IPMN: o que mudou de Fukuoka a Kyoto

1. Introdução

As lesões císticas pancreáticas tem sido cada vez mais diagnosticadas, tanto pelo aumento da incidência dessas lesões quanto pela realização e acesso crescente a exames de imagem que eventualmente identificam tais lesões. A neoplasia mucinosa papilar intraductal (IPMN) é uma das principais lesões císticas do pâncreas, tanto pela sua incidência quanto pelo seu potencial de transformação maligna, porém sua apresentação e evolução apresentam um espectro amplo  de possibilidades. Como o potencial maligno do IPMN de ducto secundário varia de 1 a 38%, é fundamental identificar quais lesões apresentam risco aumentado e quais podem ser apenas acompanhadas, evitando cirurgias desnecessárias que envolvem riscos e morbi-mortalidade consideráveis. Já o IPMN de ducto principal apresenta um potencial maligno maior, de 33 a 85%, sendo indicada a ressecção cirúrgica sempre que o ducto pancreático principal (DPP) esteja dilatado em 10 mm ou mais e o paciente apresente condições clínicas e expectativa de vida compatível com a abordagem cirúrgica (1).

Para padronizar o manejo dos IPMN com base nas melhores evidências disponíveis, a Associação Internacional de Pancreatologia (IAP) publicou o primeiro guideline contemplando as lesões císticas pancreáticas mucinosas – IPMN e cistoadenoma mucinoso – em 2006 (2). Este guideline foi revisado em 2012 (3) e, posteriormente em 2017, um novo guideline com foco apenas nos IPMN foi publicado, e ficou conhecido como o consenso de Fukuoka (4). Os critérios de Fukuoka foram amplamente divulgados e discutidos ao longo dos últimos anos, sendo ferramenta chave no manejo dos IPMN, que já foi tema de publicação no Endoscopia Terapêutica (clique aqui para Critérios de Fukuoka para IPMN). Mais recentemente, em 2022 no encontro da IAP realizado em Kyoto, o consenso de Fukuoka foi revisado, sendo o novo guideline publicado na Pancreatology em 2024 (5).

Neste artigo, iremos abordar o novo guideline de Kyoto, enfatizando o que mudou desde o último consenso em Fukuoka à luz do recente artigo publicado na The New England Journal of Medicine sobre o tema (1), sendo essas as duas referências para os próximos tópicos (1, 5).

2. Conceitos e definições

Não houve mudança em relação às definições dos três tipos de IPMN, que podem ser de ducto secundário (“Branch duct-IPMN” ou BD-IPMN), de ducto principal (“Main-duct IPMN” ou MD-IPMN) ou misto – quando contempla os critérios tanto para BD-IPMN quanto para MD-IPMN. Os cistos pancreáticos >5mm com comunicação com o DPP devem ser classificados como BD-IPMN, enquanto uma dilatação do DPP >5mm sem fator obstrutivo é classificado como MD-IPMN. A importância e manejo de cistos pancreáticos assintomáticos <5mm permanece controverso.

Figura 1: Tipos de IPMN na ressonância magnética. Adaptado de Ohtsuka T, et al. Pancreatology. 2024 (5).

Os IPMN podem apresentar displasia de baixo grau ou displasia de alto grau – que também pode ser chamada de carcinoma in situ -, podendo chegar a carcinoma invasivo (CI). O objetivo no manejo dos IPMN é distinguir os IPMN de baixo grau (maioria) dos de alto grau, que evoluirão para carcinoma invasivo.

Em relação aos subtipos morfológicos, são reconhecidos três tipos: gástrico (mais frequente e melhor prognóstico), intestinal e pancreatobiliar (maior risco de malignização). O tipo oncocítico foi separado como entidade própria, sendo denominado neoplasia oncocítica papilar intraductal, devido principalmente estudos genéticos que identificaram diferenças significativas.

3. Investigação diagnóstica e exames complementares

Os exames de imagem primários na avaliação dos IPMN são a ressonância magnética (RM) e a tomografia computadorizada (TC), sendo a ecoendoscopia indicada para avaliação de achados sugestivos de displasia de alto grau e carcinoma invasivo.

Punção ecoguiada

A punção ecoguiada não está indicada de rotina. Ela deve ser indicada apenas quando há dúvida diagnóstica para diagnóstico diferencial com outras lesões císticas ou em casos nos quais a punção poderá mudar a conduta. Quando há evidência de alto risco para displasia de alto grau ou carcinoma invasivo na RM, a cirurgia está indicada e não há indicação de punção ecoguiada.

Para o diagnóstico diferencial com as demais lesões císticas pancreáticas, o CEA e a amilase são tradicionalmente os principais marcadores utilizados, porém estudos mais recentes destacam a glicose como importante marcador para distinguir lesões mucinosas de não mucinosas. Glicose <50ng/ml apresenta sensibilidade de 93%, especificidade de 89% e acurácia que pode chegar até 90 a 94%, tendo um rendimento melhor que o CEA – que apresenta uma sensibilidade de 58% e especificidade de 87%. É importante ressaltar que tais marcadores não apresentam relação com displasia de alto grau ou carcinoma in situ.

Em relação a punção ecoguiada com o objetivo de identificar displasia de alto grau ou carcinoma invasivo em casos limítrofes, a sensibilidade para identificação citológica no fluido cístico é de apenas 28,7%, porém o achado suspeito ou positivo apresenta especificidade de 91-100% e 100% respectivamente, e a ressecção cirúrgica estaria indicada. Para superar a baixa sensibilidade da punção aspirativa, foram desenvolvidos “microforceps” para biópsias através da agulha, que apresentam maior sensibilidade, apesar de um risco um pouco aumentado de pancreatite e sangramento. A punção ecoguiada também pode possibilitar a análise genética do conteúdo, que pode se relacionar tanto na confirmação do diagnóstico de IPMN (alterações nos genes KRAS e GNAS) quanto com risco de displasia de alto grau e carcinoma invasivo (alterações nos genes TP53, CTNNB1, CDKN2A, SMAD4, e genes envolvidos na via mTOR) – estes apresentando alta especificidade (92-98%) porém baixa sensibilidade (9-39%). Quando identificada áreas sólidas, as punções (se indicada) devem ser dirigidas a estas áreas, onde o rendimento diagnóstico é maior. No caso de avaliação de nódulos murais, a ecoendoscopia com contraste pode definir o caráter neoplásico ou não-neoplásico do nódulo, evitando a necessidade de punção ecoguiada, que apresenta um risco de “seeding” de cerca de 0,3%.

Pancreatoscopia

Pode ser útil nos casos de MD-IPMN e tipo misto com indicação de cirurgia para delimitar a extensão da ressecção e evitar a pancreatectomia total em alguns casos. Ela não deve ser realizada no intra-operatório pelo risco de disseminação neoplásica peritoneal e pela possível super-estimativa da extensão da lesão a ser ressecada, uma vez que a acurácia para diferenciar displasia de baixo grau (que não precisa ser ressecada) de alto grau (que deve ser ressecada) é baixa. Dessa forma, quando indicada, a pancreatoscopia deve ser realizada antes do procedimento cirúrgico, ficando a margem intra-operatória a critério da avaliação anatompatológica de congelação.

O que mudou: 1) a análise genética do material da punção ecoguiada pode auxiliar no diagnóstico e identificação de lesões de alto risco. 2) a pancreatoscopia pode auxiliar em alguns casos de MD-IPMN e tipo misto e, quando indicada, deve ser realizada antes da cirurgia (e não no intra-operatório).

4. Avaliação do risco – estigmas de alto risco e características preocupantes

Talvez a principal contribuição dos guidelines que abordam os IPMN seja identificar os achados e fatores que aumentam o risco de evolução para câncer e atribuir condutas a partir desses fatores. Desde a publicação de 2012 os termos “estigmas de alto risco” (high risk stigmata – HRS) e “características preocupantes” (worrisome features – WF) vem sendo utilizados para identificar os fatores que apresentam alto risco e risco intermediário, respectivamente.

4. a) Estigmas de alto risco

  • Icterícia obstrutiva em paciente com lesão cística na cabeça do pâncreas
  • Nódulo mural com realce ≥ 5mm ou componente sólido
  • Ducto pancreático principal ≥ 10mm
  • Citologia suspeita ou positiva (caso tenha sido indicada punção ecoguiada)

O que mudou: citologia suspeita ou positiva foi definida como estigma de alto risco

Figura 2: Estigmas de alto risco. Adaptado de Gonda TA, et al. Pancreatic Cysts. N Engl J Med. 2024 (1).

4. b) Características preocupantes (CP)

> Clínica

  • Pancreatite aguda
  • Aumento de CA 19-9
  • Início ou exacerbação aguda de Diabetes no último 1 ano

> Imagem

  • . Cisto ≥ 30mm
  •   Nódulo mural com realce < 5mm
  •   Paredes císticas espessadas ou com realce
  •   Ducto pancreático principal ≥ 5mm e <10mm
  •   Mudança abrupta de calibre do DPP com atrofia distal
  •   Linfadenopatia
  •   Crescimento cístico ≥ 2,5mm/ano

A presença de múltiplas CPs aumenta significativamente o risco de displasia de alto grau e carcinoma invasivo:

– 1 CP: 22% de risco
            – 2 CP: 34% de risco
            – 3 CP: 59% de risco
            – ≥4 CP: até 100% de risco

O que mudou: 1) um critério clínico novo foi incorporado – início ou exacerbação de diabetes no último ano; 2) um critério foi alterado – crescimento cístico ≥ 2,5mm/ano (antes era ≥ 5mm/2 anos; 3) foi incorporado o conceito de que múltiplas características preocupantes aumentam o risco de displasia de baixo grau e carcinoma invasivo.

Figura 3: Representação de 8 das 10 características preocupantes. Adaptado de Gonda TA, et al. Pancreatic Cysts. N Engl J Med. 2024 (1).

5) Fatores adicionais para avaliação nos pacientes com “características preocupantes”

Os pacientes que não têm estigmas de alto risco, porém apresentam alguma CP, devem ser avaliados para fatores adicionais que possam direcionar a conduta para o seguimento clínico ou uma tendência à indicação cirúrgica.

Foram alterados os três fatores considerados previamente em Fukuoka (que eram: presença de nódulo mural definitivo > 5mm, características suspeitas para envolvimento do DPP e citologia suspeita ou positiva). No atual guideline de Kyoto, esses fatores são: 1) pancreatite de repetição com piora da qualidade de vida; 2) múltiplas características preocupantes; 3) jovem com bom status clínico para cirurgia. A presença de um desses três fatores direciona para uma abordagem cirúrgica, enquanto a ausência dos três direciona para o seguimento clínico com exames de imagem periódicos.

O que mudou: os três fatores adicionais a serem avaliados em pacientes sem estigmas de alto risco porém com alguma CP – 1) pancreatite de repetição com piora da qualidade de vida; 2) múltiplas características preocupantes; 3) jovem com bom status clínico para cirurgia.

6) Seguimento de IPMN não ressecado

O risco de progressão dos BD-IPMN apresenta relação com o tamanho inicial do maior cisto ao diagnóstico, e, portanto, o seguimento preferencialmente com RM das lesões não candidatas à ressecção cirúrgica baseia-se no tamanho do maior cisto:

  • < 20mm: reavaliação em 6 meses. Se estável, a cada 18 meses
  • ≥ 20 mm <30mm: reavaliação em 6 e 12 meses. Se estável, a cada 12 meses
  • ≥ 30mm: a cada 6 meses

Em relação ao seguimento de lesões <20mm sem CP que permanecem estáveis, há controvérsia na literatura, de forma que o novo guideline admite duas possibilidades: manter o seguimento OU parar o seguimento após 5 anos. Dessa forma, os candidatos a interrupção do seguimento com exames de imagem são:                     

  • Cistos <20mm sem estigmas de alto risco ou CPs, estáveis por pelo menos 5 anos;
  • Pacientes não candidatos à cirurgia ou com expectativa de vida < 10 anos.

O seguimento dos IPMN é importante não só devido ao risco de progressão da lesão, mas também pelo risco aumentado em desenvolver adenocarcinoma de pâncreas sem relação com o IPMN, que pode ser até 5x maior do que a população geral, segundo estudos japoneses. Esse mecanismo foi chamado de “dupla carcinogênese” dos IPMN, e é um dos argumentos defendidos por aqueles que advogam em manter o seguimento mesmo em lesões pequenas estáveis.

Em relação aos BD-IPMN multifocais – que correspondem a 20-40% dos casos – não há risco aumentado de progressão e o manejo e seguimento deve ser de acordo com a maior lesão.

O que mudou: o seguimento de acordo com o tamanho do maior cisto, que antes distinguia quatro grupos (<1cm, 1-2cm, 2-3cm e > 3cm) foi reduzido para apenas três grupos (< 2cm, ≥ 2cm <30cm e ≥ 3cm).

7) Seguimento de IPMN não invasivo ressecado

  • Seguimento de IPMN não invasivo ressecado:
  • – Pancreatectomia total: seguimento por 5 anos;
  • – Pancreatectomia parcial: a cada 6-12 meses, até o paciente não ser mais candidato à cirurgia.

8) Algoritmo de manejo de BD-IPMN pelo guideline de Kyoto (adaptado)

  • Sublinhado em vermelho: critério novos;
  • Sublinhado em amarelo: critério que foram modificados em relação à Fukuoka.
Figura 4: Algoritmo de manejo de IPMN pelo guideline de Kyoto. Adaptado de Ohtsuka T, et al. Pancreatology. 2024 (5).

Referências:

  1. Gonda TA, Cahen DL, Farrell JJ. Pancreatic Cysts. N Engl J Med. 2024;391(9):832-843. doi:10.1056/NEJMra2309041
  2. Tanaka M, Chari S, Adsay V, et al. International consensus guidelines for management of intraductal papillary mucinous neoplasms and mucinous cystic neoplasms of the pancreas. Pancreatology. 2006;6(1-2):17-32. doi:10.1159/000090023
  3. Tanaka M, Fernández-del Castillo C, Adsay V, et al. International consensus guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas. Pancreatology. 2012;12(3):183-197. doi:10.1016/j.pan.2012.04.004
  4. Tanaka M, Fernández-Del Castillo C, Kamisawa T, et al. Revisions of international consensus Fukuoka guidelines for the management of IPMN of the pancreas. Pancreatology. 2017;17(5):738-753. doi:10.1016/j.pan.2017.07.007
  5. Ohtsuka T, Fernandez-Del Castillo C, Furukawa T, et al. International evidence-based Kyoto guidelines for the management of intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas. Pancreatology. 2024;24(2):255-270. doi:10.1016/j.pan.2023.12.009

Como citar este artigo

Proença IM. Endoscopia Terapeutica. IPMN: o que mudou de Fukuoka à Kyoto, 2024 vol II. Disponivel em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/ipmn-o-que-mudou-de-fukuoka-a-kyoto/




Drenagem de coleção abdominal pós-pancreatectomia por ecoendoscopia com prótese de aposição luminal (LAMS)

Caso clínico

  • Paciente do sexo feminino, 22 anos, diagnosticada com neoplasia pseudopapilar de cauda pâncreas (Tumor de Frantz)
  • Submetida a pancreatectomia corpo-caudal + esplenectomia + linfadenectomia videolaparoscópica. Drenagem da loja esplênica e do coto pancreático com Blake 19.
  • Recebeu alta no 4º PO.
  • 15 dias depois retorna com dor abdominal, febre e leucocitose.
  • TC de abdômen revela coleção retrogastrica em contato com a margem de ressecção do pâncreas (Figuras 1 e 2).
Figura 1: TC abdômen sagital mostrando a coleção (seta amarela) retrogástrica (seta azul). Note que o dreno está no interior da coleção, porém apresenta drenagem inadequada.
Figura 2: TC de abdômen corte axial mostrando a coleção em íntimo contato com o corpo gástrico e com dreno no seu interior sendo exteriorizado no flanco direito.

Conduta

Após reunião multidisciplinar foi indicada a drenagem endoscópica através da colocação de prótese de aposição luminal guiada por ecoendoscopia. Para o procedimento foi utilizada prótese Hot Axios (Boston Scientific).

Evolução pós-operatória

  • Liberada dieta líquida no 1º. PO;
  • Manutenção de antibioticoterapia;
  • Revisão endoscópica precoce no 3º. PO para limpeza e retirada de restos necróticos;
  • Retirada do dreno abdominal;
  • Alta hospitalar;
  • Retorno com 21 dias após drenagem. Retirada da axios.

Comentários

A drenagem de coleções fluidas peripancreáticas por ecoendoscopia com auxilio de próteses de aposição luminal é uma técnica que revolucionou o tratamento dessas condições, possibilitando uma drenagem segura, eficaz e muito mais ágil. A drenagem das coleções sem auxílio das próteses quentes LAMS é possível, porém muito mais trabalhosa. Necessitaria punção, dilatação do trajeto e colocação de próteses pigtail.

A principal complicação que vemos na drenagem com LAMS é o risco de sangramento, que geralmente ocorre tardiamente devido corrosão do tecido retroperitoneal perigastrico pela extremidade da prótese quando ocorre regressão da cavidade (3 a 4 semanas em média). Alguns autores advogam a passagem de prótese tipo duplo pigtail no interior da LAMS para minimizar esse evento adverso. No caso em questão a regressão total da coleção ocorreu em 3 semanas e foi possível retirar a prótese com segurança.

Clique nos temas para mais informações sobre Prótese metálica de aposição luminal (LAMS) e Stents de aposição de lúmen nas drenagens de coleções fluidas pancreáticas e risco de sangramento – onde estamos?.




Microlitíase biliar e dispepsia

Introdução

A microlitíase biliar é uma entidade identificada e descrita a relativamente pouco tempo, ainda sendo tema de muita controvérsia na literatura, desde sua definição e diagnóstico até sua relevância clínica e manejo. Com o aumento da disponibilidade do exame de ecoendoscopia e a consequente ampliação das indicações e solicitações deste exame, tornou-se uma condição cada vez mais identificada em uma população muito heterogênea de pacientes, que varia desde pacientes com obstrução das vias biliares, passando por pacientes com dor abdominal ou dispepsia, chegando até pacientes assintomáticos em exames “de rotina” ou indicados por outros motivos. Tal situação nos faz questionar, investigar e revisitar o conceito e o manejo desta condição que se torna cada vez mais presente no nosso dia a dia.

Já foi discutido anteriormente a questão da microlitíase biliar e do barro biliar neste portal, onde foram apontadas as diferenças ecográficas das duas entidades consideradas no nosso meio e possíveis condutas, bem como a relevância da microlitíase biliar no contexto da investigação etiológica da pancreatite aguda.

Neste artigo, avaliaremos as definições mais aceitas na literatura bem como as controvérsias ainda não resolvidas e discutiremos a relação entre a microlitíase biliar e sintomas dispépticos.

Definição

As definições para microlitíase biliar e barro biliar variam imensamente na literatura, e vão desde descrições distintas para as duas entidades, passando por autores que as tratam como sinônimos, até publicações que ignoram uma ou outra entidade.

Para tentar resolver esse problema facilmente identificável na literatura, Żorniak e col. (1) publicaram um consenso sobre o tema em 2023. O estudo contou com três principais etapas de elaboração: inicialmente foi realizada uma revisão sistemática da literatura que identificou 69 artigos originais e 26 artigos de revisão que definiam “microlitíase biliar” e “barro biliar”; em um segundo momento, 30 “experts” em ecoendoscopia foram consultados através de um questionário sobre o tema; por fim, as definições mais aceitas foram organizadas e revalidadas pelos autores, passando por uma última etapa de votação.

Para demonstrar a heterogeneidade na literatura, cito alguns dos descritores mais encontrados nesta revisão:

– Microlitíase biliar: “sinal/foco/forma hiperecoica com ou sem sombra acústica posterior”, “sinal/foco/forma hiperecoica necessariamente com sombra acústica posterior”, “sinal/foco/forma hiperecoica necessariamente sem sombra acústica posterior”, “imagem ecogênica móvel sem sombra acústica posterior”.
Em relação ao tamanho, os estudos variaram desde <1mm até <10mm, porém a grande maioria definiu entre <3mm ou <5mm.

– Barro biliar: “substância fluida”, “nível fluido”, “múltiplos cálculos sem sombra acústica posterior”, “conteúdo em camadas na porção pendente da vesícula”, “conteúdo de baixa amplitude ecográfica”, “imagens hiperecoicas móveis sem combra acústica porterior”, “agregado hiperecoico sem sombra acústica posterior”, “material um pouco hiperecoico móvel”, “material ecogênico homogêneo”, “material ecogênico heterogêneo”.

Observa-se tanto uma sobreposição quanto uma troca ou mistura de definições entre as duas entidades na literatura especializada.

Com a difícil missão de determinar um consenso, os autores chegaram nas seguintes definições (original em inglês e respectiva tradução pelo autor deste artigo):

  • Microcálculo biliar: “calculi in the biliary tract and gallbladder of ≤5 mm in diameter with acoustic shadowing” / “cálculo nas vias biliares ou vesícula biliar com sombra acústica posterior com diâmetro menor ou igual 5mm”
  • Barro biliar: “Discrete, hyperechoic material inside the gallbladder or the bile duct, without acoustic shadowing, which sediments in the most dependent part of the gallbladder.” / “Material discretamente hiperecoico, sem sombra acústica posterior, com sedimentação na parte mais pendente da vesícula biliar”
  • Cálculo biliar: “calculi in the biliary tract and gallbladder of >5 mm in diameter with acoustic shadowing” / “cálculo nas vias biliares ou vesícula biliar com sombra acústica posterior com diâmetro maior que 5mm”

Em outro trabalho, Quispel e col. (2) estudaram o grau de concordância entre ecoendoscopistas em relação a microlitíase biliar e barro biliar. Eles avaliaram a concordância entre 41 ecoendoscopistas “experts” utilizando 30 vídeos. As definições aceitas neste trabalho foram (original em inglês e tradução do autor deste artigo):

  • Barro biliar (“sludge”): “Layered, cloud shaped, mobile echoic bile duct content, without acoustic shadowing” / “conteúdo ecogênico móvel em camadas sem sombra acústica posterior”
  • Microlitíase biliar (“microlithiasis”): “Hyperechoic circumscript bile duct content, < 3mm with or without acoustic shadowing” / “imagem hiperecoica com ou sem sombra acústica posterior menor que 3mm”
  • Cálculo biliar (“stones”): “Hyperechoic circumscript bile duct content, ≥ 3mm with or without acoustic shadowing” / “imagem hiperecoica com ou sem sombra acústica posterior maior ou igual a 3mm”

Neste estudo, houve uma concordância interobservador considerada moderada para um ou mais cálculos biliares – kappa de Fleiss (IC95%) 0,46 (0,13-0,78) -, fraca para microlitíase – kappa de Fleiss (IC95%) 0,25 (0,07-0,43) – e muito fraca para barro biliar – kappa de Fleiss (IC95%) 0,16 (0,07-0,25).

Em nosso meio, tendemos a definir de forma diferente tanto do consenso publicado quanto do estudo de Quispel e col., como demonstrado no artigo publicado previamente (“Microcálculos e barro biliar – Quais seus valores para a prática clínica?”) e no último manual de ecoendoscopia da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED) (3).

Microcálculos/microlitíase: imagem móvel, hiperecoica, sem sombra acústica posterior e ≤3mm

Microlitíase biliar

Barro biliar: conteúdo ecogênico móvel, sem sombra acústica posterior, com formação de nível.

Barro biliar

Cálculo: imagem hiperecoica com sombra acústica posterior, independentemente do tamanho (podem ser chamados de cálculos pequenos se menores que 5mm).

Cálculo biliar

No entendimento do autor deste artigo, as definições que utilizamos no nosso meio apresentam maior correlação com os achados ecográficos e com os diferentes perfis de pacientes. Porém, com a publicação do consenso, caso a comunidade de ecoendoscopistas passe a utilizar a classificação proposta, a tendência será unificar os achados que hoje consideremos em nosso meio “microlitíase biliar” e “barro biliar” denominando ambos como “barro biliar”, enquanto o termo “microlitíase biliar” será utilizado para cálculos pequenos ≤5mm.

De qualquer forma, o mesmo consenso fez um levantamento retrospectivo que mostrou que não há diferença em relação a gravidade da pancreatite aguda biliar, independente de qual entidade biliar (cálculo, microcálculo ou barro) esteja relacionada ao evento, e alguns autores consideram que barro biliar e microlitíase biliar compartilham a mesma significância clínica (4).

Por fim, acreditamos que ainda haverá discussões na literatura para estabelecimento das definições para que haja uma melhor comunicação tanto entre os ecoendoscopistas, quanto entre médicos assistentes/solicitantes, e também na própria literatura, afim de homogeneizar a nomenclatura para estudos futuros. Dessa forma, até uma pacificação sobre o tema na literatura, sugere-se aos ecoendoscopistas descreverem os achados com precisão no corpo do laudo e realizar adequada documentação de imagens, para que o médico assistente/solicitante tenha ferramentas para interpretar corretamente os achados e tomar as melhores condutas cabíveis em cada caso, independente da definição utilizada na conclusão do laudo.

Microlitíase biliar e sintomas dispépticos

Como comentado na introdução deste artigo, com o aumento da disponibilidade da ecoendoscopia, os pedidos de exame para pacientes com sintomas dispépticos variados se tornaram parte importante da agenda de ecoendoscopia nos grandes centros, com identificação de “microcálculos/barro biliar” em um amplo perfil de pacientes e levando muitas vezes a indicação de colecistectomia. Tal cenário nos faz questionar o papel da ecoendoscopia para este perfil de pacientes, a indicação da colecistectomia e a relação com os sintomas apresentados.

Montenegro e col. (4) estudaram retrospectivamente pacientes com sintomas dispépticos variados, encaminhados para realização de ecoendoscopia após resultados negativos para litíase biliar por ultrassonografia abdominal, que foram diagnosticados com microlitíase e/ou barro biliar na ecoendoscopia e submetidos a colecistectomia. Eles excluíram pacientes assintomáticos e pacientes que tiveram qualquer complicação relacionada a litíase biliar (pancreatite, colangite, colestase ou colecistite).

Neste artigo, os autores utilizaram a seguinte definição (original em ingês e tradução do autor deste artigo):
            – Minilithiasis and/or biliary sludge (minilitíase e/ou barro biliar): “the presence of isoechoic and/or hyperechoic focus without an acoustic shadow less than 5 mm, which could be viewed with or without a massage in the epigastrium or right hypochondrium” / “presença de focos isoecoicos e/ou hiperecoicos sem sombra acústica posterior, menores que 5mm, que podem ser visualizados com ou sem compressão do epigástrio ou hipocôndrio direito”

A partir de uma base de dados de 1121 pacientes que realizaram ecoendoscopia entre os anos de 2014 e 2018, foram incluídos 50 pacientes compatíveis com os critérios de inclusão.

Dentre os sintomas relatados, 58% (29/50) apresentavam cólica biliar típica e 42% (21/50) apresentavam sintomas atípicos, sendo estes: dor no quadrante superior direito (24%), epigastralgia + dor no quadrante superior direito (2%), epigastralgia + náuseas/vômitos (6%), epigastralgia isolada (2%), dor abdominal difusa com ou sem distensão (8%).

Setenta porcento dos pacientes (35/50) tiveram remissão dos sintomas após a colecistectomia. No grupo dos pacientes com cólica biliar típica, a remissão foi de 86,2% enquanto no grupo de pacientes com sintomas atípicos foi de 47,6%. No grupo de pacientes com sintomas atípicos, houve diferença importante na resposta ao tratamento de acordo com o sintoma apresentado, notando-se remissão na maior parte dos pacientes com dor no quadrante superior direito e em nenhum dos 4 pacientes com dor abdominal difusa. A tabela abaixo resume os sintomas pré e pós-colecistectomia (tabela 2 do artigo original).

Tabela com sumário dos sintomas pré e pós-colecistectomia de Montenegro e col. (4)

Foi identificada apenas uma (2%) complicação com necessidade de reabordagem pós colecistectomia devido a hemoperitônio e 18% (9/50) de pacientes que evoluíram com diarreia pós colecistectomia.

Os autores concluem que pacientes com quadro de cólica biliar típica com presença de microcálculos/barro biliar à ecoendoscopia devem ser submetidos à colecistectomia, enquanto pacientes com sintomas atípicos devem ser amplamente investigados para descartar outras etiologias antes de serem submetidos a colecistectomia, sendo esta avaliação a chave para uma adequada correlação entre os sintomas e os achados ecográficos e consequente resolução dos sintomas após colecistectomia.

Jang e col. (5) estudaram o uso de medicações litolíticas (Ácidos Quenodesoxicólico e Ursodesoxicólico) para tratamento de pacientes com diagnóstico de dispepsia funcional refratária (DFR). A DFR é definida como sintomas dispépticos sem causa definida, persistentes após tratamento com sintomáticos, sendo difícil a diferenciação entre dispepsia funcional e dispepsia biliar em muitos casos.

Neste estudo prospectivo não-randomizado simples cego, foram incluídos 37 pacientes com diagnóstico de DFR e com exames de Endoscopia Digestiva Alta (EDA), ultrassom de abdome e exame de contratilidade da vesícula biliar normais. Importante notar que não foi realizada ecoendoscopia nos pacientes deste estudo. Foi utilizado uma escala de sintomas chamada de “Escala de sintomas globais de 7 pontos” (“7-point global symptom scale”), que relaciona os sintomas dispépticos com a severidade e impacto na vida do paciente, na qual 1 ponto o paciente refere não ter problemas com os sintomas dispépticos e 7 o paciente apresente um problema muito severo que interfere e limita as atividades diárias. Os sintomas relatados foram dor epigástrica, queimação epigástrica, saciedade precoce e empachamento pós-prandial.

Após 12 semanas de tratamento, a média da escala de sintomas caiu de 5,6 para 2,6, sendo que 94,6% (35/37) referiram algum grau de melhora dos sintomas e apenas 5,4% (2/37) não apresentaram nenhuma melhora.

Os autores concluem que grande parte dos pacientes diagnosticados com DFR podem ter na realidade dispepsia biliar, podendo ser beneficiados com o tratamento proposto com litolíticos. Eles ainda pontuam que a microlitíase biliar não foi adequadamente avaliada no estudo, podendo estar presente em parte ou totalidade dos pacientes que responderam ao tratamento.

Avaliando em conjunto os estudos apresentados, podemos inferir que a microlitíase/barro biliar deve ser considerada no diagnóstico diferencial em pacientes com dispepsia, porém o sucesso do tratamento – seja com colecistectomia ou com litolíticos – depende do tipo de sintoma apresentado e a exclusão de outras etiologias.

É importante considerar que são estudos de baixa qualidade metodológica para avaliar a eficácia do tratamento, mas que apontam para uma possibilidade que deve ser considerada e melhor estudada, preferencialmente com ensaios clínicos randomizados.

Conclusão

A microlitíase biliar é um tema ainda muito controverso, com divergências que vão desde a definição até o tratamento, principalmente quando relacionada a sintomas dispépticos.

Em relação a definição de microlitíase e barro biliar, há um debate que teremos que percorrer para chegarmos a conclusões mais consensuais e compatíveis com os achados do dia a dia. Considerando a literatura disponível, que se mostra ainda muito controversa apesar do esforço em estabelecer um consenso, cabe ao ecoendoscopista descrever e documentar com precisão os achados para que o médico interlocutor consiga identificar corretamente a entidade descrita, independente da definição utilizada.

Em relação a microlitíase/barro biliar e os sintomas dispépticos, alguns estudos de baixa qualidade metodológica sugerem a possibilidade de correlação entre tais entidades e sintomas dispépticos, com possível melhora dos sintomas em parte dos pacientes após colecistectomia ou tratamento com litolíticos. Entretanto é fundamento ressaltar que cada paciente deve ser avaliado com parcimônia, considerando os sintomas apresentados e realizando ampla investigação de outras etiologias mais prováveis, especialmente quando sintomas considerados atípicos para doença biliar são os mais importantes.

Referências

  1. Żorniak, M., Sirtl, S., Beyer, G., Mahajan, U. M., Bretthauer, K., Schirra, J., Schulz, C., Kohlmann, T., Lerch, M. M., Mayerle, J., & LMU Microlithiasis Expert Survey Team (2023). Consensus definition of sludge and microlithiasis as a possible cause of pancreatitis. Gut72(10), 1919–1926. https://doi.org/10.1136/gutjnl-2022-327955
  2. Quispel, R., Schutz, H. M., Hallensleben, N. D., Bhalla, A., Timmer, R., van Hooft, J. E., Venneman, N. G., Erler, N. S., Veldt, B. J., van Driel, L. M. J. W., & Bruno, M. J. (2021). Do endosonographers agree on the presence of bile duct sludge and the subsequent need for intervention?. Endoscopy international open9(6), E911–E917. https://doi.org/10.1055/a-1452-8919
  3. De Araújo W.C., Nahoum R.G., Como eu faço: pesquisa de pancreatite idiopática. In: Salomão B.C., Moura E.G.H.M. Ecoendoscopia como eu faço? / núcleo de ecoendoscopia SOBED – São Paulo : Editora dos Editores, 2023. Cap. 5 p.87-96
  4. Montenegro, A., Andújar, X., Fernández-Bañares, F., Esteve, M., & Loras, C. (2022). Usefulness of endoscopic ultrasound in patients with minilithiasis and/or biliary sludge as a cause of symptoms of probable biliary origin after cholecystectomy. Gastroenterologia y hepatologia45(2), 91–98. https://doi.org/10.1016/j.gastrohep.2021.03.010
  5. Jang, S. I., Lee, T. H., Jeong, S., Kwon, C. I., Koh, D. H., Kim, Y. J., Lee, H. S., Do, M. Y., Cho, J. H., & Lee, D. K. (2022). Efficacy of Chenodeoxycholic Acid and Ursodeoxycholic Acid Treatments for Refractory Functional Dyspepsia. Journal of clinical medicine11(11), 3190. https://doi.org/10.3390/jcm11113190

Como citar este artigo

Proença IM. Microlitíase biliar e dispepsia. Endoscopia Terapeutica 2024 vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/microlitiase-biliar-e-dispepsia/




Stents de aposição de lúmen nas drenagens de coleções fluidas pancreáticas e risco de sangramento – onde estamos?

Desde a introdução dos stents metálicos de aposição de lúmen (LAMS) em 2012, as aplicações e usos desses dispositivos têm crescido constantemente. Eles têm sido empregados em uma ampla variedade de procedimentos, incluindo o tratamento de estenoses gastrointestinais luminais, para cistogastrostomia e necrosectomia endoscópica direta, para drenagem da vesícula biliar e para gastrojejunostomia.

Os LAMS estão sendo cada vez mais preferidos em relação aos stents plásticos (duplo pigtail) para pacientes submetidos à drenagem ecoguiada de coleções fluidas pancreáticas (PFC) por possuírem implantação tecnicamente fácil e amplo lúmen que facilita o rápido escoamento do conteúdo do cisto, no entanto, foram relatados eventos adversos tardios, como sangramento, migração e sepultamento do stent. A maioria dos estudos que descreve tais complicações não foi prospectiva e as definições utilizadas não foram uniformes, o que limita a padronização dos eventos adversos relacionados aos LAMS. Clique aqui para rever a Classificação de Atlanta para coleções fluidas peripancreáticas.

Uma auditoria de um ensaio clínico randomizado comparando a eficácia dos LAMS com stents plásticos de duplo pigtail relatou uma taxa inesperadamente alta de sangramento grave. O estudo observou que 10 de 31 pacientes (32,2%) no braço de tratamento LAMS tiveram complicações, incluindo três episódios de sangramento tardio começando três semanas após a colocação do stent. 1 O protocolo do estudo foi alterado e foi postulado que os stents plásticos tendem a gravitar em direção ao lúmen paulatinamente enquanto os LAMS poderiam ocasionar um rápido colapso da cavidade, resultando no risco de contato entre os vasos retroperitoneais e a flange distal do stent. O atrito prolongado poderia gerar erosão e ruptura dos vasos, causando sangramento agudo grave. Considerando essa hipótese, o tempo de permanência do stent além de 4 semanas foi relatado como um preditor de sangramento tardio e formou-se consenso para remoção do mesmo antes deste prazo na prática clínica. Todavia, essa recomendação é baseada principalmente em dados de uma coorte de centro único, limitando a generalização dos resultados. 1, 2

Um estudo de coorte prospectivo com revisão sistemática sobre eventos hemorrágicos após a colocação de LAMS compilou 21 estudos envolvendo 1.378 pacientes com uma taxa de sangramento de 3,8% (52/1378), dos quais 46,2% (24/52) ocorreram na primeira semana após a colocação de LAMS. A conclusão após análise dos casos publicados foi de que o risco de sangramento estaria relacionado a fatores inerentes ao próprio procedimento ao invés do tempo de permanência do stent, inferindo que um protocolo de remoção precoce dos LAMS para PFC é eficaz em prevenir tal desfecho. 3

Em 2022 foi publicada a análise retrospectiva do maior banco de dados multicêntrico (1.018 pacientes) existente sobre o uso de LAMS para drenagem de PFC (18 unidades do Reino Unido e Irlanda), aumentando o conhecimento neste cenário. Nenhum dos fatores analisados, como tipo (WON versus pseudocisto), tamanho da coleção (≤10 cm versus >10 cm) ou tempo de remoção do stent (≤4 semanas versus 4–8 semanas versus >8 semanas), mostrou correlação com eventos adversos tardios. Esses resultados fornecem mais evidências indiretas para manutenção da LAMS in situ além de 4 semanas, caso necessário clinicamente. 4

Para mais informações de manejo pós-drenagem ecoguiada de coleções peripancreáticas: clique aqui.

O uso de LAMS para o manejo das PFC tem excelentes taxas de sucesso técnico e clínico, no entanto, o índice de eventos adversos não é desprezível e deve ser cuidadosamente considerado antes das drenagens, em particular para WON. A prorrogação da sua permanência às vezes é necessária em pacientes com necrose pancreática extensa que obtém melhora clínica discreta ao cabo de 4 semanas. Até que haja mais estudos prospectivos para elucidarem este dilema, as descobertas de um grande conjunto de dados da vida real (banco de dados multicêntrico) acrescentam-se à literatura existente sobre o manejo dos LAMS para a drenagem de PFC e apoiam seu uso estendido em pacientes onde clinicamente indicado, desde que haja supervisão estreita.

Imagens de Necrosectomia Endoscópica Direta em paciente com WON após drenagem através de LAMS

Referências

  1. Bang JY, Navaneethan U, Hasan MK, et al. Non-superiority of lumen-apposing metal stents over plastic stents for drainage of walled-off necrosis in a randomised trial. Gut. 2018;68:1200–1209.
  2. Bang JY, Hasan M, Navaneethan U, et al. Lumen-apposing metal stents (LAMS) for pancreatic fluid collection (PFC) drainage: may not be business as usual. Gut. 2017;66(12):2054–2056.
  3. Waseem Ahmad, Syed A. Fehmi, Thomas J. Savides, Gobind Anand, Michael A. Chang, Wilson T. Kwong. Protocol of early lumen apposing metal stent removal for pseudocysts and walled off necrosis avoids bleeding complications. Scand J Gastroenterol. 2020 Feb;55(2):242-247.
  4. Manu Nayar , John S Leeds , UK & Ireland LAMS Colloborative, Kofi Oppong. Lumen-apposing metal stents for drainage of pancreatic fluid collections: does timing of removal matter? Gut 2022;71:850–853.

Como citar este artigo

Ribeiro MSL. Stents de aposição de lúmen nas drenagens de coleções fluidas pancreáticas e risco de sangramento – onde estamos? Endoscopia Terapeutica 2024 vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/stents-de-aposicao-de-lumen-nas-drenagens-de-colecoes-fluidas-pancreaticas-e-risco-de-sangramento-onde-estamos/




Técnica para neurólise do plexo celíaco por Ecoendoscopia

Introdução

Cerca de metade dos pacientes com neoplasia malignas abdominais apresentam dor crônica, com uma incidência ainda maior em pacientes com câncer gástrico e pancreático em estado avançado (clique aqui para critérios de rastreio de neoplasia pancreática). O mecanismo da dor é multifatorial, com componentes nociceptivo (somático e visceral) e neuropático, sendo este último o mais resistente à terapêutica analgésica. O câncer pancreático apresenta-se com maior propensão para invasão perineural e, portanto, dor neuropática, o que explica uma maior prevalência do sintoma em pacientes com esta doença.

O controle inadequado da dor não prejudica apenas o aspecto da qualidade de vida dos pacientes, mas também está relacionado a desfechos clínicos piores, incluindo uma maior mortalidade.1,2,3

O manejo da dor deve ser feito de maneira multimodal, incluindo o uso de analgésicos não opioides, opioides e moduladores da dor, mas o efeito colateral destas medicações, sobretudo dos opioides (náusea, vômitos, constipação, sonolência, pruridos) é um fator limitante. Outro aspecto que dificulta o controle álgico é a tendência a resistência à ação das medicações e necessidade de aumento progressivo das doses, com consequente aumento dos efeitos colaterais. Neste contexto a neurólise do plexo celíaco (Figura 14) surge como um importante método complementar no tratamento da dor oncológica abdominal, podendo ser indicada também em contexto não oncológico como no caso da pancreatite crônica dolorosa. A intervenção direta no plexo celíaco atua na redução da transmissão dolorosa independente do tipo do sinal (nociceptivo ou neuropático).

Figura 1. Anatomia do plexo celíaco (adaptado de imagem do Dr. Gombosiu C publicada por Seicean A, 2017 4).

A neurólise consiste na destruição permanente do plexo pela injeção de uma substância neurolítica, como o etanol. É importante diferenciar do bloqueio celíaco que se refere a interrupção temporária da transmissão dolorosa pela injeção de corticoides ou anestésicos de longa duração.

Leia também: Estudo multicêntrico, randomizado comparando a neurólise ecoguiada do gânglio celíaco versus a neurólise ecoguiada do plexo celíaco

Técnica

O procedimento de neurólise do plexo celíaco foi classicamente descrito por abordagem posterior guiada por tomografia. Entretanto o advento da Ecoendoscopia, permitiu uma abordagem com menos eventos adversos, mais cômoda aos pacientes, mais custo-efetiva e com a possibilidade de visão em tempo real. A técnica ecoguiada foi descrita por Wiersema et al 5 em 1996.

A preparação do paciente deve levar em consideração avaliação da coagulação e função plaquetária, com descontinuação de agendes anticoagulantes e antiplaquetários, conforme recomendações habituais. As contraindicações relativas e absolutas estão expostas na tabela 1.

Tabela 1. Contraindicações da neurólise celíaca guiada por Ecoendoscopia
Absoluta Relativa
Câncer pancreático ressecável Varizes esofágicas ou gástricas
Coagulopatia (INR > 1,5) Cirurgia gástrica prévia
Plaquetas baixas (< 50.000) Anomalias do tronco celíaco

Devido a perda do tônus simpático, os pacientes podem apresentar hipotensão nos pós procedimento. Assim, há a necessidade de administração de cristaloides venosos no pré, intra e pós procedimento, com monitorização multiparamétrica até momento da alta.

O procedimento ecoguiado por ser feito por injeção única central, com uma agulha com ponta cônica e porção dista multiperfurada projetada especificamente para esta técnica (Agulha EchoTip® Ultra para neurólise do plexo celíaco, Cook Medical – Figura 2), que sendo posicionada acima do tronco celíaco permite que a injeção seja pulverizada em um forma radial e uniforme, ou por agulha standard com duas injeções laterais ao tronco. Devido a maior disponibilidade das agulhas standard, transcrevemos a seguir técnica bilateral, conforme descrição do professor Sergio Eijii Matuguma, professor do serviço de endoscopia digestiva do hospital das clínicas da faculdade de medicina da universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Figura 2. Agulha EchoTip® Ultra para neurólise do plexo celíaco, Cook Medical.

Materiais necessários:

  • 01 agulha fina de aspiração (FNA) 22G;
  • 01 frasco 20 ml de Bupivacaína 0,5%, sem vasoconstrictor;
  • 02 frascos 10 ml álcool absoluto estéril (98% GL);
  • 02 ampolas Soro Fisiológico (SF) 10 ml;
  • 02 seringas 10 ml (para solução de Bupivacaína);
  • 02 seringas 10 ml (para solução de Álcool absoluto);
  • 02 seringas 10 ml (para SF).

Preparo prévio:

  • Bupivacaína 0,25%

    • Aspirar na seringa de 10 ml = Bupivacaína 0,5% 5 ml + 5 ml SF;
    • Total final:  10 ml de Bupivacaína 0,25% ;
    • Preparar 2 seringas da solução.

  • Álcool absoluto estéril

    • Aspirar na seringa de 10 ml = álcool absoluto estéril 10 ml;
    • Total final: 10 ml de álcool;
    • Preparar 2 seringas de álcool.

  • Soro fisiológico

    • Aspirar na seringa de 10 ml = 10 ml SF;
    • Total final: 10 ml de SF;
    • Preparar 2 seringas SF.

  • Agulhas 22G (FNA)

    • Preencher agulha com 3 ml SF (para retirar o ar de dentro da luz da agulha) e deixar conectada a seringa 10 ml com SF.

  • Preparo do paciente

    • Administrar 500 a 1000 ml de ringer lactato IV antes do procedimento.

Sequência da técnica:

  1. Localizar a artéria celíaca;
  2. Memorizar o ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica. Fixar o ponto (local – Figura 3);
  3. Torque anti-horário (milimétrico) até desaparecer a aorta (para direita da aorta abdominal);
  4. Puncionar o local “espelho” do lado direito que havia fixado, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca, com agulha 22G (Figura 4);
  5. Injetar 3 ml SF no espaço retroperitoneal (formar um coxim de SF que afasta os vasos arteriais maiores, por exemplo vertebrais);
  6. Seguir com injeção de 10 ml da solução de bupivacaina 0,25%;
  7. Após, injetar de 10 ml de álcool absoluto estéril;
  8. Recolocar a seringa de SF, injetar 3 a 5 ml de SF, a fim de empurrar todo o álcool da luz da agulha;
  9. Remover a agulha;
  10. Para outro lado (à esquerda da aorta), localizar a artéria celíaca;
  11. Memorizar o ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica. Fixar o ponto (local – Figura 3);
  12. Torque horário (milimétrico) até desaparecer a aorta (para esquerda da aorta abdominal);
  13. Puncionar o local “espelho” do lado esquerdo que havia fixado, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca, com agulha 22G (Figura 5);
  14. Injetar 3 ml SF no espaço retroperitoneal (formar um coxim de SF que afasta os vasos arteriais maiores, por exemplo vertebrais);
  15. Seguir com injeção de 10 ml da solução de bupivacaína 0,25%;
  16. Após, injeção de 10 ml de álcool absoluto estéril;
  17. Recolocar a seringa de SF e injetar 3 a 5 ml de SF para empurrar todo o álcool da luz da agulha;
  18. Remover a agulha.
Figura 3. Emergência da artéria celíaca (AC) junto à aorta abdominal (Ao). Notar ponto no espaço retroperitoneal, junto ao ângulo obtuso da emergência da artéria celíaca e parede gástrica (elipse).
Figura 4. Ponto de punção à direita da aorta (torque anti-horário à partir da emergência da artéria celíaca).
Figura 5. Ponto de punção à esquerda da aorta (torque horário à partir da emergência da artéria celíaca).

Cuidados pós procedimento:

  • Observar:

    • Hipotensão postural (imediata). Se necessário administrar mais fluidos intravenosos;
    • Dor abdominal (primeiras 48 horas). É esperado pelo efeito de neurólise do álcool;
    • Diarreia transitória (primeiras 48h);
    • Alteração neurológica membros inferiores (primeiras 48h).

  • Após 48h é esperada reduz da dose de opioide, entretanto a maioria dos pacientes ainda necessitará de uso complementar de analgésicos.

Resultados e complicações

O alívio da dor bom ou excelente é esperado em 89% dos pacientes submetidos ao procedimento, nas primeiras 2 semanas, sendo mantida por 3 meses em cerca de 90% destes pacientes e alcançando eficácia significativa de 70 a 90% no momento da morte.6

Apesar de não haver aumento de sobrevida associada ao procedimento, há significativo aumento da qualidade de vida destes pacientes, com melhora do status funcional, capacidade de trabalhar, sono e aproveitamento de atividades de laser.7,8 Esses achados estão associados com a melhora da dor e com a diminuição dos efeitos colaterais associados aos analgésicos opioides.

A maior parte das complicações associadas ao procedimento são leves e transitórias (descritas acima na sessão referente à técnica: hipotensão postural, dor abdominal, diarreia, alteração neurológica em membros inferiores. Entretanto foram descritas na literatura casos isolados de complicações graves como trombose do tronco celíaco, paraplegia permanente por infarto da medula espinhal e abscesso retroperitoneal, provavelmente associados a erros técnicos na realização do procedimento.

Conclusão

A neurólise do plexo celíaco é um procedimento seguro e efetivo, que pode ser utilizado no manejo da dor abdominal crônica em doenças malignas e benignas (sobretudo neoplasia pancreática e pancreatite crônica dolorosa).9 Ele deve ser considerado um procedimento complementar no manejo destes pacientes e geralmente sua realização não leva a uma completa descontinuação do uso de analgésicos, porém ao promover sua redução, tem importante papel na melhora da qualidade de vida, especialmente quando indicado de forma mais precoce no manejo da doença.

Referências

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  3. Cornman-Homonoff J, Holzwanger DJ, Lee KS, Madoff DC, Li D. Celiac Plexus Block and Neurolysis in the Management of Chronic Upper Abdominal Pain. Semin Intervent Radiol. 2017 Dec;34(4):376-386.
  4. Seicean A. Celiac plexus neurolysis in pancreatic cancer: the endoscopic ultrasound approach. World J Gastroenterol. 2014 Jan 7;20(1):110-7.
  5. Wiersema MJ, Wiersema LM. Endosonography-guided celiac plexus neurolysis. Gastrointest Endosc. 1996 Dec;44(6):656-62. doi: 10.1016/s0016-5107(96)70047-0. PMID: 8979053.
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  8. Seicean A, Cainap C, Gulei I, Tantau M, Seicean R. Pain palliation by endoscopic ultrasound-guided celiac plexus neurolysis in patients with unresectable pancreatic cancer. J Gastrointestin Liver Dis 2013; 22: 59-64
  9. Pérez-Aguado G, de la Mata DM, Valenciano CM, Sainz IF. Endoscopic ultrasonography-guided celiac plexus neurolysis in patients with unresectable pancreatic cancer: An update. World J Gastrointest Endosc. 2021 Oct 16;13(10):460-472. doi: 10.4253/wjge.v13.i10.460. PMID: 34733407; PMCID: PMC8546561.

Como citar este artigo

Mendoça EQ e Matuguma SE. Técnica para neurólise do plexo celíaco por Ecoendoscopia. Endoscopia Terapeutica 2024 Vol. 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/tecnica-para-neurolise-do-plexo-celiaco-por-ecoendoscopia/




Sangramento pós-drenagem endoscópica de necrose pancreática

Introdução

A pancreatite aguda necrotizante é responsável por até 10% dos casos de pancreatite aguda. A necrose do tecido pancreático, peripancreático ou ambos, permanece estéril na maioria dos pacientes, entretanto cerca de 30% dos pacientes apresentam infecção da coleção necrótica (WON), condição clínica que impõe alta mortalidade. Evolução com falência de órgãos, colangite ou necessidade de debridamento cirúrgico de WON infectado são fortes preditores de mortalidade, o que torna prudente a adoção de estratégias terapêuticas minimamente invasivas para o tratamento dessa complicação (1).

Na última década o conceito de estratégia minimamente invasiva do tipo “step-up approach” tornou-se amplamente utilizado e corroborado pela Associação Americana de Gastroenterologia (2). A drenagem endoscópica transluminal associada ou não à necrosectomia consolidou-se como a terapêutica de primeira escolha na abordagem de pancreatite aguda necrotizante complicada.  Essa via de intervenção apresenta menor incidência de descompensação clínica por falência de órgãos, fístulas e perfuração quando comparada às técnicas cirúrgicas e por radiologia intervencionista minimamente invasivas (3).

Técnica Endoscópica

A primeira experiência de drenagem endoscópica de necrose pancreática remete ao final da década de 1980 e descrevia a utilização de endoscópico convencional, adotando como referência para punção a impressão criada pela coleção sobre a parede gástrica. Com o passar dos anos a técnica de drenagem guiada por ecoendoscopia tornou-se a modalidade de escolha para o procedimento, o que permitiu alta taxa de sucesso na criação do trajeto até a coleção, identificação de vasos sanguíneos, distribuição da coleção e janela adequada para a punção (4,5)

Recomenda-se aguardar período de pelo menos 4 semanas até a primeira intervenção, o que permite encapsulação e delineamento das margens da coleção necrótica. Entretanto na vigência de infecção, falência orgânica persistente ou ausência de melhora clínica a despeito das intervenções clínicas instituídas, é assertivo realizar a primeira intervenção em intervalo menor (2).

A via de drenagem endoscópica, transgástrica ou transduodenal, é definida de acordo com a localização do maior componente da coleção necrótica (cabeça, corpo ou cauda) e a relação com o estômago e duodeno. Não existe diferença em termos de sucesso terapêutico ou segurança entre as vias, embora a drenagem transgástrica permita acesso direto à coleção na necessidade de necrosectomia. O trajeto de drenagem pode ser assegurado por meio de Lumen-apposing metal stents (LAMS) ou double pigtail stents (DPS), de acordo com disponibilidade do stent, experiência do endoscopista e fatores econômicos, sem diferença no sucesso terapêutico (6).

Eventos adversos e sangramento

Apesar da efetividade clínica da drenagem endoscópica, a incidência de eventos adversos não é desprezível. Infecção, perfuração, migração de stent e hemorragia ocorrem em até 20% dos casos.

A ocorrência de sangramento é frequentemente descrita nas séries históricas e nos clássicos trabalhos que ratificam o tratamento endoscópico em termos de eficácia e segurança, tipo de prótese e tempo para abordagem da coleção necrótica. Entretanto são escassos os dados sobre etiologia do sangramento, abordagem adotada para hemostasia definitiva e os desfechos fatais (7).

Fatores de risco associados a sangramento

O desafio do manejo de sangramento nessa população motivou a publicação de dois recentes estudos retrospectivos, que avaliaram fatores preditores de sangramento nos pacientes submetidos à necrosectomia endoscópica. Zheng et al. estudaram 145 pacientes, dos quais 39 (26.9%) apresentaram sangramento pós-procedimento. A maioria dos episódios de sangramento (94.1%) foi efetivamente controlado com terapia hemostática endoscópica. Na análise multivariada, insuficiência renal, necrose infectada confirmada por cultura e três ou mais sessões de debridamento foram associados a maior risco de sangramento (9). Holmes et al. estudaram 151 pacientes, dos quais 18 (11.9%) apresentaram sangramento. Tratamento por radiologia intervencionista foi necessário para 8 pacientes. Na análise multivariada somente a presença de vaso identificado durante a necrosectomia endoscópica se mostrou fator de risco para sangramento (10).

Apesar de inúmeras publicações que não revelaram diferença significativa na ocorrência de sangramento entre os tipos de stents utilizado (LAMS x DPS x Fully covered metal stent), questionamentos sobre os dispositivos são frequentemente levantados. Especula-se que a rápida descompressão da coleção através do LAMS predispõe à erosão de vasos adjacentes e hemorragia. Além disso o maior diâmetro do LAMS permitiria maior influxo de secreção gástrica ácida para o interior da coleção, o que aumentaria a exposição de vasos e o risco de sangramento (para saber mais sobre LAMS clique aqui). Não obstante, os stents plásticos possuem menor diâmetro, exigem maior número de sessões de debridamento e são mantidos em posição por mais tempo, também aumentando o risco de hemorragia (7).

O sangramento pode se originar do sítio de punção, da própria parede gástrica ou duodenal, ramos colaterais gástricos ou duodenais, ou ainda vasos no interior da cavidade da coleção necrótica (WON). Menos comumente, os pseudoaneurismas de artérias viscerais impõem devido risco eminente de sangramento fatal. A utilização de TC de abdome com contraste na fase arterial permite a identificação de pseudoaneurisma e o tratamento preemptivo dessa condição, de modo a diminuir os riscos de sangramento periprocedimento (11).

Além das particularidades anatômicas, a irrigação do tecido necrótico com peróxido de hidrogênio tem maior risco de sangramento pós-procedimento quando comparado a solução de estreptoquinase nas sessões de debridamento (12).

Abordagem terapêutica de sangramento

Do ponto de vista terapêutico, o sangramento associado à drenagem endoscópica de WON pode ser dividido em sangramento intra-procedimento ou sangramento pós-procedimento. É fundamental que antes de iniciar o tratamento endoscópico de WON, a equipe envolvida certifique-se da disponibilidade de leito de terapia intensiva, reserva de hemocomponentes e retaguardas de radiologia intervencionista e cirurgia, e encontre-se preparada para a abordagem imediata da complicação (4).

Quando identificado sangramento durante o procedimento, a severidade da perda sanguínea orientará a abordagem. Em caso de sangramento autolimitado e de pequeno volume, é aceitável a admissão em terapia intensiva no pós-operatório imediato, com avaliação clínica e monitorização seriada dos níveis de hematimetria. Diferentemente, em caso de perda de volume sanguíneo significativo, terapias endoscópicas de hemostasia (clipe metálico, cauterização, agente tópico, tamponamento com balão dilatador ou prótese metálica) devem ser avaliadas e aplicadas no intraoperatório. Na falha terapêutica, o paciente deve ser encaminhado à radiologia intervencionista ou cirurgia imediatamente.

Na ocorrência de sangramento pós-procedimento, deve-se além de pesquisar alterações endoscópicas e anatômicas que o justifiquem, distúrbios da coagulação que possam precipitar o evento adverso. Na presença de lesão tratável por endoscopia, devem ser aplicados os princípios de hemostasia endoscópica. Na presença de aneurismas, pseudoaneurismas ou falha endoscópica, a abordagem por radiologia intervencionista deve ser programada.

Diante da experiência acumulada por diferentes grupos, Jiang et al. propuseram um algoritmo para manejo multidisciplinar de hemorragia na drenagem por ecoendoscopia de coleções fluidas peripancreáticas (Figura 1). O tratamento de coleção necrótica infectada é moroso e exige habilidades técnicas nos campos da clínica, cirurgia, endoscopia e radiologia. A difusão da prática de drenagem endoscópica gerou atenção para complicações inerentes ao procedimento, incluindo o sangramento. O emprego da terapia endoscópica ciente dos fatores de risco para sangramento e estratégias para tratá-lo permitem efetividade com menor incidência de eventos adversos.

Referências

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  5. Varadarajulu, S.; Christein, J.D.; Tamhane, A.; Drelichman, E.R.; Wilcox, C.M.Prospective Randomized Trial Comparing EUS and EGD for Transmural Drainage of Pancreatic Pseudocysts (with Videos). Gastrointest. Endosc. 2008; 68, 1102–1111.
  6. Bang JY, Wilcox CM, Navaneethan U, Hawes RH, Varadarajulu S. Treatment of walled-off necrosis using lumen-apposing metal stents versus plastic stents: a systematic review and meta- analysis of data from randomized trials. Endoscopy 2023; 56: 184-195
  7. Jiang TA & Xie LT. Algorithm for the multidisciplinary management of hemorrhage in EUS-guided drainage for pancreatic fluid collections. World J Clin Cases 2018; 6(10): 308-321
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  9. Zheng X, Li L, Li J, et al. Risk factors for bleeding in patients with acute necrotizing pancreatitis undergoing endoscopic necrosectomy. HPB (Oxford) 2021;23(12):1856–186
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  11. Sekikawa Z, Yamamoto T, Aoki R, et al. Prophylactic Coil Embolization of the Vessels for Endoscopic Necrosectomy in Patients with Necrotizing Pancreatitis. J Vasc Interv Radiol. 2019 Jan;30(1):124-126. doi: 10.1016/j.jvir.2018.05.025. PMID: 30580813.
  12. Bhargava MV, Rana SS, Gorsi U, Kang M, Gupta R.  Assessing the Efficacy and Outcomes Following Irrigation with Streptokinase Versus Hydrogen Peroxide in Necrotizing Pancreatitis: A Randomized Pilot Study. Dig Dis and Sciences 2022; 67(8): 4146-53

Como citar este artigo

Ide E. e Nascimento Filho Hm. Sangramento pós-drenagem endoscópica de necrose pancreática. Terapêutica Endoscópica 2024 vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sangramento-pos-drenagem-endoscopica-de-necrose-pancreatica/




É necessário fazer Antibioticoprofilaxia para Aspiração por Agulha Fina Ecoguiada das Lesões Císticas Pancreáticas? 

Introdução

Lesões císticas pancreáticas (LCPs) são cada vez mais diagnosticadas devido ao uso generalizado de exames de imagem para avaliação de sintomas gastrointestinais ou para outros fins, chegando a serem incidentalmente detectadas em até 20% dos pacientes.

Os três principais subtipos de LCPs são pseudocistos, lesões císticas não mucinosas e lesões císticas mucinosas. Os cistos mucinosos incluem principalmente neoplasias císticas mucinosas intrapapilares e neoplasias císticas mucinosas, que apresentam maior potencial de transformação maligna. Neoplasias pseudopapilares sólidas e tumores neuroendócrinos císticos também são LCP, no entanto, geralmente apresentam alguns componentes sólidos e normalmente não se apresentam como lesões císticas clássicas.

Com base na teoria de que a punção requer a introdução de uma agulha no trato gastrointestinal não estéril e respaldada em estudos iniciais que mostravam taxas significativas de infecção do cisto (até 14%) após aspiração por agulha fina guiada por ultrassom endoscópico (PAAF-EUS) das LCPs, as principais sociedades internacionais de endoscopia (ASGE, 2016 e ESGE, 2017) recomendaram o uso profilático de antibióticos pré e pós-procedimento por 3 a 5 dias. Tais diretrizes forneceram grau de recomendação fraco, baseadas em evidências de baixa qualidade. 

Discussão

No entanto, o uso da antibioticoprofilaxia para reduzir a incidência de infecção após a PAAF-EUS das LCPs tem sido questionado nos últimos anos depois que vários estudos demonstraram a segurança do procedimento e sugeriram a falta de benefício adicional, incluindo uma metanálise com revisão sistemática publicada em 2017 na Digestive Endoscopy por Zhu e cols., inferindo que as taxas de infecção relatadas anteriormente foram bastante superestimadas.

Como o uso de agentes antimicrobianos aumenta o custo do procedimento, bem como o risco de resistência aos medicamentos e pode estar associado a reações alérgicas potencialmente graves, determinar o real benefício desta prática é de suma importância. 

Para se chegar a uma conclusão definitiva sobre o tema, Facciorusso et al publicaram em 2020 na Expert Review Of Gastroenterology & Hepatology a primeira metanálise cujo objetivo foi avaliar a eficácia da profilaxia antibiótica neste cenário. Ficou evidente não haver benefício significativo em termos de taxa de infecção (OR 0,65, IC 95% 0,24–1,78; p = 0,40). Assim, estes resultados, reforçados pela baixa heterogeneidade e confirmados em diversas análises de sensibilidade, devem levantar dúvidas sobre a estratégia atual recomendada pelos Guidelines. Algumas situações podem ter indicação especial para profilaxia antimicrobiana, por exemplo, um risco maior de infecção quando o líquido do cisto não foi completamente drenado. Todavia, nesta metanálise, uma subanálise de acordo com as características dos cistos foi inviável devido à falta de dados disponíveis.

Cerca de 9 meses após a publicação da primeira (Abril, 2021), uma segunda metanálise com revisão sistemática endereçando mesmo objetivo foi publicada por Palomena-Teleda et al, desta vez na Pancreas. Foram incluídos seis estudos, sendo 5 retrospectivos e 1 ensaio randomizado, com um total de 1.683 pacientes. À semelhança da constatação do trabalho de Facciorusso, para o desfecho primário (desenvolvimento de infecção do cisto) também não houve diferença significativa entre os dois grupos (OR 0,54; IC 95% 0,16–1,82; P = 0,32).

Conclusão

Ambas metanálises confirmam as observações de estudos individuais que sugerem a não superioridade da profilaxia antibiótica antes da PAAF-EUS de LCPs. Portanto, as diretrizes atuais que sugerem o uso rotineiro de antibióticos profiláticos devem ser reavaliadas, uma vez que esta prática não parece reduzir substancialmente o risco de infecções.

Referências

  1. ASGE Standards of Practice Committee; Muthusamy VR, Chandrasekhara V, Acosta RD, Bruining DH, Chathadi KV, Eloubeidi MA, Faulx AL, Fonkalsrud L, Gurudu SR, Khashab MA, Kothari S, Lightdale JR, Pasha SF, Saltzman JR, Shaukat A, Wang A, Yang J, Cash BD, DeWitt JM. The role of endoscopy in the diagnosis and treatment of cystic pancreatic neoplasms. Gastrointest Endosc. 2016 Jul;84(1):1-9. doi: 10.1016/j.gie.2016.04.014. Epub 2016 May 17. PMID: 27206409.
  2. Dumonceau JM, Deprez PH, Jenssen C, Iglesias-Garcia J, Larghi A, Vanbiervliet G, Aithal GP, Arcidiacono PG, Bastos P, Carrara S, Czakó L, Fernández-Esparrach G, Fockens P, Ginès À, Havre RF, Hassan C, Vilmann P, van Hooft JE, Polkowski M. Indications, results, and clinical impact of endoscopic ultrasound (EUS)-guided sampling in gastroenterology: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Clinical Guideline – Updated January 2017. Endoscopy. 2017 Jul;49(7):695-714. doi: 10.1055/s-0043-109021. Epub 2017 May 16. PMID: 28511234.
  3. Zhu H, Jiang F, Zhu J, Du Y, Jin Z, Li Z. Assessment of morbidity and mortality associated with endoscopic ultrasound-guided fine-needle aspiration for pancreatic cystic lesions: A systematic review and meta-analysis. Dig Endosc. 2017 Sep;29(6):667-675. doi: 10.1111/den.12851. Epub 2017 Jun 6. PMID: 28218999.
  4. Seifeldin Hakim, Mihajlo Gjeorgjievski, Zubair Khan, Michael E Cannon, Kevin Yu, Prithvi Patil, Roy Tomas DaVee, Sushovan Guha, Ricardo Badillo, Laith Jamil, Nirav Thosani, Srinivas Ramireddy. Is antibiotic prophylaxis necessary after endoscopic ultrasound-guided fine-needle aspiration of pancreatic cysts? Clin Endosc 2022 Nov;55(6):801-809. DOI: 10.5946/ce.2021.150. Epub 2022 Nov 10.
  5. Antonio Facciorusso , Babu P Mohan , Matteo Tacelli , Stefano Francesco Crinò , Filippo Antonini , Alberto Fantin & Luca Barresi (2020): Use of antibiotic prophylaxis is not needed for endoscopic ultrasound-guided fine-needle aspiration of pancreatic cysts: a meta- analysis, Expert Review of Gastroenterology & Hepatology, DOI: 10.1080/17474124.2020.1797486.
  6. Emmanuel Palomera-Tejeda, Hassam Shah, Bashar M. Attar, Abhishek Bhurwal, Ishaan Vohra and Hemant Raj Mutneja. Prophylactic Antibiotics Do Not Prevent Infectious Complications of Endoscopic Ultrasound Fine-Needle Aspiration of Pancreatic Cysts: A Systematic Review and Meta-Analysis. Pancreas. 2021 May-Jun;50(5):667-672. doi: 10.1097/MPA.0000000000001816.

Como citar este artigo

Ribeiro MSL. É necessário fazer Antibioticoprofilaxia para Aspiração por Agulha Fina Ecoguiada das Lesões Císticas Pancreáticas? Endoscopia Terapeutica, 2024 vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/e-necessario-fazer-antibioticoprofilaxia-para-aspiracao-por-agulha-fina-ecoguiada-das-lesoes-cisticas-pancreaticas/




FNA ou FNB, qual a melhor opção para abordagem das Lesões Subepiteliais?

Lesões subepiteliais (LSE) no trato gastrointestinal superior são achados relativamente comuns em pacientes submetidos a endoscopia digestiva alta. São mais frequentemente encontradas no estômago, seguidos por esôfago, duodeno e intestino grosso. A localização aparenta ser importante no diagnóstico, por exemplo: leiomiomas são mais encontrados nos dois terços inferiores do esôfago, enquanto os tumores estromais gastrointestinais (GISTs) são os mais frequentes no estômago.

De fato, quando localizados no esôfago, o risco de uma lesão maligna potencial é baixo (7%). Por outro lado, quando a LSE está localizada no estômago ou duodeno esse risco é muito maior, com algumas publicações relatando ocorrência de GISTs em mais de 70% e 50% dos casos, respectivamente.

Assim sendo, obter um diagnóstico etiológico apropriado da SEL passa a ser fundamental para estabelecer a melhor conduta. Diante das ferramentas disponíveis para este fim, a aquisição de tecido através da ultrassonografia endoscópica (EUS-TA) é a mais comumente utilizada, seja pela aspiração por agulha fina (FNA) ou pela biópsia por agulha fina (FNB).

Punção de lesão subepitelial

O que dizem os estudos?

Uma meta-análise de 17 estudos avaliando um total de 978 procedimentos de EUS-TA para LSE do trato gastrointestinal superior mostrou uma taxa de diagnóstico combinada de 59,9% (IC 95% 54,8%-64,7%) com heterogeneidade significativa entre os estudos. Os estudos incluídos nesta metanálise foram publicados entre 2004 e 2014 e avaliaram principalmente agulhas do tipo FNA ou a agulha do tipo FNB QuickCore Tru-Cut. A análise de subgrupo não mostrou diferença na taxa de diagnóstico entre FNA, FNB ou agulha Trucut, tampouco entre agulhas de calibre 19, 22 ou 25G. Os modelos mais recentes de agulhas FNB, projetadas para obter melhores amostras histológicas, foram usadas em apenas dois estudos.

Em outra meta-análise de 10 estudos com 669 pacientes, comparando FNB e FNA, a primeira superou a segunda em todos os resultados diagnósticos avaliados, ou seja, taxa de amostragem adequada (94,9% x 80,6%), taxa de aquisição de núcleo histológico ideal (89,7% x 65%), precisão diagnóstica (OR, 4.10; 95% CI, 2.48-6.79; P < .0001) e o número de passagens necessárias para obter amostras de diagnóstico (mean difference, –.75; 95% CI, –1.20 to –.30; P = .001). As agulhas utilizadas foram predominantemente 22G e os modelos de agulhas FNB avaliados incluíram ProCore de bisel reverso (Cook Medical), Acquire (Boston Scientific) e SharkCore (Medtronic).

A superioridade do EUS-FNB foi corroborada por dois grandes estudos retrospectivos multicêntricos recentemente publicados por de Moura et al (2020) e Trindade AJ et al (2019) nas revistas Gastrointestinal Endoscopy e Endoscopy Internacional Open, respectivamente.

Até o presente momento não há RCT que comparem os vários desenhos e tamanhos das agulhas FNB, ou os aspectos técnicos da amostragem, tais como o número ideal de passagens da agulha e o uso de avaliação rápida ou macroscópica no local do procedimento (ROSE ou MOSE). No entanto, o tamanho da agulha (22G vs. 19G) parece não ter impacto na sensibilidade.

Diante da constatação acima relatada, a Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE) em seu recente (18/02/2022) publicado Guideline para o Manejo Endoscópico das Lesões Subepiteliais, elencou as seguintes recomendações sobre as técnicas de aquisição de tecido:

  • A ESGE recomenda biópsia por agulha fina guiada por ultrassonografia endoscópica (EUS-FNB) ou biópsia assistida por incisão da mucosa (MIAB) igualmente para diagnóstico histológico das LSE ≥20 mm de tamanho (Recomendação forte, evidência de qualidade moderada).
  • A ESGE sugere o uso de MIAB (primeira escolha) ou EUS-FNB (segunda escolha) para diagnóstico histológico das LSE <20 mm de tamanho (Recomendação fraca, evidência de baixa qualidade).

Esclarecimentos sobre a MIAB

  • A biópsia endoscópica convencional da mucosa sobrejacente as LSE usualmente não fornece tecido tumoral para avaliação patológica. Portanto, técnicas especiais de biópsia foram desenvolvidas, como os métodos mordida sobre mordida, pinça jumbo e com uso de alça.
  • Técnicas mais recentes envolvem a abertura da LSE para expor sua superfície (destelhamento), ou a criação de túnel submucoso, permitindo a biópsia direta do tumor. Existem diversas variantes destas técnicas, sendo todas referidas de forma coletiva como Biópsia Assistida por Incisão da Mucosa (MIAB).
  • A MIAB foi avaliada em uma meta-análise de 7 séries, principalmente retrospectivas, incluindo um total de 159 pacientes com LSE do trato gastrointestinal superior (diâmetro médio de 21 mm, 94,8% localizados no estômago). O rendimento diagnóstico global combinado, definido como a taxa de amostras adequadas para diagnóstico patológico, foi de 89% (IC 95% 82,7%-93,5%).

Conclusão

Para concluir e respondendo ao questionamento proposto no início, de acordo com a melhor evidência científica disponível até o momento, a FNB deve ser a modalidade de escolha na abordagem diagnóstica das LSE do trato gastrointestinal.

Referências

  1. Endoscopic management of subepithelial lesions including neuroendocrine neoplasms: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy 2022; 54: 1-18
  2. Opinion: How to manage subepithelial lesions of the upper gastrointestinal tract? World J Gastrointest Endosc 2015 December 10; 7(18): 1262-1267
  3. II Brazilian consensus statement on endoscopic ultrasonography. ENDOSCOPIC ULTRASOUND/ VOLUME 6 / ISSUE 6 | NOVEMBER-DECEMBER 2017.



Ecoendoscopia para câncer gástrico: Quando, como e o porquê. Uma análise crítica da utilidade do método.

Atualmente, o câncer gástrico (CG) é o quinto câncer mais diagnosticado e a terceira causa de morte oncológica no mundo.  O estadiamento preciso é imperativo para a escolha do tratamento mais apropriado. A ecoendoscopia (EUS) é o melhor método não cirúrgico disponível para a avaliação da profundidade da invasão do câncer gástrico.

Quando solicitar a ecoendoscopia (indicações)?

  • Avaliação pré-tratamento endoscópico (ESD)

No estômago, a avaliação endoscópica pré-operatória nem sempre consegue predizer com acurácia a profundidade de invasão (diferente do cólon e esôfago, onde temos classificações que guiam a conduta).

Alguns achados endoscópicos sugerem invasão maciça da submucosa: hipertrofia ou convergência de pregas, ulcerações extensas, superfície muito irregular, sinal da não extensão.

Na ausência destes sinais ou na dúvida, a ecoendoscopia pode ser útil. Lembrando que em revisão sistemática, Mocellin & Pasquali encontraram uma sensibilidade de 85% e uma especificidade de 90% para diferenciar T1 (precoce) de T2 (quando a muscular própria está comprometida), sendo a sensibilidade de 87% e uma especificidade bem menor de 75% para a diferenciação de tumores intramucosos (T1a) daqueles com invasão da submucosa (T1b).

Um ponto que vale a pena ressaltar é que a maioria das lesões que teve o estadiamento incorreto de invasão da SM pela EUS era overstaging,  isto é,  eram na verdade lesões intramucosas (T1a).

Figura 1A – Imagem ecoendoscópica com aspecto sugerindo invasão da SM.

Figura 1B – Imagem da EUS da mesma lesão parecendo ser intramucosa.

Peça histológica da ESD comprovou que a lesão era mesmo restrita a mucosa.  Além disto, tradicionalmente, o tratamento endoscópico era restrito as lesões intramucosas, sendo algumas lesões com comprometimento superficial da submucosa (SM1 < 500 micra) consideradas como critério expandido. Entretanto, no último Guideline Japonês, algumas lesões SM1 foram consideradas como indicações relativas (Vide figura 3).

Figura 3

Outro dado importante, publicado recentemente na conceituada revista Nature, é que ESD antes da cirurgia para CG com invasão da SM ≥ 500 micra não prejudicou a sobrevida após cirurgia adicional. “Trocando em miúdos”, se a lesão na endoscopia – parecer superficial; na histologia – bem diferenciado e na ecoendoscopia – não invadir a muscular própria e não tiver linfonodoadenomegalia. Então, propor para o paciente a ressecção endoscópica com a intenção curativa e preservação do órgão, mas deixando claro que de acordo com o estadiamento histológico (invasão maciça da SM e infiltração angiolinfática) poderá ser necessária cirurgia complementar; e que neste caso, a ESD não prejudica em nada os resultados cirúrgicos.

  • Decisão de quimio perioperatória

Desde o estudo MAGIC, a quimioterapia perioperatória (antes e depois da cirurgia) mostrou-se benéfica no aumento da sobrevida para tumores (T ≥ 2, qualquer N e M0) Entretanto, alguns cirurgiões e alguns protocolos institucionais, preferem a cirurgia upfront nos casos T2 N0 M0. Se esta for a estratégia proposta, a EUS pode ser útil. A acurácia da EUS para Estadiamento N varia de 65 a 90%. E a sensibilidade e especificidade entre diferenciar T1-2 de T3-4 é de 86 e 91%, respectivamente.

  • Diagnóstico de metástases não detectadas pela tomografia

EUS tem um papel limitado no diagnóstico de metástases à distância. Entretanto, com uma tomografia negativa, a EUS pode identificar pequenas metástases no lobo esquerdo hepático e ascites neoplásicas de baixo volume mudando a conduta destes casos para tratamento paliativo.

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NÃO SÃO INDICAÇÕES DE ECOENDOSCOPIA

– Quando o resultado não vai mudar a conduta

– Se lesões metastáticas já foram identificadas a tomografia

– Reestadiamento pós quimio ou radioterapia.

COMO realizar a EUS para o estadiamento do CG.

  • Aparelhos

A maioria dos estudos utilizou aparelhos radiais. Mini-probes com frequência de até 20 MHz podem ser úteis especialmente para o Estadiamento T mas são pouco disponíveis e tem limitação para lesões maiores de 3 cm e para o estadiamento linfonodal. Aparelhos lineares são mais disponíveis e podem ser especialmente úteis para lesão distais, da incisura e da pequena curvatura.  Por vezes, a combinação de aparelho pode permitir um estadiamento mais preciso.

  • Aspecto gerais

Decúbito lateral esquerdo e sedação consciente.

  • Princípios específicos e dicas

Imagens devem ser obtidas perpendiculares e mantendo uma distância de 0,5 -1,0 cm da parede ao probe.

Aspire o ar de todo o estômago, infusão de 200-400 ml de água (cuidado para não broncoaspirar). Comece da parte mais distal e vá puxando o aparelho.

Não existe definição restrita de valores da parede gástrica, mas considere um valor de 2-4 mm e uma relação de 1:1:1 da mucosa, submucosa e muscular própria.

LIMITAÇÕES

  • É um método operador dependente com baixa concordância interobservador.
  • Lesões ulceradas estão associada a overstaging devido à fibrose.
  • Lesões localizadas na cárdia, no fundo, na pequena curvatura, na incisura e próximo ao piloro são mais difíceis de serem examinadas pela EUS.
  • Estadiamento impreciso é mais comum nas lesões indiferenciadas e maiores do que 3 cm.

O porquê de realizar a EUS para estadiamento do CG?

Apesar do último Guideline europeu não recomendar o uso rotineiro da EUS antes da ESD; para indicações precisas, com uma técnica correta, com aparelhos adequados e conhecendo as limitações do método; a EUS é uma ferramenta útil para definir a conduta de muitos casos de CG. Este é um tema controverso, com dados por vezes conflitantes. Mais estudos, com metodologia mais homogênea e com um tratamento endoscópico mais difundido e incluindo os casos com invasão superficial da SM, são desejados para definir com exatidão o papel da EUS na conduta do CG. Algoritmo racional baseado do tratamento do CG com ênfase no papel da EUS está na figura 3.

Figura 3

E você o que acha? Concorda que a ecoendoscopia pode ser útil no estadiamento do câncer gástrico ou acha que não serve para nada? Ou que até atrapalha? Deixe sua opinião nos comentários abaixo

Referências

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  8. Moura RN. Você sabe quais os critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura)? Endoscopia Terapêutica; 2022.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/criterios-esd-gastrico-ecura
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