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Autores: Crislei Casamali e William Scheffer Chaves

Caso Clínico: Paciente masculino, 52 anos, previamente hígido, com sintomas dispépticos leves. Nega perda ponderal, febre ou sudorese noturna. Ausência de massas abdominais, inguinais ou axilares ao exame físico. Realizou endoscopia digestiva alta com biópsias, com os seguintes achados no duodeno:

Endoscopia digestiva alta: a) bulbo duodenal; b) papila duodenal maior; c) porção duodenal descendente (luz branca); d) porção duodenal descendente (NBI).
Patologia: a) colocação HE; b) IHQ CD20+.



Biópsia Assistida por Incisão da Mucosa: Quando e Como Fazer?

A biópsia assistida por incisão de mucosa (mucosal incision-assisted biopsy, MIAB), denominada também biópsia por incisão única com Kneedle-Knife (incision needle‐knife biopsy, SINK biopsy) ou destelhamento, consiste em uma técnica endoscópica emergente e alternativa, descrita por Yokohata et al em 20075, utilizada para aquisição tecidual de lesões subepiteliais do trato gastrointestinal, que permite o diagnóstico histopatológico e imuno-histoquímico dessas condições.

O MIAB vem emergindo como método de abordagem de lesões subepiteliais, pois é de baixo custo-econômico e menor curva de aprendizado, mas com tempo de procedimento maior, sendo assim uma alternativa às punções ecoendoscópicas em centros de menor complexidade e com menos recursos.

Quando indicar?

O estabelecimento diagnóstico histopatológico e imuno-histoquímico das lesões subepiteliais possui importância fundamental na definição precisa de prognóstico, potencial de degeneração maligna e definição de conduta entre expectante, vigilância endoscópica e ressecções endoscópica ou cirúrgica.

Entretanto, como abordado no artigo de lesões subepiteliais, não são todas as lesões que devem ter diagnóstico anatomopatológico para definição de conduta e seguimento do caso, havendo indicações precisas para se realizar biópsias dessas lesões.

Em caso de necessidade de aquisição tecidual das lesões subepiteliais, deverá se optar por um dos três principais métodos diagnósticos: MIAB, punções ecoendoscópicas com agulha FNA (fine needle aspiration, EUS-FNA) ou com agulha FNB (fine needle biopsy, EUS-FNB).

As indicações do MIAB estão bem determinadas nos guidelines da Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE) e Colégio Americano de Gastroenterologia (ACG).

A ESGE recomenda que para lesões subepiteliais maiores de 20 mm, MIAB ou EUS-FNB podem ser igualmente empregados. Entretanto, em lesões subepiteliais inferiores a 20 mm, o MIAB é a primeira escolha devido maior rendimento diagnóstico, sendo a EUS-FNB segunda escolha (tabela 1).1 Com relação a taxa de rendimento do MIAB, a mesma foi avaliada em algumas metanálises, sendo demonstrado rendimento diagnóstico de 89% (IC 95% 82,7%-93,5%) para lesões subepiteliais do trato gastrointestinal superior com diâmetro médio de 21 mm, sendo 94,8% das lesões localizadas no estômago1,29.

A ACG sugere o MIAB quando o diagnóstico definitivo é necessário e as punções ecoendoscópicas prévias (FNA ou FNB) tenham sido inconclusivas.14 A diretriz recomenda igualmente como primeira escolha EUS-FNB sem avaliação macroscópica do patologista em sala (rapid on-site evaluation, ROSE) ou EUS-FNA com ROSE. Afinal, já é bem determinado na literatura que agulhas FNA possuem limitações de aquisição tecidual e seu rendimento diagnóstico adequado depende de um citopatologista em sala para atestar a representatividade da amostra periprocedimento.

A ASGE e AGA em seus guidelines descrevem o MIAB como um método diagnóstico alternativo para as lesões subepiteliais. Entretanto, não se posicionam com relação a situações de aplicabilidade.

Além disso, na escolha do método é importante considerar não somente as recomendações dos guidelines, mas também as particularidades de cada procedimento, custos hospitalares e disponibilidade de recusos. O MIAB foi associado a um maior tempo de procedimento e a um risco de fibrose perilesional, o qual pode dificultar ou impedir futuras ressecções endoscópicas28.

Tabela 1. Recomendações da ESGE¹
Tamanho Método de Escolha
LSE > 20 mm 1ª escolha: EUS-FNB ou MIAB
LSE < 20 mm 1ª escolha: MIAB
2ª escolha: EUS-FNB

Complicações

As taxas de complicações inerente ao MIAB são baixas. Os eventos adversos mais frequentes incluem: sangramento em cerca de 2 a 5% dos casos, os quais requisitaram transfusão sanguínea e/ou tratamento endoscópico na maioria dos trabalhos29, 30-32; fibrose perilesional pós-MIAB, impossibilitando ressecções endoscópicas futuras; e mais raramente perfuração, a qual não foi observada na maioria dos ensaios clínicos, metanálises e série de casos29, 33, 34.

Como fazer?

Primeiramente, é importante ressaltar os materiais necessários para o procedimento. Necessita-se de um gastroscópio convencional com cap, afinal o uso desse dispositivo permite visualização minuciosa da mucosa e do sítio manipulado por acumular menos resíduos na lente do endoscópio.

Uma faca eletrocirúrgica endoscópica é necessária, sendo sugerido o uso de Needle Knife, pois consiste no instrumento de maior poder de corte e menor poder de coagulação, uma vez que se objetiva realizar incisão precisa da mucosa seguida de divulsão dos tecidos. Um princípio básico relacionado às facas endoscópicas consiste no fato de quanto menor a área de contato do instrumento com a mucosa, maior será o poder de corte e menor será o poder de coagulação (figura 1). Sugere-se utilizar unidade eletrocirúrgica com corte em modo endocut, efeito 3 e 40 W.

Fig. 1. Tipos de facas eletrocirúrgicas (knifes), demonstrando que a medida que reduz a área de contato do instrumento, maior será o poder de corte e menor o de coagulação. Retirado de: Miyajima NT17

Outros materiais necessários consistem em pinça de biópsia para divulsão dos tecidos e aquisição de material, assim como clipes metálicos para fechamento do sítio manipulado pós-procedimento. Caso haja necessidade de controle hemostático peri-procedimento, sugerimos o uso de pinça hemostática coagrasper.

O vídeo 1 e as figuras de 2 a 7 demonstram as etapas do procedimento.

Referências

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    Endoscopic management of subepithelial lesions including neuroendocrine neoplasms: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2022 Apr;54(4):412-429. doi: 10.1055/a-1751-5742. Epub 2022 Feb 18. PMID: 35180797.
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  3. Papanikolaou IS, Triantafyllou K, Kourikou A, Rösch T. Endoscopic ultrasonography for gastric submucosal lesions. World J Gastrointest Endosc 2011;3(05):86–94
  4. Hwang JH, Saunders MD, Rulyak SJ, Shaw S, Nietsch H, Kimmey MB. A prospective study comparing endoscopy and EUS in the evaluation of GI subepithelial masses. Gastrointest Endosc 2005; 62(02):202–208
  5. Yokohata N, Tamegai Y, Tokuhara M, et al. 3 case of gastric SMT (submucal tumor) which was diagnoced before operation: open biopsy with ESD (endoscopic submucal dissection) for interstind SMT. Prog Dig Endosc 2007;70:82–83.
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  13. Pessoa RRP, Bestetti AM, Oliveira VL, Araujo WC, Guaraldi S, Rodrigues Silva RR, Oliveira FAA, Ribeiro MSI, Carneiro FOAA, D’Assunção MA, Medrado BFOA, Retes FA, Paulo GA, Schneider NC, Rossini LGB, Vallinoto L, Ardengh JC, Coelho Neto DE, Ide E, Silva MCB, Franco MC, Matuguma SE, Moura DTH, Arantes VN, Nahoum R, Brunaldi VO, Santos MELD, Chaves DM, Micelli-Neto O, Salomao BC, Maluf-Filho F, Luz GO. III BRAZILIAN CONSENSUS STATEMENT ON ENDOSCOPIC ULTRASOUND. Arq Gastroenterol. 2024 Oct 21;61:e24062. doi: 10.1590/S0004-2803.24612024-062. PMID: 39442127.
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  22. Rösch T, Lorenz R, Dancygier H, von Wickert A, Classen M. Endosonographic diagnosis of submucosal upper gastrointestinal tract tumors. Scand J Gastroenterol 1992; 27: 1-8
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  30. Koizumi E, Goto O, Nakagome S, Habu T, Ishikawa Y, Kirita K, Noda H, Higuchi K, Onda T, Akimoto T, Omori J, Akimoto N, Iwakiri K. Technical outcomes and postprocedural courses of mucosal incision-assisted biopsy for possible gastric gastrointestinal stromal tumors: A series of 48 cases (with video).
    DEN Open. 2023 Jun 22;4(1):e264. doi: 10.1002/deo2.264. PMID: 37359151; PMCID: PMC10288069.
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  34. Giri S, Afzalpurkar S, Angadi S, Sundaram S. Mucosal incision-assisted biopsy versus endoscopic ultrasound-assisted tissue acquisition for subepithelial lesions: a systematic review and meta-analysis. Clin Endosc. 2022 Sep;55(5):615-625. doi: 10.5946/ce.2022.133. Epub 2022 Aug 4. PMID: 36205045; PMCID: PMC9539302.

Como citar este artigo

Balbinot RS, Martins B. Biópsia Assistida por Incisão da Mucosa: Quando e Como Fazer? Endoscopia Terapeutica 2025 Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/biopsia-assistida-por-incisao-da-mucosa-quando-e-como-fazer/




Devemos fixar próteses metálicas totalmente recobertas em patologias benignas?

Resumo do artigo “Evaluating no fixation, endoscopic suture fixation, and an over-the-scope clip for anchoring fully covered self-expandable metal stents in benign upper GI conditions: a comparative multicenter international study” publicado na GIE em março de 2025.

As próteses metálicas endoscópicas foram introduzidas na década de 1990 e tem aplicação no manejo de diversas patologias. No contexto das doenças benignas, que envolvem estenoses, fístulas, perfurações e sangramento refratário de varizes esofágicas, são utilizadas as próteses totalmente recobertas (FCSEMS). Estes modelos de prótese contam com um revestimento de silicone que previne o crescimento tecidual, permitindo sua remoção, porém apresentam maior potencial de migração.

Fig. 1 – Técnicas de fixação das próteses: Superior, clipe over-the-scope. Inferior, sutura endoscópica. Adaptado de Mehta A et al., Gastrointest Endosc. 2025 [1].

O trabalho de Amit Mehta e colaboradores avaliou o benefício da fixação das FCSEMS com clipes over-the-scope ou sutura endoscopica em patologias benignas do trato gastrointestinal superior quando comparados à não fixação. Foi realizado um estudo de coorte retrospectiva que incluiu os dados de 16 centros entre 2011 e 2022, avaliando defechos que envolveram duração dos procedimentos, migração das próteses, sucesso clínico, sucesso técnico e eventos adversos.

Foram incluídos 311 pacientes com 316 FCSEMS colocadas, sendo que em 122 pacientes (39,2%) não foi realizada fixação, em 95 realizada fixação com sutura (30,5%) e em 94 fixação com clipe over-the-scope (30,2%). A necessidade de tratamento endoscópico decorreu da presença de estenose benigna em 174 pacientes (56%), fístula ou perfuração em 135 casos (43%) e sangramento refratário de varizes esofágicas em 2 (0,6%).

A duração dos procedimentos foi de 41,7 ± 34,5 minutos para o grupo sem fixação, 79,5 ± 53,3 minutos no grupo da sutura endoscópica e 66 ± 44,9 minutos nas próteses fixadas com clipe over-the-scope, observando-se menor tempo de procedimento com diferença estatisticamente significativa (p<0,01) quando não realizada fixação da prótese em comparação aos demais grupos. Não houve diferença significativa do tempo de procedimento quando comparadas as duas tecnicas de fixação.

Ocorreu migração de 88 das 316 próteses, 49 (39%) quando não foram fixadas, 23 (24%) nas fixadas com sutura endoscópica e 16 (17%) quando fixadas com clipe over-the-scope, observando-se diferença considerada estatísticamente significativa na comparação da fixação com sutura endoscópica em relação à não fixação (P = .01) e da fixação com clipe over-the-scope com a não fixação (P = .001). Não houve diferença das taxas de migração quando comparados os dois métodos de fixação (P = .2).

Fig. 2 – Comparação de migração das próteses com e sem fixação. Adaptado de Mehta A et al., Gastrointest Endosc. 2025 [1].

Atingiu-se o sucesso clínico em 194 pacientes (62%), 98 dos que apresentavam estenoses (56%), 94 daqueles com fístula/perfurações (70%) e nos 2 pacientes com sangramento refratário por varizes (100%). Comparando-se ao grupo em que não foi realizada fixação (n = 64; 52%) houve maior sucesso clínico nos grupos submetidos à fixação das próteses. No grupo de sutura, 66 casos apresentaram sucesso clínico (69%; P = .02) e no grupo com fixação por clipe over-the-scope 64 pacientes (68%; P = .03).

No que concerne à possível dificuldade de remoção dos clipes over-the-scope, o trabalho destaca que, na maioria dos casos, estes puderam ser retirados apenas com uso de pinça dente de rato, sendo em apenas 7 casos necessário o uso de dispositivo específico.

O artigo realiza tambem uma breve comparação de custos no mercado americano entre a utilização de clipes over-the-scope e sutura endoscópica, que favoreceu numericamente a fixação com over-the-scope, destacando ainda a necessidade de uso de aparelho duplo canal para o dispositivo de sutura.

Os achados do estudo embasam o benefício da utilização de fixação para FCSEMS em patologias benignas do trato gastrointestinal superior, demonstrando redução significativa na taxas de migração e melhor resposta clínica, sem diferença observada entre os métodos de fixação avaliados. O maior sucesso clínico obtido quando fixada a prótese pode ser explicado como uma representação do benefício clínico de reduzir a migração, embora a obtenção de resposta clínica seja multifatorial, dependente da patologia de base e de fatores associados ao paciente.

Comentários

Neste trabalho, os dispositivos de fixação endoscópica demonstraram benefício na redução da migração das FCSEMS com potencial melhora na resposta clínica dos pacientes. À medida que eles se tornam mais disponíveis em nosso mercado, pode ser interessante considerar sua incorporação à prática para obtenção de melhores resultados.

Clique para mais informações sobre: Próteses metálicas de esôfago • Endoscopia Terapeutica.

Referências

  1. Mehta A, Ashhab A, Shrigiriwar A, et al. Evaluating no fixation, endoscopic suture fixation, and an over-the-scope clip for anchoring fully covered self-expandable metal stents in benign upper GI conditions: a comparative multicenter international study (with video). Gastrointest Endosc. 2025 Mar;101(3):589-597. doi: 10.1016/j.gie.2024.08.015. Epub 2024 Aug 22. PMID: 39179133
  2. Reijm AN, Didden P, Schelling SJC, et al. Self-expandable metal stent placement for malignant esophageal strictures – changes in clinical outcomes over time. Endoscopy. 2019 Jan;51(1):18-29. doi: 10.1055/a-0644-2495. Epub 2018 Jul 10.PMID: 29991071
  3. Bakken JC, Wong Kee Song LM, de Groen PC, Baron TH. Use of a fully covered self-expandable metal stent for the treatment of benign esophageal diseases. Gastrointest Endosc. 2010 Oct;72(4):712-20. doi: 10.1016/j.gie.2010.06.028. PMID: 20883848

Como citar este artigo

Logiudice FP. Devemos fixar próteses metálicas totalmente recobertas em patologias benignas? Endoscopia Terapeutica 2025, Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/devemos-fixar-proteses-metalicas-totalmente-recobertas-em-patologias-benignas/




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Colaboração: Ygor Rocha Fernandes, Mateus Pereira Funari

Paciente do sexo feminino, 44 anos, com antecedente de cirurgia bariátrica (Bypass Gástrico em Y de Roux) realizada em 2012, e diagnóstico prévio de hipotireoidismo. Desde o final de 2022, evoluiu com dor abdominal progressiva, episódios de náuseas e vômitos, além de perda de peso significativa.

Uma endoscopia digestiva alta (EDA) realizada em junho de 2023 identificou uma estenose na anastomose gastrojejunal, com achados sugestivos de isquemia. A paciente foi submetida a revisão cirúrgica da anastomose, no entanto, os sintomas persistiram.

Em janeiro de 2024, uma tomografia computadorizada (TC) de abdome revelou perfuração bloqueada da anastomose e uma coleção perianastomótica, além de uma lesão polipoide de 2,5 cm na segunda porção do duodeno, na região periampular. Diante desses achados, foi solicitada uma ressonância magnética (RM) de abdome superior, que confirmou uma lesão polipoide intraluminal de 3,2 cm na parede lateral da segunda porção do duodeno, com realce heterogêneo.

Após discussão multidisciplinar, optou-se por nova cirurgia para drenagem da coleção, revisão da anastomose e EDA intra-operatória para avaliar a lesão polipoide em duodeno, em março de 2024. Durante o ato cirúrgico, foi realizada uma gastrotomia para acesso endoscópico ao duodeno. A endoscopia revelou uma lesão pediculada, com superfície vilosa, localizada na parede lateral da segunda porção do duodeno, oposta à papila maior (seta). A base do pedículo media 15 mm de comprimento por 12 mm de espessura, e a porção cefálica da lesão apresentava diâmetro de 30 mm.




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Uso da Terapia Endoscópica a Vácuo no Manejo de Fístula Esofágica Pós-Tireoidectomia

Relato de Caso

Paciente masculino, 46 anos, natural de Arapiraca-AL, apresentou queixa de massa cervical volumosa, rouquidão e discreta disfagia, com piora recente. Os sintomas tiveram início há três anos. Foi diagnosticado com tumoração na tireoide, sendo confirmada, por citologia aspirativa com agulha fina, a presença de carcinoma medular em estágio avançado, associado a linfonodomegalia e paralisia do nervo laríngeo recorrente direito.

O paciente foi submetido a uma tireoidectomia total com esvaziamento cervical bilateral em sua cidade de origem. Durante a cirurgia, houve lesão do esôfago cervical, prontamente reparada com rafia. Para monitoramento no pós-operatório, optou-se pela colocação de um dreno tubular, além da passagem de uma sonda nasoenteral (SNE) para alimentação precoce. No sétimo dia de pós-operatório, o paciente apresentou dor e inchaço cervical, associados a febre e deterioração do estado geral. Um teste oral com azul de metileno evidenciou extravasamento de conteúdo pelo dreno cervical. O paciente foi transferido para um hospital terciário de referência em Maceió, onde foi internado na UTI geral. Uma endoscopia à beira do leito identificou uma fístula esofagotorácica localizada abaixo do cricofaríngeo, no esôfago proximal, comunicando-se com a cavidade torácica facilmente acessada com o endoscópio.

Figura 1: cavidade por visão endoscópica.

A cavidade apresentava exsudato espesso e amarelado, aderente às superfícies e com contaminação grosseira por saliva e debris, vistos no vídeo e fotos a seguir:



Figura 2: cavidade com exsudato espesso e amarelado.

Figura 3: O ápice pulmonar direito foi visualizado.

Realizou-se uma toalete cavitária com soro fisiológico 0,9%, seguida pela instalação de um sistema de terapia a vácuo (técnica modificada) com sonda nasogástrica Nº 18. Após a primeira troca, observou-se melhora significativa do quadro clínico e laboratorial, permitindo a alta da UTI para a enfermaria após o terceiro dia de terapia com pressão negativa.

Na terceira troca, era evidente a melhora na contaminação e redução do tamanho da cavidade, que se encontrava recoberta por tecido de granulação. A evolução endoscópica positiva acompanhou-se de uma melhora clínica significativa do paciente, que permaneceu estável e sem sinais de septicemia.



Vídeo de evolução após a terceira troca.



Vídeo de evolução após a quarta troca.



Vídeo de evolução após a sexta troca.

Foram necessárias seis trocas do sistema à vácuo, realizados semanalmente até o fechamento completo da cavidade e resolução em definitivo da fístula.

O relatório patológico descreve: carcinoma medular da tireoide, tumor que mede 4 x 3,3 cm (classificação de estadiamento pT3b pN1b M0). Houve invasão linfática (8 de 10 linfonodos).

Discussão

A perfuração e o extravasamento de conteúdo esofágico são condições graves e potencialmente fatais, frequentemente levando ao desenvolvimento de sepse, com uma taxa de mortalidade variando entre 12% e 50%. O prognóstico piora significativamente com o atraso no início do tratamento: a mortalidade aumenta de 7,4% para 20,3% quando a intervenção ocorre após 24 horas do evento, ressaltando a importância crítica da identificação e intervenção precoces.

A perfuração do esôfago cervical é comumente associada a complicações decorrentes de procedimentos esofágicos ou intubação traqueal. A alta mortalidade relacionada a essa condição deve-se à anatomia do esôfago proximal, que facilita o acesso de bactérias e enzimas digestivas ao mediastino, levando ao desenvolvimento de uma condição grave, a mediastinite, além de empiema, sepse e síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.

Diversos tratamentos para perfurações esofágicas são descritos na literatura, mas ainda não há um procedimento considerado padrão-ouro. As abordagens podem ser conservadoras ou cirúrgicas. A abordagem conservadora inclui antibioticoterapia, nutrição parenteral e drenagem torácica, sendo indicada para pacientes selecionados com perfurações bem contidas, contaminação mínima e sem sinais de obstrução ou sepse. Já a abordagem cirúrgica pode variar desde rafia primária até esofagectomia com reconstrução imediata ou tardia do trato gastrointestinal, além de drenagem extensa do mediastino. Ambos os tratamentos visam prevenir a disseminação de conteúdo para o mediastino, eliminar e controlar a infecção, manter o estado nutricional do paciente e assegurar a integridade e continuidade do trato digestivo. O diagnóstico e a intervenção imediatos permanecem de importância vital.

A tireoidectomia (total ou parcial) é o tratamento de escolha para neoplasias da tireoide, sendo as principais complicações o hematoma cervical, hipoparatireoidismo transitório e lesão do nervo laríngeo recorrente. A perfuração inadvertida do esôfago é uma complicação rara. Devido à raridade desse evento, há escassez de dados na literatura, o que torna seu manejo mais desafiador.

Nesse contexto, novas terapias têm emergido e ganhado popularidade, como o uso de endoclipes e stents metálicos. Em 2003, a terapia endoscópica a vácuo (EVT) surgiu como uma alternativa, inicialmente empregada para o fechamento de fístulas de anastomose em cirurgias retais. A terapia endoscópica assistida por vácuo para fechamento de vazamentos de anastomose foi desenvolvida para superar as limitações do tratamento convencional não cirúrgico.

O fechamento de feridas cirúrgicas com pressão negativa é uma modalidade terapêutica bem estabelecida e amplamente utilizada desde 1997 para o tratamento de lesões abertas crônicas. Esse método é aplicado em diversas especialidades, como cirurgia geral, ortopedia, plástica e vascular. O procedimento consiste em selar o sítio cirúrgico com um adesivo e aplicar pressão subatmosférica. O aumento da vascularização aliado à redução da colonização bacteriana são fatores essenciais para o sucesso dessa terapia, acelerando a reparação da ferida e preparando o leito até sua cobertura definitiva por meio de diversos métodos de reconstrução tecidual.

Na EVT, o objetivo é criar um ambiente com pressão negativa que estimula o crescimento de tecido de granulação, preenchendo a cavidade e reduzindo a presença de fibrina e tecido necrótico. Esse preenchimento contínuo da cavidade com tecido de granulação resulta em uma diminuição progressiva do diâmetro e profundidade da cavidade durante as sessões subsequentes, promovendo o fechamento do defeito transmural e acelerando a cicatrização.

Um estudo de Luttikhold et al., multicêntrico realizado em cinco hospitais de três países europeus, avaliou o sucesso do fechamento de perfurações esofágicas com EVT, alcançando uma taxa de 89%. As indicações para o uso da EVT no trato gastrointestinal incluem defeitos transmurais agudos, precoces e crônicos da parede esofágica e da junção esofagogástrica. Há evidências publicadas de sucesso no fechamento de vazamentos em linhas de sutura após ressecções oncológicas e procedimentos bariátricos, além de perfurações iatrogênicas e rupturas espontâneas. A duração média do tratamento até o fechamento completo varia entre 11 e 28 dias, sendo o intervalo de troca do dispositivo um fator crucial para o sucesso da terapia.

A técnica da esponja modificada, confeccionada com sonda nasogástrica, gaze e adesivo antimicrobiano, é uma abordagem segura e relativamente simples, que se apresenta como uma alternativa eficaz para o manejo de defeitos do trato gastrointestinal. O EVT modificado é de fácil inserção e permite intervalos maiores entre as trocas do sistema. Sua relação custo-efetividade tem o potencial de expandir seu uso, democratizando o acesso à técnica e impactando significativamente o tratamento de casos desafiadores, contribuindo para desfechos mais favoráveis.

REFERÊNCIAS

  1. Esophageal fistula complicating thyroid lobectomy. Nicholas D. Ward, Cortney Y. Lee, James T. Lee, and David A. Sloan. Journal of surgical case reports (JSCR), Jan 2015;
  2. Cost-effective modified endoscopic vacuum therapy for the treatment of gastrointestinal transmural defects: step-by-step process of manufacturing and its advantages. Moura, Diogo et al. VIDEOGIE, Volume 6, No. Dec. 2021;
  3. Current treatment and outcome of esophageal perforations in adults: systematic review and meta-analysis of 75 studies. Biancari F, D’Andrea V,  Paone R, Di Marco C,  Savino G, Koivukangas V, Saarnio J, Lucenteforte E. World J Surg. Fev 2013;
  4. Endoscopic vacuum therapy in the upper gastrointestinal tract: when and how to use it. Gutschow CA, Schlag C, Vetter D. Langenbecks Arch Surg. May 2022;
  5. Endoluminal vacuum-assisted closure (E-Vac) therapy for postoperative esophageal fistula: successful case series and literature review. Rubicondo C, Lovece A, Pinelli D, Indriolo A, Lucianetti A, Colledan M. World Journal Surgical Oncology. Nov. 2020;
  6. The use of endoluminal vacuum (E-Vac) therapy in the management of upper gastrointestinal leaks and perforation. Nathan R. Smallwood,   James W. Fleshman,   Steven G. Leeds &   J. S. Burdick. Surgical endoscopy. Set 2015;
  7. Endoscopic vacuum therapy for esophageal perforation: a multicenter retrospective cohort study. Luttikhold J, Pattynama LMD, Seewald S, Groth S, Morell BK, Gutschow CA, Ida S, Nilsson M, Eshuis WJ, Pouw RE. Endoscopy. Sep. 2023.



Quiz! Caso Clínico

Colaboração: Marcelo Fialho Roman, Luiz Carlos Pereira Bin

Paciente feminina, 73 anos, tabagista, HAS, insuficiência cardíaca (IC), estenose aórtica moderada/grave.

Medicações em uso: de Enalapril 20mg, Hidroclorotiazida 25mg, AAS 100mg, Sinvastatina 40mg.

Durante internação, por IC descompensada, apresentou 3 episódios de melena. Não houve instabilidade hemodinâmica. Houve necessidade de transfusão de 1 unidade de hemoconcentrado.

Exames laboratoriais (antes da transfusão): Hb: 8,7| Ht: 27 | Leu: 7.500 sem desvios | Cr: 1,0 | Ur: 39 | Na 136 | K 3,5 e demais exames sem particularidades

EDA: gastrite antral erosiva plana leve; UREASE negativa

Realizou preparo anterógrado com manitol, em que foram evidenciadas:




Você já ouviu falar sobre a Escala de Aldrete?

Os procedimentos de endoscopia são realizados sob sedação venosa, salvo raras exceções, com uma série de recomendações a respeito da segurança do paciente durante a sedação (clique aqui para Sete passos para anestesia segura em procedimentos endoscópicos). E o que acontece depois do exame? Após a sedação, como avaliar objetivamente quando o paciente está realmente apto a sair da sala de exame e do consultório?

Foram desenvolvidas algumas escalas para avaliar parâmetros clínicos do paciente que permitam liberar o mesmo com segurança após anestesia, seja ela local, loco-regional, sedação ou anestesia geral.  

A escala de Aldrete e Kroulik foi desenvolvida em 1970 com o objetivo de determinar condições de alta após anestesia através da avaliação de cinco parâmetros simples: atividade motora, respiração, nível de consciência, pressão arterial e coloração da pele/leito ungueal (avaliação de hipoxemia). Em 1995 os mesmos autores modificaram a escala substituindo a avaliação subjetiva de hipoxemia por dados da oximetria de pulso. Vide critérios a seguir:

  1. Atividade motora
    Movimenta os quatro membros – 2 pontos
    Movimenta dois membros – 1 ponto
    Não move os membros – 0 pontos
  2. Respiração
    Capaz de respirar profundamente – 2 pontos
    Dispneia / limitação à respiração – 1 ponto
    Apneia – 0 pontos
  3. Nível de consciência
    Completamente acordado – 2 pontos
    Desperta ao chamado – 1 ponto
    Não responde – 0 pontos
  4. Circulação –  pressão arterial
    Pressão arterial (PA) até 20% do nível pré-anestésico – 2 pontos
    PA em 20-49% do nível pré anestésico – 1 ponto
    PA em 50% nível pré anestésico – 0 pontos
  5. Saturação de oxigênio
    Mantém saturação de oxigênio (SO2) > 92% em ar ambiente – 2 pontos
    Mantém SO2 >90% com oxigênio suplementar – 1 ponto
    Mantém SO2 <90% com oxigênio suplementar – 0 pontos

Cada parâmetro avaliado varia de 0 a 2 pontos, totalizando uma pontuação máxima de 10 na escala, sendo considerado como critério de alta um escore de 9 ou 10. Pacientes que estão com pontuação de 8 ou menos precisam de maior monitorização e possivelmente cuidados, intervenções de acordo com a necessidade como uso de cateter de oxigênio, expansão volêmica, drogas vasopressoras, uso de antagonistas como flumazenil.

A escala é objetiva, envolvendo parâmetros facilmente mensuráveis, rápida, sem trazer gastos, sendo utilizada regularmente nas salas de recuperação anestésica para determinar critérios de alta após sedação ou anestesia geral. Embora a escala possa ser aplicada por qualquer profissional de saúde que receba treinamento, a interpretação e tomada de decisão sobre a alta do paciente é de responsabilidade do médico.

Foi criada também a Escala de Aldrete para procedimentos ambulatoriais incluindo todos os cinco parâmetros da escala modificada e adicionando outros quatro parâmetros: sangramento (aspecto curativo), deambulação, alimentação, micção espontânea. O paciente é considerado apto para alta quando atinge um escore de 18 ou mais nesta escala.

  1. Atividade motora
    Movimenta os quatro membros – 2 pontos
    Movimenta dois membros – 1 ponto
    Não move os membros – 0 pontos
  2. Respiração
    Capaz de respirar profundamente – 2 pontos
    Dispneia / limitação à respiração – 1 ponto
    Apneia – 0 pontos
  3. Nível de consciência
    Completamente acordado – 2 pontos
    Desperta ao chamado – 1 ponto
    Não responde – 0 pontos
  4. Circulação –  pressão arterial
    Pressão arterial (PA) até 20% do nível pré-anestésico – 2 pontos
    PA em 20-49% do nível pré anestésico – 1 ponto
    PA em 50% nível pré anestésico – 0 pontos
  5. Saturação de oxigênio
    Mantém saturação de oxigênio (SO2) > 92% em ar ambiente – 2 pontos
    Mantém SO2 >90% com oxigênio suplementar – 1 ponto
    Mantém SO2 <90% com oxigênio suplementar – 0 pontos
  6. Curativo
    Limpo e seco – 2 pontos
    Molhado porém sem expandir – 1 ponto
    Molhado, expandindo – 0 pontos
  7. Deambulação
    Fica em pé e anda em linha reta – 2 pontos
    Tontura quando em pé – 1 ponto
    Tontura em posição supina – 0 pontos
  8. Alimentação
    Apto a tomar líquidos – 2 pontos
    Nauseado – 1 ponto
    Vômitos – 0 pontos
  9. Micção espontânea
    É capaz de urinar – 2 pontos
    Não urina mas está confortável – 1 ponto
    Não urina e sente desconforto – 0 pontos

Uma outra escala também é muito utilizada para avaliar a alta do paciente é a Modified Post-Anaesthetic Discharge Scoring System (MPADSS) que se destaca por incluir a avaliação da dor nos critérios de alta.

  1. Sinais vitais
    Frequência cardíaca e pressão arterial variando até 20% do nível pré-anestésico – 2
    Frequência cardíaca e pressão arterial entre 20% e 40% do nível pré-anestésico – 1
    Frequência cardíaca e pressão arterial com mais de 40% do nível pré-anestésico – 0
  2. Atividade
    Marcha adequada, sem tonturas ou nível similar ao pré anestésico – 2
    Necessita de assistência para deambular – 1
    Não deambula – 0 
  3. Náuseas e vômitos
    Sem queixas/ queixas mínimas controladas com medicação oral -2
    Queixa moderada tratada com medicação venosa – 1
    Queixas intensas ou contínuas apesar do tratamento – 0
  4. Dor
    Ausente ou mínima (escala visual analógica [VAS] =0-3) – 2
    Moderada (VAS= 4-6) – 1
    Intensa (VAS= 7-10) – 0
  5. Sangramento
    Ausente ou mínimo – 2
    Moderado (1 episódio de hematêmese ou sangramento retal) – 1
    Severo (2 ou mais episódios de hematêmese ou sangramento retal) – 0

Nesta escala o paciente é considerado apto para alta quando atinge escore igual ou superior a 9 em duas medidas consecutivas.

Foi realizada uma comparação entre a escala de Aldrete modificada e a MPADSS em publicação envolvendo 120 pacientes em cada grupo, em pacientes submetidos a endoscopia ambulatorial sob sedação venosa. Houve maior percentagem de pacientes considerados recuperados dentro da primeira hora pós sedação no grupo avaliado pela escala de Aldrete (42,5% vs 25%, p<0,01) embora a taxa de pacientes com sonolência no momento da alta tenha sido maior (19,1% vs 5%, p<0,01); não houve diferença significativa na taxa de efeitos adversos nas primeiras 24h entre ambos grupos.

É importante respeitar todas as etapas para a realização de uma endoscopia segura, não esquecendo da relevância em avaliar as condições de alta do paciente, algo que se torna mais fácil com auxílio de escalas objetivas como as citadas.

Referências

  1. Yamaguchi D, Morisaki T, Sakata Y, Mizuta Y, Nagatsuma G, Inoue S, Shimakura A, Jubashi A, Takeuchi Y, Ikeda K, Tanaka Y, Yoshioka W, Hino N, Ario K, Tsunada S, Esaki M. Usefulness of discharge standards in outpatients undergoing sedative endoscopy: a propensity score-matched study of the modified post-anesthetic discharge scoring system and the modified Aldrete score. BMC Gastroenterol. 2022 Nov 4;22(1):445.
  2. Trevisani L, Cifalà V, Gilli G, Matarese V, Zelante A, Sartori S. Post-Anaesthetic Discharge Scoring System to assess patient recovery and discharge after colonoscopy. World J Gastrointest Endosc. 2013 Oct 16;5(10):502-7.
  3. Oliveira Filho GR. Rotinas de cuidados pós-anestésicos de anestesiologistas brasileiros [Postanesthetic routines of Brazilian anesthesiologists]. Rev Bras Anestesiol. 2003 Aug;53(4):518-34.

Como citar este artigo

Ferreira F. Você já ouviu falar sobre a Escala de Aldrete? Endoscopia Terapeutica, 2024 vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/voce-ja-ouviu-falar-sobre-a-escala-de-aldrete/




Pólipos Hiperplásicos na Endoscopia – Risco de Neoplasia, Conduta e Recidiva

Os pólipos gástricos são achados comuns, estando presente em 0,5% a 23% das endoscopias digestivas altas (1). A incidência de cada tipo histológico é variável de acordo com a população estuda, sendo os pólipos de glândulas fúndicas e os hiperplásicos os mais comuns. Um estudo feito no Brasil (2) mostrou que os pólipos hiperplásicos são os mais prevalentes, correspondendo a 71,3% dos pólipos, enquanto nos Estados Unidos (3) os de glândulas fúndicas são os mais comuns, representando 77%.

Os pólipos hiperplásicos são mais frequentes na sexta ou sétima décadas de vida, com uma questionável predominância no sexo feminino (4). Sua etiologia está geralmente associada a uma regeneração exacerbada da mucosa secundária a agressão contínua. Dessa forma, existe uma forte associação entre o pólipo hiperplásico e a presença de infeção pelo H. pylori, gastrite crônica, gastrite autoimune, metaplasia intestinal, gastropatia química, cirrose hepática e pós-terapia hemostática de angiectasias gástricas (4,5). Na maioria dos casos são assintomáticos no entanto, podem causar anemia, hemorragia digestiva ou até dificuldade do esvaziamento gástrico.

Tipicamente eles são solitários, menores que 20 mm e localizados no antro (60%) (4), vide figuras 1 a 3. Múltiplos pólipos podem estar presentes em até 20% dos casos (4). Geralmente são sésseis, com superfície lisa ou discretamente lobulada, friáveis e hiperemiados. No entanto podem crescer e atingir tamanhos maiores que 100 mm, associado a erosões ou úlceras superficiais em sua superfície.

Figura 1: pólipo hiperplásico em antro.
Figura 2: pólipo hiperplásico intruso no piloro.
Figura 3: pólipo hiperplásico extruindo do piloro.

Risco de malignização

A presença de displasia ou malignidade pode ocorrer em 1,9% a 10,4% dos pólipos hiperplásicos (6). No entanto essa prevalência pode variar de acordo com a população. Em pacientes asiáticos a displasia pode ocorrer em 1,4% a 16,4% dos casos e malignidade em 1,1% a 4,4%. Já em pacientes ocidentais a displasia pode acontecer em 3,3% a 9,7% dos casos e a malignidade em 0,6% a 2,1% (7).

O principal fator de risco para a presença de displasia ou malignidade é o tamanho do pólipo, especialmente aqueles maiores que 25 mm (5,8). Outros fatores que podem estar associados são: idade maior que 65 anos, presença de metaplasia intestinal e displasia na mucosa adjacente (5,8).

Conduta

A Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal (ASGE) recomenda a ressecção de todos os pólipos hiperplásicos maiores que 5 mm (9), enquanto o guideline britânico recomenda a retirada daqueles maiores que 10 mm (10). Outras indicações seriam a presença de displasia à biópsia ou pólipos sintomáticos (11).

A pesquisa de H. pylori é fundamental nesses casos, uma vez que existe uma associação entre a presença do pólipo hiperplásico e a infecção pelo H. pylori, que pode chegar a até 37% (4,8). Além disso, a erradicação da bactéria pode promover a regressão do pólipo em até 84% dos casos, especialmente dos pólipos menores, e parece reduzir as taxas de recidiva pós-ressecção (12).

Um exame cuidadoso do restante do estômago também é muito importante, pois esses pacientes apresentam outras alterações que predispõe ao câncer gástrico, como atrofia gástrica e metaplasia intestinal. A taxa de lesões malignas sincrônicas pode chegar a 7,1% (11).

O seguimento endoscópico ainda não está bem estabelecido. Recomenda-se repetir a endoscopia digestiva alta em 12 meses, especialmente naqueles pacientes que apresentaram displasia (11).

Recidiva

Os pólipos hiperplásicos apresentam altas taxas recidiva, mesmo quando ressecados em monobloco (R0), podendo variar de 12% a 51% (6,8).  O tempo médio para o diagnóstico da recorrência é entre 1 e 2 anos e não necessariamente estão associados a riscos maiores de displasia ou malignidade (5,12).

O mecanismo pelo qual ela acontece ainda não está bem estabelecido. Aparentemente a técnica de ressecção, seja mucosectomia ou dissecção endoscópica de submucosa não tem relação a recidiva. A infecção pelo H. pylori, conforme descrito anteriormente, parece ter uma associação tanto com o surgimento do pólipo quanto com a sua recidiva após a ressecção (12). Portanto seu tratamento deve ser sempre tentado. A localização no antro também se relaciona a uma maior recorrência, acredita-se que pela maior contratilidade local e um provável refluxo biliar (6). Outros fatores que podem estar associados são: pólipos grandes (maiores que 16 mm), múltiplos, superfície lobulada, idade menor que 65 anos e presença de cirrose (5,6).

Conclusão

Os pólipos hiperplásicos são achados relativamente comuns em endoscopias digestivas altas do dia a dia. Geralmente são pequenos e assintomáticos. No entanto, devido ao risco de displasia e malignidade, mesmo que pequeno, eles devem ser ressecados, principalmente quando maiores que 10 mm. Deve-se dar atenção especial para a pesquisa de H. pylori e de outras entidades que podem estar associadas como gastrite, atrofia e metaplasia. Apesar de altas taxas de recidiva, ainda não está bem estabelecido nenhum protocolo de seguimento.

Referencias

  1. Yacoub H, Bibani N, Sabbah M, et al. Gastric polyps: a 10-year analys of 18,496 upper endoscopies. BMC Gastroentereol. 2022;22:70.
  2. Morais DJ, Yamanaka A, Zeitume JM et al. Gastric polyps: a retrospective analys of 26,000 digestives endoscopies. Arq Gastroenterol. 2007;44:14-7.
  3. Carmack SW, Genta RM, Schuler CM et al. Am J Gastroenterol. 2009;104:1524-1532.
  4. Kovari B, Kim BH, Lauwers GY. The pathology of gastric and duodenal polyps: current concepts. Histopathology. 2021;78:106-124.
  5. Forté E, Petit B, Walter T, et al. Risk of neoplastic change in large gastric hyperplastic polyps and recurrence after endoscopic resection. Endoscopy. 2020;52:444-453.
  6. Kim Y, Kang S, Ahn J, et al. Risk factors associated with recurrence of gastric hyperplastic polyps: a single-center, long-term, retrospective cohort study. Surgical Endoscopy. 2023;37:7563-7572.
  7. Bar N, Kinaani F, Sperber AD, et al. Low Risk of Neoplasia and Intraprocedural Adverse Events in Gastric Hyperplastic Polypectomy. J Clin Gastroenterol. 2021;55:851-855.
  8. João M, Areia M, Alves S, et al. Gastric Hyperplastic Polyps: A Benign Entity? Analys of Recurrence and Neoplastic Transformation in a Cohort Study. GE Port J Gastroenterol. 2021;28:328-335.
  9. Evans JA, Chandrasekhara V, Chathadi KV et al. The role of endoscopy in the management of premalignant and malignant conditions of the stomach. Gastrointest Endosc. 2015;82:1-8.
  10. Banks M, Graham D, Jansen M et al. British Society of Gastroenterology guidelines on the diagnosis and management of patients at risk of gastric adenocarcinoma. Gut. 2019;68:1545-1575.
  11. Cheesman AR, Greenwald DA, Shah SC. Current Management of Benign Epithelial Gastric Polyps. Curr Treat Options Gastro. 2017;15:676-690.
  12. Cho YS, Nam SY, Moon HS et al. Helicobacter pylori eradication reduces risk for recurrence of gastric hyperplastic polyp after endoscopic resection. Korean J Intern Med. 2023;38:167-175.

Como citar este artigo

Retes FA. . Pólipos Hiperplásicos na Endoscopia – Risco de Neoplasia, Conduta e Recidiva. Endoscopia Terapeutica 2024 vol II. disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/polipos-hiperplasicos-risco-de-neoplasia-conduta-e-recidiva/




Perda de lesões em endoscopia digestiva alta: encarando a realidade

A endoscopia digestiva alta é o único método diagnóstico capaz de detectar lesões do trato gastrointestinal alto pré neoplásicas (adenomas e displasias) e neoplásicas precoces. Entretanto, mesmo pacientes previamente examinados não estão isentos do risco de detectar neoplasia nesses órgãos durante o seu seguimento de curto e médio prazo.

Conforme dados da World Health Organization, tumores do trato digestivo são detectados em estadio clínico inicial (ECI) na menor parte dos casos no ocidente, com taxas variando entre 7% e 16,9% para tumores esofágicos e entre 10,2 e 18% tumores gástricos.1 O diagnóstico em estágios avançados está diretamente associado à pobre sobrevida em 5 anos – 13% para tumores esofágicos e de 17% para tumores gástricos. Por outro lado, a identificação e o tratamento da doença localizada muda história natural da doença, atingindo taxas de sobrevida em 5 anos acima de 80%.2

Nesse contexto, vários estudos foram realizados para avaliar a taxa de perda de lesões neoplásicas em endoscopias digestivas altas. De forma geral, mas não consensual, define-se como lesão perdida aquela identificada no intervalo de 6 meses até 36 meses após a endoscopia índex. Esse período foi estabelecido considerando-se o tempo de duplicação tumoral gástrico de 2 a 3 anos sugerido por Fujita. Esse intervalo de tempo baseia-se no conceito de que os tumores gástricos podem ser visibilizados em endoscopias até 3 anos antes da sua apresentação clínica inicial. 3

Uma meta-análise de 2022 mostrou que 11,3% das neoplasias esofagogástricas e duodenais foram perdidas em endoscopias digestivas altas.2 Desses casos, 29% dos casos haviam realizado exame em um intervalo de 1 ano e 71% entre 1 e 3 anos do momento do diagnóstico.2

Uma revisão sistemática e metanálise de Pimenta-Melo A.R, et al mostraram resultados semelhantes: 9,4% dos tumores gástricos são potencialmente perdidos. A principal lesão perdida é o adenocarcinoma localizado no corpo gástrico. Os fatores preditivos para falha diagnóstica são: idade mais jovem (<55 anos), sexo feminino sexo, atrofia gástrica acentuada, adenoma ou úlcera gástrica e número inadequado de fragmentos de biópsia. 4

No Japão, foram realizadas endoscopias de seguimento em 44% dos 8.364 pacientes do estudo. Desses, 32 pacientes (0,9%) tiveram diagnóstico de câncer gástrico nos meses subsequentes. A incidência aumentou para 3,9% em pacientes com idade entre 60-69 anos com atrofia acentuada, definida como O2-3 de Kimura-Takemoto. 5

Os principais fatores atribuídos à falha de reconhecimento pelo endoscopista devem-se às alterações discretas na aparência dos tumores superficiais e à exploração incompleta da mucosa devido aos pontos cegos, especialmente em cárdia, pequena curvatura e parede posterior do corpo gástrico. 2,4 Outro fator é a presença de biópsia negativa, apesar da suspeição endoscópica pelo aspecto macroscópico da lesão. 6

O subgrupo de pacientes com lesões gástricas sincrônicas também foi avaliado, mostrando que 23,3% das lesões sincrônicas foram perdidas. Com isso, os autores demonstram a necessidade de uma inspeção cuidadosa da mucosa adjacente, mesmo em pacientes com lesões visíveis. Os principais preditores de risco foram lesões pequenas, adenoma como tipo histológico e àquelas localizadas no terço superior gástrico. 4

Em uma revisão sistemática e meta-análise de 2022, ao avaliar apenas casos de esôfago de Barrett, a taxa de perda de lesões com displasia de alto grau ou adenocarcinoma foi de 26%. Nesse trabalho, foi considerado o intervalo de 1 ano entre a endoscopia índex com esôfago de Barrett (sem displasia, displasia de baixo grau ou indefinida) e a endoscopia que detectou displasia de alto grau ou adenocarcinoma.7 Realizar exame com aparelho de alta definição, dispender 1 minuto de inspeção a cada 1 cm do esôfago de Barrett, utilizar recursos de cromoscopia (virtual e com ácido acético) e identificar adequadamente e registrar fotograficamente os principais marcos anatômicos demonstrou aumento na taxa de detecção dessas lesões. 8

Em um estudo recente (Endoscopy 2022) com base nos registros de câncer da Polônia, a perda média de lesões no trato digestivo alto após uma endoscopia foi de 6% (N=33.241 total), percentual que se manteve estável entre os anos de 2012 e 2018. Foram definidos como tumores perdidos àqueles diagnosticados entre 6 e 36 meses da endoscopia índex. 9 Nesse mesmo trabalho, a maioria das lesões perdidas foram gástricas (81%), seguidas das esofágicas (17%) e duodenais (2%). No esôfago, as taxas de perda de adenocarcinomas e de carcinoma escamoso foram 6,1% e 4,2%, respectivamente. Além disso, estágios mais avançados no momento do diagnóstico foram observados nos pacientes com adenocarcinoma em relação aos tumores escamosos esofágicos. No estômago a taxa global de perda de adenocarcinomas foi de 5,7%. Quanto à localização, a proporção de lesões gástricas perdidas proximais e distais foi semelhante, porém as lesões proximais foram diagnosticadas em estágios mais avançados. Lesões definidas como perdidas (entre 6 e 36 meses) apresentaram-se proporcionalmente em estágios mais avançados em relação às lesões definidas como prevalentes (< 6 meses). Os principais fatores de risco associados à perda de lesões foram exames realizados de forma ambulatorial (RR: 1,3); sexo feminino (RR 1,3); e pacientes com múltiplas comorbidades (Charlson comorbidity index ≥ 5; RR 6). 9

Um estudo escocês mostrou que 73% dos casos de perda de lesões estiveram relacionados ao endoscopista ou ao seguimento: não identificação da lesão (27%); não realização de biópsias (14%); biópsias insuficientes (9%); ou seguimento inadequado (9%).10 Esse mesmo trabalho mostrou que 67% dos pacientes tinham endoscopia prévia em intervalo menor de 1 ano, 13% entre 1 e 2 anos e 20% entre 2 e 3 anos. 10 Cerca de 70% dos tumores esofágicos e gástricos e foram diagnosticados em estadio avançado (EC III e IV). Sintomas de alarme (disfagia, anemia, hematêmese, perda ponderal, vômito) estavam presentes na endoscopia inicial em 75% dos pacientes com tumores esofágicos e 57% daqueles com neoplasias gástricas.10

Entre as principais limitações no diagnóstico de lesões esofagogástricas e duodenais estão os fatores relacionadas ao operador, como a não identificação da lesão, à sedação inadequada, ao preparo inadequado do órgão, à distensibilidade insuficiente das pregas gástricas, a não realização de biópsias ou biópsias insuficientes. Fatores como a experiência do endoscopista e a qualidade dos aparelhos utilizados nos exames também são fatores relevantes, porém pouco estudados. A maioria dos trabalhos possuem dados anteriores à era da cromoscopia e da magnificação. Os principais fatores atribuídos à falha de reconhecimento pelo endoscopista devem-se às alterações discretas na aparência dos tumores superficiais, a baixa suspeição diagnóstica, e à exploração incompleta da mucosa devido aos pontos cegos, especialmente no estômago.

Apesar da endoscopia ter um alto valor preditivo negativo (99,7%)4, pacientes que persistem com sintomas de alarme após uma endoscopia sem achados críticos devem prosseguir a investigação, e aqueles com atrofia acentuada devem repetir a endoscopia anualmente.

Aparelhos com alta definição de imagem e com cromoscopia digital devem ser preconizados. É preciso realizar um preparo adequado, com lavagem e remoção de saliva e bolhas, adequada insuflação e tempo suficiente de inspeção. Ainda, o exame deve ser sistematizado, a fim de identificar discretas alterações da mucosa, caracterizando-as conforme as classificações endoscópicas, realizando a foto documentação (> 25 fotos) e coletando biópsias adequadas. Especial atenção deve ser dada para as seguintes regiões da câmera gástrica: grande curvatura do corpo, antro, incisura angularis e cárdia. Enfim, as boas práticas endoscópicas devem ser preconizadas para não perder a chance de diagnosticar lesões iniciais, passíveis de tratamentos curativos.

Referências

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  2. Menon S, Trudgill N, Open EI, et al. How commonly is upper gastrointestinal cancer missed at endoscopy ? A meta-analysis. 2014:46-50.
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  9. Januszewicz W, Witczak K, Wieszczy P, et al. Prevalence and risk factors of upper gastrointestinal cancers missed during endoscopy: A nationwide registry-based study. Endoscopy. 2022;54(7):653-660. doi:10.1055/a-1675-4136
  10. Witherspoon P, Mccole D. Missed Diagnoses in Patients with Upper Gastrointestinal Cancers. doi:10.1055/s-2004-825853

Como citar este artigo

Casamali C. Perda de lesões em endoscopia digestiva alta: encarando a realidade. Endoscopia Terapeutica 2024, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/?p=18967