Avaliação Óptica de Cicatrizes Pós-Ressecção Endoscópica de Pólipos Colorretais Grandes: A Biópsia de Rotina Ainda é Necessária?

Resumo da publicação de Meulen et al., entitulado “Optical assessment of scars after endoscopic mucosal resection of large colorectal polyps in a multicenter, community hospital setting: is routine biopsy still necessary?”, publicado na Endoscopy, em 2025 [1].

Introdução

O manejo de pólipos colorretais grandes não pediculados (LNPCPs) por ressecção endoscópica da mucosa (EMR) é uma prática comum. A vigilância pós-EMR, tipicamente aos 6 meses, visa identificar recorrências na cicatriz. Tradicionalmente, isso envolvia biópsias de rotina e, por vezes, tatuagem da lesão para facilitar a identificação. No entanto, diretrizes recentes da European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) sugerem que biópsias de rotina podem ser omitidas se endoscopistas bem treinados avaliarem a cicatriz opticamente com imagens aprimoradas. Este estudo multicêntrico, uma análise post-hoc do estudo STAR-LNPCP, buscou verificar se a acurácia da avaliação óptica em hospitais comunitários seria suficiente para dispensar biópsias padronizadas e a necessidade de tatuagem universal.

Metodologia

Este foi um estudo prospectivo multicêntrico, realizado em 30 hospitais comunitários holandeses entre outubro de 2019 e maio de 2022. O estudo original STAR-LNPCP foi um ensaio clínico randomizado por cluster, no qual 59 endoscopistas de 30 hospitais comunitários incluíram todos os LNPCPs consecutivos. Para esta análise post-hoc, foram incluídos pacientes consecutivos submetidos a colonoscopias de acompanhamento após EMR prévia de um LNPCP. Os critérios de exclusão incluíram EMR inicialmente incompleta, doença inflamatória intestinal e preparo intestinal inadequado (escore de Boston Bowel Preparation < 2 para o segmento de interesse).

Desfechos e Análise Estatística

O desfecho primário foi a avaliação óptica da recorrência. Foram calculadas a acurácia diagnóstica, sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo negativo (VPN). O valor preditivo da tatuagem para identificação da cicatriz também foi avaliado. Além disso, foram avaliadas as diferenças na identificação da cicatriz pós-EMR entre endoscopistas especialistas e não especialistas em seguimento de ressecção. A taxa de falha na detecção óptica da recorrência foi definida como todas as recorrências histologicamente confirmadas que foram opticamente avaliadas como negativas para recorrência. Falsos positivos foram definidos como todas as recorrências opticamente avaliadas que não foram confirmadas por histologia.

A análise estatística incluiu estatísticas descritivas, testes de qui-quadrado de Pearson ou testes exatos de Fisher para comparar grupos. A regressão de risco com correção para agrupamento de pacientes dentro dos endoscopistas (equação de estimativa generalizada) foi realizada para avaliar variáveis independentemente relacionadas à identificação da cicatriz pós-EMR e o efeito do clipe na avaliação óptica da recorrência. O kappa de Cohen foi usado para determinar a concordância entre a avaliação óptica e a histológica. Uma análise por protocolo foi realizada, incluindo apenas cicatrizes encontradas, avaliadas e biopsiadas. Uma análise de intenção de tratar também foi realizada, assumindo que cicatrizes não encontradas e não biopsiadas não teriam mostrado sinais de recorrência histologicamente.

Resultados Chave

Um total de 1277 pacientes (média de idade de 68 ± 9 anos), fizeram a colonoscopia de controle em 6 meses após a EMR de um LNPCP. Um total de 1215 cicatrizes foram identificadas, sendo maior em endoscopistas especialistas quando comparado aos não especialistas (96% vs. 88%, Bonferroni corrected P < 0,001). A influência de clipes pós-EMR aumenta a taxa de falsos positivos (11% vs. 5 %; P = 0.02), com VPP caindo de 78% para 63%, na avaliação comparada com EMR sem clipe. Além disso, houve alta certeza sobre a avaliação da cicatriz pós-REM realizada por endoscopistas especialistas e não especialistas (95% vs. 94%, respectivamente; P = 0,71).

Em resumo, a avaliação óptica das cicatrizes demonstrou alta acurácia diagnóstica, conforme detalhado na tabela abaixo:

Métrica Diagnóstica Valor
Sensibilidade 93%
Especificidade 92%
Valor Preditivo Positivo 74%
Valor Preditivo Negativo 98%
Acurácia Diagnóstica 93%
Kappa de Cohen 0.78
Tabela geral da avaliação óptica com base no resultado histológico adaptado de Meulen LWT et al., Endoscopy, 2025 [1].

O alto Valor Preditivo Negativo (VPN) de 98% da avaliação óptica sugere que a biópsia de rotina das cicatrizes pós-EMR pode ser dispensada na maioria dos casos, pois um resultado óptico negativo indica com alta probabilidade a ausência de recorrência.

Limitações do Estudo

O estudo, embora robusto em seu desenho multicêntrico e prospectivo, apresenta algumas limitações. Primeiramente, trata-se de uma análise post-hoc de um estudo maior (STAR-LNPCP), o que pode introduzir vieses. Embora tenha sido realizado em hospitais comunitários, a generalização dos resultados para todos os centros não especializados pode exigir cautela. A definição de endoscopistas especialistas e não especialistas, embora clara no estudo, pode variar na prática clínica. Além disso, a taxa de falsos positivos foi maior após o uso prévio de clipes, o que pode ser uma consideração importante na avaliação óptica, podendo corresponder ao granuloma de cicatrização. Por fim, o estudo foi realizado em hospitais holandeses com disponibilidade de Near Focus e Zoom, uma realidade em que nem todos os hospitais do Brasil possuem, e a aplicabilidade dos resultados a outras populações e sistemas de saúde podem necessitar de validação adicional.

Conclusão

Os achados deste estudo suportam a omissão da biópsia de rotina de cicatrizes pós-EMR de pólipos colorretais grandes, com base na avaliação óptica. Isso pode levar a uma redução de custos, tempo de procedimento e desconforto para o paciente, sem comprometer a segurança. A implementação dessa abordagem na prática clínica pode otimizar o manejo de pacientes submetidos à ressecção de pólipos colorretais.

Referência

  1. Meulen LWT, Bogie RMM, Siersema PD et al. Optical assessment of scars after endoscopic mucosal resection of large colorectal polyps in a multicenter, community hospital setting: is routine biopsy still necessary? Endoscopy. 2025 Jun;57(6):620-628. doi: 10.1055/a-2498-7114. Epub 2024 Dec 9. PMID: 39653123; PMCID: PMC12119144.

Como citar este artigo

Kum, AST. Avaliação Óptica de Cicatrizes Pós-Ressecção Endoscópica de Pólipos Colorretais Grandes: A Biópsia de Rotina Ainda é Necessária? Endoscopia Terapeutica 2025, Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/avaliacao-optica-de-cicatrizes-pos-resseccao-endoscopica-de-polipos-colorretais-grandes-a-biopsia-de-rotina-ainda-e-necessaria/




Mucosectomia por imersão (underwater) com auxílio de cap – um alternativa para casos difíceis

Paciente masculino, 45 anos, previamente hígido, foi submetido a colonoscopia em outro serviço que identificou um pólipo séssil de 6 mm de diâmetro, 0-Is pela classificação de Paris, com superfície lisa e amarelada, localizado em reto médio. Na ocasião foi realizada ressecção parcial da lesão com alça a frio. Resultado anatomopatológico e imunohistoquímico evidenciaram tumor neuroendócrino bem diferenciado (grau 1 – Ki67<2%), com margens comprometidas.

Paciente veio encaminhado para realizar nova colonoscopia na tentativa de ressecção completa da lesão. Durante o procedimento foi observada uma diminuta lesão amarelada no reto, discretamente elevada, correspondente à área de polipectomia prévia com presença de lesão residual (Figuras 1, 2 e 3). Realizada tentativa de mucosectomia pela técnica de imersão (“underwater”), não havendo pega adequada com a alça para ressecção. Foi optado, então, pela realização da mucosectomia por imersão assistida por cap, que consiste na imersão do espaço intraluminal com água, seguido por sucção da lesão com auxílio de cap endoscópico, afim de formar um pseudopólipo, e assim facilitar a apreensão e ressecção da lesão (Figura 4). Com o uso dessa técnica foi possível apreender a lesão residual com a alça e realizar sua ressecção completa (Figuras 5 e 6). O resultado anatomopatológico confirmou a presença de tumor neuroendócrino bem diferenciado (grau 1 – Ki67<2%), com margens laterais e profunda livres.

Figura 1: aspecto endoscópico da lesão residual em reto distal
Figura 2: aspecto endoscópico da lesão residual em reto distal
Figura 3: aspecto endoscópico da lesão residual em reto distal com auxílio de NBI
Figura 4: aspiração da lesão com auxílio de cap para formação de pseudopólipo
Figura 5: apreensão do pseudopólipo com alça de polipectomia
Figura 6: aspecto pós ressecção endoscópica

Discussão

A mucosectomia underwater assistida por cap (CAP-UEMR) consiste na utilização de cap endoscópico para sucção da lesão a ser ressecada sob imersão em água, até que seja formado um “pseudopólipo” passível de apreensão e ressecção. Se a ressecção em monobloco não for possível, pode-se realizar novos “pseudopólipos” e ressecar à piece-meal, até que se alcance o resultado desejado, conforme ilustrado na figura abaixo:

Fonte: Ilustração de Uchima Hugo et al. Endoscopy 2023.

O estudo foi uma análise observacional retrospectiva de 83 procedimentos de ressecção endoscópica pela técnica CAP-UEMR, realizados em dois centros entre setembro de 2020 e dezembro de 2021. O desfecho primário foi o sucesso técnico, definido como ressecção completa macroscópica da lesão no índice CAP-UEMR. Os desfechos secundários foram as taxas de sangramento e perfuração. As 83 lesões tratadas tinham um tamanho médio de 20 mm. Foram incluídas 64 lesões deprimidas ou planas (18 previamente manipuladas, 9 com acesso difícil), 11 lesões do apêndice e 8 lesões da válvula ileocecal. Os resultados mostraram uma taxa de sucesso técnico de 100%, com ressecção macroscópica completa alcançada em todas as 83 lesões. Houve 7 casos de sangramento intraoperatório e 2 casos de sangramento tardio, todos tratados endoscopicamente. Nenhuma perfuração ou outras complicações ocorreram. Entre as 64 lesões com colonoscopia de acompanhamento, apenas 1 recorrência foi detectada, que foi tratada endoscopicamente.

Concluiu-se que a CAP-UEMR pode ser uma técnica segura e eficaz para facilitar a ressecção de lesões colorretais complexas. O estudo possui suas limitações, sendo as principais o possível viés de seleção e design retrospectivo e necessidade de estudos comparativos para determinar a eficácia específica do CAP-UEMR em relação a outras técnicas de ressecção.

Referência

Uchima H, Calm A, Muñoz-González R, Caballero N, et al. Underwater cap-suction pseudopolyp formation for endoscopic mucosal resection: a simple technique for treating flat, appendiceal orifice or ileocecal valve colorectal lesions. Endoscopy. 2023 Nov;55(11):1045-1050. doi: 10.1055/a-2115-7797. Epub 2023 Jun 22. PMID: 37348544.

Como citar este artigo

Retes FA. Camilo VF. Castro RFM. Mucosectomia por imersão (underwater) com auxílio de cap – um alternativa para casos difíceis. Endoscopia Terapeutica, 2024 vol II. disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/mucosectomia-por-imersao-underwater-com-auxilio-de-cap-um-alternativa-para-casos-dificeis/