Quando utilizar endoclipes profiláticos após polipectomia ou mucosectomia de lesões sésseis do cólon?

A colonoscopia e polipectomia de pólipos adenomatosos diminuem o risco do câncer colorretal, no entanto, o sangramento tardio pós-polipectomia (DPPB) é uma conhecida complicação potencialmente grave que ocorre entre 0,23% e 1,9% para pólipos em geral e em 7% para grandes pólipos ressecados através de mucosectomia (EMR). Os principais fatores de risco para o desenvolvimento do DPPB incluem o tamanho, a morfologia e localização do pólipo, bem como o uso de agentes anti-agregantes plaquetários e anticoagulantes.

A discussão do papel do fechamento profilático com endoclipes de forma rotineira para prevenção do DPPB já se arrasta há anos, sempre com resultados conflitantes entre os diversos trabalhos que abordam o tema (vide artigo prévio sobre SANGRAMENTO TARDIO PÓS-MUCOSECTOMIA DE CÓLON. SERÁ QUE PODEMOS EVITAR ESSE DRAMA?). Os defensores referenciam estudos que evidenciaram redução na incidência, enquanto os contrários apontam falta de evidência comprovada e o alto custo de sua implementação. De fato, o uso de endoclipes aumenta o custo do procedimento, com um estudo de Liaquat et al. estabelecendo o valor unitário de US$ 150,00 por clipe e estimando uma conta total de US$ 555,00 por paciente, em média. Todavia, a despesa do sistema de saúde decorrente do manejo de um DPPB pode facilmente suplantar o custo dos endoclipes, especialmente se houver necessidade de internação hospitalar e repetição da colonoscopia, ou menos frequentemente, se for necessária angiografia ou cirurgia.

O Guideline de 2017 da Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE) para Polipectomia e EMR colorretal recomenda hemostasia profilática de rotina apenas para grandes pólipos pediculados (cabeça ≥ 20 mm ou pedículo ≥ 10 mm), usando injeção de adrenalina e/ou hemostasia mecânica (por exemplo, endoloops ou clipes). As diretrizes indicam que a hemostasia profilática mecânica pode ser superior à injeção de adrenalina, conforme evidenciado por estudos que descobriram que o uso de dispositivos mecânicos para pré-tratamento do pedículo do pólipo, sozinhos ou em combinação com injeção de adrenalina, diminuiu significativamente o sangramento pós-polipectomia em comparação à injeção de adrenalina sozinha. No entanto, para pólipos não pediculados (ou seja, sésseis), a diretriz da ESGE não recomendou o fechamento com endoclipes de rotina para evitar sangramento tardio.

Desde o Guideline de 2017, houve alguns ensaios clínicos randomizados (RCT) adicionais publicados que abordaram essa questão, portanto, uma reavaliação das evidências de alta qualidade se fazia necessária e foi efetivamente realizada por Kamal et al. (2020) numa meta-análise intitulada “Hemoclipes profiláticos na prevenção de sangramento tardio pós-polipectomia para pólipos colorretais ≥ 1 cm: Meta-análise de ensaios clínicos randomizados”. Buscando responder definitivamente à questão “clipar ou não clipar”, os desfechos primários de interesse foram DPPB com pólipos ≥ 2 cm e pólipos de 1 a 1,9 cm. Os desfechos secundários incluíram DPPB para todos os pólipos ≥ 1 cm, pólipos proximais, pólipos distais, uso de terapia anticoagulante/antiplaquetária, perfuração e síndrome pós-polipectomia. Um total de nove RCTs (oito publicações completas e um resumo) foram incluídos em sua análise, compreendendo 3764 pólipos, dos quais 1917 tiveram colocação de clipe profilático e 1847 não. Os resultados desta meta-análise demonstram uma redução significativa no DPPB com a colocação de clipe profilático em pólipos do cólon proximal ≥ 2 cm.

As conclusões da meta-análise de Kamal et al. são corroboradas por outra meta-análise publicada por Spadaccini et al (2020). Sua revisão de nove RCTs demonstrou uma redução de risco de quase 50% no DPPB com clipagem profilática em pólipos do cólon proximal ≥ 2 cm, mas nenhum benefício significativo da clipagem geral. Suas constatações se traduziram em um NNT (número necessário para tratar – com endoclipes) de 23 pacientes para prevenir um DPPB em lesões desse tamanho.

Por último, uma terceira meta-análise publicada em 2022 por  Forbes et al. analisou dados individuais de pacientes em ensaios randomizados que avaliaram a eficácia do fechamento com endoclipes após EMR de pólipos colorretais não pediculados (LNPCP) do cólon proximal ≥20 mm para prevenção de eventos adverso. De 3145 citações, 4 ensaios foram incluídos, representando 1248 pacientes com LNPCP proximais. A taxa geral de sangramento clinicamente significativo pós-EMR foi de 3,5% e 9,0% em pacientes clipados e não clipados, respectivamente. Restou a conclusão, portanto, que o fechamento com endoclipes profilático é eficaz na prevenção e deve ser considerado um componente padrão pós-EMR de LNPCP no cólon proximal.

A despeito da evidência dos novos conhecimentos de que o fechamento com endoclipes de pólipos sésseis grandes (≥ 2 cm) do cólon proximal comprovadamente reduz o risco de DPPB, faz-se necessário algumas ponderações antes de adotar esta prática de maneira sistemática e irrestrita, uma vez que determinadas variáveis tem a capacidade de modificar o desfecho da custo-efetividade:

  • Tamanho da lesão – defeitos maiores exigem mais clipes para fechar e podem não ser passíveis de fechamento completo em muitos casos. Existem evidências de que o fechamento parcial ou incompleto do defeito da polipectomia ou EMR não é eficaz na redução do DPPB e que, mesmo em mãos de especialistas, 43% dos sítios de EMR com tamanho ≥ 20 mm não puderam ser totalmente fechados com clipes.
  • Custo-benefício – pode variar substancialmente dependendo do número de clipes necessários para cada caso, bem como do custo local de cada clipe.
  • Seguimento pós polipectomia ou EMR – considerando que significativa parte das ressecções de lesões >20mm ocorre em piecemeal, o que comprovadamente aumento chance de recidiva, os clipes podem dificultar a vigilância pós procedimento, uma vez que sua presença prolongada resulta no crescimento de tecido de granulação, tornando difícil, por vezes, distingui-lo de um adenoma. Mesmo depois de expelidos, a entidade bem descrita de “artefato de clipe” pode prejudicar a avaliação de locais de cicatriz de EMR/ polipectomia e, na ausência de experiência na interpretação de padrões de mucosas, potencialmente resultar em ressecção adicional desnecessária.
  • Novas técnicas de ressecção – técnicas emergentes como polipectomia e EMR com alça fria demonstram taxas muito baixas de sangramento tardio, mesmo para pólipos grandes, incluindo adenomas e lesões serrilhadas sésseis, sendo improvável que o fechamento com endoclipes de rotina nestas situações valha a pena.

Diante de todo o exposto, é bastante razoável considerar que consensos ou diretrizes futuras de sociedades de especialidade que abordem o tema aqui discutido passem a sugerir o fechamento profilático do leito cruento com endoclipes após polipectomias com alça quente (“hot snare”) ou EMR de pólipos sésseis do cólon proximal com tamanho ≥20 mm para fins de redução da incidência de DPPB. No entanto, ainda que eventualmente possa não ser recomendada como rotina padrão, devido a múltiplos fatores inerentes ao paciente, lesão e/ou procedimento que afetam os riscos e benefícios da aplicação profilática do clipe, sua consideração meticulosa pelo endoscopista em cada caso continuará sendo uma postura bastante apropriada.

Referências Bibliográficas:

  1. Alexandra Marc et al. Prevention of delayed post-polypectomy bleeding: Should we amend the 2017 ESGE Guideline? Endoscopy International Open 2020; 08: E1111–E1114
  2. Liaquat H, Rohn E, Rex DK. Prophylactic clip closure reduced the risk of delayed postpolypectomy hemorrhage: experience in 277 clipped large sessile or flat colorectal lesions and 247 control lesions. Gastrointest Endosc. 2013 Mar;77(3):401-7. doi: 10.1016/j.gie.2012.10.024. Epub 2013 Jan 11. PMID: 23317580.
  3. Monika Ferlitsch et al. Colorectal polypectomy and endoscopic mucosal resection (EMR): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Clinical Guideline. Endoscopy 2017; 49(03): 270-297
  4. Faisal Kamal et al. Prophylactic hemoclips in prevention of delayed post-polypectomy bleeding for ≥ 1 cm colorectal polyps: meta-analysis of randomized controlled trials. Endoscopy International Open 2020; 08: E1102–E1110
  5. Marco Spadaccini et al. Prophylactic Clipping After Colorectal Endoscopic Resection Prevents Bleeding Of Large, Proximal Polyps: Meta-Analysis Of Randomized Trials. Gastroenterology 2020 Jul;159(1):148-158.e11.
  6. Nauzer Forbes et al. Clip closure to prevent adverse events after EMR of proximal large nonpedunculated colorectal polyps: meta-analysis of individual patient data from randomized controlled trials. Gastrointest Endosc 2022;96:721-31.

Como citar este artigo

Ribeiro MSI Endoscopia Terapeutica Quando utilizar endoclipes profiláticos após polipectomia ou mucosectomia de lesões sésseis do cólon?, 2024 vol II. Disponível em: Quando utilizar endoclipes profiláticos após polipectomia ou mucosectomia de lesões sésseis do cólon? • Endoscopia Terapeutica.




Quiz! Caso Clínico

Colaboração: Marcelo Fialho Roman, Luiz Carlos Pereira Bin

Paciente feminina, 73 anos, tabagista, HAS, insuficiência cardíaca (IC), estenose aórtica moderada/grave.

Medicações em uso: de Enalapril 20mg, Hidroclorotiazida 25mg, AAS 100mg, Sinvastatina 40mg.

Durante internação, por IC descompensada, apresentou 3 episódios de melena. Não houve instabilidade hemodinâmica. Houve necessidade de transfusão de 1 unidade de hemoconcentrado.

Exames laboratoriais (antes da transfusão): Hb: 8,7| Ht: 27 | Leu: 7.500 sem desvios | Cr: 1,0 | Ur: 39 | Na 136 | K 3,5 e demais exames sem particularidades

EDA: gastrite antral erosiva plana leve; UREASE negativa

Realizou preparo anterógrado com manitol, em que foram evidenciadas:




Mucosectomia por imersão (underwater) com auxílio de cap – um alternativa para casos difíceis

Paciente masculino, 45 anos, previamente hígido, foi submetido a colonoscopia em outro serviço que identificou um pólipo séssil de 6 mm de diâmetro, 0-Is pela classificação de Paris, com superfície lisa e amarelada, localizado em reto médio. Na ocasião foi realizada ressecção parcial da lesão com alça a frio. Resultado anatomopatológico e imunohistoquímico evidenciaram tumor neuroendócrino bem diferenciado (grau 1 – Ki67<2%), com margens comprometidas.

Paciente veio encaminhado para realizar nova colonoscopia na tentativa de ressecção completa da lesão. Durante o procedimento foi observada uma diminuta lesão amarelada no reto, discretamente elevada, correspondente à área de polipectomia prévia com presença de lesão residual (Figuras 1, 2 e 3). Realizada tentativa de mucosectomia pela técnica de imersão (“underwater”), não havendo pega adequada com a alça para ressecção. Foi optado, então, pela realização da mucosectomia por imersão assistida por cap, que consiste na imersão do espaço intraluminal com água, seguido por sucção da lesão com auxílio de cap endoscópico, afim de formar um pseudopólipo, e assim facilitar a apreensão e ressecção da lesão (Figura 4). Com o uso dessa técnica foi possível apreender a lesão residual com a alça e realizar sua ressecção completa (Figuras 5 e 6). O resultado anatomopatológico confirmou a presença de tumor neuroendócrino bem diferenciado (grau 1 – Ki67<2%), com margens laterais e profunda livres.

Figura 1: aspecto endoscópico da lesão residual em reto distal
Figura 2: aspecto endoscópico da lesão residual em reto distal
Figura 3: aspecto endoscópico da lesão residual em reto distal com auxílio de NBI
Figura 4: aspiração da lesão com auxílio de cap para formação de pseudopólipo
Figura 5: apreensão do pseudopólipo com alça de polipectomia
Figura 6: aspecto pós ressecção endoscópica

Discussão

A mucosectomia underwater assistida por cap (CAP-UEMR) consiste na utilização de cap endoscópico para sucção da lesão a ser ressecada sob imersão em água, até que seja formado um “pseudopólipo” passível de apreensão e ressecção. Se a ressecção em monobloco não for possível, pode-se realizar novos “pseudopólipos” e ressecar à piece-meal, até que se alcance o resultado desejado, conforme ilustrado na figura abaixo:

Fonte: Ilustração de Uchima Hugo et al. Endoscopy 2023.

O estudo foi uma análise observacional retrospectiva de 83 procedimentos de ressecção endoscópica pela técnica CAP-UEMR, realizados em dois centros entre setembro de 2020 e dezembro de 2021. O desfecho primário foi o sucesso técnico, definido como ressecção completa macroscópica da lesão no índice CAP-UEMR. Os desfechos secundários foram as taxas de sangramento e perfuração. As 83 lesões tratadas tinham um tamanho médio de 20 mm. Foram incluídas 64 lesões deprimidas ou planas (18 previamente manipuladas, 9 com acesso difícil), 11 lesões do apêndice e 8 lesões da válvula ileocecal. Os resultados mostraram uma taxa de sucesso técnico de 100%, com ressecção macroscópica completa alcançada em todas as 83 lesões. Houve 7 casos de sangramento intraoperatório e 2 casos de sangramento tardio, todos tratados endoscopicamente. Nenhuma perfuração ou outras complicações ocorreram. Entre as 64 lesões com colonoscopia de acompanhamento, apenas 1 recorrência foi detectada, que foi tratada endoscopicamente.

Concluiu-se que a CAP-UEMR pode ser uma técnica segura e eficaz para facilitar a ressecção de lesões colorretais complexas. O estudo possui suas limitações, sendo as principais o possível viés de seleção e design retrospectivo e necessidade de estudos comparativos para determinar a eficácia específica do CAP-UEMR em relação a outras técnicas de ressecção.

Referência

Uchima H, Calm A, Muñoz-González R, Caballero N, et al. Underwater cap-suction pseudopolyp formation for endoscopic mucosal resection: a simple technique for treating flat, appendiceal orifice or ileocecal valve colorectal lesions. Endoscopy. 2023 Nov;55(11):1045-1050. doi: 10.1055/a-2115-7797. Epub 2023 Jun 22. PMID: 37348544.

Como citar este artigo

Retes FA. Camilo VF. Castro RFM. Mucosectomia por imersão (underwater) com auxílio de cap – um alternativa para casos difíceis. Endoscopia Terapeutica, 2024 vol II. disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/mucosectomia-por-imersao-underwater-com-auxilio-de-cap-um-alternativa-para-casos-dificeis/




QUIZ! Caso Clínico

Paciente do sexo feminino, 54 anos, hipertensa, com relato de um episódio de hematoquezia ocorrido há 30 dias. Nega perda ponderal ou alteração do hábito intestinal. Realizou colonoscopia, sendo identificada, em reto distal, próximo à linha pectínea, lesão mostrada abaixo medindo cerca de 2 cm.

Foi realizada cromoscopia com índigo carmim e biópsias.




Quiz ! Colonoscopia de rastreio

Paciente feminina de 49 anos em colonoscopia de rastreio foi evidenciada a seguinte alteração.




Remoção endoscópica de corpo estranho impactado no íleo distal: relato de caso e revisão da literatura.

Relato de caso

Masculino, 88 anos, aposentado, apresentando quadro demencial leve, assintomático, foi encaminhado ao serviço de endoscopia após a ingestão acidental de sua prótese dentária fixa. O incidente ocorreu há 15 dias, sem eliminação do objeto nas fezes desde então. Ele buscou atendimento na unidade de emergência de sua cidade, onde uma radiografia revelou a presença do objeto na topografia da fossa ilíaca direita (foto 1). Ao exame físico, não havia alterações relevantes com palpação do abdome inocente.

Figura 1: radiografia de abdome e pelve.

Após preparo colônico com manitol e a realização de uma nova radiografia, que não apontou qualquer mudança na posição inicial da prótese dentária desde a admissão, o paciente foi submetido a colonoscopia. Até a intubação cecal o corpo estranho não foi encontrado, com presença de doença diverticular no hemicólon esquerdo (foto 2 e 3).

Percorridos cerca de 15 cm do íleo distal, a prótese dentária foi localizada. Com o auxílio de uma alça multifilamentar, foi possível mobilizá-la e, em seguida, capturar o corpo estranho impactado, trazendo-o até o ceco (vídeo 1). A remoção cuidadosa através dos cólons foi realizada com insuflação máxima e manobras delicadas nas angulações até a extração por via retal. Durante todo o procedimento, utilizou-se CO2 como gás insuflador e foi administrado antiespasmódico (escopolamina). Na revisão pós-remoção, não havia laceração da mucosa ou sinais de perfuração nos segmentos avaliados.

A prótese mediu 3 cm sendo composta por 5 dentes com três espiculas de superfície pontiaguda (pinos de fibra de vidro), tornando o segmento envolvido na impactação vulnerável a perfuração. (vídeo 2).

Clique aqui para visualizar outro caso de corpo estranho tratado por colonoscopia.

Discussão

A ingestão de corpos estranhos (CE) afeta diversos grupos etários e pode ser extremamente desafiador. Na maioria dos casos (quase 80%), não é necessária uma intervenção invasiva, já que os corpos estranhos passam pelo trato gastrointestinal (TGI) sem agravos. No entanto, cerca de 20% dos pacientes podem enfrentar complicações relativa a migração de objetos ao longo do trajeto pelo TGI, incluindo impactação (com ou sem obstrução), formação de fístulas, abscessos, sangramento e perfuração. Esta última, embora seja extremamente rara, ocorrendo em até 1% dos casos, é a complicação mais temida e potencialmente grave. 

Desde o primeiro relato em 1972 da remoção bem-sucedida de um CE usando um endoscópio flexível por McKechnie et al, este método continua a evoluir. A técnica endoscópica representa uma abordagem segura e minimente invasiva, com baixa morbidade e taxa de sucesso na remoção próximo a 95%. 

Entre os grupos com risco aumentado para ingestão acidental de corpos estranhos estão crianças, idosos, pessoas com transtornos psiquiátricos, aqueles sob intoxicação (alcoólica/entorpecentes), além dos indivíduos encarcerados (proposital para ganho secundário). Adultos e idosos, como no relato do caso, com problemas bucais e dentários (p. ex. usuários de próteses), estão particularmente expostos a ingestão acidental de CE devido a dificuldades mastigatórias e à redução da sensibilidade da cavidade oral.    

Os segmentos do TGI mais expostos à perfuração por CE são aqueles estreitados e com angulações naturais. Por essa razão possuem risco aumentado os esfíncteres esofágicos superior e inferior, o piloro, o duodeno, a válvula ileocecal, o apêndice e o cólon sigmoide. Quando o objeto ultrapassa o canal pilórico o intestino delgado se torna particularmente vulnerável devido ao seu lúmen ser relativamente reduzido. Pacientes com histórico cirúrgico abdominal (com anastomoses/aderências), doença diverticular, bem como massas intra-abdominais, merecem atenção especial.  

Existem diretrizes claras para as indicações de intervenções endoscópicas quando o objeto se encontra no trato gastrointestinal proximal ao ligamento de Treitz. No entanto, atualmente, há evidências limitadas sobre o papel da colonoscopia após a migração distal de corpos estranhos para o íleo e cólon, assim como escassos protocolos sobre o manejo para remoção desses objetos. 

Quando optado pelo tratamento conservador, em assintomáticos, o monitoramento por até uma semana pode ser realizado, visto que a maioria dos corpos estranhos ingeridos é excretada sem intercorrências pelo trato digestivo. A radiografia seriada a cada 72 horas é uma estratégia para acompanhar a progressão do CE ao longo do TGI. 

As indicações para a intervenção cirúrgica após ingestão de corpos estranhos incluem: (1) falha na remoção endoscópica, (2) inaptidão do paciente para endoscopia, (3) presença de complicações graves (perfuração, sangramento maciço, sinais de peritonite, abscessos cavitários, etc.). 

Avaliar as características do corpo estranho ingerido como sua forma, quantidade, tamanho, superfície, consistência, mobilidade, entre outros, é crucial ao considerar a remoção colonoscópica, a fim de traçar uma estratégia terapêutica e prever possíveis complicações. Esse risco aumenta consideravelmente quando o objeto é alongado e possui uma superfície pontiaguda, como espinhas de peixe, ossos de galinha ou palitos de dente. Há uma variedade de dispositivos disponíveis para auxiliar a extração, e a escolha deve ser feita após análise minuciosa das peculiaridades do corpo estranho. Estes dispositivos incluem CAPs (rígidos, flexíveis, plásticos, de látex), alças e pinças de diferentes tamanhos e formatos, rede coletora (Roth Net), overtube, fio guia, entre outros. A radiografia e a tomografia de abdome são importantes para definir o posicionamento do CE ao longo do TGI, se possível, deve ser realizado antes e após o preparo do cólon, para se certificar que não houve mudança do posicionamento do objeto. 

 Com relação ao intestino delgado a válvula ileocecal constitui uma barreira anatômica natural a progressão. A enteroscopia, quando disponível, pode ser utilizada para recuperar corpos estranhos nessa topografia. 

Conclusão

A abordagem endoscópica para remoção de corpos estranhos é uma alternativa segura e eficaz quando a intervenção se torna imperativa. Apesar de não estar isenta de riscos, sua natureza menos invasiva e traumática, em comparação com procedimentos cirúrgicos, a torna uma opção a ser considerada, especialmente para pacientes sem sinais de complicações, conforme exemplificado neste caso.

Referências

  1. Descending colon perforation due to ingestion of Foreign Body. Christos Tepelidis et al. Journal List. Cureus. Oct 2023;
  2. Small bowel perforation secondary to foreign body ingestion mimicking acute appendicitis. Ma, Tantan MSa; Zheng, Wentao BDb; An, Beiying MSa; Xia, Yan MDa; Chen, Geng MD.  Medicine July 2019;
  3. Endoscopic removal of foreign bodies: A retrospective study in Japan. Kenji JL Limpias Kamiya  et al. World Journal of Gastrointestinal Endoscopy.  Jan. 2020;
  4. Endoscopic foreign body retrieval from the caecum – A case report and push for intervention guidelines  Sharie Apikotoa, Helen Ballal, and Ruwan Wijesuriya Internal Journal of Surgery. Jan 2022;
  5. Minimally invasive extraction of a Foreign Body from the small intestine using double baloon endoscopy. Nakamura ET AL.  Nagoya Journal of  Medincine Science. Feb. 2015;
  6. The role of endoscopy in the management of patients with known and suspected colonic obstruction and pseudo-obstruction. M. Edwyn Harrison. GIE – Gastrointestinal endoscopy. April 2010;
  7. Management of ingested foreign bodies and food impactions. ASGE Standards of Practice Committee. June 2011.

Como citar este artigo

Vieira B B. Remoção endoscópica de corpo estranho impactado no íleo distal: relato de caso e revisão da literatura. Endoscopia Terapeutica 2024 vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/?p=18662




Quiz Cólon

Paciente masculino 73 anos, obeso, hipertenso e diabético, submetido a cirurgia de quadril devido a fratura no colo do fêmur. No segundo dia de pós-operatório, iniciou com quadro de dor e distensão abdominal associado a parada de eliminação de fezes. Rx de abdome demonstrava dilatação difusa do cólon, sem dilatação significativa de alças de delgado. Foram iniciadas, então, medidas de suporte clínico, como jejum, hidratação, passagem de sonda nasogástrica e suspensão de medicamentos opioides. Paciente evoluiu sem melhora clínica, com piora da distensão abdominal sendo submetido a TC de abdome no quinto dia de pós-operatório. Exame mostrou grande dilatação difusa de todo cólon, com diâmetro estimado do ceco de 14 cm. A equipe de endoscopia foi chamada para realização de colonoscopia descompressiva.




Volvo de transverso em paciente com Síndrome de West

Autores: Flávio Ferreira, Elba Alves, Diego Malta, Ewandson Pedroza, Rebecca Rushansky

Paciente de 16 anos, feminina, portadora de síndrome de West, desnutrida com importante sequela motora e retardo mental em decorrência de doença de base caracterizada por crises convulsivas frequentes desde a infância. Genitora relata que a paciente foi admitida em unidade de emergência com quadro de vômitos, dor abdominal, diarreia há cerca de 4 dias, tendo recebido tratamento com hidratação, analgesia e lavagem retal, sendo liberada em sequência. A paciente permaneceu com os mesmos sintomas, tendo evoluído com piora importante da distensão abdominal levando a novo atendimento em unidade de emergência após 3 dias. 

Na admissão a paciente encontrava-se caquética, com posição viciosa de membros,  taquipneica, murmúrio vesicular abolido em bases, padrão respiratório de esforço, taquicárdica, hipotensa com distensão abdominal severa sendo possível identificar mosqueamento cutâneo em região do abdômen, dor abdominal difusa sem sinais de irritação peritoneal, ausência de ruídos hidroaéreos, toque retal sem fezes ou lesões.

Os principais exames laboratoriais evidenciam hemoglobina 7,7 g/dl, leucograma  26.850 com 8% de bastões, plaquetas 173.000  Uréia 20 Creatinina 0,5. Na gasometria arterial pH 7,48 com PCO2 19,8 bicarbonato de 19,1 e lactato de 3,5mmol/l.

Radiografia simples de abdome demonstra congestão pulmonar, redução dos espaços  intervertebrais em tórax, distensão abdominal severa, ausência de pneumoperitônio (Figura 1). A tomografia de abdome corrobora os achados do raio X simples de abdome, evidenciando ainda diâmetro do cólon de aproximadamente 13cm (Figura 2). 

Figura 1: Radiografia de tórax e abdome PA
Figura 2: tomografia de abdome sem contraste (A: distensão colônica exercendo efeito de massa sobre pulmões e coração ;  B: distensão colônica em pelve; C e D distensão com detalhe para aspecto em formato de U invertido com nível hidroaéreo à direita e esquerda)

Após discussão multidisciplinar, optou-se pela tentativa de colonoscopia descompressiva, com equipe cirúrgica em sala para abordagem em caso de não resolução ou complicações.

Durante a colonoscopia percebe-se presença de resíduos fecais em moderada quantidade, distensão não importante de reto e sigmoide. Progressão do aparelho por um segmento relevante sendo evidenciados resíduos fecais, mucosa com áreas de enantema e certa friabilidade. Em determinado ponto, não sendo possível identificar qual segmento colônico, o aparelho atingiu uma área de torção com mucosa difusamente violácea, congesta. Após a transposição desta área o aparelho atinge cólon extremamente distendido com mucosa enegrecida, friável, indicando isquemia e necrose (Figura 3). Aspirado mais de 2000ml de líquido de estase e gás com evidente redução do volume abdominal da paciente (Figura 4).  

Figura 3: Imagens da colonoscopia (A e B – sigmóide e descendente; C a F – isquemia e necrose em transverso) 
Figura 4: paciente antes e depois da colonoscopia descompressiva

Equipe cirúrgica procedeu então laparotomia de emergência com achado de líquido citrino em cavidade abdominal, cólon sigmóide e descendente preservados; volvo em cólon transverso o qual apresentava isquemia irreversível e necrose; ceco e cólon ascendente distendidos porém sem evidências de isquemia (Figura 5). O procedimento cirúrgico realizado foi a ressecção do cólon transverso com colostomia e sepultamento do coto distal.

Figura 5 – imagens da cirurgia

Paciente encaminhada para UTI no pós operatório, já em uso de drogas vasoativas, mantendo taquicardia, hipotensão e necessidade de ventilação mecânica. Durante sua evolução manteve-se com abdome flácido, colostomia de bom aspecto e funcionante. Seu quadro clínico no entanto sempre persistiu grave, com tentativas falhas de desmame de ventilação mecânica, agravamento das crises convulsivas já frequentes antes do internamento hospitalar. Neste cenário, considerando gravidade de doença de base em si com paciente apresentando convulsões frequentes, totalmente dependente para cuidados, com disfagia, dupla incontinência e a gravidade da paciente no momento, equipe médica e familiares optaram por manter medidas proporcionais de cuidado. Paciente faleceu no 11º dia de internamento hospitalar.

Discussão

A síndrome de West corresponde a uma encefalopatia caracterizada em sua forma clássica por crises convulsivas na infância, hipsarrtimia (alterações de atividade elétrica na eletroencefalografia) e retardo do desenvolvimento psicomotor. No caso da paciente, a falta de acesso aos sistemas de saúde levaram a diagnóstico tardio e tratamento irregular determinando desenvolvimento de uma forma severa da doença com qualidade de vida limitada.

Volvos colônicos correspondem à rotação de um segmento de cólon determinando torção de seu mesentério com consequente isquemia e distensão à montante. Volvo de sigmóide é a forma mais frequente correspondendo a cerca 80% dos casos, seguido de ceco/cólon ascendente (menos de 20%) e raros casos de volvo de transverso.  Os principais sintomas são dor e distensão abdominal, constipação, vômitos, interrupção de eliminação de fezes e flatos. Nos casos mais graves há perfuração de alça com sinais de peritonite e choque séptico. A evolução pode ser lenta com episódios recorrentes de dor alternados com remissão sintomática por distorção espontânea do volvo.

A radiografia simples de abdome pode evidenciar o sinal clássico em “grão de feijão” além de permitir a avaliação da extensão da obstrução, distensão concomitante de delgado e presença ou não de pneumoperitônio. A tomografia de abdome pode evidenciar os mesmos sinais e trazer maior detalhamento dos segmentos colônicos com medidas precisas do calibre do órgão, fato este relevante pois há risco aumentado de perfuração quando o diâmetro cecal é superior a 12 cm.

Pacientes sem sintomas ou sinais radiológicos sugestivos de perfuração devem ser submetidos a colonoscopia para desobstrução do volvo. O preparo anterógrado é contraindicado, no entanto a lavagem retal pode ser utilizada. O exame deve ser realizado com mínima insuflação sendo necessário ultrapassar a região da torção, descomprimir o cólon (aspirando o conteúdo líquido e removendo o gás). A avaliação da viabilidade da mucosa é essencial, buscando sinais de isquemia ou perfuração para determinar se será necessário realizar tratamento cirúrgico imediato ou não. A taxa de sucesso da colonoscopia descompressiva é alta (60-95%), no entanto a taxa de recorrência a longo prazo é elevada (43 a 75%) caso o paciente não seja submetido a tratamento cirúrgico posteriormente.

Pacientes com sinais de perfuração, com insucesso técnico na descompressão endoscópica ou que apresentem sinais de inviabilidade do cólon durante colonoscopia devem ser submetidos a cirurgia de urgência com ressecção do segmento com isquemia irreversível.

O tratamento cirúrgico de escolha, posterior a colonoscopia descompressiva bem sucedida,  é a ressecção do segmento colônico envolvido. Tratamento cirúrgico sem ressecção (pexia) possui taxa de recorrência variável na literatura podendo chegar a 29-36%, devendo ser considerado apenas em casos selecionados. 

Clique aqui para saber mais sobre o assunto com outras imagens como o sinal do “grão de café” e publicações sobre volvo colônico. 

Referências

  1. Bayileyegn NS, Merga OT. Simultaneous cecal and transverse colon volvulus: An exceedingly rare case of intestinal obstruction from Ethiopia: A case report and review of literatures. Int J Surg Case Rep. 2023 Oct;111:108725. doi: 10.1016/j.ijscr.2023.108725. Epub 2023 Sep 4. PMID: 37769412; PMCID: PMC10539922.
  2. Tian BWCA, Vigutto G, Tan E, van Goor H, Bendinelli C, Abu-Zidan F, Ivatury R, Sakakushev B, Di Carlo I, Sganga G, Maier RV, Coimbra R, Leppäniemi A, Litvin A, Damaskos D, Broek RT, Biffl W, Di Saverio S, De Simone B, Ceresoli M, Picetti E, Galante J, Tebala GD, Beka SG, Bonavina L, Cui Y, Khan J, Cicuttin E, Amico F, Kenji I, Hecker A, Ansaloni L, Sartelli M, Moore EE, Kluger Y, Testini M, Weber D, Agnoletti V, Angelis ND, Coccolini F, Sall I, Catena F. WSES consensus guidelines on sigmoid volvulus management. World J Emerg Surg. 2023 May 15;18(1):34. doi: 10.1186/s13017-023-00502-x. PMID: 37189134; PMCID: PMC10186802.
  3. Bouali M, Yaqine K, Elbakouri A, Bensardi F, Elhattabi K, Fadil A. Ischemic volvulus of the transverse colon caused by intestinal malrotation: A case report. Int J Surg Case Rep. 2021 Jun;83:105971. doi: 10.1016/j.ijscr.2021.105971. Epub 2021 May 18. PMID: 34023547; PMCID: PMC8163956.
  4. Alavi K, Poylin V, Davids JS, Patel SV, Felder S, Valente MA, Paquette IM, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Management of Colonic Volvulus and Acute Colonic Pseudo-Obstruction. Dis Colon Rectum. 2021 Sep 1;64(9):1046-1057. doi: 10.1097/DCR.0000000000002159. PMID: 34016826.

Como citar este artigo

Ferreira F. Volvo de transverso em paciente com Síndrome de West. Endoscopia Terapeutica 2024 vl. 01. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/?p=18604




Ressecções de cólon com invasão acima de 1000 micras (sm1), acometimento linfovascular, pouco diferenciadas e budding de alto risco, tem sempre indicação cirúrgica?

O guideline da ESGE publicado em 2022 recomenda que ressecções R0 em monobloco, com invasão submucosa superficial (sm1), bem a moderadamente diferenciadas, sem invasão linfovascular e sem budding de graus 2 ou 3, devam ser consideradas curativas.1

Isto pois, tumores com pelo menos uma característica citada acima, podem estar associados a um risco acometimento linfonodal de até 20%.2 Dessa forma, tradicionalmente cerca de 65% desses pacientes são submetidos a ressecção cirúrgica.3

No entanto esse é um conceito que está sendo revisto. O mesmo guideline, apesar da baixa qualidade de evidência nesse quesito, sugere que pacientes ressecções R0 atendendo ao critério único de alto risco de invasão submucosa mais profunda que sm1 (bem a moderadamente diferenciada, sem invasão linfovascular e sem budding 2 ou 3), possam ser submetidos a quimioradioterapia ou mesmo apenas acompanhamento, após uma avaliação individual e multidisciplinar.

Essa conduta conservadora já é muito utilizada especialmente para reto. Apesar de lesões nessa topografia serem um fator de risco para acometimento linfonodal (OR 1,36, P = 0,003), as opções cirúrgicas são também mais agressivas do que no cólon (incluindo amputação abdominoperineal) com taxas de mortalidade de 3% e morbidade de até 40%.1,4,5

Pontos Chaves:

Ressecção R0 colônica curativa:

  • SM1;
  • bem a moderadamente diferenciada;
  • sem invasão linfovascular;
  • sem budding 2 ou 3.

Ressecção R0 T1 de alto risco (com um fator):

  • ≥ 1000µM;
  • pouco diferenciada;
  • invasão linfovascular;
  • budding 2 ou 3.

Com objetivo de avaliar pacientes submetidos a resseções R0 de alto risco, um recente estudo publicado comparou retrospectivamente entre 14 centros terciários, pacientes submetidos a complementação cirúrgica versus seguimento conservador (vigilância).6

Foram incluídos pacientes com pelo menos um dos fatores de risco citados e excluídos pacientes sem condições cirúrgicas com objetivo de homogeneizar os grupos. O grupo cirúrgico incluiu 107 pacientes e apresentou mais comumente riscos histopatológicos múltiplos e localização em cólon. No grupo vigilância foram incluídos 90 pacientes, sendo nestes mais prevalentes comorbidades clínicas e utilização da técnica ESD.6

Após um balanceamento das características dos grupos afim de se evitarem vieses, não foram encontradas diferença significativas nas taxas de morte e recorrência do câncer (taxa de risco ponderada 0,95; IC 95%, 0,52 -1,75). Não foram também encontradas diferenças significativas na sobrevida global entre os 2 grupos (1,19; IC 95%, 0,49-2,88) ou na taxa de morte e recorrência de câncer à distância (1,17; IC 95%, 0,66-2,1).6

Em uma análise de sensibilidade restrita a pacientes submetidos à ressecção em monobloco, comparando 87 pacientes submetidos à cirurgia com 75 pacientes controle, não foram encontradas diferenças significativas na taxa de morte e recorrência de câncer entre os grupos (1,42; IC 95%, 0,66-3,04).6

Apesar do contraste destes resultados com trabalhos anteriores, em um recente estudo multicêntrico retrospectivo, que incluiu mais de 200 pacientes submetidos a ESD com achados histopatológicos de alto risco, foram obtidos desfechos semelhantes.7 Numa meta-análise publicada, o risco de recorrência à distância da ressecção endoscópica comparado com ressecção endoscópica seguida de cirurgia adicional, foi também semelhante, 7,2% e 5,6%, respetivamente.8

Mesmo com maior presença de acometimento linfonodal nas ressecções de alto risco, estes pacientes não apresentam pior prognóstico clínico. A teoria que explica isso consiste em que os gânglios preservados são importantes para a educação imunológica, contribuindo para erradicação tumoral local. Entretanto esses achados não foram evidenciados em reto, demonstrando provavelmente um maior efeito imune no cólon.6

Novos estudos sugerem que pacientes com ressecções T1 de alto risco podem não se beneficiar de cirurgia adicional, especialmente na indicação de cirurgias retais ou em pacientes de alto risco cirúrgico. Pacientes devem estar sempre envolvidos na decisão, sendo informados sobre os riscos associados à cirurgia em relação à sua idade e comorbidades e os riscos de recorrência do câncer no longo prazo. Por outro lado, uma localização retal parece associado a um maior risco de recorrência, o que pode necessitar de tratamento adjuvante.

Conclusão:

Ressecção R0 T1 de alto risco, em casos selecionados, pode ser optado pela vigilância ao invés do procedimento cirúrgico. Entretanto lesões de reto ainda devem receber tratamento adjuvante.

Referências

  1. Pimentel-Nunes P, Libânio D, Bastiaansen BAJ, et al. Endoscopic submucosal dissection for superficial gastrointestinal lesions: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) guidelinedupdate 2022. Endoscopy 2022;54:591-622.
  2. Choi JY, Jung SA, Shim KN, et al. Meta-analysis of predictive clinicopathologic factors for lymph node metastasis in patients with early colorectal carcinoma. J Korean Med Sci 2015;30:398.
  3. Yoda Y, Ikematsu H, Matsuda T, et al. A large-scale multicenter study of long-term outcomes after endoscopic resection for submucosal invasive colorectal cancer. Endoscopy 2013;45:718-24.
  4. Ragg JL, Watters DA, Guest GD. Preoperative risk stratification for mortality and major morbidity in major colorectal surgery. Dis Colon Rectum 2009;52:1296-303.
  5. Lujan J, Valero G, Biondo S, et al. Laparoscopic versus open surgery for rectal cancer: results of a prospective multicentre analysis of 4,970 patients. Surg Endosc 2013;27:295-302
  6. Corre F, Albouys J, Tran VT, et al. Impact of surgery after endoscopically resected high-risk T1 colorectal cancer: results of an emulated target trial. Gastrointest Endosc. 2024 Mar;99(3):408-416.e2. doi: 10.1016/j.gie.2023.09.027. Epub 2023 Oct 2. PMID: 37793506.
  7. Spadaccini M, Bourke MJ, Maselli R, et al. Clinical outcome of noncurative endoscopic  ubmucosal dissection for early colorectal cancer. Gut 2022;71:1998-2004.
  8. van Oostendorp SE, Smits LJH, Vroom Y, et al. Local recurrence after local excision of early rectal cancer: a meta-analysis of completion TME, adjuvant (chemo)radiation, or no additional treatment. Br J Surg 2020;107:1719-30.

Como citar este artigo

Oliveira JF. Ressecções de cólon com invasão acima de 1000 micras (sm1), acometimento linfovascular, pouco diferenciadas e budding de alto risco, tem sempre indicação cirúrgica? Endoscopia Terapeutica 2024, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/resseccoes-de-colon-com-invasao-acima-de-1000-micras-sm1-acometimento-linfovascular-pouco-diferenciadas-e-budding-de-alto-risco-tem-sempre-indicacao-cirurgica/




Pólipo hamartomatoso juvenil solitário pediátrico: relato de caso e revisão de literatura.

Paciente do sexo feminino, 4 anos de idade, apresentando episódios recorrentes de sangramento retal (hematoquezia) há 11 meses, sem instabilidade hemodinâmica ou necessidade de hemotransfusão. Histórico atual de intolerância à lactose, sem outras doenças crônicas ou cirurgias. Apesar da exclusão de lacticínios e derivados da dieta, os episódios de sangramento persistiram.
Realizou colonoscopia, ambulatorialmente, onde foi identificado um pólipo pediculado lobulado no cólon descendente distal, com mucosa congesta e edematosa, coberta por fibrina e áreas hiperêmicas, com padrão de criptas tipo II de Kudo (Fig.1-2). O pólo cefálico tinha aproximadamente 3 cm de diâmetro, com um pedículo longo e largo (Fig.3-4). Foi realizada a polipectomia utilizando alça diatérmica, com ressecção completa em monobloco (Fig.5-6). Optou-se pelo fechamento do sítio da excisão com um endoclipe, sem complicações (Fig.7-8). Não houve achados adicionais nos demais segmentos estudados. O procedimento teve duração de 30 minutos, com alta da paciente após sua conclusão.

O exame anatomopatológico revelou tratar-se de uma lesão polipóide hiperplásica benigna, com estroma frouxo (Fig.9-10). As estruturas glandulares estavam hiperplásicas, variando de tamanho e ocasionalmente dilatadas cisticamente, sem apresentar atipias. O diagnóstico é compatível com pólipo hamartomatoso juvenil.

Revisão de literatura

As principais causas de hemorragia digestiva baixa, em crianças de 2 a 12 anos, incluem fissura anal, pólipo juvenil, enterocolite infecciosa e DII (Doença Inflamatória Intestinal). Mais raramente, podem estar relacionadas à úlcera retal solitária, duplicação intestinal, púrpura de Henoch-Schönlein, síndrome hemolítico-urêmica e malformação vascular colônica.

A presença de pólipo hamartomatoso juvenil solitário (esporádico), em crianças com menos de 10 anos de idade, tem incidência de até 2%. O termo “juvenil” refere-se ao tipo anatomopatológico do pólipo e não à idade de aparecimento. Apesar de serem infrequentes, também são descritos casos em adultos. Esses pólipos não são neoplásicos, apresentando histologicamente espaços císticos dilatados, inflamação, aumento da vascularização e áreas de destruição epitelial.

Distribuem-se por qualquer segmento colônico, com predileção pelo hemicólon esquerdo, sendo a topografia retossigmoidea a mais comum. O tipo pediculado é o mais frequente. Apesar da denominação “pólipos juvenis solitários”, eles podem ser únicos ou ocorrer em até 5 pólipos, sendo que 50% das crianças com essa condição apresentam mais de um pólipo. A verdadeira incidência de pólipos juvenis solitários é subestimada devido à sua apresentação clínica discreta e, geralmente, indolor, além da dificuldade do acesso a exame confirmatório.

O tipo pediculado é o mais frequente. Eventualmente, pode ocorrer torção no próprio eixo e autoamputação do pólipo, com consequente hemorragia, que pode ser volumosa.

Ao exame, o tamanho varia de 1 a 3 cm de diâmetro, com friabilidade associada, o que leva ao sangramento retal. Pode haver prolapso do pólipo através do ânus e, raramente, dor abdominal. Um terço das crianças apresenta-se com anemia microcítica em consequência do sangramento crônico, fato que pode induzir erroneamente o diagnóstico de doença inflamatória intestinal e postergar a solicitação da colonoscopia.

É essencial frisar que o pólipo hamartomatoso juvenil solitário difere da síndrome da polipose juvenil familiar (SPJ). A SPJ também é caracterizada pela presença de pólipos hamartomatosos contudo trata-se de uma doença genética autossômica dominante, causada por mutações nos genes SMAD4 e BMPR1A, que confere um risco aumentado de desenvolver câncer no trato gastrointestinal ao longo da vida. A SPJ abrange a Síndrome da Polipose Juvenil, a Síndrome de Peutz-Jeghers e a Síndrome do Tumor Hamartomatoso PTEN. O diagnóstico da SPJ requer o preenchimento de um dos seguintes critérios:

  • 1) mais de 5 pólipos juvenis no cólon e/ou no reto;
  • 2) múltiplos pólipos juvenis ao longo do trato gastrointestinal;
  • 3) qualquer número de pólipos com história familiar presente.

A SPJ familiar é uma condição pré-neoplásica, distinguindo-se do pólipo hamartomatoso solitário, que é esporádico, benigno e apresenta baixo risco de malignização.

A colonoscopia é uma ferramenta amplamente utilizada em todo o mundo para diagnosticar sangramentos gastrointestinais baixos e, frequentemente, serve como método terapêutico em muitos desses casos. No entanto, os exames endoscópicos pediátricos apresentam particularidades que exigem cuidados mínimos essenciais, devendo ser realizados em hospitais que possuam serviços de pediatria e anestesia preparados, tendo assegurado o apoio multiespecialidades indispensáveis ao tratamento de possíveis complicações, sobretudo quando se pratica endoscopia terapêutica.  Além disso, o preparo adequado dos cólons é outro aspecto crucial, que pode representar um desafio, podendo atrasar ou adiar o acesso ao exame, diagnóstico e tratamento.

Como tratamento padrão, preconiza-se a remoção desses pólipos por via endoscópica, utilizando a técnica e os recursos adequados.

Conclusão

A investigação do sangramento corretal persistente em crianças com menos de 10 anos deve incluir a realização de colonoscopia. Na presença de um pólipo hamartomatoso juvenil esporádico, após a completa remoção, dado o baixo risco de transformação maligna, não há indicação de repetir a colonoscopia rotineiramente ou encaminhamento para aconselhamento genético, eliminando a necessidade de qualquer acompanhamento posterior adicional.

Referências

  1. Yachha SK, Khanduri A, Sharma BC, Kumar M. Gastrointestinal bleeding in children. Journal of Gastroenteroly and Hepatology. 1996;11:903–907.
  2. Colonoscopic finding in children with lower gastrointestinal complaints. Journal of Gastroenteroly and Hepatology. 2023 Nov 8;7(12):863-868.
  3. Current role of colonoscopy in infants and young children: a multicenter study.  BMC Gastroenterology. 2019; 19: 149.
  4. A solitary rectal juvenile polyp with chicken skin-like changes in the surrounding mucosa in an adult: A case report. Experimental and  Therapeutic Medicine. 2023 Apr; 25(4): 185.
  5. Cancer risk and mortality in patients with solitary juvenile polyps—A nationwide cohort study with matched controls. United European Gastroenterology Journal. jul, 2023.
  6. Figueiredo LZ, Martins BC. Síndrome da Polipose Juvenil. Endoscopia Terapêutica. 2022; vol 1. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-da-polipose-juvenil.

Como citar este artigo

Vieira BB. Pólipo hamartomatoso juvenil solitário pediátrico: relato de caso e revisão de literatura. Endoscopia Terapeutica 2024, Vol I. disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/polipo-hamartomatoso-juvenil-solitario-pediatrico-relato-de-caso-e-revisao-de-literatura/