Devemos fixar próteses metálicas totalmente recobertas em patologias benignas?

Resumo do artigo “Evaluating no fixation, endoscopic suture fixation, and an over-the-scope clip for anchoring fully covered self-expandable metal stents in benign upper GI conditions: a comparative multicenter international study” publicado na GIE em março de 2025.

As próteses metálicas endoscópicas foram introduzidas na década de 1990 e tem aplicação no manejo de diversas patologias. No contexto das doenças benignas, que envolvem estenoses, fístulas, perfurações e sangramento refratário de varizes esofágicas, são utilizadas as próteses totalmente recobertas (FCSEMS). Estes modelos de prótese contam com um revestimento de silicone que previne o crescimento tecidual, permitindo sua remoção, porém apresentam maior potencial de migração.

Fig. 1 – Técnicas de fixação das próteses: Superior, clipe over-the-scope. Inferior, sutura endoscópica. Adaptado de Mehta A et al., Gastrointest Endosc. 2025 [1].

O trabalho de Amit Mehta e colaboradores avaliou o benefício da fixação das FCSEMS com clipes over-the-scope ou sutura endoscopica em patologias benignas do trato gastrointestinal superior quando comparados à não fixação. Foi realizado um estudo de coorte retrospectiva que incluiu os dados de 16 centros entre 2011 e 2022, avaliando defechos que envolveram duração dos procedimentos, migração das próteses, sucesso clínico, sucesso técnico e eventos adversos.

Foram incluídos 311 pacientes com 316 FCSEMS colocadas, sendo que em 122 pacientes (39,2%) não foi realizada fixação, em 95 realizada fixação com sutura (30,5%) e em 94 fixação com clipe over-the-scope (30,2%). A necessidade de tratamento endoscópico decorreu da presença de estenose benigna em 174 pacientes (56%), fístula ou perfuração em 135 casos (43%) e sangramento refratário de varizes esofágicas em 2 (0,6%).

A duração dos procedimentos foi de 41,7 ± 34,5 minutos para o grupo sem fixação, 79,5 ± 53,3 minutos no grupo da sutura endoscópica e 66 ± 44,9 minutos nas próteses fixadas com clipe over-the-scope, observando-se menor tempo de procedimento com diferença estatisticamente significativa (p<0,01) quando não realizada fixação da prótese em comparação aos demais grupos. Não houve diferença significativa do tempo de procedimento quando comparadas as duas tecnicas de fixação.

Ocorreu migração de 88 das 316 próteses, 49 (39%) quando não foram fixadas, 23 (24%) nas fixadas com sutura endoscópica e 16 (17%) quando fixadas com clipe over-the-scope, observando-se diferença considerada estatísticamente significativa na comparação da fixação com sutura endoscópica em relação à não fixação (P = .01) e da fixação com clipe over-the-scope com a não fixação (P = .001). Não houve diferença das taxas de migração quando comparados os dois métodos de fixação (P = .2).

Fig. 2 – Comparação de migração das próteses com e sem fixação. Adaptado de Mehta A et al., Gastrointest Endosc. 2025 [1].

Atingiu-se o sucesso clínico em 194 pacientes (62%), 98 dos que apresentavam estenoses (56%), 94 daqueles com fístula/perfurações (70%) e nos 2 pacientes com sangramento refratário por varizes (100%). Comparando-se ao grupo em que não foi realizada fixação (n = 64; 52%) houve maior sucesso clínico nos grupos submetidos à fixação das próteses. No grupo de sutura, 66 casos apresentaram sucesso clínico (69%; P = .02) e no grupo com fixação por clipe over-the-scope 64 pacientes (68%; P = .03).

No que concerne à possível dificuldade de remoção dos clipes over-the-scope, o trabalho destaca que, na maioria dos casos, estes puderam ser retirados apenas com uso de pinça dente de rato, sendo em apenas 7 casos necessário o uso de dispositivo específico.

O artigo realiza tambem uma breve comparação de custos no mercado americano entre a utilização de clipes over-the-scope e sutura endoscópica, que favoreceu numericamente a fixação com over-the-scope, destacando ainda a necessidade de uso de aparelho duplo canal para o dispositivo de sutura.

Os achados do estudo embasam o benefício da utilização de fixação para FCSEMS em patologias benignas do trato gastrointestinal superior, demonstrando redução significativa na taxas de migração e melhor resposta clínica, sem diferença observada entre os métodos de fixação avaliados. O maior sucesso clínico obtido quando fixada a prótese pode ser explicado como uma representação do benefício clínico de reduzir a migração, embora a obtenção de resposta clínica seja multifatorial, dependente da patologia de base e de fatores associados ao paciente.

Comentários

Neste trabalho, os dispositivos de fixação endoscópica demonstraram benefício na redução da migração das FCSEMS com potencial melhora na resposta clínica dos pacientes. À medida que eles se tornam mais disponíveis em nosso mercado, pode ser interessante considerar sua incorporação à prática para obtenção de melhores resultados.

Clique para mais informações sobre: Próteses metálicas de esôfago • Endoscopia Terapeutica.

Referências

  1. Mehta A, Ashhab A, Shrigiriwar A, et al. Evaluating no fixation, endoscopic suture fixation, and an over-the-scope clip for anchoring fully covered self-expandable metal stents in benign upper GI conditions: a comparative multicenter international study (with video). Gastrointest Endosc. 2025 Mar;101(3):589-597. doi: 10.1016/j.gie.2024.08.015. Epub 2024 Aug 22. PMID: 39179133
  2. Reijm AN, Didden P, Schelling SJC, et al. Self-expandable metal stent placement for malignant esophageal strictures – changes in clinical outcomes over time. Endoscopy. 2019 Jan;51(1):18-29. doi: 10.1055/a-0644-2495. Epub 2018 Jul 10.PMID: 29991071
  3. Bakken JC, Wong Kee Song LM, de Groen PC, Baron TH. Use of a fully covered self-expandable metal stent for the treatment of benign esophageal diseases. Gastrointest Endosc. 2010 Oct;72(4):712-20. doi: 10.1016/j.gie.2010.06.028. PMID: 20883848

Como citar este artigo

Logiudice FP. Devemos fixar próteses metálicas totalmente recobertas em patologias benignas? Endoscopia Terapeutica 2025, Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/devemos-fixar-proteses-metalicas-totalmente-recobertas-em-patologias-benignas/




Impacto do método suprapapilar na permeabilidade da obstrução biliar maligna distal: um ensaio clínico randomizado controlado multicêntrico

Estudo “Impact of the suprapapillary method on patency in distal malignant biliary obstruction: a multicenter randomized controlled trial“, publicado na Gastrointestinal Endoscopy em março de 2024 (1).

Introdução

As obstruções biliares malignas inoperáveis são habitualmente tratadas de modo paliativo com stents metálicos auto-expansíveis (self expandable metallic stents – SEMS). Com o aumento sobrevida destes pacientes pelo avanço da radio e quimioterapias, o endoscopista passa a lidar com a disfunção destes stents com maior frequência. Um dos mecanismos propostos para essa disfunção, é o refluxo duodenobiliar (2). Para evitar este fator e aumentar o tempo de patência do stent, alguns autores propuseram o uso de stents suprapapilares em oposição à técnica transpapilar convencional, o que é avaliado de modo prospectivo e randomizado por este trabalho (2-4).

Métodos

O trabalho foi realizado em 6 centros sul coreanos, incluindo apenas obstruções malignas distais irressecáveis, com ao menos 2 cm de colédoco preservado distalmente à estenose e também em relação ao hilo hepático.

Os pacientes eram randomizados para a posição distal do stent transpapilar (como habitual) ou intrapapilar, com acompanhamento fluoroscópico. Em ambos os grupos, foi realizada papilotomia tática ou dilatação balonada da papila.

Todos os stents utilizados foram totalmente recobertos e do fabricante Taewoong Medical. O seguimento foi feito em 1, 2, 6 e 12 meses.

Desfecho primário: patência do stent (tempo da inserção à disfunção do stent – ao menos 2 dos 3 critérios:

  • 1) birrubina total (Bt) > 2 mg/dL (elevação ≥ 1 mg/dL);
  • 2) elevação de FA ou GGT ≥ 2x VR (elevação > 30 U/L);
  • 3) colangite (febre + leucocitose ou PCR > 20 mg/dL). Sua causa foi dividida entre: ingrowth, overgrowth e barro biliar associado a refluxo duodenobiliar. A migração do stent foi avaliada à parte.

Desfechos secundários: sucesso técnico, sucesso clínico (redução de ao menos 30% do valor de Bt), sobrevida, reintervenção. 

Resultados 

Entre 2021 e 2023, 84 pacientes foram incluídos no estudo, sendo 42 em cada braço. Dentre as características de base dos pacientes e dados do procedimento, a única diferença entre os grupos, como era de se esperar, foi o comprimento do stent, maior no grupo transpapilar (p < 0,01). Os resultados e eventos adversos imediatos estão sumarizados na tabela 1.

Suprapapilar Transpapilar Total P
Sucesso técnico 42 (100.0) 42 (100.0) 84 (100.0) >.99
Sucesso clinico 37 (88.1) 34 (81.0) 71 (84.5) .546
Eventos Adversos 1 (2.4) 5 (11.9) 6 (7.1) .204
Pancreatite Aguda 1 (2.4) 4 (9.5) 5 (6.0)
Colangite 0 (.0) 1 (2.4) 1 (1.2)
Colecistite 0 0 0
Tabela 1: sucessos técnico e clínico e eventos adversos imediatos comparativos entre os grupos. Adaptado de Ko SW et al. Gastrointest Endosc. 2024 (1).

Os desfechos a longo prazo estão expostos na tabela 2. A média de seguimento foi de 343 dias (IQR, 168-480) no grupo suprapapilar e 243 dias (IQR, 90-504) no transpapilar (p = 0,357). A patência do stent foi significativamente maior no grupo suprapapilar (média, 369 dias [IQR, 289-497] vs 154 dias [IQR, 78-361]; P < 0,01).

No grupo suprapapilar, 25 pacientes (59,5%) apresentaram disfunção do stent x 33 (78.6%) no transpapilar. A etiologia da disfunção também foi diferente entre os grupos, com maior incidência de refluxo duodenobiliar e obstrução por barro no grupo transpapilar (9,4% vs 40,8%, p < 0,01). O método de reintervenção diferiu entre os braços do estudo, sendo o principal (28.6%) no grupo suprapapilar, a adição de um stent, e troca de stent no grupo transpapilar (61,9%, P = 0,025). 

Não houve diferença na sobrevida (p = 0,692).

Na análise multivariada, os dois fatores com relação com maior tempo de patência do stent foram a posição suprapapilar (HR, 0,40; 95% IC, 0,17-0,98; P = 0,045) e o calibre do stent ≥ 8 mm (HR, 0,29; 95% IC, 0,12-0,73; P = 0,008).

Suprapapilar
(n = 42)
Transpapilar
(n = 42)
Total
(n = 84)
P
Seguimento (dias) 343 (168-480) 243.5 (90-504)  300.5 (155.2-503.2) .357
Patência (dias) 369 (289-497) 154 (78-361) 289 (177-398) .0012
Disfunção do stent 25 (59.5) 33 (78.6) 58 (69.0) .098
Causas de disfunção do stent
Ingrowth 16 (38.1) 11 (26.2) 27 (32.1) .238
Overgrowth 5 (11.9) 10 (11.9) 10 (11.9) >.99
Barro/refluxo duodenobiliar 4 (9.4) 17 (40.8) 21 (25.0) .002
Migração do stent  2 (4.8) 4 (9.5) 6 (7.1) .672
Reintervenção
Troca de stent 10 (23.8) 26 (61.9) 37 (44.0) <.001
Adição de stent  12 (28.6) 4 (9.4) 16 (38.1) .051
Hepatogastrostomia ecoguiada  1 (2.4) 1 (2.4) 2 (4.8)  >.99
Drenagem percutânea 2 (4.8) 1 (2.4) 3 (3.6) >.99
Sobrevida (dias) 373 (269-581) 461 (170-NA) 410 (253-515) .692
Tabela 2: desfechos clínicos a longo termo. Adaptado de Ko SW et al. Gastrointest Endosc. 2024 (1).

Discussão

Trata-se do primeiro estudo multicêntrico randomizado sobre o assunto, reforçando que o mecanismo de refluxo duodenobiliar e formação de barro biliar possui grande relevância na patência dos stents metálicos. Além da maior incidência de disfunção do stent no grupo transpapilar (9,4% x 40,8% de obstrução por barro biliar), o tempo para obstrução por esta etiologia foi menor no mesmo grupo (8/17 = 47,1% em até 3 meses x todos casos > 5 meses no grupo suprapapilar).

Apesar de não haver relevância estatística, chama a atenção a maior incidência de pancreatite no grupo transpapilar (1/42 = 2.4% vs 4/42 = 9.5%, p = 0,356). Uma vez que não foram realizadas papilotomias amplas, stents transpapilares podem ocluir o ducto pancreático principal com maior frequência, causando pancreatite. Para evitar isso, uma solução adequada no dia a dia é aumentar a incisão (papilotomia ampla) para stents transpapilares. Por outro lado, para evitar o refluxo duodenobiliar nos casos suprapapilares, é interessante manter o máximo possível a integridade do esfíncter de Oddi, sendo recomendada a papilotomia tática, com incisão suficiente apenas para a passagem do stent.

A reintervenção nos casos de disfunção do stent também é alvo de debate. No grupo suprapapilar, pode haver maior dificuldade, uma vez que a papilotomia é limitada (tática) e o stent visualizado apenas por radioscopia. Além disso, uma causa de obstrução é o crescimento tumoral através da malha do stent (ingrowth) ou por sua extremidade (overgrowth). Nestes casos, há maior dificuldade de remover o stent, e a principal forma de abordagem foi a adição de outro stent. O desenvolvimento de stents com uma alça/laço maleável posicionado no duodeno pode auxiliar diante deste tipo de situação (5). No braço transpapilar, a troca do stent foi bem sucedida na maioria dos casos.

Outro ponto importante a ser considerado, é que, em muitos casos de obstrução maligna biliar, não há 2 cm de colédoco preservado entre o tumor e a papila, limitando a técnica suprapapilar. Um estudo demonstrou maior tempo de patência no grupo transpapilar para obstruções sem esta distância mínima de colédoco distal normal (6). Sendo o câncer de pâncreas a etiologia mais frequente, o envolvimento do colédoco próximo à papila e a invasão duodenal (não raros nestes casos), tornam o método suprapapilar inadequado.

O estudo apresenta limitações como tempo de follow-up relativamente curto, principalmente para compreender melhor o impacto da forma de manejo até o óbito do paciente, uma vez que estamos tratando de tratamento paliativo. Além disso, o número total de pacientes é pequeno para avaliar migração do stent e eventos adversos como pancreatite. O trabalho incluiu muitos casos com CPRE prévia, com possível alteração funcional “de base” do esfíncter de Oddi. Outra limitação é a ampla gama de tamanhos de stents disponíveis no estudo, o que é necessário em muitos casos suprapapilares, mas não é a realidade na maioria dos centros brasileiros (foram empregados stents, de 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 cm de comprimento). 

Conclui-se que o método suprapapilar é factível para evitar um dos principais mecanismos de disfunção de stent que é o refluxo duodenobiliar e formação de barro biliar, considerando uma papilotomia tática e uma distância ≥ 2 cm da papila maior. O tratamento da disfunção do stent nestes pacientes pode ser um pouco mais trabalhoso, mas foi obtido em todos os pacientes do estudo. Outro fator importante é o calibre do stent: recomenda-se o mínimo de 8 mm com base nos dados do estudo.

Imagem fluoroscópica de estenose maligna de colédoco distal.

Clique para outros artigos nesse tema: A papilotomia antes da passagem de prótese para drenagem biliar é eficaz em prevenir pancreatite pós-CPRE?

Referências

  1. Ko SW, Joo HD, Song TJ, et al. Impact of the suprapapillary method on patency in distal malignant biliary obstruction: a multicenter randomized controlled trial. Gastrointest Endosc. 2024;100(4):679-687.e1. doi:10.1016/j.gie.2024.03.024.
  2. Misra SP, Dwivedi M. Reflux of duodenal contents and cholangitis in patients undergoing self-expanding metal stent placement. Gastrointest Endosc. 2009;70(2):317-321. doi:10.1016/j.gie.2008.12.054.
  3. Kovács N, Pécsi D, Sipos Z, et al. Suprapapillary Biliary Stents Have Longer Patency Times than Transpapillary Stents-A Systematic Review and Meta-Analysis. J Clin Med. 2023;12(3):898. Published 2023 Jan 23. doi:10.3390/jcm12030898.
  4. Huang X, Shen L, Jin Y, et al. Comparison of uncovered stent placement across versus above the main duodenal papilla for malignant biliary obstruction. J Vasc Interv Radiol. 2015;26(3):432-437. doi:10.1016/j.jvir.2014.11.008.
  5. Kwon CI, Ko KH, Hahm KB, Kang DH. Functional self-expandable metal stents in biliary obstruction. Clin Endosc. 2013;46(5):515-521. doi:10.5946/ce.2013.46.5.515.
  6. Han SY, Lee TH, Jang SI, et al. Efficacy Analysis of Suprapapillary versus Transpapillary Self-Expandable Metal Stents According to the Level of Obstruction in Malignant Extrahepatic Biliary Obstruction. Gut Liver. 2023;17(5):806-813. doi:10.5009/gnl220437.

Como citar este artigo

Funari MP. Caso clínico: Impact of the suprapapillary method on patency in distal malignant biliary obstruction: a multicenter randomized controlled trial. Endoscopia Terapeutica 2025 vol 1. Disponível: https://endoscopiaterapeutica.net/uncategorized/impact-of-the-suprapapillary-method-on-patency-in-distal-malignant-biliary-obstruction-a-multicenter-randomized-controlled-trial/