A Eficácia da Miotomia Endoscópica Peroral versus Dilatação Pneumática como Tratamento para Pacientes com Acalasia que Sofrem de Sintomas Persistentes ou Recorrentes Pós-Miotomia de Heller Laparoscópica: um Ensaio Clínico Randomizado

Artigo original entitulado “The Efficacy of Peroral Endoscopic Myotomy vs Pneumatic Dilation as Treatment for Patients With Achalasia Suffering From Persistent or Recurrent Symptoms After Laparoscopic Heller Myotomy: A Randomized Clinical Trial” publicado na Gastroenterology em 2023[1].

Introdução

A miotomia de Heller associada à fundoplicatura é uma das opções de primeira linha no tratamento da acalasia. Entretanto, 10 a 20% dos pacientes submetidos a tal tratamento apresentam recorrência ou persistência dos sintomas a longo prazo [2, 3]. Este trabalho compara a abordagem endoscópica desses pacientes com a dilatação pneumática do esfíncter esofágico inferior (DP) versus a miotomia endoscópica peroral (peroral endoscopic myotomy – POEM).

Métodos

Trata-se de um estudo randomizado, realizado em 3 centros europeus, localizados na Itália, Bélgica e Holanda. O follow-up foi realizado aos 3 e 12 meses.

Critérios de elegibilidade: 18-80 anos, miotomia de Heller com fundoplicatura Dor prévia, Eckardt > 3, estase no RX com bário ≥ 2 cm após 2 min.

Critérios de exclusão: tentativas prévias de DP ou POEM, outras cirurgias esofágicas ou gástricas, cirrose, varizes esofágicas, estenose esofágica, esofagite eosinofílica, lesões esofágicas, divertículo esofágico e gestação.

Procedimentos:

  • DP: dilatação para 30 mm, seguida de 35 mm após 1-3 semanas para todos os pacientes. Se os sintomas persistissem após 3 meses, uma DP para 40 mm era realizada. DP de 35 ou 40 mm adicionais ou fora do prazo estipulado poderiam ser realizadas conforme a recorrência dos sintomas, sendo consideradas falhas de tratamento (indicadas com escore de Eckardt >3). Uso de inibidor de bomba de prótons em dose única por 2 semanas após cada dilatação (Fig. 1).
  • POEM: miotomia posterior (pela miotomia prévia anterior). Uso de IBP similar ao descrito na DP e posterior de acordo com os sintomas (Fig. 2).

Desfechos:

  • 1ário: sucesso clínico com 1 ano de follow-up, definido como Eckardt ≤ 3, sem necessidade de terapias adicionais. Nas terapias adicionais, poderia haver cross-over entre os grupos (já considerados como falha do tratamento primário).
  • 2ários: avaliados em 3 e 12 meses. Escores de qualidade de vida para acalasia (SF-36 e ADSQoL) e refluxo (questionário e endoscopia). Uso de IBP e RX com bário (avaliação com 0,1, 2 e 5 min) também foram avaliados.
  • Eventos adversos (EA): graves (prolongamento da internação > 24h), admissão em UTI, transfusão, procedimentos endoscópicos ou cirúrgicos adicionais e óbito. Os demais EA foram considerados como leves.

O cálculo amostral de 90 pacientes se baseou no sucesso clínico a longo prazo de 58% para DP e 85% para POEM, com poder de 80%, significância estatística de 0,05 e 5% de perdas.

O cegamento foi utilizado apenas nas avaliações do seguimento do paciente, com cálculo do escore de Eckardt e outros escores, bem como exames como manometria, RX com bário e EDA.

Resultados

Noventa pacientes foram randomizados, sendo 45 em cada braço, os quais foram homogêneos considerando as características de base (tipo de acalasia, escore de Eckardt, achados da manometria e RX contrastado).

No grupo da DP, um paciente realizou apenas 1 sessão (houve melhora clínica e o mesmo recusou as DP subsequentes), 19 fizeram DP de 30 e 35 mm, 21 fizeram a dilatação adicional de 40 mm, e quatro outros fizeram 4 sessões no período de follow-up.

O sucesso clínico (desfecho 1ário) foi maior no grupo do POEM (28/45 = 62,2% x 12/45 = 26,7%) com diferença absoluta de 35,6% (95% CI, 16,4% – 54,7%; P = 0,001).

Desfechos 2ários:

  • Refluxo: apesar da maior incidência de refluxo (incluindo esofagite, uso de IBP e sintomas) após o POEM, não houve diferença com significado estatístico (12/35 = 34,3% x 6/40 = 15%, p = 0,062). No braço do POEM, 11 casos eram de esofagite A/B de Los Angeles (91,7%) e 1 caso, C (8,3%). No braço da DP, 5 casos eram de esofagite A/B (83,3%) e 1 caso, C (16,7%). Não houve diferença no uso de IBP entre os grupos (POEM 29 = 69% x DP 26 = 57,8%).
  • Os desfechos favoráveis ao POEM foram: menores níveis no escore de Eckardt (p=0,016), menor pressão basal do esfíncter esofágico inferior (p=0,034) e pressão integrada de relaxamento (IRP; p=0,002), menor coluna de bário após 2 e 5 min (p=0,005 e 0,015), menor escore ADSQoL (melhor qualidade de vida nos quesitos funcionamento físico, bem estar emocional e funcionamento social).
  • EA: apenas 2 EA severos foram relacionados ao procedimento. O primeiro foi uma microperfuração após POEM em paciente com crossover após falha da DP, tratado antibióticos e 2 dias de re-internação. O segundo corresponde a esofagite intensa após DP, tratada cirurgicamente (Toupet).

Não houve diferença nas características de base entre os pacientes com sucesso e insucesso do tratamento em ambos os braços (DP e POEM).

Análise de sensibilidade post-hoc:

  • Em dois pacientes randomizados para o POEM, o procedimento não foi possível devido a intensa fibrose submucosa. Ambos casos foram tratados com DP. Um paciente perdeu o seguimento após a randomização e antes da realização do POEM e outro perdeu o seguimento após o POEM. Na análise por protocolo, houve sucesso em 27/41 (65,8%) com POEM x 12/47 (25,5%) com DP.
  • No grupo da DP, 14 pacientes receberam POEM após falha das dilatações sequenciais programadas e não programadas. Destes (6/14 = 42,9%) foram bem sucedidos clinicamente. No cross-over oposto, 2 pacientes com falha após POEM receberam DP, ambos sem melhora clínica.

Discussão

Os resultados expostos colocam o POEM como uma opção associada ao melhor controle dos sintomas de disfagia e índices de qualidade de vida em follow-up a médio prazo quando comparado à DP.

Em relação ao refluxo, houve maior incidência no braço do POEM, porém sem significado estatístico (12/35 = 34,3% x 6/40 = 15%, p = 0,062). Destacam-se ainda, os fatos de não haver diferença no uso de IBP (POEM 29 = 69% x DP 26 = 57,8%) e da grande maioria dos casos serem grau A ou B de Los Angeles em ambos os grupos (POEM 11/12 = 91,7% x DP 5/6 = 83,3%). O único caso de refluxo grave foi no grupo da DP, o qual foi tratado cirurgicamente.

Apesar da maior complexidade do POEM e menor disponibilidade, este procedimento mostrou padrão de segurança similar à DP. Também há o benefício do POEM ser realizado em tempo único (as DP foram em ao menos 2 sessões). Outro ponto além dos retornos para novos procedimentos, é a possibilidade de piores resultados para a DP onde não se realizam dilatações progressivas programadas e com material restrito para 35 e 40 mm, como em muitos centros no Brasil.

O trabalho tem a limitação de uma análise até 12 meses, considerada como médio prazo. Assim sendo, as conclusões comparativas entre os métodos a longo prazo devem ser melhor investigadas, principalmente levando em conta o caráter crônico e progressivo da acalasia.

Considerando os melhores resultados no controle dos sintomas e melhor qualidade de vida, sem prejuízo no controle do refluxo, é razoável oferecer o POEM (considerando a expertise e disponibilidade de recursos) como primeira opção no tratamento da recorrência de sintomas após a miotomia de Heller com fundoplicatura Dor prévia em pacientes com acalasia.

Veja mais sobre: POEM: indicações, tips and tricks • Endoscopia Terapeutica

Referências

  1. Saleh CMG, Familiari P, Bastiaansen BAJ, Fockens P, Tack J, Boeckxstaens G, Bisschops R, Lei A, Schijven MP, Costamagna JG, Bredenoord AJ. The Efficacy of Peroral Endoscopic Myotomy vs Pneumatic Dilation as Treatment for Patients With Achalasia Suffering From Persistent or Recurrent Symptoms After Laparoscopic Heller Myotomy: A Randomized Clinical Trial. Gastroenterology. 2023 Jun;164(7):1108-1118.e3. doi: 10.1053/j.gastro.2023.02.048. Epub 2023 Mar 11. PMID: 36907524.
  2. Ortiz A, de Haro LF, Parrilla P, Lage A, Perez D, Munitiz V, Ruiz D, Molina J. Very long-term objective evaluation of heller myotomy plus posterior partial fundoplication in patients with achalasia of the cardia. Ann Surg. 2008 Feb;247(2):258-64.
  3. Moonen A, Annese V, Belmans A, Bredenoord AJ, Bruley des Varannes S, Costantini M, Dousset B, Elizalde JI, Fumagalli U, Gaudric M, Merla A, Smout AJ, Tack J, Zaninotto G, Busch OR, Boeckxstaens GE. Long-term results of the European achalasia trial: a multicentre randomised controlled trial comparing pneumatic dilation versus laparoscopic Heller myotomy. Gut. 2016 May;65(5):732-9.

Como citar este artigo

Funari MP. The Efficacy of Peroral Endoscopic Myotomy vs Pneumatic Dilation as Treatment for Patients With Achalasia Suffering From Persistent or Recurrent Symptoms After Laparoscopic Heller Myotomy: A Randomized Clinical Trial. Endoscopia Terapeutica 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/the-efficacy-of-peroral-endoscopic-myotomy-vs-pneumatic-dilation-as-treatment-for-patients-with-achalasia-suffering-from-persistent-or-recurrent-symptoms-after-laparoscopic-heller-myotomy-a-randomized-clinical-trial/