Síndrome da Artéria Mesentérica Superior como Causa Subestimada de DRGE: O que o Endoscopista Precisa Saber
A síndrome da artéria mesentérica superior, também conhecida como síndrome de Wilkie, é uma condição rara e frequentemente subdiagnosticada, caracterizada pela compressão do duodeno entre a artéria mesentérica superior e a aorta (1,2). Descrita em 1842 por Carl von Rokitansky (1804–1878), com base em achados de autópsias (3,5), sua fisiopatologia envolve a redução da angulação entre a aorta e a artéria mesentérica superior, associada à tração cranial do duodeno distal exercida pelo ligamento de Treitz (1).
Em 1908, Codman propôs que a obstrução duodenal crônica decorrente dessa compressão poderia justificar sintomas gastrointestinais inespecíficos, como pirose e epigastralgia (6). Em 1927, David Wilkie (1882–1938) descreveu, em uma série de casos, aspectos fisiopatológicos que corroboravam a teoria de Codman, além de propor estratégias terapêuticas iniciais (2,4). Posteriormente, em 1948, Grauer utilizou pela primeira vez o termo “síndrome de Wilkie”, um dos vários sinônimos conhecidos para a caracterização dessa condição (5).
A compressão duodenal pela artéria mesentérica superior é rara e de diagnóstico difícil, com incidência estimada entre 0,013% e 0,78%, de acordo com estudos radiográficos (7–12). Pode ser congênita ou adquirida, sendo mais frequente em mulheres jovens. Associa-se à perda ponderal rápida, estados catabólicos (13–15), ou ocorre em decorrência de alterações anatômicas pós-operatórias e imobilizações prolongadas (12,13,16). Na infância, as causas mais comuns incluem hipertrofia ou encurtamento congênitos do ligamento de Treitz e implantação anômala da artéria mesentérica superior (12,17).
O pinçamento aorto-mesentérico pode se manifestar com sintomas inespecíficos, como dor abdominal, náuseas, saciedade precoce e perda de peso (18). Sua associação com doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e doença ulcerosa péptica tem sido descrita na literatura (19,20). A DRGE, definida como o retorno do conteúdo gástrico ao esôfago com potencial para sintomas e/ou complicações, pode ser agravada por condições que retardam o esvaziamento gástrico, como a obstrução duodenal extrínseca observada na síndrome da artéria mesentérica superior (21). Nesses casos, a estase alimentar e o aumento da pressão intragástrica favorecem o refluxo gastroesofágico. Além disso, a presença de gastroptose — frequentemente observada em indivíduos magros e longilíneos — pode coexistir, contribuindo para a sua fisiopatologia (19).
Uma série de casos com 30 pacientes apresentando sintomas de refluxo gastroesofágico demonstrou predomínio do sexo feminino e baixo índice de massa corporal, com alta frequência de gastroptose concomitante (19). Os autores sugerem que o pinçamento aorto-mesentérico induz, especialmente, refluxo biliar alcalino, neutralizando o conteúdo ácido gástrico e contribuindo para um quadro de DRGE com pH elevado. A coexistência de refluxo gástrico e duodenal parece estar associada a piores desfechos clínicos, com maior taxa de complicações em comparação ao refluxo ácido isolado (22–24).
O tratamento inicial, nos casos leves ou moderados, é conservador, com medidas comportamentais, como modificações dietéticas e posturais após as refeições. Em casos com sintomas de DRGE, pode-se instituir terapia com inibidores de bomba de prótons (19–25). A abordagem cirúrgica é reservada aos pacientes refratários ao tratamento clínico.
O diagnóstico é preferencialmente realizado por tomografia computadorizada, com achados característicos como ângulo aorto-mesentérico inferior a 22° e distância entre os vasos menor que 8 mm (25). A endoscopia digestiva alta pode ser útil nos estágios iniciais, embora não seja conclusiva isoladamente. Kim et al. (26) descreveram três achados endoscópicos indiretos sugestivos de pinçamento aorto-mesentérico:
- 1- compressão vertical ou oblíqua pulsátil na terceira porção duodenal com expansão luminal inferior a 30% mesmo após insuflação contínua por 15 segundos;
- 2- dilatação do duodeno proximal;
- 3- presença de secreção biliosa na câmara gástrica.
Outros exames complementares incluem o ultrassom com Doppler, para avaliação do espaço aorto-mesentérico, e a cintilografia de esvaziamento gástrico (25).
Dada sua fisiopatologia peculiar e apresentação clínica inespecífica, a SAMS deve ser considerada no diagnóstico diferencial de DRGE, especialmente em pacientes jovens, magros ou com história de perda ponderal significativa. A suspeição clínica por parte do endoscopista pode ser determinante para o diagnóstico precoce e o encaminhamento adequado. Reconhecer os sinais indiretos endoscópicos, contextualizados com achados clínico-radiológicos, é essencial para evitar atrasos terapêuticos em uma condição potencialmente reversível.
Veja mais: Caso clínico: síndrome de artéria mesenterica superior • Endoscopia Terapeutica
Referências
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Como citar este artigo
Zwetkoff BHF, Campos JB. Síndrome da Artéria Mesentérica Superior como Causa Subestimada de DRGE: O que o Endoscopista Precisa Saber. Endoscopia Terapeutica, 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-da-arteria-mesenterica-superior-como-causa-subestimada-de-drge-o-que-o-endoscopista-precisa-saber/