Como melhorar sua taxa de detecção de adenoma com técnicas não-tecnológicas

A colonoscopia é o exame padrão ouro para detecção e prevenção do câncer colorretal (CCR). Quanto maior a taxa de detecção de adenoma (ADR – adenoma detection rate) do endoscopista, menor a taxa do CCR de intervalo. As técnicas empregadas pelo endoscopista durante a realização da colonoscopia estão relacionadas com sua ADR. Endoscopistas com altas ADR possuem técnicas minuciosas para realização do exame, especialmente durante a retirada do aparelho. 

Em maio de 2023, foi publicado no World Journal of Gastrointestinal Endoscopy um artigo interessante que resumiu as evidências de técnicas simples durante a colonoscopia e seus efeitos na ADR: tempo mínimo de retirada do aparelho, mudar o paciente de posição e retrovisão no cólon direito. Ei-las:

Tempo de retirada do aparelho

O tempo de retirada é o tempo que o endoscopista leva para avaliar a mucosa do ceco ao canal anal após a intubação cecal. Uma boa técnica de retirada envolve inspeção cuidadosa atrás de dobras e flexões, distensão adequada da luz do cólon, lavagem da mucosa e aspiração de todo excesso de líquido e resíduo fecal. Endoscopistas que realizam colonoscopias de alta qualidade provavelmente levam mais tempo realizando essas manobras – o que aumenta seu tempo de retirada. 

Atualmente, o tempo mínimo para retirada do aparelho em programas de rastreamento é 6 minutos, que é suficiente para detectar adenomas avançados. Um estudo sugeriu que aumentar esse tempo para 6 – 10 minutos pode aumentar a detecção de adenomas menores e lesões do cólon direito. As lesões adenomatosas do cólon direito são mais difíceis de detectar. Elas podem ser mais planas e progridem mais rapidamente para CCR. Passar mais tempo avaliando a mucosa durante a retirada, porém sem realizar manobras como exames repetidos dos segmentos do cólon e distensão adequada da luz do órgão podem não aumentar a ADR. 

Lesões serrilhadas sésseis, por sua própria aparência, são mais difíceis de detectar. A maioria dos estudos que avaliaram o tempo mínimo de retirada não abordaram a detecção de lesões serrilhadas sésseis. Porém dois estudos relataram que a taxa de detecção destas lesões também aumenta com o aumento do tempo de retirada. 

Uma meta-análise recente mostrou um aumento na ADR com tempo de retirada de 9 minutos, quando comparado a retirada de 6 – 9 minutos. Porém, aumentar o tempo de retirada somente, sem adoção de outras técnicas para melhorar a avaliação da mucosa, provavelmente não será tão eficaz no aumento da ADR.

Será que o tempo de retirada é uma técnica que aumenta a ADR ou endoscopistas com boas técnicas de colonoscopia (o que aumenta a ADR) levam mais tempo para retirar o aparelho?

Mudar o paciente de posição

Uma manobra essencial na técnica de colonoscopia é a adequada distensão da luz durante a retirada do aparelho. Mudar o paciente de posição neste momento leva o ar para uma posição mais alta, movimentando o líquido e facilitando a distensão. Porém a mudança de decúbito do paciente na retirada não é uma técnica realizada de rotina, ficando comumente a critério do endoscopista. 

A mudança de posição dinâmica durante o exame é realizada da seguinte maneira: decúbito lateral esquerdo para avaliação do ceco, cólon ascendente e ângulo hepático; posição supina para o cólon transverso; e decúbito lateral direito para o ângulo esplênico, cólon descendente e cólon sigmoide. 

Um estudo controlado, randomizado e multicêntrico com 1.072 pacientes – o maior até agora comparando a posição dinâmica com manter o paciente na mesma posição durante a retirada – mostrou significativo aumento na ADR na posição dinâmica (42,4%) quando comparado com o grupo na posição decúbito lateral esquerdo (33%). Este estudo mostrou ainda que os endoscopistas com uma ADR mais baixa (<35%) tiveram um aumento significativo em sua ADR com a posição dinâmica em comparação com endoscopistas com ADR mais altas (>35%). 

Um outro estudo que randomizou 776 pacientes para “mudança de posição que o endoscopista realiza habitualmente” ou para posição dinâmica não mostrou aumento na ADR dos endoscopistas. Este estudo foi único pois, ao contrário dos outros, a retirada do grupo controle não ficava limitada somente ao decúbito lateral esquerdo – e sim à mudança que o endoscopista julgasse necessária.

Um meta-análise recente mostrou que a mudança de posição dinâmica durante a retirada aumenta a ADR. As recomendações da meta-análise para adoção da mudança de posição foram: decúbito lateral esquerdo para o cólon direito, supina para o cólon transverso e decúbito lateral direito para o cólon esquerdo.

A mudança de posição dinâmica durante a colonoscopia pode melhorar a ADR dos endoscopistas – porém com evidências ainda conflitantes.

Retrovisão no cólon direito

Acredita-se que a retrovisão no cólon direito aumente a detecção de pólipos em pontos cegos. A colonoscopia deixa de detectar mais lesões no cólon direito que esquerdo, possivelmente porque estes pólipos não são vistos atrás das pregas e flexuras. Há ainda o fato que os endoscopistas tem dificuldade de detectar lesões serrilhadas sésseis, que são mais comuns no cólon direito. 

A retrovisão no cólon direito é uma manobra fácil de realizar, com taxa de sucesso variando de 82 a 96% e baixo índice de complicação. 

Em um estudo controlado e randomizado, 850 pacientes foram randomizados para uma segunda avaliação no cólon direito na visão frontal ou na retrovisão. Não houve diferença significativa na ADR entre as duas formas no segundo exame. 

Um outro estudo observacional com 1.020 pacientes avaliou a retirada de 3 examinadores no cólon direito: 2 em visão frontal e um terceiro em retrovisão. Houve aumento estatisticamente significativo na ADR na retirada em retrovisão em comparação com as retiradas em visão frontal combinadas. Porém os examinadores fizeram uso de cap no colonoscópio, sendo este então um fator confundidor. 

Um outro estudo controlado, randomizado e multicêntrico com 692 pacientes que repetiram a avaliação do cólon direito em visão frontal e retrovisão não mostrou diferença significativa entre os tipos de retirada. Houve aumento na detecção de lesões serrilhadas sésseis no segundo exame, também sem diferença significativa entre a visão frontal e a retrovisão. Esse estudo corrobora as evidências que uma segunda avaliação do cólon direito aumenta a ADR, qualquer que seja a forma de retirada adotada – visão frontal ou retrovisão.

Uma meta-análise recente mostrou que a detecção adicional de adenomas foi menor em retrovisão em 4 estudos controlados e randomizados do que na visão frontal. Esta meta-análise mostrou ainda que, em 6 estudos observacionais, a ADR foi maior em exames cominados com retrovisão (duas avaliações: visão frontal e retrovisão) que em uma única retirada em visão frontal ou ainda dupla avaliação em visão frontal.

As evidências sugerem que o endoscopista deve considerar uma segunda avaliação do cólon direito durante a colonoscopia. Mais informações são necessárias antes que se recomende que a segunda avaliação deva ser feita em retrovisão.

Referências:

Rajivan R, Thayalasekaran S. Improving polyp detection at colonoscopy: Non-technological techniques. World J Gastrointest Endosc 2023; 15(5): 354-367

DOI: https://dx.doi.org/10.4253/wjge.v15.i5.354

Como citar este artigo

ARRAES L. Como melhorar sua taxa de detecção de adenoma com técnicas não-tecnológicas Disponível em: Endoscopia Terapeutica 2023, vol. 1. endoscopiaterapeutica.net/pt/como-melhorar-sua-taxa-de-deteccao-de-adenoma-com-tecnicas-nao-tecnologicas/




QUIZ ! Classificação DICA

Paciente feminina, 82 anos, com antecedente de doença diverticular, realizou colonoscopia por queixa de dor abdominal esporádica em baixo ventre, com cerca de 4 episódios em um mês. À colonoscopia, observou-se a presença de divertículos em cólon esquerdo e direito, presença de áreas de enantema peridiverticular e na mucosa entre os divertículos, e ao menos 20 divertículos em sigmoide. Não houve dificuldade para a progressão ou retificação do aparelho.

Saiba mais sobre doença diverticular neste post do Gastropedia




“Fechando a questão” com clipes tipo “Over the Scope”. Casos clínicos (com vídeos) e revisão da literatura.

Os clipes tipo “over the scope” têm a capacidade de apreender áreas mais amplas com maior força e atingindo camadas mais profundas da parede do trato digestório, como a camada muscular própria. Por estas características têm sido usados para fechamento de defeitos como perfurações e fístulas e também, para fechamento de leitos de ressecções. Além disso podem ser usados para fixação de stents e outros dispositivos. 

Recentemente alguns autores e mesmo diretrizes de sociedades como a ESGE têm advogado seu uso para hemostasia do TGI, em casos de ressangramento e sangramento persistente. A maior parte dos estudos trata do uso dos clipes “over the scope” no manejo de úlceras pépticas. No entanto há interesse crescente em seu uso para o sangramento do TGI inferior.

Há dois tipos de clipes “over the scope” disponíveis: o OTSC® clip (Ovesco Endoscopy AG, Tübingen, Germany) e o clipe Padlock (Steris Corporation)

Nesta publicação vamos postar dois casos clínicos (com vídeos) em que os clipes foram utilizados com funções distintas: para o fechamento de uma fístula gastrocutânea persistente pós GTT e para hemostasia de cólon. À seguir há uma revisão da literatura existente.

Caso 1 – Fistula gastrocutânea persistente pós GTT

Paciente do sexo feminino, com 69 anos, portadora de neoplasia renal metastática, em vigência de tratamento quimioterápico. Paciente evoluindo com disfagia, inapetência e comprometimento importante do estado geral. Equipe de oncologia clínica indicou realização de GTT, realizada em junho de 2020. Paciente evoluiu com BBS (“Buried Bumper Syndrome”) precoce e o manejo realizado na ocasião foi o reposicionamento da sonda com sucesso (Figura 1).

Figura 1. Imagens endoscópicas da realização da GTT (imagens da fileira superior) e aspecto endoscópico do BBS precoce (imagens da fileira inferior)

No mês de Setembro de 2020 a paciente evoluiu com perda da GTT e na ocasião foi realizada troca por sonda de baixo perfil tipo button. Em outubro de 2020 a paciente iniciou um vazamento peri GTT importante associado a dermatite e, na ocasião foi optado pela remoção da sonda de GTT (Figura 2).

Figura 2. Aspecto do abdome da paciente com dermatite e grande vazamento por fístula gastrocutânea pós GTT.

No início de Dezembro de 2020 o orifício da GTT ainda persistia aberto, e a primeira tentativa de manejo endoscópico foi realizada com escarificação do trajeto e uso de clipes convencionais, no entanto, não foi um procedimento que obteve sucesso no fechamento do orifício (Figura 3). 

Figura 3. Primeira tentativa de manejo da fístula gastrocutânea persistente com uso de clipes endoscópicos convencionais

No final de Dezembro optado por fechamento do orifício com uso de clipe Padlock (vídeo). A paciente teve boa evolução pós procedimento com parada de saída de secreção gastroentérica pelo orifício da GTT além de melhora expressiva da dermatite. A figura 4 mostra o aspecto endoscópico e abdominal quatro meses após o procedimento.

Figura 4. Aspecto endoscópico e do abdome da paciente quatro meses após a instalação do clipe Padlock para o tratamento da fístula gastrocitânea persistente.

A Gastrostomia Endoscópica Percutânea (GEP) ou GTT é um procedimento extremamente comum nas rotinas endoscópicas e usualmente indicado para pacientes que necessitam de uma via nutricional alternativa, de médio e longo prazos. Após a remoção da sonda o orifício da gastrostomia geralmente fecha de forma espontânea em até 48-72h.

Nas situações em que o orifício não fecha após 4 semanas temos a chamada fístula pós GTT. Além dos problemas fisiológicos, bioquímicos (dermatite) e eventualmente infecciosos, a fístula gastrocutânea persistente promove sofrimento psicológico para os pacientes. O tratamento pode incluir desde abordagens mais simplificadas, com a remoção de debris e escarificação do orifício associada ao uso de clipes endoscópicos comuns até mesmo o tratamento cirúrgico com gastrorrafia. Outras opções incluem uso de adaptações da sutura endoscópica, trocartes de sutura, plugs de fístula e o uso de clipes tipo “over the scope”. 

Há dados escassos na literatura em relação ao tratamento endoscópico das fístulas gastrocutâneas persistentes pós GTT. O uso do clipe Padlock propiciou o fechamento da fístula com segurança, por meio minimamente invasivo.

Caso 2 – Sangramento digestivo baixo por ectasia vascular

Paciente do sexo feminino, 59 anos, com histórico de enterorragias de repetição, com necessidade de hemotransfusões, apresentando Hb 9,0 mg/dl. A paciente foi submetida a colonoscopia e TC de abdome com o achado de uma ectasia vascular na topografia do cólon descendente (Figuras 5 e 6). A paciente não relatava uso recente de AINEs.

Figura 5. Aspecto da ectasia vascular observado durante colonoscopia
Figura 6. Exame de tomografia computadorizada abdominal mostrando ectasia vascular na topografia do cólon descendente.

Optado por uma primeira tentativa de abordagem da ectasia vascular com uso de clipe endoscópico convencional sem sucesso, com recidiva do sangramento. Optado, então por tratamento de resgate usando o clipe tipo “over the scope” Padlock (vídeos). O tratamento foi bem sucedido e houve recuperação dos níveis de hemoglobina sem recidiva do sangramento no período de seguimento (15 meses).

Como explicitado no início do texto, os clipes tipo “over the scope” devido ás suas características, se tornaram mais populares no manejo de defeitos da mucosa como perfurações agudas ou fístulas. O papel desses clipes na hemostasia mecânica do TGI vem ganhando interesse recente.

David Villaescusa Arenas e colaboradores avaliaram o uso desses dispositivos em uma análise retrospectiva de onze casos de sangramento por úlcera péptica recidivante ou persistente.  Os autores observaram 81,9% de sucesso técnico e 88,9% de sucesso clínico por protocolo, sem efeitos adversos. 

A ESGE e ACG já colocam os clipes tipo “over the scope” como alternativas para o resgate em caso de hemorragia de difícil controle ou recidivante, com bons resultados no que diz respeito às taxas de ressangramento.

Shannon Chan e Phillip Chiu conduziram um estudo clínico randomizado e multicêntrico internacional muito interessante e levantaram uma pergunta clínica instigante: seriam os clipes tipo “over the scope” opções interessantes para o tratamento primário das úlceras pépticas de grandes dimensões (> 1,5 cm)? Os autores compararam os desfechos entre pacientes tratados de forma convencional e com clipes tipo “over the scope”. Não houve diferença entre os grupos em relação às taxas de ressangramento (p=0.23 IC 95% 0.61-6.34) mortalidade (p=0.68 IC 95% 0.37-11.95), na permanência hospitalar ou na necessidade de hemotransfusão. Os autores fizeram ressalvas em relação à curva de aprendizagem para aplicação desses clipes e no eventual impacto que a experiência do expert pode ter em futuros estudos.

Há poucos estudos que tratam da hemostasia de cólon com o uso desses dispositivos, sendo que a maioria deles se refere a sangramento diverticular e relatos de casos, mostrando resultados promissores no que diz respeito às taxas de ressangramento e com taxas de complicações inferiores às dos tratamentos convencionais com hemostasia térmica, ligadura elástica e uso de clipes convencionais.

Os casos acima mostram duas situações em que houve falha do tratamento convencional e os clipes tipo “over the scope” foram usados com sucesso, “fechando a questão”.

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Referências:

  1. Tang S-J. Endoscopic Management of Gastrocutaneous Fistula Using Clipping, Suturing, and Plugging Methods. Video Journal and Encyclopedia of GI Endoscopy (2014) 2, 55–60. http://dx.doi.org/10.1016/j.vjgien.2014.03.001.
  2. Castro J, Cabral J. Pelosof A, Seraphim A, Zitron c.  Combined method for treating gastrocutaneous fistula after percutaneous endoscopic gastrostomy emoval Arq Gastroenterol 2021. v. 58(4): 571-2. doi.org/10.1590/S0004-2803.202100000-101
  3. Villaescusa Arenas D, Rodríguez de Santiago E, Rodríguez Gandía MA, Parejo Carbonell S, Peñas García B, Guerrero García A et al. Over-the-scope-clip (OTSC®) as a rescue treatment for gastrointestinal bleeding secondary to peptic ulcer disease. Rev Esp Enferm Dig 2023;115(2):70-74
  4. Chan S, Pittayanon R, Wang H-P, et al. Use of over-the-scope clip (OTSC) versus standard therapy for the prevention of rebleeding in large peptic ulcers (size ≥1.5 cm): an open-labelled, multicentre international randomised controlled trial. Gut 2023; 72:638–643. doi:10.1136/gutjnl-2022-327007
  5. Gralnek IM, Stanley AJ, Morris AJ, et al. Endoscopic diagnosis and management of nonvariceal upper gastrointestinal hemorrhage (NVUGIH): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline-Update 2021. Endoscopy 2021;53:300-22. DOI: 10.1055/a-1369-5274 7.
  6. Laine L, Barkun AN, Saltzman JR, et al. ACG Clinical Guideline: Upper Gastrointestinal and Ulcer Bleeding. Am J Gastroenterol 2021;116:899-17. DOI: 10.14309/ajg.0000000000001245
  7. Estevinho M M, Pinho R, Gomes C, Correia J, Freitas T. Hemostasis of a bleeding inverted colonic diverticulum. Rev Esp Enferm Dig 2023:115(1):51-52. DOI: 10.17235/reed.2022.9019/2022

Como citar este artigo

Cardoso DMM. “Fechando a questão” com clipes tipo “Over the Scope”. Casos clínicos (com vídeos) e revisão da literatura. Endoscopia Terapêutica 2023, Vol 1. Disponível em:
endoscopiaterapeutica.net/pt/fechando-a-questao-com-clipes-tipo-over-the-scope-casos-clinicos-com-videos-e-revisao-da-literatura/




Cold EMR – Mucosectomia à frio

As técnicas de ressecção endoscópica com uso de corrente elétrica estão associadas com eventos adversos como por exemplo a síndrome pós-polipectomia (por queimadura profunda da parede do cólon), e também com perfuração e sangramento tardio pela possibilidade de injúria mais profunda dos vasos da submucosa.

Diante do exposto, tem crescido no uso respaldado por diversos estudos na literatura das técnicas de ressecção sem uso do cautério, ou seja as técnicas à frio, sendo referenciado nos últimos anos como a “cold revolution”.

A principal indicação da polipectomia à frio é para as lesões < 10 mm, sem suspeita de invasão profunda, por possibilitar menores taxas de recidiva quando comparada com a ressecção com pinça, e bem como também associada com menores taxas de sangramento tardio, e síndrome pós-polipectomia quando comparado com a ressecção com alça diatérmica.

Posteriormente, diversos estudos recentes vem demostrando a eficácia e segurança da mucosectomia à frio (Cold EMR) para lesões > 20 mm, sem suspeita de invasão submucosa, sendo portanto uma opção para as LSTs granulares homogêneas e para as lesões sésseis serrilhadas sem displasia, como bem demonstrado por Breno Bandeira de Mello e cols em metanálise recente.1

A mucosectomia à frio pressupõe a injeção submucosa associada à ressecção fatiada com alça preferencialmente dedicada, que são as alças com fio de corte mais fino (£ 0,3 cm, mais rígidas, com abertura de 9 a 10 mm, e com cobertura rígida do cateter. Hoje em dia já existem diversas no mercado disponíveis. A alça utilizada nesse vídeo foi a Exacto (Steris)

Outras vantagens inerentes à mucosectomia à frio são:

  • Mais fácil ver os limites da lesão
  • Expansão da submucosa fazendo o corte ser mais fácil
  • Prevenção de sangramento por efeito de tamponando

Abaixo vídeo demonstrando a técnica de caso de lesão séssil serrilhada sem displasia em cólon ascendente:

Referências

  1. Mello BB, Popoutchi P, Zago R, Averbach M. Análise comparativa dos resultados de ressecções de lesões sésseis serrilhadas do cólon ≥ 20 mm com e sem o emprego de energia elétrica. Revisão sistemática e metanálise. 2022

Como citar este artigo

Franco M. Cold EMR – Mucosectomia à frio. Endoscopia Terapeutica 2023, vol. 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/cold-emr-mucosectomia-a-frio/




Caso clínico: ressecção underwater de LST

Paciente do sexo feminino, 54 anos, hígida e sem comorbidades prévias. Submetida a primeira colonoscopia (índice) de rastreio para câncer colorretal, assintomática.

À colonoscopia foi identificado uma lesão espraiada, planoelevada pseudodeprimida e de crescimento lateral não granular (Paris 0-IIA + IIC), localizada em cólon transverso distal, medindo cerca de 23 mm no maior diâmetro, apresentando prolongamentos laterais e cavalgando uma haustração.

Realizado propedêutica endoscópica com cromoscopia digital e com corantes de superfície (ácido acético e indigo carmin) com padrão de criptas predominantemente III S e III L de kudo (frequentemente associado a histologia adenomatosa e com displasia de baixo grau)  (figuras de 1 a 4), sem características de invasão submucosa. Não foram realizadas biópsias (evitar fibrose durante terapêutica).

Procedimento Terapêutico

Realizado nova colonoscopia eletiva para proceder à retirada da LST. Optado pela técnica de mucosectomia com imersão em água (“underwater”) (figura 5) – UEMR, com ressecção completa da lesão em monobloco (figura 9). A revisão do leito não demonstrou sinais de lesão residual ou complicações imediatas (sangramento/perfuração) (figuras 6 e 7). Fechamento do leito cruento com três endoclipes (figura 8). Procedimento executado ambulatorialmente e transcorrido sem intercorrências, com duração de 30 minutos, seguido de alta.

Anatomopatológico da peça mostrou tratar-se de adenoma tubular com displasia de baixo grau (displasia moderada), margens profundas e laterais livres, e ausência de invasão linfovascular. Procedimento considerado curativo.

Vídeo do procedimento

Conclusões

O caso demonstra que a mucosectomia com imersão em água (“underwatwer”) como preconizado por Kenneth Binmoeller é uma opção segura e tecnicamente factível para ressecção de lesões de crescimento lateral (especialmente aquelas que necessitam remoção em monobloco).

Como citar este artigo

Viera BB. Caso clínico: Paciente feminino, 54 anos, hígida e sem comorbidades prévias. Submetida a primeira colonoscopia (índice) de rastreio para câncer colorretal, assintomática. Endoscopia Terapeutica 2023 Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/caso-clinico-paciente-feminino-54-anos-higida-e-sem-comorbidades-previas-submetida-a-primeira-colonoscopia-indice-de-rastreio-para-cancer-colorretal-assintomatica/




Protrusão no leito de uma polipectomia com alça fria. Afinal, do que se trata? Ressecção incompleta? Devo me preocupar?

Embora tenha sido descrita há cerca de trinta anos, a polipectomia com alça fria (sem uso de eletrocautério) ganhou destaque crescente na última década.

Se no quesito custo a polipectomia com alça fria (PAF) se favorece, pela menor utilização de insumos, evidências de ressecção incompleta de pólipos trouxeram dúvidas quanto à eficácia da técnica.  Baixas taxas de lesão residual são observadas com essa técnica, ao menos em lesões < 5 mm. 

No entanto, os estudos raramente avaliam a base do leito da ressecção, dando mais atenção para seus limites laterais.

Protrusões pálidas e de aspecto fibroso são observadas com frequência nos leitos de polipectomia com alça fria (protrusão em leito de polipectomia fria – PLPF), no entanto, sua frequência, preditores e sua composição são desconhecidos. De forma empírica, alguns sugerem se tratar de produto de ressecção incompleta, estruturas vasculares ou elementos submucosos condensados mecanicamente.

Artigo comentado

O objetivo desse estudo publicado na GIE em 2015 (Tutticci N et al, 2015) foi trazer respostas para algumas dessas questões.  

  • Estudo prospectivo observacional em centro único.
  • Foram incluídos pacientes que tiveram em sua colonoscopia ao menos um pólipo menor ou igual a 1 cm removido por PAF.
  • Foram excluídos casos onde não foi recuperado o espécime ou aqueles em que um pólipo maior que 1 cm foi retirado no mesmo procedimento.
  • As PLPF foram definidas como áreas elevadas no leito de ressecção e todas foram biopsiadas e enviadas à patologia separadamente.
  • Os desfechos primários foram a frequência e achados histológicos das PLPF. 

De 102 pacientes, 88 foram considerados para análise (Figura 1). As principais indicações de colonoscopia foram investigação de sintomas (56%), seguimento endoscópico (27%), sangue oculto positivo (10%) e rastreamento (8%).

No estudo, 257 pólipos foram removidos (tabela 1). Nestes, foram identificados 36 PLPF (tabela 2). Nenhuma associação com a ocorrência de PLPF foi demonstrada por sexo, localização do pólipo, morfologia (Paris 0-IIa versus outras) ou histopatologia serrilhada.

O tamanho do pólipo foi associado com a presença de PLPF (>6 mm [28,6%] versus <6 mm [9,8%]; RR, 2,92; P < 0,001), sendo essa a única variável associada com PLPF também na análise multivariada (OR, 3,684 [95% IC, 1,788-7,593]; P <0,001). 

Nas polipectomias, houve pequenos sangramentos controlados no procedimento em dois pacientes. Não houve sangramentos tardios ou outros eventos adversos.  

Pacientes do estudo
Características dos pólipos
Características das PLP

As PLPF se mostraram frequentes (14%), estiveram associadas a pólipos maiores que 6 mm, sendo compostas, nesta amostra, predominantemente por submucosa e muscular da mucosa, sem componentes vasculares ou tecido residual do pólipo ressecado. Os autores, portanto, não apontam para a necessidade de tratamento adicional da protrusão como ressecção, ablação ou clipagem.  

Há, no entanto, um ponto de atenção relativo à alta frequência da presença de muscular da mucosa nas PLPF (80%), o que levanta a possibilidade de ressecções incompletas estarem associadas à presença das protrusões. Um artigo posterior reforça essa preocupação, demonstrando maior incidência de ressecção mucosa incompleta em PAF com PLPF. Isso poderia ter maior importância em lesões com histologia mais avançada, que não estão representadas na amostra do estudo (apenas 1 caso de displasia de alto grau, sem PLPF neste caso). Os autores sugerem que a presença de PLPF no leito da polipectomia de um pólipo com displasia de alto grau poderia, hipoteticamente, apontar para a presença de tecido displásico residual.  

Os autores levantam outras questões em sua discussão. Qual seria a profundidade de ressecção desejável em polipectomias com alça fria? Qual seria o impacto de diferentes desenhos de alças e diferentes características do fio na ocorrência de PLPs?

E você? Tem utilizado a técnica de polipectomia com alça fria? Como tem se comportado ao se deparar com essas protrusões? 

Referências Bibliográficas

  1. Tutticci N, Burgess NG, Pellise M, Mcleod D, Bourke MJ. Characterization and significance of protrusions in the mucosal defect after cold snare polypectomy. Gastrointest Endosc. 2015 Sep;82(3):523-8. doi: 10.1016/j.gie.2015.01.051. Epub 2015 Apr 22. PMID: 25910666. 
  2. Shichijo S, Takeuchi Y, Kitamura M, Kono M, Shimamoto Y, Fukuda H, Nakagawa K, Ohmori M, Arao M, Iwatsubo T, Iwagami H, Matsuno K, Inoue S, Matsuura N, Nakahira H, Maekawa A, Kanesaka T, Higashino K, Uedo N, Fukui K, Ito Y, Nakatsuka SI, Ishihara R. Does cold snare polypectomy completely resect the mucosal layer? A prospective single-center observational trial. J Gastroenterol Hepatol. 2020 Feb;35(2):241-248. doi: 10.1111/jgh.14824. Epub 2019 Sep 10. PMID: 31389623. 

Como citar este artigo

Rodrigues R. Protrusão no leito de uma polipectomia com alça fria. Afinal, do que se trata? Ressecção incompleta? Devo me preocupar? Endoscopia Terapeutica, 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/protrusao-no-leito-de-uma-polipectomia-com-alca-fria-afinal-do-que-se-trata-resseccao-incompleta-devo-me-preocupar/




Diverticulose do cólon – Classificação DICA – “Diverticular Inflammation and Complication Assessment” – porque usar na rotina?

A diverticulose do cólon é uma deformidade adquirida que pode afetar até cerca de 75% dos pacientes acima de 70 anos, sendo que até 20% desses podem apresentar-se de forma sintomática, configurando a chamada doença diverticular (DD).

Existem várias classificações descritas na caracterização da DD, principalmente baseadas em imagem, entre elas a Hinchey modificada é a mais conhecida. Em sua maioria, as classificações se focam na gravidade e complicações da DD, ao invés de estratificarem a doença em seu espectro global, oferecendo um cenário de previsibilidade de risco. 

Em 2015, através de um estudo de um grupo italiano, foi proposta uma classificação eminentemente endoscópica chamada DICA – “Diverticular Inflammation and Complication Assessment”. Os principais pontos que justificaram a criação dessa classificação são:

  • aumento significativo na realização de colonoscopia nos últimos anos com base no cenário de rastreamento colorretal; 
  • achado frequente em exames de rotina de sinais de atividade inflamatória diverticular sem qualquer suspeita de diverticulite (até 1% dos casos);
  • extensão da diverticulose no cólon é um fator de risco para recorrência da diverticulite; 
  • detecção de inflamação endoscópica persistente após um quadro de diverticulite aguda é uma fator de risco para recorrência da doença;

Considerando todos os aspecto anteriormente elencados, é esperado que pacientes com divertículos esparsos em cólon tenham evolução clínica diferente daqueles com diverticulose difusa e alterações inflamatórias ou mesmo fibróticas associadas;

Figura 1. Divertículos esparsos em cólon 

Figura 2. Diverticulose difusa

Figura 3. Sinais de complicação diverticular (pus)

Figura 4. Sinais de complicação diverticular (sangramento/ aplicação de hemoclipe)

A Classificação DICA

Os principais pontos envolvidos na classificação são:

  • Extensão da diverticulose 

    • Cólon esquerdo (2 pontos)
    • Cólon direito (1 ponto)

  • Números de divertículos em cada segmento

    • ≤ 15: grau I (0 pontos)
    • > 15: grau II (1 ponto)

  • Presença de inflamação 

    • Edema ou hiperemia (1 ponto)
    • Erosões (2 pontos)
    • Colite segmentar associada a diverticulose (3 pontos)

  • Presença de complicações (4 pontos cada)

    • Rigidez
    • Estenose
    • Pus
    • Sangramento

  • Escore numérico final (somatório dos pontos anteriores) / Classificação

    • 1 – 3 pontos – DICA 1
    • 4 – 7 pontos – DICA 2
    • > 7 pontos – DICA 3

A elaboração da classificação no seu artigo original sofreu validação interna com boa concordância interobservador entre os principais pontos citados. Foi observada significativa correlação entre os níveis séricos de proteína C reativa (PCR), velocidade de hemossedimentação (VHS), calprotectina fecal e escala de dor com os escores de DICA mais elevados. 

Posteriormente a classificação ainda foi validada em estudos multicêntricos internacionais e em séries retrospectivas e prospectivas. As séries demonstram interessantes dados sobre a capacidade preditiva da classificação em relação a recorrência de diverticulite e necessidade de cirurgia

Risco de diverticulite em 3 anos 

  • DICA 1 – 3,3%   
  • DICA 2 – 11,6%
  • DICA 3 – 22%   

Risco de cirurgia em 3 anos 

  • DICA 1 – 0,15%   
  • DICA 2 – 3%  
  • DICA 3 – 11%   

Em um dos estudos, de modo interessante, ainda foi observado que pacientes DICA 2 quando submetidos a terapia baseada em mesalazina apresentaram redução do risco de diverticulite aguda – HR = 0.2103 (95% CI 0.122–0.364); e risco de cirurgia – HR= 0.459 (95% CI 0.258–0.818)

Por fim, fica claro o interessante papel potencial da classificação DICA na classificação da diverticulose e doença diverticular do cólon. A classificação usa dados simples e corriqueiros do exame endoscópico, com boa reprodutibilidade nos trabalhos apresentados. Indubitavelmente, ao promover a parametrização da DD, a classificação DICA permite ainda a realização mais fidedigna de estudos clínicos que possam alterar desfechos dessa doença. 

E vocês, já vem utilizando essa classificação em sua rotina? 

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Referências:

  1. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, et al. Development and validation of an endoscopic classification of diverticular disease of the colon: the DICA classification. Dig Dis. 2015;33:68–76. 
  2. Tursi A. Diverticulosis today: unfashionable and still under-researched. Ther Adv Gastroenterol. 2016;9:213–28.
  3. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020;6:20.
  4. Peery AF, Crockett SD, Murphy CC, et al. Burden and cost of gastrointestinal, liver, and pancreatic diseases in the United States: update 2018. Gastroenterology. 2019;156:254–72. 
  5. Ghorai S, Ulbright TM, Rex DK. Endoscopic findings of diverticular inflammation in colonoscopy patients without clinical acute diverticulitis: prevalence and endoscopic spectrum. Am J Gastroenterol. 2003;98:802–6. 
  6. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, et al. International Consensus on Diverticulosis and Diverticular Disease. Statements from the 3rd International Symposium on Diverticular Disease. J Gastrointestin Liver Dis. 2019;28(suppl. 4):57–66. 18. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, et al. DICA Italian group. The “DICA” endoscopic classification for diverticular disease of the colon shows a significant interobserver agreement among community endoscopists. J Gastrointestin Liver Dis. 2019;28:23–7. 
  7. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, et al. The DICA endoscopic classification for diverticular disease of the colon shows a significant interobserver agreement among community endoscopists: an International Study. J Gastrointestin Liver Dis. 2019;28(suppl. 4):39–44. 20. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, et al. Predictive value of the Diverticular Inflammation and Complication Assessment (DICA) endoscopic classification on the outcome of diverticular disease of the colon: an international study. United European Gastroenterol J. 2016;4:604–13. 
  8. Tursi A, Violi A, Cambie’ G, et al. Risk factors for endoscopic severity of diverticular disease of the colon and its outcome: a real-life case-control study. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2020;32:1123–9.
  9. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, Elisei W, Picchio M, Allegretta L, Annunziata ML, Bafutto M, Bassotti G, Bianco MA, Colucci R, Conigliaro R, Dumitrascu D, Escalante R, Ferrini L, Forti G, Franceschi M, Graziani MG, Lammert F, Latella G, Maconi G, Nardone G, Camara de Castro Oliveira L, Chaves Oliveira E, Papa A, Papagrigoriadis S, Pietrzak A, Pontone S, Poskus T, Pranzo G, Reichert MC, Rodinò S, Regula J, Scaccianoce G, Scaldaferri F, Vassallo R, Zampaletta C, Zullo A, Piovani D, Bonovas S, Danese S; DICA International Group. Prognostic performance of the ‘DICA’ endoscopic classification and the ‘CODA’ score in predicting clinical outcomes of diverticular disease: an international, multicentre, prospective cohort study. Gut. 2022 Jul;71(7):1350-1358.



PÓLIPOS DE CÓLON EM PACIENTES ANTICOAGULADOS. VALE A PENA USAR CLIPES?

Paciente sexo masculino, 65 anos, em uso de xarelto (antecedente de TVP) submetido a colonoscopia de prevenção com achado de pólipo pediculado de 15 mm em cólon transverso. E agora? Melhor fazer polipectomia com uso de corrente elétrica? Ressecção a frio? Clipar ou não clipar?

Vale a pena lembrar que se trata de paciente anticoagulado. Nosso impulso imediato, e podemos dizer, quase medular, é associar o uso de clipe com prevenção de sangramento tardio para pacientes com esse perfil.

Será que essa é a melhor conduta? Será que temos alguma evidência científica que possa nos orientar? As perguntas são muitas e infelizmente há uma escassez de estudos desenhados para responder essas questões.

Louis Lau e colaboradores publicaram um estudo recentemente na Gastrointestinal Endoscopy com o objetivo de responder essas questões.

Vamos resumir os principais achados do estudo destacando 10 pontos:

1) PARA INICIAR A CONVERSA….

Estima-se que sangramento pós-polipectomia ocorra em cerca de 6,5% dos procedimentos. Os fatores de risco para sangramento pós-polipectomia incluem:

– Fatores associados às lesões, como localização em cólon direito, tamanho > 20 mm e morfologia pediculada;

– Fatores relacionados aos pacientes:  idade > 50 anos, presença de comorbidades (doença cardiovascular, doença renal, dentre outros) e uso de antitrombóticos.

Em relação aos antitrombóticos, classicamente destacam-se o uso de warfarina e anticoagulantes orais de ação direta, como associados aos maiores riscos de sangramento.

2) E OS CLIPES NESSA HISTÓRIA TODA?

O uso de clipes tem sido apontado como capaz de prevenir sangramento pós-polipectomia. Será que deve ser usado em todos os casos? Os estudos existentes são bastante conflitantes no que diz respeito à prevenção do sangramento pós polipectomia. Há estudos com resultados positivos, principalmente em casos de lesões maiores que 20 mm localizadas em cólon direito. Por outro lado, há também trials clínicos randomizados que não mostram benefício no uso de clipes.

3) VOLTANDO AO ESTUDO EM QUESTÃO:

O estudo aqui discutido incluiu 547 pacientes em uso de warfarina ou anticoagulantes orais de ação direta e submetidos a polipectomias, com pólipos em diferentes localizações e com diferentes tamanhos. Duzentos e oitenta e cinco pacientes receberam clipe e 262 não receberam

O desfecho analisado pelos autores foi a ocorrência de sangramento em 30 dias (necessidade de nova colonoscopia para hemostasia, queda de hemoglobina de 2mg/dl ou necessidade de hemotransfusão).

4) TIMING PARA REINTRODUÇÃO DOS ANTICOAGULANTES APÓS A POLIPECTOMIA

Interessante fato foi que cerca de 70% dos pacientes retomaram o uso do medicamento anticoagulante em até 24h após os procedimentos de polipectomia.

5) PRINCIPAIS ACHADOS DO ESTUDO:

– Idade, comorbidades, gênero e HAS-BLED score foram semelhantes entre os grupos.

– O uso de clipes profiláticos não reduziu as taxas de sangramento pós-polipectomia com OR 1.19 (IC95% 0.73-1.95, p=0.487).

– O único cenário em que o uso de clipes profiláticos reduziu as taxas de sangramento tardio pós-polipectomia foi em casos de ressecção com uso de corrente elétrica (“ressecções quentes”) com OR 9,76 (IC 95% 3.9-32.6, p<0.01).

– A ocorrência de sangramento durante o procedimento não foi fator de risco para sangramento tardio

– As taxas de sangramento tardio foram 30/285 pacientes (106%) apesar do uso de clipes profiláticos enquanto 11/262 (4,2%) tiveram sangramento no grupo sem uso de clipe.

– A média de tempo para sangramento variou entre 7,5-9,3 dias.

– A proporção de pacientes com queda significativa de Hb, taxa de transfusão, realização de nova colonoscopia para hemostasia e presença de estigmas de sangramento no leito de ressecção foi semelhante entre os grupos. A figura abaixo mostra alguns estigmas de sangramento comumente encontrados após ressecções:

6) TAXAS DE SANGRAMENTO DE ACORDO COM O PROCEDIMENTO

As taxas de sangramento de acordo com o procedimento realizado estão demostradas nas Tabelas abaixo.

Taxas de sangramento tardio de acordo com o procedimento realizado:

7) COLOCANDO UMA LUPA NOS ACHADOS DO ESTUDO

Uma análise de subgrupos foi realizada para avaliar o efeito do uso de clipes profiláticos de acordo com a classe de anticoagulante usada e as características dos pólipos. Foi observado que o suo de clipes foi associado a taxas mais baixas de sangramento pós-polipectomia em usuários de anticoagulantes orais de ação direta, com OR 0.36  IC 95% 0.16-0.82 p 0.015. No entanto entre os usuários de warfarina o risco de sangramento pós-polipectomia foi maior OR 2.98 IC95% 1.44-6.16, p=0.003. Em casos onde a retomada do uso de anticoagulantes foi superior a 2 dias o risco foi, também, menor OR 0.29 IC 95% 0.09-0.93 p 0.038.

8) PONTOS FORTES E PONTOS FRACOS

Apesar de tratar-se de um estudo retrospectivo, foi usada metodologia de escore de propensão correspondente, com uma amostra significativa de pacientes, sendo que todos estavam em uso de anticoagulantes orais. Além disso, o estudo traz mais de 500 pacientes submetidos a polipectomia e em uso de anticoagulantes. A generalização dos resultados pode ser considerada de forma

9) MAS….E A “REVOLUÇÃO FRIA” DOS ÚLTIMOS ANOS? PODE TER INFLUENCIADO NOS RESULTADOS?

Vale a pena destacar a chamada “revolução fria” à partir de 2015.  Após 2019, com a publicação de um trial clínico randomizado por Takeuchi e colaboradores, do Japão, a segurança da realização da polipectomia a frio foi demonstrada, inclusive para usuários de anticoagulantes. Os autores destacam, ainda, que numa análise de subgrupos foi demonstrado maior risco de sangramento em pacientes que estavam fazendo ponte com heparina. Neste subgrupo específico de pacientes a estratégia de proceder ressecções a frio, parece ser mais segura e pode ser melhor explorada.

10) EM RESUMO:

Os autores colocam que o uso de clipes como método de profilaxia de sangramento tardio é benéfico em subgrupos de pacientes em uso de anticoagulantes orais de ação direta e sem necessidade de fazer ponte com heparina. O caso fictício citado no início deste post é um bom exemplo onde o uso de clipes e a retomada do uso de xarelto após 2 dias reduz as taxas de sangramento tardio após a polipectomia. No entanto, a decisão em relação à retomada do uso dos anticoagulantes deve ser considerada caso a caso juntamente com o médico assistente do paciente. Trials clínicos randomizados podem fornecer estudos mais robustos que possam dar melhor suporte às decisões clínicas nestes casos.

E aguardem…..nos próximos dias postaremos uma entrevista exclusiva com o autor do presente estudo no portal e nas redes sociais!




Tratamento do Volvo de Cólon e da Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie)

As obstruções de cólon podem ser mecânicas ou não mecânicas e constituem cerca de 25% de todas as obstruções intestinais. Entre as causas mecânicas, as mais comuns são:

  1. tumor obstrutivo no cólon ou reto (60%);
  2. estenose cicatricial por diverticulites prévias (10%);
  3. volvo do cólon (15 a 20%).

O volvo do cólon é a torção de um segmento redundante do cólon em seu mesentério que pode levar à oclusão luminal do segmento torcido e isquemia por rotação do mesocólon e, consequentemente, à perfuração.

Embora o volvo do cólon possa ocorrer em qualquer segmento redundante, envolve mais comumente o sigmóide (60%–75% de todos os casos) e ceco (25%–40% de todos os casos).

O volvo de sigmóide ocorre principalmente durante a 6ª a 8ª décadas de vida, sendo mais comum em homens, pacientes institucionalizados, pacientes com constipação crônica, comprometimento neuropsicológico ou comorbidades descompensadas. Por outro lado, o volvo de ceco, geralmente se apresenta em pacientes mais jovens e tem predominância do sexo feminino.

Já a pseudo-obstrução aguda do cólon, ou síndrome de Ogilvie, é uma causa funcional não mecânica de obstrução que se acredita ser uma consequência da desregulação dos impulsos autônomos da inervação do cólon. Há grande distensão do cólon sem fator obstrutivo, mas que também pode evoluir para isquemia e perfuração. As apresentações clínicas variam de acordo com o grau de distensão, se a válvula ileocecal é competente ou não e a condição clínica do paciente. Mais comumente, a síndrome de Ogilvie afeta pacientes idosos ou pacientes internados por motivos não relacionados, incluindo cirurgia eletiva, trauma ou tratamento de uma condição médica aguda.

Aqui apresentamos algumas recomendações das diretrizes da Sociedade Americana de Cirurgia Colorretal para a condução desses casos.

Volvo de Cólon

  • Avaliação inicial com história, exame físico e exames laboratoriais básicos. Os sintomas podem incluir cólicas, náuseas, vômitos, desconforto abdominal. O volvo de sigmóide geralmente tem apresentação mais indolente, enquanto o volvo de ceco costuma ter apresentação mais aguda. No exame físico, em geral há distensão abdominal com diferentes graus de dor à palpação, até peritonite. O toque retal revela uma ampola retal vazia. Apresentação na emergência com peritonite e sinais de choque acontecem em 25 a 35% dos casos.
  • Em pacientes hemodinamicamente estáveis, uma radiografia de abdome auxilia na avaliação inicial (achado de “grão de café” e, em pacientes com válvula ileocecal incompetente, distensão de delgado). Tomografia é usada para confirmar o diagnóstico.
RX de abdomen mostrando o sinal do “grão de café”, indicativo de volvo de cólon

Volvo de Sigmóide

  • Pacientes hemodinamicamente estáveis, sem sinais de peritonite ou evidência de perfuração devem ser submetidos a retossigmoidoscopia para avaliar a viabilidade do sigmoide, desfazer a torção e descomprimir o cólon, terapia efetiva em 60 a 95% dos casos. É possível manter uma sonda para descompressão após a retossigmoidoscopia. A taxa de recorrência é de 43 a 75% nos casos que não são submetidos a intervenção cirúrgica posterior.
  • Sigmoidectomia de urgência é indicada quando a distorção endoscópica não é bem-sucedida e nos casos de sofrimento do cólon ou perfuração, assim como em pacientes com sinais de peritonite ou choque séptico. Após a ressecção do segmento torcido, a decisão de realizar uma anastomose primária, colostomia terminal ou anastomose com derivação deve ser individualizada considerando o contexto clínico do paciente no momento da cirurgia, as condições do cólon remanescente e as comorbidades.
  • Pacientes submetidos à distorção endoscópica bem-sucedida são candidatos à colectomia segmentar durante a mesma internação hospitalar para evitar volvo recorrente e suas complicações. As operações sem ressecção, incluindo apenas distorção, sigmoidopexia e mesosigmoidoplastia, são inferiores à colectomia para a prevenção de volvo recorrente.
  • A fixação endoscópica do sigmóide pode ser considerada em pacientes selecionados nos quais a intervenção cirúrgica tem risco proibitivo.

Volvo de Ceco

  • Tentativas de redução endoscópica do volvo de ceco não são recomendadas.
  • Ressecção segmentar é o tratamento de escolha para pacientes com volvo de ceco. Ceco inviável ou isquêmico está presente em 18% a 44% dos pacientes com volvo de ceco e está associado a uma taxa de mortalidade significativa.
  • No caso de volvo de ceco com intestino viável, o uso de procedimentos cirúrgicos sem ressecção deve ser limitado a pacientes sem condições clínicas para ressecção.

Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie)

  • A avaliação inicial deve incluir história e exame físico, exames laboratoriais e diagnóstico por imagem.
    Na ausência de febre, leucocitose, peritonite, pneumoperitôneo ou diâmetro do ceco > 12 cm, a terapia inicial consiste na correção de distúrbios hidroeletrolíticos, reposição volêmica, evitar ou minimizar uso de opióides, evitar medicamentos anticolinérgicos e identificar e tratar infecções concomitantes. Também é recomendável deambulação, jejum, manobras de posicionamento (genu-peitoral ou prona) para promover a motilidade intestinal e descompressão com sondas nasogástricas e retais. Laxantes osmóticos orais devem ser evitados porque podem piorar a dilatação do cólon. Radiografias de abdome fazem parte da avaliação diária, acompanhado do exame físico.
  • O tratamento inicial é de suporte clínico e inclui a exclusão ou correção de condições que predispõem os pacientes ao quadro ou prolongam seu curso.
  • O tratamento farmacológico com neostigmina é indicado quando o quadro não se resolve com terapia de suporte.
  • A descompressão endoscópica do cólon deve ser considerada em pacientes com Ogilvie nos quais a terapia com neostigmina é contraindicada ou ineficaz.
  • O tratamento cirúrgico é recomendado nos casos complicados por isquemia ou perfuração do cólon ou refratários a terapias farmacológicas e endoscópicas.



Teste seus conhecimentos respondendo esses QUIZ!

Referências:

  1. Alavi K, Poylin V, Davids JS, Patel SV, Felder S, Valente MA, Paquette IM, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Management of Colonic Volvulus and Acute Colonic Pseudo-Obstruction. Dis Colon Rectum. 2021 Sep 1;64(9):1046-1057. doi: 10.1097/DCR.0000000000002159. PMID: 34016826.
  2. Yeo HL, Lee SW. Colorectal emergencies: review and controversies in the management of large bowel obstruction. J Gastrointest Surg. 2013;17:2007–2012.
  3. Bauman ZM, Evans CH. Volvulus. Surg Clin North Am. 2018;98:973–993.
  4. Quénéhervé L, Dagouat C, Le Rhun M, et al. Outcomes of first-line endoscopic management for patients with sigmoid volvulus. Dig Liver Dis. 2019;51:386–390.



QUIZ ! Qual sua conduta nessa lesão retal?

Paciente de 32 anos encaminhada para realização de colonoscopia por quadro de sangramento anal. Durante exame encontrado em parede anterior de reto distal o achado abaixo