Estratégias de prevenção de pancreatite pós CPRE: quais as recomendações mais atuais?

Sabemos que a CPRE permite o tratamento minimamente invasivo de diversas condições pancreatobiliares com morbidade substancialmente menor do que as abordagens cirúrgicas tradicionais. No entanto, o principal evento adverso inerente ao procedimento, e também um dos mais temidos, é a pancreatite pós-CPRE (PEP). Variados artigos apontam para um risco de PEP em até 15% dos procedimentos de alto risco. Embora normalmente leve, a PEP pode se apresentar menos frequentemente de forma grave, estando associada à mortalidade de 1 em 500 pacientes e a um significativo aumento de custos de internação hospitalar. 

A literatura tem endereçado nos últimos anos diversos estudos com a finalidade de reduzir o risco de PEP e nesse texto trazemos de forma resumida os dados mais relevantes da última publicação: “American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on post-ERCP pancreatitis prevention strategies: summary and recommendations” publicado em fevereiro de 2023.

Resumo das recomendações

O guideline ainda apontou para algumas lacunas de conhecimento que precisam ser mais exploradas na definição de cuidados e prevenção de PEP. Entre os temas, podemos citar principalmente o papel da estratégia preventiva combinada com uso de stents pancreáticos, hidratação e indometacina. Faltam evidências mais robustas para indicar o uso sistematizado de tais estratégias, mas existem dados apontando para um potencial benefício, por exemplo, do uso de AINE associado a hidratação vigorosa na redução da gravidade da PEP. Novos estudos são necessários para esse e outros esclarecimentos nos cuidados preventivos da PEP, mas fica evidente o já importante ganho de possibilidades e evidências nos últimos anos, trazendo ainda mais segurança a um cenário sempre desafiador para quem lida cotidianamente com CPRE. E vocês, como tem atuado na rotina?  

Referência

Buxbaum JL, Freeman M, Amateau SK, Chalhoub JM, Coelho-Prabhu N, Desai M, Elhanafi SE, Forbes N, Fujii-Lau LL, Kohli DR, Kwon RS, Machicado JD, Marya NB, Pawa S, Ruan WH, Sheth SG, Thiruvengadam NR, Thosani NC, Qumseya BJ; (ASGE Standards of Practice Committee Chair). American Society for Gastrointestinal Endoscopy guideline on post-ERCP pancreatitis prevention strategies: summary and recommendations. Gastrointest Endosc. 2023 Feb;97(2):153-162. doi: 10.1016/j.gie.2022.10.005. Epub 2022 Dec 12. PMID: 36517310.




CISTOADENOMA SEROSO DE PÂNCREAS

Os cistos pancreáticos são, na maioria dos casos, achados incidentais de exames de imagem.

Estima-se que cerca de 3-14% das pessoas submetidas a exames abdominais tenham como achado alguma lesão cística pancreática. Em estudos de necropsia, esse achado pode chegar a 24%. Observa-se um claro aumento de prevalência em faixas etárias maiores. 

As lesões císticas podem ser divididas em:

  • cistos benignos: pseudocistos, cistos simples, cistoadenomas serosos
  • cistos malignos: cistoadenocarcinomas, tumores neuroendócrinos císticos, neoplasia sólido-cística pseudopapilar
  • cistos com potencial de malignização: IPMNs e cistoadenomas mucinosos

Nesse artigo falaremos um pouco sobre o cistoadenoma seroso.

CISTOADENOMA SEROSO (SCA)

O cistoadenoma seroso é uma lesão que acomete mais mulheres do que homens (2:1), na 6ª ou 7ª década de vida.

É uma lesão que não tem preferência por nenhuma região pancreática, podendo acometer cabeça, corpo ou cauda da glândula.

Aspecto radiológico

A característica mais marcante do cistoadenoma seroso é o achado de uma lesão policística, com septos fibrosos entre eles, formando um aspecto microcístico (70% dos SCA). Em cerca de 20-30% dos casos, os septos convergem para o centro da lesão, formando uma cicatriz central fibrosa (sinal mais típico do SCA). Em 20% dos casos observamos um aspecto de favo de mel, com múltiplos microcistos e septos finos entre eles.

Figura 1: Cistoadenoma Seroso de cabeça de pâncreas – lesão lobular com septos convergindo para localização central da lesão. (arquivo pessoal)

Em cerca de apenas 10% dos casos os SCA podem ser oligocísticos, tornando o diagnóstico radiológico mais desafiador. Nesses casos, muitas vezes são necessários outros exames para confirmação diagnóstica, como a Ecoendoscopia com punção e análise do fluido intracístico.

Características do fluido

A característica citológica do cistoadenoma seroso são células cuboides, com citoplasma rico em glicogênio, embora a sensibilidade para citologia com PAAF seja muito baixa.

A análise bioquímica do líquido pode ajudar nos casos de diagnóstico incerto. A característica do SCA é ter o Antígeno Carcino-Embrionário (CEA) abaixo de 192 ng/ml, o que se associa a lesões não mucinosas. Além disso, por não haver comunicação com os ductos pancreáticos, a amilase no líquido intra-cístico é baixa.

Mais recentemente, com o avanço da endoscopia confocal, é possível a visualização do padrão de vascularização (nos SCA, ela é subepitelial – acurácia 87%) e permite biópsias do epitélio do cisto. Esse procedimento é realizado ainda em poucos centros, e embora melhore a acurácia do diagnóstico, traz maiores riscos de efeitos adversos (pancreatite aguda e hemorragia intracisto).

Prognóstico

O prognóstico dos SCA é excelente, com menos de 1% de mortalidade. Poucos casos na literatura tem evolução para malignidade, e não há uma concordância sobre a periodicidade do seguimento. Para muitos autores, trata-se de uma lesão benigna.

Embora seja uma lesão com baixa chance de transformação maligna, existe a possibilidade de crescimento da lesão em até 40% dos SCAs.

A última recomendação do grupo europeu é de um novo exame de imagem em 1 ano, e posteriormente, somente se houver sintomas (dor abdominal, icterícia ou náuseas e vômitos).

Referências

  1. Sakorafas, GH et al. Primary pancreatic cystic neoplasms revisited. Part I: Serous cystic neoplasms. Surgical Oncology, 2011
  2. Tirkes, T et al. Cystic neoplasms of the pancreas; findings on magnetic resonance imaging with pathological,surgical, and clinical correlation. Abdom Imaging, 2014
  3. Larson, A et al. Natural History of Pancreatic Cysts. Dig Dis Sci, 2017