Stents de aposição de lúmen nas drenagens de coleções fluidas pancreáticas e risco de sangramento – onde estamos?

Desde a introdução dos stents metálicos de aposição de lúmen (LAMS) em 2012, as aplicações e usos desses dispositivos têm crescido constantemente. Eles têm sido empregados em uma ampla variedade de procedimentos, incluindo o tratamento de estenoses gastrointestinais luminais, para cistogastrostomia e necrosectomia endoscópica direta, para drenagem da vesícula biliar e para gastrojejunostomia.

Os LAMS estão sendo cada vez mais preferidos em relação aos stents plásticos (duplo pigtail) para pacientes submetidos à drenagem ecoguiada de coleções fluidas pancreáticas (PFC) por possuírem implantação tecnicamente fácil e amplo lúmen que facilita o rápido escoamento do conteúdo do cisto, no entanto, foram relatados eventos adversos tardios, como sangramento, migração e sepultamento do stent. A maioria dos estudos que descreve tais complicações não foi prospectiva e as definições utilizadas não foram uniformes, o que limita a padronização dos eventos adversos relacionados aos LAMS. Clique aqui para rever a Classificação de Atlanta para coleções fluidas peripancreáticas.

Uma auditoria de um ensaio clínico randomizado comparando a eficácia dos LAMS com stents plásticos de duplo pigtail relatou uma taxa inesperadamente alta de sangramento grave. O estudo observou que 10 de 31 pacientes (32,2%) no braço de tratamento LAMS tiveram complicações, incluindo três episódios de sangramento tardio começando três semanas após a colocação do stent. 1 O protocolo do estudo foi alterado e foi postulado que os stents plásticos tendem a gravitar em direção ao lúmen paulatinamente enquanto os LAMS poderiam ocasionar um rápido colapso da cavidade, resultando no risco de contato entre os vasos retroperitoneais e a flange distal do stent. O atrito prolongado poderia gerar erosão e ruptura dos vasos, causando sangramento agudo grave. Considerando essa hipótese, o tempo de permanência do stent além de 4 semanas foi relatado como um preditor de sangramento tardio e formou-se consenso para remoção do mesmo antes deste prazo na prática clínica. Todavia, essa recomendação é baseada principalmente em dados de uma coorte de centro único, limitando a generalização dos resultados. 1, 2

Um estudo de coorte prospectivo com revisão sistemática sobre eventos hemorrágicos após a colocação de LAMS compilou 21 estudos envolvendo 1.378 pacientes com uma taxa de sangramento de 3,8% (52/1378), dos quais 46,2% (24/52) ocorreram na primeira semana após a colocação de LAMS. A conclusão após análise dos casos publicados foi de que o risco de sangramento estaria relacionado a fatores inerentes ao próprio procedimento ao invés do tempo de permanência do stent, inferindo que um protocolo de remoção precoce dos LAMS para PFC é eficaz em prevenir tal desfecho. 3

Em 2022 foi publicada a análise retrospectiva do maior banco de dados multicêntrico (1.018 pacientes) existente sobre o uso de LAMS para drenagem de PFC (18 unidades do Reino Unido e Irlanda), aumentando o conhecimento neste cenário. Nenhum dos fatores analisados, como tipo (WON versus pseudocisto), tamanho da coleção (≤10 cm versus >10 cm) ou tempo de remoção do stent (≤4 semanas versus 4–8 semanas versus >8 semanas), mostrou correlação com eventos adversos tardios. Esses resultados fornecem mais evidências indiretas para manutenção da LAMS in situ além de 4 semanas, caso necessário clinicamente. 4

Para mais informações de manejo pós-drenagem ecoguiada de coleções peripancreáticas: clique aqui.

O uso de LAMS para o manejo das PFC tem excelentes taxas de sucesso técnico e clínico, no entanto, o índice de eventos adversos não é desprezível e deve ser cuidadosamente considerado antes das drenagens, em particular para WON. A prorrogação da sua permanência às vezes é necessária em pacientes com necrose pancreática extensa que obtém melhora clínica discreta ao cabo de 4 semanas. Até que haja mais estudos prospectivos para elucidarem este dilema, as descobertas de um grande conjunto de dados da vida real (banco de dados multicêntrico) acrescentam-se à literatura existente sobre o manejo dos LAMS para a drenagem de PFC e apoiam seu uso estendido em pacientes onde clinicamente indicado, desde que haja supervisão estreita.

Imagens de Necrosectomia Endoscópica Direta em paciente com WON após drenagem através de LAMS

Referências

  1. Bang JY, Navaneethan U, Hasan MK, et al. Non-superiority of lumen-apposing metal stents over plastic stents for drainage of walled-off necrosis in a randomised trial. Gut. 2018;68:1200–1209.
  2. Bang JY, Hasan M, Navaneethan U, et al. Lumen-apposing metal stents (LAMS) for pancreatic fluid collection (PFC) drainage: may not be business as usual. Gut. 2017;66(12):2054–2056.
  3. Waseem Ahmad, Syed A. Fehmi, Thomas J. Savides, Gobind Anand, Michael A. Chang, Wilson T. Kwong. Protocol of early lumen apposing metal stent removal for pseudocysts and walled off necrosis avoids bleeding complications. Scand J Gastroenterol. 2020 Feb;55(2):242-247.
  4. Manu Nayar , John S Leeds , UK & Ireland LAMS Colloborative, Kofi Oppong. Lumen-apposing metal stents for drainage of pancreatic fluid collections: does timing of removal matter? Gut 2022;71:850–853.

Como citar este artigo

Ribeiro MSL. Stents de aposição de lúmen nas drenagens de coleções fluidas pancreáticas e risco de sangramento – onde estamos? Endoscopia Terapeutica 2024 vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/stents-de-aposicao-de-lumen-nas-drenagens-de-colecoes-fluidas-pancreaticas-e-risco-de-sangramento-onde-estamos/




Estratégias de prevenção de pancreatite pós CPRE: quais as recomendações mais atuais?

Sabemos que a CPRE permite o tratamento minimamente invasivo de diversas condições pancreatobiliares com morbidade substancialmente menor do que as abordagens cirúrgicas tradicionais. No entanto, o principal evento adverso inerente ao procedimento, e também um dos mais temidos, é a pancreatite pós-CPRE (PEP). Variados artigos apontam para um risco de PEP em até 15% dos procedimentos de alto risco. Embora normalmente leve, a PEP pode se apresentar menos frequentemente de forma grave, estando associada à mortalidade de 1 em 500 pacientes e a um significativo aumento de custos de internação hospitalar. 

A literatura tem endereçado nos últimos anos diversos estudos com a finalidade de reduzir o risco de PEP e nesse texto trazemos de forma resumida os dados mais relevantes da última publicação: “American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on post-ERCP pancreatitis prevention strategies: summary and recommendations” publicado em fevereiro de 2023.

Resumo das recomendações

O guideline ainda apontou para algumas lacunas de conhecimento que precisam ser mais exploradas na definição de cuidados e prevenção de PEP. Entre os temas, podemos citar principalmente o papel da estratégia preventiva combinada com uso de stents pancreáticos, hidratação e indometacina. Faltam evidências mais robustas para indicar o uso sistematizado de tais estratégias, mas existem dados apontando para um potencial benefício, por exemplo, do uso de AINE associado a hidratação vigorosa na redução da gravidade da PEP. Novos estudos são necessários para esse e outros esclarecimentos nos cuidados preventivos da PEP, mas fica evidente o já importante ganho de possibilidades e evidências nos últimos anos, trazendo ainda mais segurança a um cenário sempre desafiador para quem lida cotidianamente com CPRE. E vocês, como tem atuado na rotina?  

Referência

Buxbaum JL, Freeman M, Amateau SK, Chalhoub JM, Coelho-Prabhu N, Desai M, Elhanafi SE, Forbes N, Fujii-Lau LL, Kohli DR, Kwon RS, Machicado JD, Marya NB, Pawa S, Ruan WH, Sheth SG, Thiruvengadam NR, Thosani NC, Qumseya BJ; (ASGE Standards of Practice Committee Chair). American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on post-ERCP pancreatitis prevention strategies: summary and recommendations. Gastrointest Endosc. 2023 Feb;97(2):153-162. doi: 10.1016/j.gie.2022.10.005. Epub 2022 Dec 12. PMID: 36517310.




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Paciente masculino, 45 anos, antecedente de pancreatite há cerca de 2 meses. Refere que na época do quadro ficou ictérico. Após melhora do quado procurou cirurgião, que realizou investigação com ultrassonografia de vias biliares demonstrando vesícula biliar com múltiplos pequenos cálculos e vias biliares normais. Os exames laboratoriais demonstravam aumento de gamaglutamil transferase (gamaGT). De posse destes resultados, o cirurgião solicitou a realização de CPRE, antes da cirurgia.





Artigo comentado : Uso da água oxigenada na necrosectomia pancreática.

Mohan e coautores recentemente publicaram uma revisão sistemática com metaanálise do uso adicional de água oxigenada/peróxido de hidrogênio (H202) na necrosectomia endoscópica. Então vamos ao artigo.

Introdução:

Necrose pancreática bem delimitada (WON – do inglês “walled-off necrosis”) (Figura 1) é causa principal de morbidade podendo levar a sepse e a disfunção múltipla de órgãos.

Figura 1

Tendo em mente que a H202 tem propriedades antissépticas, hemostáticas e podendo também mobilizar conteúdos necróticos, o uso de H2O2 tem sido relatado na literatura junto com a necrosectomia direta para o tratamento da WON.  (Figuras 2 e 3).

Métodos:

Foi feita a tradicional pesquisa nas principais bases de dados (pubmed, EMBASE, etc) cruzando as palavras peróxido de hidrogênio, WON e necrosectomia, sendo selecionados os estudos que avaliaram o desempenho do H202 na necrosectomia de WONs.

Resultados:

De uma pesquisa inicial com 124 estudos, 7 foram incluídos, sendo 6 estudos retrospectivos e uma série de casos. Nestes trabalhos foram incluídos 186 pacientes ao todo.

A concentração de H2O2 variou de 0.1 a 3%.

Em tempo : A concentração de H2O2 na água oxigenada comumente vendida nas farmácias é de 3% ou 10 volumes. Essa expressão da concentração em volumes tem relação com a quantidade de gás oxigênio que é produzido com a decomposição completa do produto. O volume utilizado variou entre 40 a 500 ml.

O sucesso clínico nestes trabalhos foi definido pela resolução do WON ou por ausência de recorrência, sendo a taxa de sucesso clínico de 91,6 % e a taxa de sucesso técnico de 95,8%.

A taxa global de eventos adversos foi de 19,3% (sangramento – 8%, migração da prótese – 11%, etc). Não houve nenhum caso de embolização gasosa.

Mínima dispersão foi observada nas taxas de sucesso técnico e clínico. Entretanto heterogeneidade foi presente na taxa de eventos adversos.

Discussão:

A mensagem mais importante deste trabalho é que a água oxigenada pode ser considerada segura no tratamento de WON. Os eventos adversos provavelmente foram relacionados ao tratamento endoscópico per si ou relacionados à própria gravidade da doença. Como a H202 quando em contato com tecidos, a catalase causa rápida decomposição da H202 em água e oxigênio. Teoricamente, se a quantidade de oxigênio liberada excedesse a solubilidade sanguínea, a embolização venosa poderia ocorrer. Entretanto, nenhum caso de embolismo gasoso foi relatado nos 186 pacientes avaliados. Essa é a grande take home do trabalho, o uso de H202 no tratamento de WON não causa embolismo gasoso.
Contudo, se o uso de H202 adiciona benefício clínico na necrosectomia endoscópica, isso não dá para concluir com este trabalho. A única coisa que podemos supor é que talvez com a H202, o número total de procedimentos endoscópicos pode ser menor. Mas temos que enfatizar que este dado é de apenas um trabalho retrospectivo (de Gunay et al) com 24 pacientes.




Comentários finais:

Na prática, a água oxigenada pode ser útil facilitando a quebra dos resíduos necróticos e “soltando-os” da parede da coleção. Além de estimular a granulação da parede da coleção (Figura 4). 

Figura 4

É muito barata (um frasco de 100 ml custa cerca de R$ 3,50 e é encontrado em qualquer farmácia). E se, reduzir em pelo menos uma sessão de tratamento endoscópico, será muito vantajosa em termos de custo-benefício. Outra coisa, a H202 parece ser mesmo muito segura; e que o medo de embolia gasosa não é fundamentado. Assim, podemos fazer tranquilamente sem esse receio. O vulgo “mal não faz”. O único “se não” da H202 pode ser a perda do campo de visão com seu uso (Figura 5).

Figura 5

Mas sejamos sinceros, isso é muito rápido e a irrigação com H202 pode ser feita no final do procedimento, (Figura 6) justamente para evitar este problema.

Figura 6

Entretanto se a H202 melhora os resultados do tratamento endoscópico de WON isso ainda é cedo para dizer.  Estudos randomizados, prospectivos e comparando a necrosectomia com e sem água oxigenada são necessários para responder essa pergunta.

Referências:

1.          Mohan BP, Madhu D, Toy G, Chandan S, Khan SR, Kassab LL, et al. Hydrogen peroxide–assisted endoscopic necrosectomy of pancreatic walled-off necrosis: a systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc [Internet]. 2022;95(6):1060-1066.e7. Available from: https://doi.org/10.1016/j.gie.2022.01.018

2.          Lenz L &  Libera E. Resultado do tratamento endoscópico nas pancreatites aguda e crônica e suas complicações. In: Ferrari AP, editor. CPRE. 1o. Rio de Janeiro; 2017. p. 249–64.

3.      Gunay S, Pakoz B, Cekic C, et al. Evaluation of hydrogen peroxide assisted endoscopic ultrasonography-guided necrosectomy in walled-off pancreatic necrosis: a single-center experience. Medicine 2021;100:e23175.