METAPLASIA INTESTINAL EM ENDOSCOPIA DE ROTINA: Tem importância? Preciso seguir?

O câncer gástrico é a terceira maior causa de morte por câncer no mundo.

O seu subtipo mais comum é o câncer gástrico não cárdico do tipo intestinal, que passaremos a chamar aqui genericamente de câncer gástrico (CG). Tem como principal fator de risco a infecção crônica pelo H. pylori, respondendo por cerca de 80% da incidência global de câncer gástrico. 

Este subtipo de câncer gástrico emerge a partir de alterações histopatológicas progressivas na mucosa gástrica, conhecidas como sequência ou cascata de Pelayo Correa, que tem na infecção pelo H. pylori o seu principal gatilho. Essa sequência se inicia com a mucosa normal, passa pela gastrite não atrófica crônica, gastrite atrófica crônica, metaplasia intestinal, displasia e finalmente chega à transformação maligna. 

A metaplasia intestinal gástrica (MIG) é encontrada frequentemente em exames de rotina e diversas incertezas e desconhecimentos sobre sua importância, aliados à pobre informação sobre o risco individual de câncer gástrico do paciente, geram múltiplas abordagens no manejo desse achado, mesmo entre especialistas atentos ao assunto. 

Recentemente, a American Gastroenterological Association (AGA) publicou recomendações baseadas em evidências com o intuito de guiar o manejo da metaplasia intestinal na ausência de neoplasia gástrica (câncer ou displasia). O que fazer em casos de MIG?  

A publicação traz as seguintes perguntas chave: 

  • Pesquisar e tratar H. pylori alteram desfechos importantes em pacientes com MIG
  • Em paciente com MIG e classificados como de baixo risco, o seguimento endoscópico altera desfechos importantes versus nenhum seguimento? 
  • E em pacientes de alto risco? 
  • Em pacientes sem displasia, o seguimento precoce (< 1 ano) com biópsias para determinar a extensão da MIG altera desfechos relevantes? 

Desfechos relevantes bons: 

  • Detecção precoce de CG 
  • Redução de morbi/mortalidade 

Desfechos relevantes ruins: 

  • Potenciais complicações da endoscopia 
  • Efeitos psicológicos ligados à ansiedade gerada pelo seguimento 
  • Consumo de recursos 

Pesquisar e tratar H. pylori alteram desfechos importantes em pacientes com MIG

Recomendação 1: Em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA recomenda pesquisa de H. pylori seguida de erradicação. Recomendação forte, qualidade de evidência moderada.

A erradicação de H. pylori em paciente com ou sem MIG foi associada a redução de 32% no risco relativo de incidência de CG e 33% no risco relativo de mortalidade por CG, quando comparada a placebo. Os dados não foram suficientes para avaliar o impacto da erradicação de H. pylori na mortalidade por CG em pacientes com MIG confirmada. A confirmação da erradicação após o tratamento é recomendada, pela a possibilidade de falha terapêutica, mas o documento não aborda a melhor estratégia de confirmação a ser empregada. 

Em paciente com MIG, classificados como de baixo risco, o seguimento endoscópico altera desfechos importantes versus nenhum seguimento? 

Recomendação 2: Em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA se posiciona contrária ao seguimento endoscópico de rotina. Recomendação condicional, evidência de muito baixa qualidade. 

Comentário: pacientes com metaplasia intestinal com risco aumentado de CG que acreditem numa redução na mortalidade pelo câncer (incerta) e não valorizem eventuais riscos de exames recorrentes podem aderir ao seguimento endoscópico.

Pacientes com risco aumentado incluem: 

  • MIG incompleta; 
  • MIG extensa (que acometa corpo gástrico); 
  • Minorias étnicas; 
  • Imigrantes de áreas de alta incidência.

Recomendação 3: em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA se posiciona contrária à endoscopia precoce (< 1 ano) para estratificação de risco. Recomendação condicional, evidência de muito baixa qualidade. 

Sobre a não recomendação de seguimento endoscópico em pacientes com MIG, pesaram alguns pontos. A prevalência estimada de MIG é de 4,8%, fazendo com que qualquer recomendação de seguimento endoscópico traga grande impacto a uma grande proporção de pacientes. Além disso, a taxa anual de progressão para CG em indivíduos com MIG é de 0,16%, número inferior aos 0,33% ao ano estimados na progressão para adenocarcinoma esofágico em pacientes com esôfago de Barrett. 

O estudo não encontrou ensaios randomizados controlados, estudos de cohort ou caso-controle avaliando o impacto do seguimento endoscópico sobre os riscos de CG em pacientes com MIG. Em razão disso, a AGA recomenda a decisão compartilhada quanto à adesão ou não a seguimento endoscópico. 

Pacientes com MIG considerados com risco aumentado para CG incluem aqueles com metaplasia intestinal incompleta (3,3 x RR versus MIG completa, evidência de baixa qualidade); história familiar de CG (4,5 x RR, evidência de muito baixa qualidade) e MIG extensa (corpo gástrico + antro ou incisura) versus MIG limitada – antro e ou incisura- (2,1 x RR, com evidência de muito baixa qualidade). 

O artigo menciona que, nos Estados Unidos, raramente os laudos histológicos relatam se a MIG é completa ou incompleta e o mesmo ocorre em boa parte no nosso meio. Isso limitaria a viabilidade da adoção desse critério na definição do seguimento. O entendimento da extensão da MIG depende da prática de obtenção de amostras em frascos separados nos diferentes seguimentos gástricos, outra prática pouco comum. 

Pacientes com MIG com risco comum ou de alto risco, que apostem na redução do risco de CG, (mesmo na ausência de evidências diretas que a suportem) e minimizem potenciais riscos do seguimento endoscópico podem optar por aderir ao seguimento na tomada de decisão. 

Não existem dados suficientes para definir o intervalo ideal entre exames no seguimento endoscópico. Com base em evidências indiretas, considerando risco cumulativo de CG em pacientes com MIG, a avaliação endoscópica pode ser feita a cada 3 a 5 anos, com estudo cuidadoso da mucosa, incluindo biópsias do corpo e antro, além de qualquer lesão suspeita. 

Pacientes com risco aumentado que optem pelo seguimento endoscópico poderiam ser elegíveis para uma endoscopia precoce (< 1 ano) com o intuito de assegurar maior qualidade na endoscopia índice, revendo a extensão da MIG, obtendo amostras separadas, ou identificando outras áreas suspeitas. No entanto, a revisão técnica não encontrou evidências que suportem essa conduta. 

De maneira geral, as recomendações da AGA estão alinhadas e diferem pouco das previamente publicadas pela ASGE e ESGE em pacientes com MIG. A ASGE, no entanto, recomenda o seguimento para pacientes de risco aumentado por etnia ou história familiar. Recomenda ainda a suspensão do seguimento caso haja dois exames consecutivos sem displasia. A ESGE recomenda seguimento endoscópico a cada 3 anos em pacientes com gastrite atrófica avançada ou que tenham MIG em antro e corpo, e/ou OLGA III/IV. Sugere ainda àqueles que tenham história familiar associada a esses achados que considerem redução do intervalo para 1 ou 2 anos (recomendação fraca, evidências de baixa qualidade). 

Como se vê, as recomendações atuais nesse tema são muitas vezes imprecisas e dependem de fatores que dificultam a aplicação de regras uniformes e que tenham fortes evidências que as suportem. Nesse cenário, a visão individualizada e o exame cuidadoso ganham importância ainda maior na seleção dos pacientes que merecem cuidados especiais. Estar atento a dados clínicos, como a história familiar, e achados endoscópicos muitas vezes não valorizados em exames de rotina pode fazer a diferença na vida desses pacientes. 

Referências

  1. AGA Clinical Practice Guidelines on Management of Gastric Intestinal Metaplasia. Samir Gupta, Dan Li, Hashem B. El Serag, Perica Davitkov, Osama Altayar, Shahnaz Sultan, Yngve Falck-Ytter, Reem A. Mustafa. Gastroenterology. 2020 Feb; 158(3): 693–702. doi: 10.1053/j.gastro.2019.12.003
  2. Gastric Cancer: overview. Correa, P. Gastroenterol Clin N Am 42 (2013) 211–217. doi: 10.1016/j.gtc.2013.01.002

Leitura associada




Ressecção Endoscópica de Neoplasias Gástricas Sincrônicas

Caso Clínico

Paciente com 85 anos, em uso de anticoagulação plena (Eliquis) por histórico FA de alto risco tromboembólico, deu entrada no PS por quadro de melena há 2 dias.

Na avaliação inicial destacava-se: descorado 2+/4+, PA 98 x 56 mmHg, FC 98 bpm. Exames laboratoriais com Hb: 7,6 g/dL.

Solicitado endoscopia digestiva alta na urgência:

Observado da atrofia difusa da mucosa gástrica e lesão polipóide, séssil (Paris 0-Is), medindo 3,0 cm, localizada em parede posterior de corpo médio. Realizada biópsia que evidenciou adenoma com displasia de baixo grau.

Paciente foi tratado clinicamente com suspensão do anticoagulante, IBP, transfusão de hemáceas, sendo posteriormente encaminhado para nosso serviço para realização de ressecção endoscópica por técnica de dissecção submucosa (ESD).

Exame do procedimento

Durante o exame do procedimento, em contexto fora de sangramento agudo, foi observado duas lesões sincrônicas: a lesão polipóide descrita anteriormente e uma lesão plano-elevada (Paris 0-IIa), medindo 3,5 cm, também localizada em corpo proximal pela parede posterior:

Lesão polipóide: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade.
Lesão polipóide: Cromoendoscopia com índigo carmin e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade.

Lesão polipóide: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade
Lesão plano-elevada: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com perda e irregularidade do padrão de criptas.

Lesão plano-elevada: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com perda e irregularidade do padrão de criptas e capilar.

Ressecção endoscópica:

Optado por realizar a ressecção adicional em mesmo tempo da segunda lesão neoplásica, também por técnica de dissecção submucosa.

Fechamento do leito de ressecção

Como tratava-se de paciente idoso, com necessidade de retorno da anticoagulação o mais breve possível, optado pelo fechamento dos leitos de ressecção com coroa de endoloop e clipes:

Acompanhamento

Paciente evoluiu bem, com alta hospitalar no dia seguinte.

Resultado de anatomopatológico:

  1. Lesão polipóide: adenoma gástrico do tipo faveolar com diplasia de baixo grau, margens livres
  2. Lesão plano-elevada: adenocarcinoma tubular bem diferenciado intramucoso (invasão da muscular da mucosa), ausência de invasão angiolinfática, e margens livres



“Minority report” endoscópico. Manejo da acalásia de acordo com os achados da manometria de alta resolução. Revisão de conceitos em forma de mapa mental

Será que a aplicação dos novos conceitos da Classificação de Chicago  pode predizer o destino dos pacientes portadores de acalásia? Qualquer semelhança com o famoso filme pode não ser mera coincidência….

A manometria de alta resolução trouxe uma verdadeira revolução no diagnóstico dos transtornos da motilidade esofágica, tornando possível produzir uma espécie de mapa topográfico do peristaltismo esofágico, atribuindo cores para diferentes níveis de amplitude no esôfago e, dessa maneira, classificando a acalásia.

O objetivo do tratamento da acalásia é promover alívio da resistência na JEG (junção esôfagogástrica) e melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Não é possível reverter ou reabiliatr o distúrbio de contratilidade. Neste contexto conhecer o subtipo de acalásia além de melhorar nosso conhecimento em relação à doença, permite traçar uma estratégia de tratamento mais “personalizada” para cada caso.

Vários estudos têm demosntrado a equivalência entre a cirurgia de Heller, POEM e Dilatação Pneumática como modalidades terapêuticas. A escolha deve ser guiada pelas condições clínicas do paciente, expertise da equipe  e pelos achados da manometria de alta resolução, que são considerados os melhores preditores de resultado do tratamento.

A tabela à seguir mostra as modalidades para tratamento da acalásia disponíveis, suas vantagens e desvantagens.

 

TABELA. Modalidades de tratamento para Acalásia

O presente post mostra conceitos da Manometria de Alta Resolução e aponta as opções terapêuticas que podem ser adotadas para cada subtipo de acalásia. No final da leitura teremos um resumo em forma de mapa mental.

 

Inicialmente vale a pena resgatar alguns conceitos e tópicos importante relacionados ao manejo da acalásia:

  • Acalásia vem do grego a-Khalasis e significa perda do relaxamento. Caracteriza-se por um esfincter esofágico inferior espástico, que não relaxa e por uma perda da peristalse esofágica. É considerada uma doença rara, com incidência mundial estimada em 0.03 a 1.63 casos / 100 000 hab / ano e uma prevalência de 10 casos / 100 000 hab.
  • A Classificação de Chicago foi conceituada como uma abordagem padronizada para a interpretação de estudos clínicos de manometria de alta resolução. Ao adotar uma nomenclatura padronizada, métricas objetivas e uma estrutura baseada em princípios fisiológicos. A última revisão (versão 4.0) foi publicada em 2021. Em relação aos três subtipos de acalásia, os conceitos permanecem os mesmos da versão anterior (3.0, de 2015). Apesar disso ainda há muita dúvida em relação a qual conduta tomar frente aos achados da manometria em um pacientes portadores de acalásia na nossa prática diária.
  • Acalásia é definida quando temos IRP elevado e falha em 100% das contrações peristálticas. O achado de panpressurização esofágica define a acalasia tipo II. Em casos de acalasia tipo III temos além da elevação do IRP, as chamadas contrações prematuras (espasmos) definidas por DL < 4,5s e DCI > 450 mmHg.s.cm em mais de 20% das deglutições.
  • Obstrução ao fluxo da junção esofagogástrica: é uma condição que pode evoluir para acalásia ou representar uma espécie de variante da acalasia. Normalmente se relaciona a condições mais benignas e uso de opioides, compressões mecânicas, lesões subepiteliais, esofagite eosinofílica dentre outros. O diagnóstico ocorre quando a IRP está alterada, mas o paciente possui contrações peristálticas.
  • Motilidade esofágica ineficaz e esôfago hipercontrátil são outras condições que são descritas pela Manometria de Alta Resolução e não estão relacionadas com a acalásia. A Motilidade esofágica ineficaz é definida quando temos mais de 70% das contrações ineficazes ou fragmentadas.  Esôfago hipercontrátil ocorre quando temos mais de 20% das deglutições hipercontráteis. O Jackhammer (esôfago em britadeira) é considerado um subtipo de esôfago hipercontrátil, com contrações prolongadas repetitivas, deglutições hipercontráteis de pico único e deglutições hipercontráteis com uma vigorosa pós-contração do esfíncter inferior do esôfago.
  • Escore de Eckardt: apesar de ser amplamente usado na avaliação clínica dos pacientes, seu uso na avaliação pós tratamento ainda não é completamente validado, provavelmente pela subjetividade na descrição dos sintomas. De toda forma vários autores consideram que um escore de Eckardt > 3 ou uma redução de sintomas relatados < 50% são considerados falhas terapêuticas.

 

Agora que revisamos todos os conceitos importantes, segue um resumo do post em forma de mapa mental, um verdadeiro Minority Report da acalásia.

 

 

REFERÊNCIAS:

  1. Yadlapati R, Kahrilas PJ, Fox MR, Bredenoord AJ, Prakash Gyawali C, Roman S, et al. Esophageal motility disorders on high-resolution manometry: Chicago classification version 4.0©. Neurogastroenterol Motil 2021; 33(1):e14058. https://doi.org/10.1111/nmo.14058.
  2. Richter JE. Chicago Classification Version 4.0 and Its Impact on Current Clinical Practice. Gastroenterology & Hepatology 2021; 17(10): 468475.
  3. Herbella FAM, Schlottmann F and Patti MG. Pitfalls in the Interpretation of Chicago Classification for Esophageal Motility Disorders. J Neurogastroenterol Motil, 2021; 27(4): 513-7. https://doi.org/10.5056/jnm20058
  4. Mari A, Baker, FA, Pellicano R and Khoury T. Diagnosis and Management of Achalasia: Updates of the Last Two Years. J. Clin. Med. 2021, 10, 3607. https://doi.org/10.3390/jcm10163607.
  5. Swanstöm L. Achalasia; treatment, current status and future advances.  Korean J Intern Med 2019; 34:1173-1180. https://doi.org/10.3904/kjim.2018.439.

 

 




Quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?

Atualmente, existem vários tipos de balão intragástrico no mercado e em estudo. Os tipos de balão incluem os preenchidos com ar, líquido, os duplos, ajustáveis e deglutíveis.

Tipos de balão intragástrico

Tipos de balão intragástrico. Imagens divulgação.

Porém, nesta revisão, iremos abordar apenas os preenchidos com líquido e implantados por endoscopia, que são os mais usados no nosso meio.

O primeiro balão intragástrico disponível no Brasil foi o balão de líquido, que podia permanecer no estômago por um período de 6 meses. Esse balão foi por bastante tempo a única opção para os nossos pacientes. Com o passar do tempo, o balão de líquido ajustável para tratamentos com um ano de duração chegou ao mercado e, mais recentemente, o balão de 1 ano não ajustável.

Com um maior número de opções, surgiu a dúvida: quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?

Balões intragástricos colocados por endoscopia e preenchidos com líquido

Balões intragástricos colocados por endoscopia e preenchidos com líquido. Imagens divulgação.

Para tentar responder a essa pergunta, realizei uma breve revisão de literatura comparando os balões em relação a vários fatores, incluindo custo, volume, resultados, tempo de permanência, ajuste e complicações.

Vamos lá!

Existe diferença no preço dos balões?

O valor pago pelo balão pode variar bastante dependendo da região, do número de balões comprados e da relação do médico com a empresa fornecedora. Porém o balão de seis meses tende a ter um preço mais baixo quando comparado com o balão de um ano ajustável e não ajustável.

O volume de preenchimento faz diferença?

Não existe diferença no volume de preenchimento entre os três tipos de balão intragástrico comparados. Os três sugerem em bula um preenchimento de, pelo menos, 400 ml e, no máximo, 700 ml. Sabemos que os balões toleram volumes maiores, mas seu uso é off label.

Em relação ao volume, vale a pena citar uma meta-análise publicada em 2017 que avaliou 5549 pacientes com balões preenchidos com volumes variando de 400 a 700 ml (1). Por incrível que pareça, não houve associação entre maiores volumes de preenchimento do balão com maiores perdas de peso. O que se observou foi que balões com menos de 600 ml apresentavam uma maior taxa de impactação antral e refluxo quando comparados com balões acima desse volume, sem diferença nas outras complicações. Com isso, o estudo sugeriu que o volume utilizado para o preenchimento do balão intragástrico deve ser entre 600 e 650 ml.

O tempo de permanência faz diferença na perda de peso?

Com o lançamento do balão para tratamento de um ano de duração, houve uma grande expectativa em relação aos seus resultados. Será que os pacientes continuariam perdendo peso após os 6 meses? Vários estudos foram realizados comparando a perda de peso entre os tratamento de seis meses e um ano de duração (2-8).

Os resultados variam um pouco, com alguns estudos mostrando perdas discretamente melhores para o tratamento de 6 meses e outros para o de um ano, mas, na média, não existe diferença significativa na perda de peso máxima entre os dois tratamentos. Os resultados são semelhantes e variam entre 13 e 20% de perda de peso total.

E no reganho de peso? Existe diferença em relação ao tempo de permanência do balão?

Um estudo muito interessante publicado por Russo et al (6) avaliou prospectivamente dois grupos de pacientes após removerem o balão intragástrico. Um grupo que utilizou o balão de 6 meses e um grupo que utilizou o balão de um ano. No momento da remoção, os dois grupos haviam apresentado a mesma média de perda de peso (20 kg + 3). Os grupos foram acompanhados por 9 meses, e o reganho de peso após a remoção foi semelhante entre os dois grupos, como pode ser observado na tabela abaixo.

Tabela l. Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Tabela l. Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Tabela l.  Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Apesar disso, o balão de 1 ano apresenta uma vantagem muito interessante em relação ao balão de seis meses. O reganho de peso começa 6 meses depois quando comparado com o balão semestral, dando um maior tempo para o paciente se adaptar aos hábitos mais saudáveis.

Ajuste para aumentar o balão faz diferença?

A possibilidade de ajustar o balão também foi uma novidade muito esperada, e acreditava-se que poderia fazer uma grande diferença quando o paciente atingisse o platô de perda de peso.

Fittipaldi-Fernandes et al publicaram um estudo prospectivo randomizado muito interessante avaliando esse tema. Eles estudaram 180 pacientes. Um grupo no qual o balão foi preenchido com 600 ml e mantido durante um ano e outro grupo no qual o balão foi preenchido com 600 ml e após 6 meses reajustado com mais 250 ml. O grupo que foi ajustado apresentou uma perda média de 4,35 kg a mais do que o grupo não ajustado, mas sem diferença estatística na porcentagem de perda de peso total, na perda de excesso de peso ou no IMC (9).

Isso ocorre porque os pacientes que não perdem peso inicialmente com o balão (em torno de 8% dos pacientes) não costumam responder com o aumento do volume do balão. Esses casos são mais bem manejados com medicações para perda de peso. Os pacientes que mantêm sensação de saciedade e perdendo bem peso também não se beneficiam muito com os ajustes. Talvez, o grupo que mais tenha resultado são os pacientes que apresentaram uma boa perda de peso e queixam de perda da saciedade (10).

Importante lembrar também que ajustes com volume muito baixo não são efetivos nem, muitas vezes, notados pelos pacientes. Se um ajuste para mais for realizado, ele deve ser de no mínimo 150 ml.

Aqui, sim, em minha opinião, é a maior vantagem do balão ajustável. De acordo com dados do Consenso Brasileiro de Balão Intragástrico, que avaliou mais de 40.000 casos, a incidência de intolerância ao balão é de 2,2%. Além disso, há mais 0,9% dos pacientes que apresentam a hiperinsuflação espontânea do balão (11).

Se essas complicações ocorrerem com um balão não ajustável, o único tratamento possível é a remoção do balão. Quem trabalha com balão sabe que a interrupção precoce do tratamento é sempre uma grande dor de cabeça com queixas e questionamentos dos pacientes.

Se isso ocorrer com um balão ajustável, é possível resolver a complicação sem necessitar remoção e interrupção do tratamento. No caso de intolerância, o balão deve ser esvaziado até perder o seu formato esférico. Isso ocorre com volumes próximos ou um pouco menores do que 400 ml. No caso da hiperinsuflação, o balão deve ser esvaziado completamente e reenchido com um novo líquido. Sempre importante orientar o paciente que a hiperinsuflação pode ocorrer novamente.

Imagem de radiografia de abdome demonstrando balão hiperinsuflado com nível líquido

Imagem de radiografia de abdome demonstrando balão hiperinsuflado com nível líquido.

Complicações! Existe diferença na taxa de complicações entre os balões?

O Consenso Brasileiro de Balão Intragástrico (11) avaliou as complicações entre os diferentes tipos de balão. Não existe diferença significativa na taxa de incidência de hiperinsuflação, esvaziamento espontâneo, migração e perfuração no implante e explante.

Em relação às úlceras gástricas, o balão ajustável tem uma taxa de incidência de 5,7%, enquanto os outros balões apresentam taxas de apenas 0,4%. Dentre esses pacientes com úlcera no balão ajustável, 0,6% necessita interromper o tratamento. A maior incidência de úlceras com o balão ajustável está relacionada à presença do cateter de ajuste.

Úlcera pós balão intragástrico

Úlcera pós-balão intragástrico.

Enfim, quando usar cada tipo de balão?

Importante ressaltar que não existe contraindicação de nenhum dos tipos de balão para algum tipo específico de paciente, desde que as indicações e contraindicações do método sejam respeitadas.

Mas algumas sugestões podem ser feitas, sem nenhum critério de obrigatoriedade.

  • Pacientes preocupados com o custo do tratamento podem utilizar o balão mais barato;
  • Pacientes que precisam perder pouco peso ou que têm uma data para terminar o tratamento (algumas vezes um evento ou uma cirurgia que exigia perder peso para realizar) podem se beneficiar do tratamento mais curto – 6 meses;
  • Pacientes mais pesados ou com obesidade mais crônica: um tratamento mais longo é interessante;
  • Pacientes que moram longe ou que têm maior dificuldade para retornar para reavaliações: um balão com menor taxa de incidência de úlceras pode ser indicado;
  • Para aqueles pacientes que têm um maior risco de intolerância, como, por exemplo, pacientes colocando o seu segundo balão, a possibilidade de ajuste para reduzir o balão é importante.

Esses são alguns exemplos de situações em que um balão pode ser mais vantajoso do que os outros. Claro que nada disso é lei, como já escrevi, são apenas sugestões. Espero que esta revisão tenha sido útil.

Você também pode contribuir nos comentários com a sua opinião e experiência! Quando usa cada tipo de balão? Concorda com as sugestões acima? Conte para nós!

Para saber mais sobre este tema e outros relacionados, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Como citar este artigo

Orso IRB. Quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: http://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/quando-e-para-quem-indicar-cada-tipo-de-balao-intragastrico/

Referências

  1. Nitin Kumar et al. The Influence of the Orbera Intragastric Balloon Filling Volumes on Weight Loss, Tolerability, and Adverse Events: a Systematic Review and Meta-Analysis. OBES SURG. DOI 10.1007/s11695-017-2636-3. 2017
  2. Eisa Lari , Waleed Burhamah, Ali Lari, Talal Alsaeed, Khalid Al-Yaqout, Salman Al-Sabah. Intragastric balloons – The past, present and future. Annals of Medicine and Surgery. 2021.
  3. Seong Ji Choi and Hyuk Soon Choi. Various Intragastric Balloons Under Clinical Investigation. Clin Endosc 2018.
  4. Alfredo Genco, Daniela Dellepiane, Giovanni Baglio et al. Adjustable Intragastric Balloon vs Non-Adjustable Intragastric Balloon: Case–Control Study on Complications, Tolerance, and Efficacy. OBES SURG. 2013.
  5. Maíra L SCHWAAB1, Eduardo N USUY JR2, Maurício M de ALBUQUERQUE1, Daniel Medeiros MOREIRA1,
    Victor O DEROSSI1 and Renata T USUY2Assessment of weight loss after non-adjustable and adjustable intragastric balloon use. Arq Gastroenterol 2020.
  6. Teresa Russo a, Giovanni Aprea a, Cesare Formisano a, Simona Ruggiero a, Gennaro Quarto a, Raffaele Serra b, Guido Massa a, Luigi Sivero. BioEnterics Intragastric Balloon (BIB) versus Spatz Adjustable BalloonSystem (ABS): Our experience in the elderly. International Journal of Surgery. 2016.
  7. Vitor O. Brunaldi, Manoel Galvao Neto. Endoscopic techniques for weight loss and treating metabolic syndrome. Current opinion Gastroenterology. 2019.
  8. Diogo Moura, Joel Oliveira, Eduardo G.H. De Moura, Wanderlei Bernardo, Manuel Galvão Neto, Josemberg Campos, Violeta B. Popov, Cristopher Thompson. Effectiveness of Intragastric Balloon for Obesity: A
    Systematic Review and Meta-Analysis Based on Randomized Control Trials. Surgery for Obesity and Related Diseases. 2015.
  9. Ricardo José Fittipaldi-Fernandez, Idiberto José Zotarelli-Filho, Cristina Fajardo Diestel, Márcia Regina Simas Torres Klein, Marcelo Falcão de Santana, João Henrique Felicio de Lima, Fernando Santos Silva Bastos, Newton Teixeira dos Santos. Randomized Prospective Clinical Study of Spatz3® Adjustable Intragastric Balloon Treatment with a Control Group: a Large-Scale Brazilian Experiment. Obesity Surgery. 2020.
  10. Books J. One-Year Adjustable Intragastric Balloons: Do They Offer More than Two Consecutive Nonadjustable
    6-Month Balloons? Obesity Surgery. 2013.
  11. ManoelGalvao Neto, Lyz Bezerra Silva, EduardoGrecco, LuizGustavodeQuadros, André Teixeira, Thiago Souza, JimiScarparo, ArturA.Parad a, RicardoDib, Josemberg Campos, RenaMoon. Brazilian Intragastric Balloon Consensus Statement (BIBC): practical guidelines based on experience of over 40,000 cases. SOARD. 2017.

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