lesão (tamanho, localização, técnica utilizada para mucosectomia) teve associação com sangramento tardio. As variáveis que tiveram associação foram as alterações do leito de ressecção, como presença de fibras musculares expostas (p = 0,03) e presença de hematomas na submucosa (chamados pelos autores de “red spots” – p = 0,05). Essas duas alterações, de acordo com os autores, estão associadas a lesões térmicas  e mecânicas de vasos submucosos, o que eleva o risco de sangramento tardio.

Na edição de Março de 2019 da revista Gastrointestinal Endoscopy, foi publicado um artigo original do serviço de endoscopia do grupo de New South Wales de Sydney na Austrália, dedicado a descrever quais alterações observadas nos leitos de ressecção pós-mucosectomias, estariam relacionadas ao sangramento tardio.

O grupo, com grande experiência em mucosectomias colorretais, conduziu um estudo prospectivo que envolveu 501 lesões ressecadas em 501 pacientes, com uma taxa de sangramento tardio de 6% (30 casos).

Foi observada que a presença de três ou mais vasos visíveis no leito de ressecção, independente do calibre dos mesmos, foi um forte preditor de sangramento tardio (p=0,016) e que nenhuma outra característica do leito de ressecção (herniação de vasos, calibre, presença de fibrose, dentre outras) se correlacionou com sangramento tardio. Vasos submucosos visíveis foram mais frequentes em lesões de cólon esquerdo e, nessa localização os vasos eram mais calibrosos, numerosos e herniados, em relação a lesões ressecadas em cólon direito.

Como resultado dos procedimentos habituais de mucosectomia, temos a formação de um leito de ressecção que se assemelha a uma úlcera. A inspeção cuidadosa dessas úlceras artificiais, ou seja, desses leitos de ressecção, não faz parte das rotinas da maioria dos serviços e parece trazer informações preciosas em relação ao risco de sangramento tardio. Não há, até o momento, nenhuma recomendação estabelecida em relação a cuidados com leito de ressecção pós mucosectomias, diferente do que ocorre com ESD (dissecção submucosa).

A avaliação das alterações nos leitos de ressecção (presença de vasos, aspecto e quantidade de vasos, além da presença de estigmas de coagulação), pode ser extremamente útil para guiar medidas preventivas de sangramento instituindo rotinas para o uso racional de clipes endoscópicos, de coagulação com plasma de argônio, dentre outros. A adoção da prática de inspeção detalhada dos leitos de ressecção pode, ainda, melhorar um aspecto pouco valorizado no Ocidente: a documentação fotográfica sistemática e adequada dos procedimentos realizados.

Essas medidas têm potencial para reduzir o impacto do sangramento tardio, tanto em termos de repercussões clínicas para os pacientes, quanto em termos de custos para o sistema de saúde.

REFERÊNCIAS:

Gwang-Un Kim, Myeongsook Seo, Eun Mi Song, et al. Association between the ulcer status and the risk of delayed bleeding after the endoscopic mucosal resection of colon J Gastroenterol Hepatol.2017 32(11):1846-1851.

Timothy R. Elliott, Zacharias P. Tsiamoulos, Siwan Thomas-Gibson et al. Factors associated with delayed bleeding after resection of large nonpedunculated colorectal polyps. Endoscopy 2018 50(8): 790-99.

Lobke Desomer, David J. Tate, Farzan F. Bahin et al. A systematic description of the post-EMR defect to identify risk factors for clinically significant post-EMR bleeding in the colon. Gastrointest Endosc 2019 89(3): 614-24.

 

Fotos para discussão

 

EMR 1

EMR 2

 




Artigos comentados – Março 2019

 

Bom dia a todos! Vamos iniciar o mês de março com uma pequena seleção de artigos científicos publicados recentemente que acredito ser de interesse de muitos colegas. Foi difícil filtrar e escolher apenas 3 artigos dentro de vários interessantes que saíram ultimamente. Boa leitura!

 

ARTIGO 1: Erradicação completa do Barrett deve ser o objetivo da terapia endoscópica

 

A Terapia Endoscópica de Barrett é cada vez mais utilizada para o tratamento de displasia e adenocarcinoma intramucoso. O tratamento ideal é a ressecção endoscópica (mucosectomia ou ESD) podendo ser combinada com ablação por radiofrequência ou APC-híbrido do epitélio remanescente.

Embora o objetivo seja alcançar a erradicação completa da metaplasia intestinal (ER-MI), a terapia endoscópica, algumas vezes, só é capaz de alcançar a erradicação completa da displasia (EC-D), permanecendo ainda focos de MI no epitélio remanescente.

Nesta meta-análise de 40 estudos (n = 4410) com 12.976 pacientes-anos de acompanhamento total, Sawas et al avaliaram o risco de recorrência de displasia após EC-D versus após ER-MI.

A recidiva de displasia foi relatada em 274/4061 (5%) dos pacientes que obtiveram ER-MI versus 58/349 pacientes (12%) daqueles que atingiram EC-D (RR 2,8).

Da mesma forma, a recorrência de HGD / câncer foi significativamente maior naqueles pacientes que alcançaram apenas EC-D (6%) versus ER-MI (3%; IC95%: 2-4%) (RR 3,6). Nos estudos que relataram a localização anatômica das recidivas, a maioria deles (77%) localizava-se na região da junção gastroesofágica.

Comentário: A erradicação completa de todo o esôfago de Barrett deve ser o objetivo da terapia endoscópica. Qualquer metaplasia intestinal residual que persista tem o potencial de progressão neoplásica. A maioria das recidivas ocorre na região da junção gastroesofágica, e esta área deve ser cuidadosamente examinada durante a endoscopia de vigilância pós ressecção/ablação endoscópica.

 

Sawas T, Alsawas M, Bazerbachi F, et al. Persistent intestinal metaplasia after endoscopic eradication therapy of neoplastic Barrett’s esophagus increases the risk of dysplasia recurrence: meta-analysis. Gastrointest Endosc 2018 Dec 7. (clique no link: https://doi.org/10.1016/j.gie.2018.11.035)

 

 

ARTIGO 2: Retrovisão no cólon ascendente versus segundo exame na visão frontal: resultados de uma meta-análise

 

  • Lesões no cólon direito são frequentemente perdidas durante o exame padrão de colonoscopia.
  • Estudos mostraram que a retrovisão no cólon ascendente pode aumentar a taxa de detecção de adenomas. Outros estudo mostraram que um segundo exame na visão frontal também é capaz de aumentar esses índices.
  • O objetivo desta meta-análise foi comparar as taxas de perda de adenoma e as taxas de detcção de adenoma entre os dois métodos.
  • Foram selecionados 4 estudos com 1882 pacientes.
  • As taxas de perda de adenoma no cólon direito variaram de 8-13% e não houve diferença entre as duas técnicas com relação a essa taxa.
  • O segundo exame de visão frontal no cólon direito aumentou a TDA em 10% (p<.01)
  • A retrovisão no cólon ascendente aumentou a TDA em 6% (p<.01)

 

Comentários: O exame cuidadoso do cólon direito é fundamental para não deixar passar desapercebido lesões sésseis neste segmento. Em especial, os adenomas serrilhados são lesões difíceis de diagnosticar devido sua natureza plana e muito semelhante à mucosa normal adjacente. Limpar as secreções, tirar as bolhas com simeticona, olhar atrás das pregas e finalmente, associar uma destas duas técnicas (ou ambas) pode aumentar sua taxa de detecção de adenomas.

 

Increasing adenoma detection rates in the right side of the colon comparing retroflexion with a second forward view: a systematic review. Madhav Desai, Mohammad Bilal, Nour Hamade, et al. Gastrointest Endosc 2019, Mar .(Clique no link: https://doi.org/10.1016/j.gie.2018.09.006)

 

ARTIGO 3: Biópsias de LST colorretais aumentam fibrose e podem dificultar a ressecção

 

Estudo retrospectivo realizado no Hospital Universitário de Osaka comparou os achados de fibrose submucosa em lesões de crescimento lateral (LSTs) com biópsias prévias versus sem biópsias prévias.

A realização de biópsias previamente à ressecção dobrou o índice de fibrose submucosa severa (20% vs 10% – p=.03).

Não houve diferença entre os grupos com relação ao desfecho do tratamento, ou seja, ressecção completa em bloco e eventos adversos.

Comentários: a propedêutica endoscópica pré-operatória talvez seja um dos maiores desafios para o colonoscopista. Avaliar a lesão com uso de corantes, examinar detalhadamente sua superfície (de preferência com magnificação de imagens) e decidir a melhor estratégia de ressecção é tarefa que exige dedicação e experiência do endoscopista.

Não raramente recebemos pacientes cuja colonoscopia prévia foram feitas múltiplas biópsias! Sinceramente não vejo um bom motivo nem para fazer um único fragmento de biópsia, quanto mais múltiplas. O fato de vir adenocarcinoma no fragmento de anátomo não é contraindicação para ressecção endoscópica. Da mesma forma, o resultado de adenoma de baixo grau ou de alto grau não garante que em alguma outra região da lesão não possa se esconder um adenocarcinoma invasivo.

Não há nada de errado em estudar a lesão, documentar bem e não mexer na lesão num primeiro momento, deixando para decidir com calma posteriormente, conversando com paciente e familiares sobre a melhor estratégia terapêutica, seja por via endoscópica em caráter ambulatorial, ou internado no centro cirúrgico, ou mesmo decidir pela cirurgia.

Embora este estudo não tenha demonstrado impacto negativo nos resultados da ressecção pela fibrose, não podemos nos esquecer que se trata de um centro japonês avançado com alta expertise em ESD. Certamente esses resultados não podem ser extrapolados para centros ocidentais com baixo volume de terapêutica.

Fukunaga S, Nagami Y, Shiba M, et al. Impact of preoperative biopsy sampling on severe submucosal fibrosis on endoscopic submucosal dissection for colorectal laterally spreading tumors: a propensity score analysis. Gastrointest Endosc. 2019 Mar;89(3) (clique no link: https://doi.org/10.1016/j.gie.2018.07.032)