Tratamento endoscópico de estenose de anastomose pós-correção de atresia de esôfago

Caso clínico

L.R.S., masculino, 8 meses, nascido a termo, com diagnóstico pré-natal de atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica distal (Vogt IIIb/Gross C), submetido à correção cirúrgica no 3º dia de vida. Aos 3 meses, passou a apresentar episódios recorrentes de tosse durante a alimentação, engasgos, regurgitação e perda de peso progressiva. A mãe relatou dificuldade em introduzir alimentos sólidos e episódios recorrentes de infecção respiratória nos últimos dois meses. Solicitada endoscopia digestiva alta, que evidenciou estenose puntiforme da anastomose esofágica. Iniciada terapia endoscópica com dilatação esofágica utilizando vela de Savary-Gilliard. Foram realizadas 4 sessões com intervalo de 2 semanas, com melhora progressiva da aceitação alimentar e ganho ponderal adequado. Após a 4ª dilatação, o paciente encontra-se em boa evolução clínica, com alimentação por via oral plena, sem episódios de engasgos ou perda ponderal.

Atresia de esôfago

A atresia de esôfago (AE) é uma das anomalias congênitas mais comuns na infância e ocorre em incidência de um para cada 2.500 a 4.500 nascidos vivos e, em até 50 % dos casos, outras anomalias estão presentes [1,2]. A malformação associada mais comum ocorre no sistema cardiovascular (23%), seguida por malformações musculoesqueléticas (18%), anorretais e intestinais (16%), geniturinárias (15%), de cabeça e pescoço (10%), mediastinais (8%) e cromossômicas (5,5%) [1,2].

A atresia esofágica se apresenta sob cinco formas anatômicas distintas, classificadas pela localização da atresia e pela presença ou não de fístula para a traqueia. A primeira classificação foi publicada por Vogt em 1929 e modificada por Gross em 1953, sendo as duas classificações usadas atualmente [1,3]. Os principais tipos de atresia de esôfago congênita são AE com fístula traqueoesofágica (FTE) distal (85-86%, Vogt III b, Gross C), AE isolada sem FTE (7-8%, Vogt II, Gross A), FTE sem atresia ou FTE tipo H (4%, Gross E), AE com FTE proximal (3%, Vogt III, Gross B) e AE com FTE proximal e distal. [1,3].

Imagem 05: Classificação da atresia de esôfago. Adaptado de Figueiredo et al. Radiol Bras. 2005;38(2):111-8 [4].

O prognóstico da atresia de esôfago varia significativamente de acordo com o tipo anatômico e a localização da fístula traqueoesofágica. A forma mais comum, a atresia com fístula distal (Tipo C), tende a ter melhor desfecho visto que, geralmente, há menor distância entre os cotos esofágicos, o que permite uma anastomose primária com menor tensão, reduzindo o risco de deiscência e de estenose [5]. Em contrapartida, tipos menos frequentes, como a atresia sem fístula (Tipo A), com fístula proximal (Tipo B) ou com fístula dupla (Tipo D), estão associados a maior distância entre os cotos ou localização menos acessível da fístula, o que dificulta o reparo cirúrgico e aumenta o risco de complicações como estenose anastomótica, refluxo gastroesofágico grave e fístula recorrente [6,7]. Além disso, a presença de malformações associadas, especialmente cardiovasculares, contribui para pior desfecho ao aumentar a complexidade cirúrgica e o risco anestésico [1,8]. Esses fatores anatômicos e clínicos combinados explicam a maior morbidade e mortalidade observadas nos tipos menos comuns da doença [8].

No entanto diante dos avanços dos cuidados intensivos, mesmo nos casos mais graves, houve uma redução na mortalidade neonatal das crianças que nascem com atresia de esôfago, com maior número de recém nascidos submetidos à correção cirúrgica [1]. Todavia a morbidade pós operatória ainda é significativa, devido a ocorrência de complicações, sendo a estenose de anastomose a mais frequente (60%) [10].

A estenose da anastomose ocorre, na maioria dos casos, no primeiro ano de idade, sendo a maioria diagnosticada nos primeiros 6 meses, com pico de incidência entre o 1º e o 3º mês pós-operatório [10,11]. Vários fatores são descritos atualmente na contribuição do seu aparecimento, como o fio de sutura utilizado na cirurgia, o grau de tensão na anastomose, a presença de fístula pós operatória e o refluxo gastroesofágico [10,11].

O diagnóstico deve ser suspeitado diante de sinais e sintomas como perda ponderal, disfagia, engasgos e infecções respiratórias recorrentes, vindo a ser confirmado através da endoscopia digestiva alta [11].

O tratamento inicial a ser considerado é a dilatação endoscópica, seja com o balão hidrostático ou com a vela de Savary – Gilliard, não havendo diferença nos desfechos, de acordo com a literatura atual, entre as duas técnicas [12]. Entretanto, alguns trabalhos sugerem que a dilatação com balão pode apresentar menor risco de complicações[12,13,14]. Estudos mostram uma média de três sessões de dilatação para a resolução do quadro, sendo estas intervaladas em um período de duas a quatro semanas, a depender da sintomatologia e evolução clínica do paciente, sendo o ganho ponderal um dos fatores clínicos mais importantes a serem considerados [8,13].

Conclusão

A atresia de esôfago representa uma das principais anomalias congênitas do trato gastrointestinal. Apesar dos avanços no manejo perioperatório e na correção cirúrgica, a estenose de anastomose permanece como a complicação pós-operatória mais prevalente, com repercussões significativas no desenvolvimento do paciente. O tratamento padrão envolve dilatações endoscópicas seriadas, embora não exista um consenso sobre o intervalo ideal entre as sessões e qual a melhor técnica de dilatação. A abordagem deve ser individualizada de acordo com a experiência do endoscopista, das características da estenose, da disponibilidade dos acessórios, dos sintomas do paciente e da resposta à dilatação.

Referências:

  1. Pinheiro PFM, Silva ACS, Pereira RMA. Current knowledge on esophageal atresia. World J Gastroenterol. 2012 Jul 28;18(28):3662-72.
  2. Al‑Salem AH, Tayeb M, Khogair S, Roy A, Al‑Jishi N, Alsenan K, et al. Esophageal atresia with or without tracheoesophageal fistula: success and failure in 94 cases. Ann Saudi Med. 2006;26(2):116-9.
  3. Figueiredo SS, Ribeiro LHV, Nóbrega BB, Costa MAB, Oliveira GL, Esteves E, et al. Atresia do trato gastrintestinal: avaliação por métodos de imagem. Radiol Bras. 2005 Mar-Apr;38(2):111-8.
  4. Sistonen SJ, Pakarinen MP, Rintala RJ. Long-term results of esophageal atresia: Helsinki experience and review of literature. Pediatr Surg Int. 2011 Nov;27(11):1141-9.
  5. Kate CA, Tambucci R, Vlot J, Spaander MCW, Gottrand F, Wijnen RMH, Oglio LD. An international survey on anastomotic stricture management after esophageal atresia repair: considerations and advisory statements. Surg Endosc. 2021;35:3653–3661.
  6. Gao XJ, Huang JX, Chen Q, Hong SM, Hong JJ, Ye H. The timing of esophageal dilatations in anastomotic stenosis after one-stage anastomosis for congenital esophageal atresia. J Cardiothorac Surg. 2021;16:284.
  7. Ijsselstijn H, van Beelen NW, Wijnen RMH. Long‑term morbidity in adolescents and young adults with surgically treated esophageal atresia. Dis Esophagus. 2013 May–Jun;26(4):417–21.
  8. Serhal L, Mougeot M, Dubois J, et al. Anastomotic stricture after surgical repair of esophageal atresia: frequency, risk factors, and efficacy of esophageal bougie dilatations. J Pediatr Surg. 2010 Jul;45(7):1459-62.
  9. Antoniou D, Tsilivigos C, Raptis D, et al. Anastomotic strictures following esophageal atresia repair: a 20‑year experience with endoscopic balloon dilatation. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2010 Oct;51(4):464-7.
  10. Wolfe E, Zidane M, Hancock BJ, Lum Mim SA, Zaritzky M, Keijzer R. Magnamosis for esophageal atresia is associated with anastomotic strictures requiring an increased number of dilatations. J Pediatr Surg. 2020 Feb;55(2):256-260.
  11. Kay M, Warkentin A, et al. Endoscopic management of esophageal strictures in children: a 10-year single center experience. World J Gastrointest Endosc. 2018 Mar 16;10(5):52-59.
  12. Soh P, Wong T, Lee B, et al. Endoscopic dilation with bougies versus balloon dilation in esophageal benign strictures: systematic review and meta-analysis. J Gastroenterol Hepatol. 2018;33(1):62-70. doi:10.1111/jgh.13822.
  13. Ambroise L, et al. Dilations of anastomotic strictures over time after repair of esophageal atresia. Pediatr Surg Int. 2016;32:777–781.
  14. Zhou Q, Tang S, Sun J, Zhou X, Xu Y. Comparison of balloon dilation and Savary-Gilliard dilation for benign esophageal strictures: a systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc. 2016 Oct;84(4):625-632

Como citar este artigo

Retes FA, Amorim JS. Tratamento endoscópico de estenose de anastomose pós-correção de atresia de esôfago. Endoscopia Terapeutica, 2025 Vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/tratamento-endoscopico-de-estenose-de-anastomose-pos-correcao-de-atresia-de-esofago/




Assuntos Gerais: Estenose Péptica de Esôfago

As estenoses pépticas são as estenoses benignas mais comuns do esôfago, porém, seu diagnóstico tem diminuído muito ao longo dos anos, principalmente devido ao uso dos inibidores de bomba de próton (IBP).

A avaliação endoscópica inicial da estenose é fundamental, e deve ser sempre voltada a descartar malignidade, com realização de múltiplas biópsias. Estenose que não permitem a passagem do aparelho, podem ser avaliada com endoscópios finos, se o serviço tiver tal aparelho. Estenoses não ultrapassadas pelo aparelho, devem ser avaliadas com exame de imagem contrastado, como um esofagograma com bário.

As estenoses pépticas em geral são simples, ou seja, curtas (menores que 2 cm – foto 1), retilíneas, e localizadas no terço distal do esôfago, e em geral apresentam boa resposta ao tratamento endoscópico.  Tais estenoses podem estar associadas a outras complicações de refluxo crônico, como esôfago de Barret por exemplo (foto 2).  Deve-se lembrar de outras causas de estenose, como a esofagite eosinofílica, novamente, mostrando a importância das biópsias da área estenosada.

Foto 1 : Estenose distal.
Foto 2 : Estenose com Barret associado.

TRATAMENTO

Clínico

 É de fundamental importância o tratamento com IBP (seja dose simples ou dobrada), visando o controle do Refluxo Gastresofágico, visando o controle da esofagite e a recidiva da estenose, ou pelo menos aumentando o tempo entre as dilatações em casos refratários

Endoscópico

A escolha da terapia endoscópica se baseia no tipo de estenose, extensão e experiência do endoscopista.

A primeira escolha é o tratamento com dilatação, tanto com balão, quanto por sondas dilatadoras, não havendo diferença entre elas nos estudos realizados, sendo a escolha baseada na preferência do endoscopista. As dilatações com sonda tem a vantagem de exercerem forca radial e longitudinal, enquanto os balões apenas radial, mas estes tem a vantagem de serem facilmente acompanhados por fluoroscopia. Os balões são preferidos em estenoses muito “justas” ou anguladas, em geral são do tipo TTS (pelo canal do aparelho) e estagiados, com tamanho máximo de 20mm.

O uso das sondas dilatadoras (as mais comuns são as do tipo Savary-Gilliard) é baseado na sensibilidade tátil do endoscopista. Em geral, se aplica a “regra dos 3”. De forma arbitrária se escolhe a sonda de tamanho estimado da estenose, ou a primeira sonda que oferecer resistência a passagem (esta a importância da experiência do endoscopista), e a partir desta, se dilata com três sondas subsequentes, com aumentos de 1mm cada na mesma sessão (foto 3).

Foto 3 : Aspecto após dilatação com sonda.

Não há consenso sobre o calibre ideal a se atingir com as dilatações, mas em geral 15-16 mm é o objetivo inicial, pois em geral apresentam remissão mais durável.

Após as dilatações, deve-se avaliar o trajeto dilatado, investigando por complicações (sangramentos importante, lacerações profundas ou perfurações evidentes- videos 1 e 2).

Video 1 : Aspecto final após dilatação com sonda de 12mm (paciente 1)

Video 2 : Aspecto final após dilatação com sonda de 12mm (paciente 2)

O uso de fluoroscopia é indicado, principalmente em estenoses mais complexas. O uso de fio guia associado também é importante, sendo a fluoroscopia fundamental quando necessária a passagem de próteses.

Estenose refratária e recidivante (ou recorrente)

Estenose refratária é aquela em que não se consegue atingir o calibre almejado (15-16 mm) em 4-5 sessões

Estenose recidivante (ou recorrente) é aquela que não se mantém mesmo após ter atingido o calibre almejado inicialmente

  • A injeção de esteroides pode ser utilizada em casos onde ocorram recidivas. O mais utilizado é a triancinolona (40mg diluídos em 4 ml, sendo aplicada 1 ml em cada quadrante da estenose), sendo utilizada no máximo em três sessões.
  • Ainda em estenoses refratárias, ou onde não se consegue uma dilatação adequada, pode-se utilizar stents metálicos totalmente recobertos, com taxas de até 45% de sucesso, mas com complicações em torno de 25% como eventos adversos e principalmente migração.
  • Por fim, a cirurgia e reservada para pacientes onde todas as tentativas endoscópicas falharam, na presença de complicações (fístulas por exemplo). Felizmente poucos casos evoluem com necessidade de cirurgia.

Assim, terapia com IBP associado a terapia endoscópica é o tratamento principal para a estenose péptica de esôfago, mesmo em casos refratários, onde se pode lançar mão de injeção de corticoide e uso de próteses esofágicas.

A seguir, se propõe em algoritmo de tratamento para a estenose péptica de esôfago.

Bibliografia

  1. Desai M, Hamade N, Sharma P. Management of Peptic Strictures. Am J Gastroenterol. 2020 Jul;115(7):967-970. doi: 10.14309/ajg.0000000000000655. PMID: 32618639.



QUIZ !! Estenose de esôfago.

Paciente com 72 anos, com quadro crônico de pirose e queimação retroesternal, com tratamento irregular ao longo dos anos. Relata disfagia para sólidos, e perda de peso não medida recentemente. Traz endoscopia de serviço público realizado há 20 anos, com achado de esofagite erosiva intensa. Realizada nova endoscopia com o achado abaixo :

Estenose a 32 cm de ADS
Estenose a 32 cm de ADS

Foram realizadas várias biópsias, todas negativas para malignidade.