Uso da Terapia Endoscópica a Vácuo no Manejo de Fístula Esofágica Pós-Tireoidectomia

Relato de Caso

Paciente masculino, 46 anos, natural de Arapiraca-AL, apresentou queixa de massa cervical volumosa, rouquidão e discreta disfagia, com piora recente. Os sintomas tiveram início há três anos. Foi diagnosticado com tumoração na tireoide, sendo confirmada, por citologia aspirativa com agulha fina, a presença de carcinoma medular em estágio avançado, associado a linfonodomegalia e paralisia do nervo laríngeo recorrente direito.

O paciente foi submetido a uma tireoidectomia total com esvaziamento cervical bilateral em sua cidade de origem. Durante a cirurgia, houve lesão do esôfago cervical, prontamente reparada com rafia. Para monitoramento no pós-operatório, optou-se pela colocação de um dreno tubular, além da passagem de uma sonda nasoenteral (SNE) para alimentação precoce. No sétimo dia de pós-operatório, o paciente apresentou dor e inchaço cervical, associados a febre e deterioração do estado geral. Um teste oral com azul de metileno evidenciou extravasamento de conteúdo pelo dreno cervical. O paciente foi transferido para um hospital terciário de referência em Maceió, onde foi internado na UTI geral. Uma endoscopia à beira do leito identificou uma fístula esofagotorácica localizada abaixo do cricofaríngeo, no esôfago proximal, comunicando-se com a cavidade torácica facilmente acessada com o endoscópio.

Figura 1: cavidade por visão endoscópica.

A cavidade apresentava exsudato espesso e amarelado, aderente às superfícies e com contaminação grosseira por saliva e debris, vistos no vídeo e fotos a seguir:



Figura 2: cavidade com exsudato espesso e amarelado.

Figura 3: O ápice pulmonar direito foi visualizado.

Realizou-se uma toalete cavitária com soro fisiológico 0,9%, seguida pela instalação de um sistema de terapia a vácuo (técnica modificada) com sonda nasogástrica Nº 18. Após a primeira troca, observou-se melhora significativa do quadro clínico e laboratorial, permitindo a alta da UTI para a enfermaria após o terceiro dia de terapia com pressão negativa.

Na terceira troca, era evidente a melhora na contaminação e redução do tamanho da cavidade, que se encontrava recoberta por tecido de granulação. A evolução endoscópica positiva acompanhou-se de uma melhora clínica significativa do paciente, que permaneceu estável e sem sinais de septicemia.



Vídeo de evolução após a terceira troca.



Vídeo de evolução após a quarta troca.



Vídeo de evolução após a sexta troca.

Foram necessárias seis trocas do sistema à vácuo, realizados semanalmente até o fechamento completo da cavidade e resolução em definitivo da fístula.

O relatório patológico descreve: carcinoma medular da tireoide, tumor que mede 4 x 3,3 cm (classificação de estadiamento pT3b pN1b M0). Houve invasão linfática (8 de 10 linfonodos).

Discussão

A perfuração e o extravasamento de conteúdo esofágico são condições graves e potencialmente fatais, frequentemente levando ao desenvolvimento de sepse, com uma taxa de mortalidade variando entre 12% e 50%. O prognóstico piora significativamente com o atraso no início do tratamento: a mortalidade aumenta de 7,4% para 20,3% quando a intervenção ocorre após 24 horas do evento, ressaltando a importância crítica da identificação e intervenção precoces.

A perfuração do esôfago cervical é comumente associada a complicações decorrentes de procedimentos esofágicos ou intubação traqueal. A alta mortalidade relacionada a essa condição deve-se à anatomia do esôfago proximal, que facilita o acesso de bactérias e enzimas digestivas ao mediastino, levando ao desenvolvimento de uma condição grave, a mediastinite, além de empiema, sepse e síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.

Diversos tratamentos para perfurações esofágicas são descritos na literatura, mas ainda não há um procedimento considerado padrão-ouro. As abordagens podem ser conservadoras ou cirúrgicas. A abordagem conservadora inclui antibioticoterapia, nutrição parenteral e drenagem torácica, sendo indicada para pacientes selecionados com perfurações bem contidas, contaminação mínima e sem sinais de obstrução ou sepse. Já a abordagem cirúrgica pode variar desde rafia primária até esofagectomia com reconstrução imediata ou tardia do trato gastrointestinal, além de drenagem extensa do mediastino. Ambos os tratamentos visam prevenir a disseminação de conteúdo para o mediastino, eliminar e controlar a infecção, manter o estado nutricional do paciente e assegurar a integridade e continuidade do trato digestivo. O diagnóstico e a intervenção imediatos permanecem de importância vital.

A tireoidectomia (total ou parcial) é o tratamento de escolha para neoplasias da tireoide, sendo as principais complicações o hematoma cervical, hipoparatireoidismo transitório e lesão do nervo laríngeo recorrente. A perfuração inadvertida do esôfago é uma complicação rara. Devido à raridade desse evento, há escassez de dados na literatura, o que torna seu manejo mais desafiador.

Nesse contexto, novas terapias têm emergido e ganhado popularidade, como o uso de endoclipes e stents metálicos. Em 2003, a terapia endoscópica a vácuo (EVT) surgiu como uma alternativa, inicialmente empregada para o fechamento de fístulas de anastomose em cirurgias retais. A terapia endoscópica assistida por vácuo para fechamento de vazamentos de anastomose foi desenvolvida para superar as limitações do tratamento convencional não cirúrgico.

O fechamento de feridas cirúrgicas com pressão negativa é uma modalidade terapêutica bem estabelecida e amplamente utilizada desde 1997 para o tratamento de lesões abertas crônicas. Esse método é aplicado em diversas especialidades, como cirurgia geral, ortopedia, plástica e vascular. O procedimento consiste em selar o sítio cirúrgico com um adesivo e aplicar pressão subatmosférica. O aumento da vascularização aliado à redução da colonização bacteriana são fatores essenciais para o sucesso dessa terapia, acelerando a reparação da ferida e preparando o leito até sua cobertura definitiva por meio de diversos métodos de reconstrução tecidual.

Na EVT, o objetivo é criar um ambiente com pressão negativa que estimula o crescimento de tecido de granulação, preenchendo a cavidade e reduzindo a presença de fibrina e tecido necrótico. Esse preenchimento contínuo da cavidade com tecido de granulação resulta em uma diminuição progressiva do diâmetro e profundidade da cavidade durante as sessões subsequentes, promovendo o fechamento do defeito transmural e acelerando a cicatrização.

Um estudo de Luttikhold et al., multicêntrico realizado em cinco hospitais de três países europeus, avaliou o sucesso do fechamento de perfurações esofágicas com EVT, alcançando uma taxa de 89%. As indicações para o uso da EVT no trato gastrointestinal incluem defeitos transmurais agudos, precoces e crônicos da parede esofágica e da junção esofagogástrica. Há evidências publicadas de sucesso no fechamento de vazamentos em linhas de sutura após ressecções oncológicas e procedimentos bariátricos, além de perfurações iatrogênicas e rupturas espontâneas. A duração média do tratamento até o fechamento completo varia entre 11 e 28 dias, sendo o intervalo de troca do dispositivo um fator crucial para o sucesso da terapia.

A técnica da esponja modificada, confeccionada com sonda nasogástrica, gaze e adesivo antimicrobiano, é uma abordagem segura e relativamente simples, que se apresenta como uma alternativa eficaz para o manejo de defeitos do trato gastrointestinal. O EVT modificado é de fácil inserção e permite intervalos maiores entre as trocas do sistema. Sua relação custo-efetividade tem o potencial de expandir seu uso, democratizando o acesso à técnica e impactando significativamente o tratamento de casos desafiadores, contribuindo para desfechos mais favoráveis.

REFERÊNCIAS

  1. Esophageal fistula complicating thyroid lobectomy. Nicholas D. Ward, Cortney Y. Lee, James T. Lee, and David A. Sloan. Journal of surgical case reports (JSCR), Jan 2015;
  2. Cost-effective modified endoscopic vacuum therapy for the treatment of gastrointestinal transmural defects: step-by-step process of manufacturing and its advantages. Moura, Diogo et al. VIDEOGIE, Volume 6, No. Dec. 2021;
  3. Current treatment and outcome of esophageal perforations in adults: systematic review and meta-analysis of 75 studies. Biancari F, D’Andrea V,  Paone R, Di Marco C,  Savino G, Koivukangas V, Saarnio J, Lucenteforte E. World J Surg. Fev 2013;
  4. Endoscopic vacuum therapy in the upper gastrointestinal tract: when and how to use it. Gutschow CA, Schlag C, Vetter D. Langenbecks Arch Surg. May 2022;
  5. Endoluminal vacuum-assisted closure (E-Vac) therapy for postoperative esophageal fistula: successful case series and literature review. Rubicondo C, Lovece A, Pinelli D, Indriolo A, Lucianetti A, Colledan M. World Journal Surgical Oncology. Nov. 2020;
  6. The use of endoluminal vacuum (E-Vac) therapy in the management of upper gastrointestinal leaks and perforation. Nathan R. Smallwood,   James W. Fleshman,   Steven G. Leeds &   J. S. Burdick. Surgical endoscopy. Set 2015;
  7. Endoscopic vacuum therapy for esophageal perforation: a multicenter retrospective cohort study. Luttikhold J, Pattynama LMD, Seewald S, Groth S, Morell BK, Gutschow CA, Ida S, Nilsson M, Eshuis WJ, Pouw RE. Endoscopy. Sep. 2023.



Quiz! Caso Clínico

Colaboração: Marcelo Fialho Roman, Luiz Carlos Pereira Bin

Paciente feminina, 73 anos, tabagista, HAS, insuficiência cardíaca (IC), estenose aórtica moderada/grave.

Medicações em uso: de Enalapril 20mg, Hidroclorotiazida 25mg, AAS 100mg, Sinvastatina 40mg.

Durante internação, por IC descompensada, apresentou 3 episódios de melena. Não houve instabilidade hemodinâmica. Houve necessidade de transfusão de 1 unidade de hemoconcentrado.

Exames laboratoriais (antes da transfusão): Hb: 8,7| Ht: 27 | Leu: 7.500 sem desvios | Cr: 1,0 | Ur: 39 | Na 136 | K 3,5 e demais exames sem particularidades

EDA: gastrite antral erosiva plana leve; UREASE negativa

Realizou preparo anterógrado com manitol, em que foram evidenciadas:




Você já ouviu falar sobre a Escala de Aldrete?

Os procedimentos de endoscopia são realizados sob sedação venosa, salvo raras exceções, com uma série de recomendações a respeito da segurança do paciente durante a sedação (clique aqui para Sete passos para anestesia segura em procedimentos endoscópicos). E o que acontece depois do exame? Após a sedação, como avaliar objetivamente quando o paciente está realmente apto a sair da sala de exame e do consultório?

Foram desenvolvidas algumas escalas para avaliar parâmetros clínicos do paciente que permitam liberar o mesmo com segurança após anestesia, seja ela local, loco-regional, sedação ou anestesia geral.  

A escala de Aldrete e Kroulik foi desenvolvida em 1970 com o objetivo de determinar condições de alta após anestesia através da avaliação de cinco parâmetros simples: atividade motora, respiração, nível de consciência, pressão arterial e coloração da pele/leito ungueal (avaliação de hipoxemia). Em 1995 os mesmos autores modificaram a escala substituindo a avaliação subjetiva de hipoxemia por dados da oximetria de pulso. Vide critérios a seguir:

  1. Atividade motora
    Movimenta os quatro membros – 2 pontos
    Movimenta dois membros – 1 ponto
    Não move os membros – 0 pontos
  2. Respiração
    Capaz de respirar profundamente – 2 pontos
    Dispneia / limitação à respiração – 1 ponto
    Apneia – 0 pontos
  3. Nível de consciência
    Completamente acordado – 2 pontos
    Desperta ao chamado – 1 ponto
    Não responde – 0 pontos
  4. Circulação –  pressão arterial
    Pressão arterial (PA) até 20% do nível pré-anestésico – 2 pontos
    PA em 20-49% do nível pré anestésico – 1 ponto
    PA em 50% nível pré anestésico – 0 pontos
  5. Saturação de oxigênio
    Mantém saturação de oxigênio (SO2) > 92% em ar ambiente – 2 pontos
    Mantém SO2 >90% com oxigênio suplementar – 1 ponto
    Mantém SO2 <90% com oxigênio suplementar – 0 pontos

Cada parâmetro avaliado varia de 0 a 2 pontos, totalizando uma pontuação máxima de 10 na escala, sendo considerado como critério de alta um escore de 9 ou 10. Pacientes que estão com pontuação de 8 ou menos precisam de maior monitorização e possivelmente cuidados, intervenções de acordo com a necessidade como uso de cateter de oxigênio, expansão volêmica, drogas vasopressoras, uso de antagonistas como flumazenil.

A escala é objetiva, envolvendo parâmetros facilmente mensuráveis, rápida, sem trazer gastos, sendo utilizada regularmente nas salas de recuperação anestésica para determinar critérios de alta após sedação ou anestesia geral. Embora a escala possa ser aplicada por qualquer profissional de saúde que receba treinamento, a interpretação e tomada de decisão sobre a alta do paciente é de responsabilidade do médico.

Foi criada também a Escala de Aldrete para procedimentos ambulatoriais incluindo todos os cinco parâmetros da escala modificada e adicionando outros quatro parâmetros: sangramento (aspecto curativo), deambulação, alimentação, micção espontânea. O paciente é considerado apto para alta quando atinge um escore de 18 ou mais nesta escala.

  1. Atividade motora
    Movimenta os quatro membros – 2 pontos
    Movimenta dois membros – 1 ponto
    Não move os membros – 0 pontos
  2. Respiração
    Capaz de respirar profundamente – 2 pontos
    Dispneia / limitação à respiração – 1 ponto
    Apneia – 0 pontos
  3. Nível de consciência
    Completamente acordado – 2 pontos
    Desperta ao chamado – 1 ponto
    Não responde – 0 pontos
  4. Circulação –  pressão arterial
    Pressão arterial (PA) até 20% do nível pré-anestésico – 2 pontos
    PA em 20-49% do nível pré anestésico – 1 ponto
    PA em 50% nível pré anestésico – 0 pontos
  5. Saturação de oxigênio
    Mantém saturação de oxigênio (SO2) > 92% em ar ambiente – 2 pontos
    Mantém SO2 >90% com oxigênio suplementar – 1 ponto
    Mantém SO2 <90% com oxigênio suplementar – 0 pontos
  6. Curativo
    Limpo e seco – 2 pontos
    Molhado porém sem expandir – 1 ponto
    Molhado, expandindo – 0 pontos
  7. Deambulação
    Fica em pé e anda em linha reta – 2 pontos
    Tontura quando em pé – 1 ponto
    Tontura em posição supina – 0 pontos
  8. Alimentação
    Apto a tomar líquidos – 2 pontos
    Nauseado – 1 ponto
    Vômitos – 0 pontos
  9. Micção espontânea
    É capaz de urinar – 2 pontos
    Não urina mas está confortável – 1 ponto
    Não urina e sente desconforto – 0 pontos

Uma outra escala também é muito utilizada para avaliar a alta do paciente é a Modified Post-Anaesthetic Discharge Scoring System (MPADSS) que se destaca por incluir a avaliação da dor nos critérios de alta.

  1. Sinais vitais
    Frequência cardíaca e pressão arterial variando até 20% do nível pré-anestésico – 2
    Frequência cardíaca e pressão arterial entre 20% e 40% do nível pré-anestésico – 1
    Frequência cardíaca e pressão arterial com mais de 40% do nível pré-anestésico – 0
  2. Atividade
    Marcha adequada, sem tonturas ou nível similar ao pré anestésico – 2
    Necessita de assistência para deambular – 1
    Não deambula – 0 
  3. Náuseas e vômitos
    Sem queixas/ queixas mínimas controladas com medicação oral -2
    Queixa moderada tratada com medicação venosa – 1
    Queixas intensas ou contínuas apesar do tratamento – 0
  4. Dor
    Ausente ou mínima (escala visual analógica [VAS] =0-3) – 2
    Moderada (VAS= 4-6) – 1
    Intensa (VAS= 7-10) – 0
  5. Sangramento
    Ausente ou mínimo – 2
    Moderado (1 episódio de hematêmese ou sangramento retal) – 1
    Severo (2 ou mais episódios de hematêmese ou sangramento retal) – 0

Nesta escala o paciente é considerado apto para alta quando atinge escore igual ou superior a 9 em duas medidas consecutivas.

Foi realizada uma comparação entre a escala de Aldrete modificada e a MPADSS em publicação envolvendo 120 pacientes em cada grupo, em pacientes submetidos a endoscopia ambulatorial sob sedação venosa. Houve maior percentagem de pacientes considerados recuperados dentro da primeira hora pós sedação no grupo avaliado pela escala de Aldrete (42,5% vs 25%, p<0,01) embora a taxa de pacientes com sonolência no momento da alta tenha sido maior (19,1% vs 5%, p<0,01); não houve diferença significativa na taxa de efeitos adversos nas primeiras 24h entre ambos grupos.

É importante respeitar todas as etapas para a realização de uma endoscopia segura, não esquecendo da relevância em avaliar as condições de alta do paciente, algo que se torna mais fácil com auxílio de escalas objetivas como as citadas.

Referências

  1. Yamaguchi D, Morisaki T, Sakata Y, Mizuta Y, Nagatsuma G, Inoue S, Shimakura A, Jubashi A, Takeuchi Y, Ikeda K, Tanaka Y, Yoshioka W, Hino N, Ario K, Tsunada S, Esaki M. Usefulness of discharge standards in outpatients undergoing sedative endoscopy: a propensity score-matched study of the modified post-anesthetic discharge scoring system and the modified Aldrete score. BMC Gastroenterol. 2022 Nov 4;22(1):445.
  2. Trevisani L, Cifalà V, Gilli G, Matarese V, Zelante A, Sartori S. Post-Anaesthetic Discharge Scoring System to assess patient recovery and discharge after colonoscopy. World J Gastrointest Endosc. 2013 Oct 16;5(10):502-7.
  3. Oliveira Filho GR. Rotinas de cuidados pós-anestésicos de anestesiologistas brasileiros [Postanesthetic routines of Brazilian anesthesiologists]. Rev Bras Anestesiol. 2003 Aug;53(4):518-34.

Como citar este artigo

Ferreira F. Você já ouviu falar sobre a Escala de Aldrete? Endoscopia Terapeutica, 2024 vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/voce-ja-ouviu-falar-sobre-a-escala-de-aldrete/




Pólipos Hiperplásicos na Endoscopia – Risco de Neoplasia, Conduta e Recidiva

Os pólipos gástricos são achados comuns, estando presente em 0,5% a 23% das endoscopias digestivas altas (1). A incidência de cada tipo histológico é variável de acordo com a população estuda, sendo os pólipos de glândulas fúndicas e os hiperplásicos os mais comuns. Um estudo feito no Brasil (2) mostrou que os pólipos hiperplásicos são os mais prevalentes, correspondendo a 71,3% dos pólipos, enquanto nos Estados Unidos (3) os de glândulas fúndicas são os mais comuns, representando 77%.

Os pólipos hiperplásicos são mais frequentes na sexta ou sétima décadas de vida, com uma questionável predominância no sexo feminino (4). Sua etiologia está geralmente associada a uma regeneração exacerbada da mucosa secundária a agressão contínua. Dessa forma, existe uma forte associação entre o pólipo hiperplásico e a presença de infeção pelo H. pylori, gastrite crônica, gastrite autoimune, metaplasia intestinal, gastropatia química, cirrose hepática e pós-terapia hemostática de angiectasias gástricas (4,5). Na maioria dos casos são assintomáticos no entanto, podem causar anemia, hemorragia digestiva ou até dificuldade do esvaziamento gástrico.

Tipicamente eles são solitários, menores que 20 mm e localizados no antro (60%) (4), vide figuras 1 a 3. Múltiplos pólipos podem estar presentes em até 20% dos casos (4). Geralmente são sésseis, com superfície lisa ou discretamente lobulada, friáveis e hiperemiados. No entanto podem crescer e atingir tamanhos maiores que 100 mm, associado a erosões ou úlceras superficiais em sua superfície.

Figura 1: pólipo hiperplásico em antro.
Figura 2: pólipo hiperplásico intruso no piloro.
Figura 3: pólipo hiperplásico extruindo do piloro.

Risco de malignização

A presença de displasia ou malignidade pode ocorrer em 1,9% a 10,4% dos pólipos hiperplásicos (6). No entanto essa prevalência pode variar de acordo com a população. Em pacientes asiáticos a displasia pode ocorrer em 1,4% a 16,4% dos casos e malignidade em 1,1% a 4,4%. Já em pacientes ocidentais a displasia pode acontecer em 3,3% a 9,7% dos casos e a malignidade em 0,6% a 2,1% (7).

O principal fator de risco para a presença de displasia ou malignidade é o tamanho do pólipo, especialmente aqueles maiores que 25 mm (5,8). Outros fatores que podem estar associados são: idade maior que 65 anos, presença de metaplasia intestinal e displasia na mucosa adjacente (5,8).

Conduta

A Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal (ASGE) recomenda a ressecção de todos os pólipos hiperplásicos maiores que 5 mm (9), enquanto o guideline britânico recomenda a retirada daqueles maiores que 10 mm (10). Outras indicações seriam a presença de displasia à biópsia ou pólipos sintomáticos (11).

A pesquisa de H. pylori é fundamental nesses casos, uma vez que existe uma associação entre a presença do pólipo hiperplásico e a infecção pelo H. pylori, que pode chegar a até 37% (4,8). Além disso, a erradicação da bactéria pode promover a regressão do pólipo em até 84% dos casos, especialmente dos pólipos menores, e parece reduzir as taxas de recidiva pós-ressecção (12).

Um exame cuidadoso do restante do estômago também é muito importante, pois esses pacientes apresentam outras alterações que predispõe ao câncer gástrico, como atrofia gástrica e metaplasia intestinal. A taxa de lesões malignas sincrônicas pode chegar a 7,1% (11).

O seguimento endoscópico ainda não está bem estabelecido. Recomenda-se repetir a endoscopia digestiva alta em 12 meses, especialmente naqueles pacientes que apresentaram displasia (11).

Recidiva

Os pólipos hiperplásicos apresentam altas taxas recidiva, mesmo quando ressecados em monobloco (R0), podendo variar de 12% a 51% (6,8).  O tempo médio para o diagnóstico da recorrência é entre 1 e 2 anos e não necessariamente estão associados a riscos maiores de displasia ou malignidade (5,12).

O mecanismo pelo qual ela acontece ainda não está bem estabelecido. Aparentemente a técnica de ressecção, seja mucosectomia ou dissecção endoscópica de submucosa não tem relação a recidiva. A infecção pelo H. pylori, conforme descrito anteriormente, parece ter uma associação tanto com o surgimento do pólipo quanto com a sua recidiva após a ressecção (12). Portanto seu tratamento deve ser sempre tentado. A localização no antro também se relaciona a uma maior recorrência, acredita-se que pela maior contratilidade local e um provável refluxo biliar (6). Outros fatores que podem estar associados são: pólipos grandes (maiores que 16 mm), múltiplos, superfície lobulada, idade menor que 65 anos e presença de cirrose (5,6).

Conclusão

Os pólipos hiperplásicos são achados relativamente comuns em endoscopias digestivas altas do dia a dia. Geralmente são pequenos e assintomáticos. No entanto, devido ao risco de displasia e malignidade, mesmo que pequeno, eles devem ser ressecados, principalmente quando maiores que 10 mm. Deve-se dar atenção especial para a pesquisa de H. pylori e de outras entidades que podem estar associadas como gastrite, atrofia e metaplasia. Apesar de altas taxas de recidiva, ainda não está bem estabelecido nenhum protocolo de seguimento.

Referencias

  1. Yacoub H, Bibani N, Sabbah M, et al. Gastric polyps: a 10-year analys of 18,496 upper endoscopies. BMC Gastroentereol. 2022;22:70.
  2. Morais DJ, Yamanaka A, Zeitume JM et al. Gastric polyps: a retrospective analys of 26,000 digestives endoscopies. Arq Gastroenterol. 2007;44:14-7.
  3. Carmack SW, Genta RM, Schuler CM et al. Am J Gastroenterol. 2009;104:1524-1532.
  4. Kovari B, Kim BH, Lauwers GY. The pathology of gastric and duodenal polyps: current concepts. Histopathology. 2021;78:106-124.
  5. Forté E, Petit B, Walter T, et al. Risk of neoplastic change in large gastric hyperplastic polyps and recurrence after endoscopic resection. Endoscopy. 2020;52:444-453.
  6. Kim Y, Kang S, Ahn J, et al. Risk factors associated with recurrence of gastric hyperplastic polyps: a single-center, long-term, retrospective cohort study. Surgical Endoscopy. 2023;37:7563-7572.
  7. Bar N, Kinaani F, Sperber AD, et al. Low Risk of Neoplasia and Intraprocedural Adverse Events in Gastric Hyperplastic Polypectomy. J Clin Gastroenterol. 2021;55:851-855.
  8. João M, Areia M, Alves S, et al. Gastric Hyperplastic Polyps: A Benign Entity? Analys of Recurrence and Neoplastic Transformation in a Cohort Study. GE Port J Gastroenterol. 2021;28:328-335.
  9. Evans JA, Chandrasekhara V, Chathadi KV et al. The role of endoscopy in the management of premalignant and malignant conditions of the stomach. Gastrointest Endosc. 2015;82:1-8.
  10. Banks M, Graham D, Jansen M et al. British Society of Gastroenterology guidelines on the diagnosis and management of patients at risk of gastric adenocarcinoma. Gut. 2019;68:1545-1575.
  11. Cheesman AR, Greenwald DA, Shah SC. Current Management of Benign Epithelial Gastric Polyps. Curr Treat Options Gastro. 2017;15:676-690.
  12. Cho YS, Nam SY, Moon HS et al. Helicobacter pylori eradication reduces risk for recurrence of gastric hyperplastic polyp after endoscopic resection. Korean J Intern Med. 2023;38:167-175.

Como citar este artigo

Retes FA. . Pólipos Hiperplásicos na Endoscopia – Risco de Neoplasia, Conduta e Recidiva. Endoscopia Terapeutica 2024 vol II. disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/polipos-hiperplasicos-risco-de-neoplasia-conduta-e-recidiva/




Perda de lesões em endoscopia digestiva alta: encarando a realidade

A endoscopia digestiva alta é o único método diagnóstico capaz de detectar lesões do trato gastrointestinal alto pré neoplásicas (adenomas e displasias) e neoplásicas precoces. Entretanto, mesmo pacientes previamente examinados não estão isentos do risco de detectar neoplasia nesses órgãos durante o seu seguimento de curto e médio prazo.

Conforme dados da World Health Organization, tumores do trato digestivo são detectados em estadio clínico inicial (ECI) na menor parte dos casos no ocidente, com taxas variando entre 7% e 16,9% para tumores esofágicos e entre 10,2 e 18% tumores gástricos.1 O diagnóstico em estágios avançados está diretamente associado à pobre sobrevida em 5 anos – 13% para tumores esofágicos e de 17% para tumores gástricos. Por outro lado, a identificação e o tratamento da doença localizada muda história natural da doença, atingindo taxas de sobrevida em 5 anos acima de 80%.2

Nesse contexto, vários estudos foram realizados para avaliar a taxa de perda de lesões neoplásicas em endoscopias digestivas altas. De forma geral, mas não consensual, define-se como lesão perdida aquela identificada no intervalo de 6 meses até 36 meses após a endoscopia índex. Esse período foi estabelecido considerando-se o tempo de duplicação tumoral gástrico de 2 a 3 anos sugerido por Fujita. Esse intervalo de tempo baseia-se no conceito de que os tumores gástricos podem ser visibilizados em endoscopias até 3 anos antes da sua apresentação clínica inicial. 3

Uma meta-análise de 2022 mostrou que 11,3% das neoplasias esofagogástricas e duodenais foram perdidas em endoscopias digestivas altas.2 Desses casos, 29% dos casos haviam realizado exame em um intervalo de 1 ano e 71% entre 1 e 3 anos do momento do diagnóstico.2

Uma revisão sistemática e metanálise de Pimenta-Melo A.R, et al mostraram resultados semelhantes: 9,4% dos tumores gástricos são potencialmente perdidos. A principal lesão perdida é o adenocarcinoma localizado no corpo gástrico. Os fatores preditivos para falha diagnóstica são: idade mais jovem (<55 anos), sexo feminino sexo, atrofia gástrica acentuada, adenoma ou úlcera gástrica e número inadequado de fragmentos de biópsia. 4

No Japão, foram realizadas endoscopias de seguimento em 44% dos 8.364 pacientes do estudo. Desses, 32 pacientes (0,9%) tiveram diagnóstico de câncer gástrico nos meses subsequentes. A incidência aumentou para 3,9% em pacientes com idade entre 60-69 anos com atrofia acentuada, definida como O2-3 de Kimura-Takemoto. 5

Os principais fatores atribuídos à falha de reconhecimento pelo endoscopista devem-se às alterações discretas na aparência dos tumores superficiais e à exploração incompleta da mucosa devido aos pontos cegos, especialmente em cárdia, pequena curvatura e parede posterior do corpo gástrico. 2,4 Outro fator é a presença de biópsia negativa, apesar da suspeição endoscópica pelo aspecto macroscópico da lesão. 6

O subgrupo de pacientes com lesões gástricas sincrônicas também foi avaliado, mostrando que 23,3% das lesões sincrônicas foram perdidas. Com isso, os autores demonstram a necessidade de uma inspeção cuidadosa da mucosa adjacente, mesmo em pacientes com lesões visíveis. Os principais preditores de risco foram lesões pequenas, adenoma como tipo histológico e àquelas localizadas no terço superior gástrico. 4

Em uma revisão sistemática e meta-análise de 2022, ao avaliar apenas casos de esôfago de Barrett, a taxa de perda de lesões com displasia de alto grau ou adenocarcinoma foi de 26%. Nesse trabalho, foi considerado o intervalo de 1 ano entre a endoscopia índex com esôfago de Barrett (sem displasia, displasia de baixo grau ou indefinida) e a endoscopia que detectou displasia de alto grau ou adenocarcinoma.7 Realizar exame com aparelho de alta definição, dispender 1 minuto de inspeção a cada 1 cm do esôfago de Barrett, utilizar recursos de cromoscopia (virtual e com ácido acético) e identificar adequadamente e registrar fotograficamente os principais marcos anatômicos demonstrou aumento na taxa de detecção dessas lesões. 8

Em um estudo recente (Endoscopy 2022) com base nos registros de câncer da Polônia, a perda média de lesões no trato digestivo alto após uma endoscopia foi de 6% (N=33.241 total), percentual que se manteve estável entre os anos de 2012 e 2018. Foram definidos como tumores perdidos àqueles diagnosticados entre 6 e 36 meses da endoscopia índex. 9 Nesse mesmo trabalho, a maioria das lesões perdidas foram gástricas (81%), seguidas das esofágicas (17%) e duodenais (2%). No esôfago, as taxas de perda de adenocarcinomas e de carcinoma escamoso foram 6,1% e 4,2%, respectivamente. Além disso, estágios mais avançados no momento do diagnóstico foram observados nos pacientes com adenocarcinoma em relação aos tumores escamosos esofágicos. No estômago a taxa global de perda de adenocarcinomas foi de 5,7%. Quanto à localização, a proporção de lesões gástricas perdidas proximais e distais foi semelhante, porém as lesões proximais foram diagnosticadas em estágios mais avançados. Lesões definidas como perdidas (entre 6 e 36 meses) apresentaram-se proporcionalmente em estágios mais avançados em relação às lesões definidas como prevalentes (< 6 meses). Os principais fatores de risco associados à perda de lesões foram exames realizados de forma ambulatorial (RR: 1,3); sexo feminino (RR 1,3); e pacientes com múltiplas comorbidades (Charlson comorbidity index ≥ 5; RR 6). 9

Um estudo escocês mostrou que 73% dos casos de perda de lesões estiveram relacionados ao endoscopista ou ao seguimento: não identificação da lesão (27%); não realização de biópsias (14%); biópsias insuficientes (9%); ou seguimento inadequado (9%).10 Esse mesmo trabalho mostrou que 67% dos pacientes tinham endoscopia prévia em intervalo menor de 1 ano, 13% entre 1 e 2 anos e 20% entre 2 e 3 anos. 10 Cerca de 70% dos tumores esofágicos e gástricos e foram diagnosticados em estadio avançado (EC III e IV). Sintomas de alarme (disfagia, anemia, hematêmese, perda ponderal, vômito) estavam presentes na endoscopia inicial em 75% dos pacientes com tumores esofágicos e 57% daqueles com neoplasias gástricas.10

Entre as principais limitações no diagnóstico de lesões esofagogástricas e duodenais estão os fatores relacionadas ao operador, como a não identificação da lesão, à sedação inadequada, ao preparo inadequado do órgão, à distensibilidade insuficiente das pregas gástricas, a não realização de biópsias ou biópsias insuficientes. Fatores como a experiência do endoscopista e a qualidade dos aparelhos utilizados nos exames também são fatores relevantes, porém pouco estudados. A maioria dos trabalhos possuem dados anteriores à era da cromoscopia e da magnificação. Os principais fatores atribuídos à falha de reconhecimento pelo endoscopista devem-se às alterações discretas na aparência dos tumores superficiais, a baixa suspeição diagnóstica, e à exploração incompleta da mucosa devido aos pontos cegos, especialmente no estômago.

Apesar da endoscopia ter um alto valor preditivo negativo (99,7%)4, pacientes que persistem com sintomas de alarme após uma endoscopia sem achados críticos devem prosseguir a investigação, e aqueles com atrofia acentuada devem repetir a endoscopia anualmente.

Aparelhos com alta definição de imagem e com cromoscopia digital devem ser preconizados. É preciso realizar um preparo adequado, com lavagem e remoção de saliva e bolhas, adequada insuflação e tempo suficiente de inspeção. Ainda, o exame deve ser sistematizado, a fim de identificar discretas alterações da mucosa, caracterizando-as conforme as classificações endoscópicas, realizando a foto documentação (> 25 fotos) e coletando biópsias adequadas. Especial atenção deve ser dada para as seguintes regiões da câmera gástrica: grande curvatura do corpo, antro, incisura angularis e cárdia. Enfim, as boas práticas endoscópicas devem ser preconizadas para não perder a chance de diagnosticar lesões iniciais, passíveis de tratamentos curativos.

Referências

  1. Global Cancer Observatory. Cancer Survival. https://gco.iarc.fr/survival/survmark/.
  2. Menon S, Trudgill N, Open EI, et al. How commonly is upper gastrointestinal cancer missed at endoscopy ? A meta-analysis. 2014:46-50.
  3. Background IH. Biology of Early Gastric Carcinoma I . Historical Background. 1978;9:297-309. doi:10.1016/S0344-0338(78)80028-4
  4. Pimenta-Melo AR, Monteiro-Soares M, Libânio D, Dinis-Ribeiro M. Missing rate for gastric cancer during upper gastrointestinal endoscopy: A systematic review and meta-Analysis. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2016;28(9):1041-1049. doi:10.1097/MEG.0000000000000657
  5. Hosokawa O, Watanabe K, Hatorri M, Douden K, Hayashi H, Kaizaki Y. Detection of gastric cancer by repeat endoscopy within a short time after negative examination. Endoscopy. 2001;33(4):301-305. doi:10.1055/s-2001-13685
  6. Hosokawa O. STEKKW. Diagnosis of gastric cancer up to three years after negative upper gastrointestinal endoscopy. Endoscopy. 1998;30(8):669-674.
  7. Sawas T, Majzoub AM, Haddad J, et al. Magnitude and Time-Trend Analysis of Postendoscopy Esophageal Adenocarcinoma: A Systematic Review and Meta-analysis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2022;20(2):e31-e50. doi:10.1016/j.cgh.2021.04.032
  8. BasL.A. M.Weusten1, 2, Raf Bisschops3 , Mario Dinis-Ribeiro4, Massimiliano di Pietro5, Oliver Pech6 MCWS, , Francisco Baldaque-Silva8 9, , Maximilien Barret10, Emmanuel Coron11, 12 G-E, Rebecca C. Fitzgerald5, MarnixJansen14 MJ, , Ines Marques-de-Sa4 , ArtiRattan16 WKT, EvaP. D.Verheij17, Pauline A.Zellenrath7, Konstantinos Triantafyllou18 REP. Diagnosis and management of Barrett esophagus: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2023;55.
  9. Januszewicz W, Witczak K, Wieszczy P, et al. Prevalence and risk factors of upper gastrointestinal cancers missed during endoscopy: A nationwide registry-based study. Endoscopy. 2022;54(7):653-660. doi:10.1055/a-1675-4136
  10. Witherspoon P, Mccole D. Missed Diagnoses in Patients with Upper Gastrointestinal Cancers. doi:10.1055/s-2004-825853

Como citar este artigo

Casamali C. Perda de lesões em endoscopia digestiva alta: encarando a realidade. Endoscopia Terapeutica 2024, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/?p=18967




METAPLASIA INTESTINAL EM ENDOSCOPIA DE ROTINA: Tem importância? Preciso seguir?

O câncer gástrico é a terceira maior causa de morte por câncer no mundo.

O seu subtipo mais comum é o câncer gástrico não cárdico do tipo intestinal, que passaremos a chamar aqui genericamente de câncer gástrico (CG). Tem como principal fator de risco a infecção crônica pelo H. pylori, respondendo por cerca de 80% da incidência global de câncer gástrico. 

Este subtipo de câncer gástrico emerge a partir de alterações histopatológicas progressivas na mucosa gástrica, conhecidas como sequência ou cascata de Pelayo Correa, que tem na infecção pelo H. pylori o seu principal gatilho. Essa sequência se inicia com a mucosa normal, passa pela gastrite não atrófica crônica, gastrite atrófica crônica, metaplasia intestinal, displasia e finalmente chega à transformação maligna. 

A metaplasia intestinal gástrica (MIG) é encontrada frequentemente em exames de rotina e diversas incertezas e desconhecimentos sobre sua importância, aliados à pobre informação sobre o risco individual de câncer gástrico do paciente, geram múltiplas abordagens no manejo desse achado, mesmo entre especialistas atentos ao assunto. 

Recentemente, a American Gastroenterological Association (AGA) publicou recomendações baseadas em evidências com o intuito de guiar o manejo da metaplasia intestinal na ausência de neoplasia gástrica (câncer ou displasia). O que fazer em casos de MIG?  

A publicação traz as seguintes perguntas chave: 

  • Pesquisar e tratar H. pylori alteram desfechos importantes em pacientes com MIG
  • Em paciente com MIG e classificados como de baixo risco, o seguimento endoscópico altera desfechos importantes versus nenhum seguimento? 
  • E em pacientes de alto risco? 
  • Em pacientes sem displasia, o seguimento precoce (< 1 ano) com biópsias para determinar a extensão da MIG altera desfechos relevantes? 

Desfechos relevantes bons: 

  • Detecção precoce de CG 
  • Redução de morbi/mortalidade 

Desfechos relevantes ruins: 

  • Potenciais complicações da endoscopia 
  • Efeitos psicológicos ligados à ansiedade gerada pelo seguimento 
  • Consumo de recursos 

Pesquisar e tratar H. pylori alteram desfechos importantes em pacientes com MIG

Recomendação 1: Em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA recomenda pesquisa de H. pylori seguida de erradicação. Recomendação forte, qualidade de evidência moderada.

A erradicação de H. pylori em paciente com ou sem MIG foi associada a redução de 32% no risco relativo de incidência de CG e 33% no risco relativo de mortalidade por CG, quando comparada a placebo. Os dados não foram suficientes para avaliar o impacto da erradicação de H. pylori na mortalidade por CG em pacientes com MIG confirmada. A confirmação da erradicação após o tratamento é recomendada, pela a possibilidade de falha terapêutica, mas o documento não aborda a melhor estratégia de confirmação a ser empregada. 

Em paciente com MIG, classificados como de baixo risco, o seguimento endoscópico altera desfechos importantes versus nenhum seguimento? 

Recomendação 2: Em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA se posiciona contrária ao seguimento endoscópico de rotina. Recomendação condicional, evidência de muito baixa qualidade. 

Comentário: pacientes com metaplasia intestinal com risco aumentado de CG que acreditem numa redução na mortalidade pelo câncer (incerta) e não valorizem eventuais riscos de exames recorrentes podem aderir ao seguimento endoscópico.

Pacientes com risco aumentado incluem: 

  • MIG incompleta; 
  • MIG extensa (que acometa corpo gástrico); 
  • Minorias étnicas; 
  • Imigrantes de áreas de alta incidência.

Recomendação 3: em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA se posiciona contrária à endoscopia precoce (< 1 ano) para estratificação de risco. Recomendação condicional, evidência de muito baixa qualidade. 

Sobre a não recomendação de seguimento endoscópico em pacientes com MIG, pesaram alguns pontos. A prevalência estimada de MIG é de 4,8%, fazendo com que qualquer recomendação de seguimento endoscópico traga grande impacto a uma grande proporção de pacientes. Além disso, a taxa anual de progressão para CG em indivíduos com MIG é de 0,16%, número inferior aos 0,33% ao ano estimados na progressão para adenocarcinoma esofágico em pacientes com esôfago de Barrett. 

O estudo não encontrou ensaios randomizados controlados, estudos de cohort ou caso-controle avaliando o impacto do seguimento endoscópico sobre os riscos de CG em pacientes com MIG. Em razão disso, a AGA recomenda a decisão compartilhada quanto à adesão ou não a seguimento endoscópico. 

Pacientes com MIG considerados com risco aumentado para CG incluem aqueles com metaplasia intestinal incompleta (3,3 x RR versus MIG completa, evidência de baixa qualidade); história familiar de CG (4,5 x RR, evidência de muito baixa qualidade) e MIG extensa (corpo gástrico + antro ou incisura) versus MIG limitada – antro e ou incisura- (2,1 x RR, com evidência de muito baixa qualidade). 

O artigo menciona que, nos Estados Unidos, raramente os laudos histológicos relatam se a MIG é completa ou incompleta e o mesmo ocorre em boa parte no nosso meio. Isso limitaria a viabilidade da adoção desse critério na definição do seguimento. O entendimento da extensão da MIG depende da prática de obtenção de amostras em frascos separados nos diferentes seguimentos gástricos, outra prática pouco comum. 

Pacientes com MIG com risco comum ou de alto risco, que apostem na redução do risco de CG, (mesmo na ausência de evidências diretas que a suportem) e minimizem potenciais riscos do seguimento endoscópico podem optar por aderir ao seguimento na tomada de decisão. 

Não existem dados suficientes para definir o intervalo ideal entre exames no seguimento endoscópico. Com base em evidências indiretas, considerando risco cumulativo de CG em pacientes com MIG, a avaliação endoscópica pode ser feita a cada 3 a 5 anos, com estudo cuidadoso da mucosa, incluindo biópsias do corpo e antro, além de qualquer lesão suspeita. 

Pacientes com risco aumentado que optem pelo seguimento endoscópico poderiam ser elegíveis para uma endoscopia precoce (< 1 ano) com o intuito de assegurar maior qualidade na endoscopia índice, revendo a extensão da MIG, obtendo amostras separadas, ou identificando outras áreas suspeitas. No entanto, a revisão técnica não encontrou evidências que suportem essa conduta. 

De maneira geral, as recomendações da AGA estão alinhadas e diferem pouco das previamente publicadas pela ASGE e ESGE em pacientes com MIG. A ASGE, no entanto, recomenda o seguimento para pacientes de risco aumentado por etnia ou história familiar. Recomenda ainda a suspensão do seguimento caso haja dois exames consecutivos sem displasia. A ESGE recomenda seguimento endoscópico a cada 3 anos em pacientes com gastrite atrófica avançada ou que tenham MIG em antro e corpo, e/ou OLGA III/IV. Sugere ainda àqueles que tenham história familiar associada a esses achados que considerem redução do intervalo para 1 ou 2 anos (recomendação fraca, evidências de baixa qualidade). 

Como se vê, as recomendações atuais nesse tema são muitas vezes imprecisas e dependem de fatores que dificultam a aplicação de regras uniformes e que tenham fortes evidências que as suportem. Nesse cenário, a visão individualizada e o exame cuidadoso ganham importância ainda maior na seleção dos pacientes que merecem cuidados especiais. Estar atento a dados clínicos, como a história familiar, e achados endoscópicos muitas vezes não valorizados em exames de rotina pode fazer a diferença na vida desses pacientes. 

Referências

  1. AGA Clinical Practice Guidelines on Management of Gastric Intestinal Metaplasia. Samir Gupta, Dan Li, Hashem B. El Serag, Perica Davitkov, Osama Altayar, Shahnaz Sultan, Yngve Falck-Ytter, Reem A. Mustafa. Gastroenterology. 2020 Feb; 158(3): 693–702. doi: 10.1053/j.gastro.2019.12.003
  2. Gastric Cancer: overview. Correa, P. Gastroenterol Clin N Am 42 (2013) 211–217. doi: 10.1016/j.gtc.2013.01.002

Leitura associada




Ressecção Endoscópica de Neoplasias Gástricas Sincrônicas

Caso Clínico

Paciente com 85 anos, em uso de anticoagulação plena (Eliquis) por histórico FA de alto risco tromboembólico, deu entrada no PS por quadro de melena há 2 dias.

Na avaliação inicial destacava-se: descorado 2+/4+, PA 98 x 56 mmHg, FC 98 bpm. Exames laboratoriais com Hb: 7,6 g/dL.

Solicitado endoscopia digestiva alta na urgência:

Observado da atrofia difusa da mucosa gástrica e lesão polipóide, séssil (Paris 0-Is), medindo 3,0 cm, localizada em parede posterior de corpo médio. Realizada biópsia que evidenciou adenoma com displasia de baixo grau.

Paciente foi tratado clinicamente com suspensão do anticoagulante, IBP, transfusão de hemáceas, sendo posteriormente encaminhado para nosso serviço para realização de ressecção endoscópica por técnica de dissecção submucosa (ESD).

Exame do procedimento

Durante o exame do procedimento, em contexto fora de sangramento agudo, foi observado duas lesões sincrônicas: a lesão polipóide descrita anteriormente e uma lesão plano-elevada (Paris 0-IIa), medindo 3,5 cm, também localizada em corpo proximal pela parede posterior:

Lesão polipóide: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade.
Lesão polipóide: Cromoendoscopia com índigo carmin e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade.

Lesão polipóide: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade
Lesão plano-elevada: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com perda e irregularidade do padrão de criptas.

Lesão plano-elevada: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com perda e irregularidade do padrão de criptas e capilar.

Ressecção endoscópica:

Optado por realizar a ressecção adicional em mesmo tempo da segunda lesão neoplásica, também por técnica de dissecção submucosa.

Fechamento do leito de ressecção

Como tratava-se de paciente idoso, com necessidade de retorno da anticoagulação o mais breve possível, optado pelo fechamento dos leitos de ressecção com coroa de endoloop e clipes:

Acompanhamento

Paciente evoluiu bem, com alta hospitalar no dia seguinte.

Resultado de anatomopatológico:

  1. Lesão polipóide: adenoma gástrico do tipo faveolar com diplasia de baixo grau, margens livres
  2. Lesão plano-elevada: adenocarcinoma tubular bem diferenciado intramucoso (invasão da muscular da mucosa), ausência de invasão angiolinfática, e margens livres



“Minority report” endoscópico. Manejo da acalásia de acordo com os achados da manometria de alta resolução. Revisão de conceitos em forma de mapa mental

Será que a aplicação dos novos conceitos da Classificação de Chicago  pode predizer o destino dos pacientes portadores de acalásia? Qualquer semelhança com o famoso filme pode não ser mera coincidência….

A manometria de alta resolução trouxe uma verdadeira revolução no diagnóstico dos transtornos da motilidade esofágica, tornando possível produzir uma espécie de mapa topográfico do peristaltismo esofágico, atribuindo cores para diferentes níveis de amplitude no esôfago e, dessa maneira, classificando a acalásia.

O objetivo do tratamento da acalásia é promover alívio da resistência na JEG (junção esôfagogástrica) e melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Não é possível reverter ou reabiliatr o distúrbio de contratilidade. Neste contexto conhecer o subtipo de acalásia além de melhorar nosso conhecimento em relação à doença, permite traçar uma estratégia de tratamento mais “personalizada” para cada caso.

Vários estudos têm demosntrado a equivalência entre a cirurgia de Heller, POEM e Dilatação Pneumática como modalidades terapêuticas. A escolha deve ser guiada pelas condições clínicas do paciente, expertise da equipe  e pelos achados da manometria de alta resolução, que são considerados os melhores preditores de resultado do tratamento.

A tabela à seguir mostra as modalidades para tratamento da acalásia disponíveis, suas vantagens e desvantagens.

 

TABELA. Modalidades de tratamento para Acalásia

O presente post mostra conceitos da Manometria de Alta Resolução e aponta as opções terapêuticas que podem ser adotadas para cada subtipo de acalásia. No final da leitura teremos um resumo em forma de mapa mental.

 

Inicialmente vale a pena resgatar alguns conceitos e tópicos importante relacionados ao manejo da acalásia:

  • Acalásia vem do grego a-Khalasis e significa perda do relaxamento. Caracteriza-se por um esfincter esofágico inferior espástico, que não relaxa e por uma perda da peristalse esofágica. É considerada uma doença rara, com incidência mundial estimada em 0.03 a 1.63 casos / 100 000 hab / ano e uma prevalência de 10 casos / 100 000 hab.
  • A Classificação de Chicago foi conceituada como uma abordagem padronizada para a interpretação de estudos clínicos de manometria de alta resolução. Ao adotar uma nomenclatura padronizada, métricas objetivas e uma estrutura baseada em princípios fisiológicos. A última revisão (versão 4.0) foi publicada em 2021. Em relação aos três subtipos de acalásia, os conceitos permanecem os mesmos da versão anterior (3.0, de 2015). Apesar disso ainda há muita dúvida em relação a qual conduta tomar frente aos achados da manometria em um pacientes portadores de acalásia na nossa prática diária.
  • Acalásia é definida quando temos IRP elevado e falha em 100% das contrações peristálticas. O achado de panpressurização esofágica define a acalasia tipo II. Em casos de acalasia tipo III temos além da elevação do IRP, as chamadas contrações prematuras (espasmos) definidas por DL < 4,5s e DCI > 450 mmHg.s.cm em mais de 20% das deglutições.
  • Obstrução ao fluxo da junção esofagogástrica: é uma condição que pode evoluir para acalásia ou representar uma espécie de variante da acalasia. Normalmente se relaciona a condições mais benignas e uso de opioides, compressões mecânicas, lesões subepiteliais, esofagite eosinofílica dentre outros. O diagnóstico ocorre quando a IRP está alterada, mas o paciente possui contrações peristálticas.
  • Motilidade esofágica ineficaz e esôfago hipercontrátil são outras condições que são descritas pela Manometria de Alta Resolução e não estão relacionadas com a acalásia. A Motilidade esofágica ineficaz é definida quando temos mais de 70% das contrações ineficazes ou fragmentadas.  Esôfago hipercontrátil ocorre quando temos mais de 20% das deglutições hipercontráteis. O Jackhammer (esôfago em britadeira) é considerado um subtipo de esôfago hipercontrátil, com contrações prolongadas repetitivas, deglutições hipercontráteis de pico único e deglutições hipercontráteis com uma vigorosa pós-contração do esfíncter inferior do esôfago.
  • Escore de Eckardt: apesar de ser amplamente usado na avaliação clínica dos pacientes, seu uso na avaliação pós tratamento ainda não é completamente validado, provavelmente pela subjetividade na descrição dos sintomas. De toda forma vários autores consideram que um escore de Eckardt > 3 ou uma redução de sintomas relatados < 50% são considerados falhas terapêuticas.

 

Agora que revisamos todos os conceitos importantes, segue um resumo do post em forma de mapa mental, um verdadeiro Minority Report da acalásia.

 

 

REFERÊNCIAS:

  1. Yadlapati R, Kahrilas PJ, Fox MR, Bredenoord AJ, Prakash Gyawali C, Roman S, et al. Esophageal motility disorders on high-resolution manometry: Chicago classification version 4.0©. Neurogastroenterol Motil 2021; 33(1):e14058. https://doi.org/10.1111/nmo.14058.
  2. Richter JE. Chicago Classification Version 4.0 and Its Impact on Current Clinical Practice. Gastroenterology & Hepatology 2021; 17(10): 468475.
  3. Herbella FAM, Schlottmann F and Patti MG. Pitfalls in the Interpretation of Chicago Classification for Esophageal Motility Disorders. J Neurogastroenterol Motil, 2021; 27(4): 513-7. https://doi.org/10.5056/jnm20058
  4. Mari A, Baker, FA, Pellicano R and Khoury T. Diagnosis and Management of Achalasia: Updates of the Last Two Years. J. Clin. Med. 2021, 10, 3607. https://doi.org/10.3390/jcm10163607.
  5. Swanstöm L. Achalasia; treatment, current status and future advances.  Korean J Intern Med 2019; 34:1173-1180. https://doi.org/10.3904/kjim.2018.439.

 

 




Quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?

Atualmente, existem vários tipos de balão intragástrico no mercado e em estudo. Os tipos de balão incluem os preenchidos com ar, líquido, os duplos, ajustáveis e deglutíveis.

Tipos de balão intragástrico

Tipos de balão intragástrico. Imagens divulgação.

Porém, nesta revisão, iremos abordar apenas os preenchidos com líquido e implantados por endoscopia, que são os mais usados no nosso meio.

O primeiro balão intragástrico disponível no Brasil foi o balão de líquido, que podia permanecer no estômago por um período de 6 meses. Esse balão foi por bastante tempo a única opção para os nossos pacientes. Com o passar do tempo, o balão de líquido ajustável para tratamentos com um ano de duração chegou ao mercado e, mais recentemente, o balão de 1 ano não ajustável.

Com um maior número de opções, surgiu a dúvida: quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?

Balões intragástricos colocados por endoscopia e preenchidos com líquido

Balões intragástricos colocados por endoscopia e preenchidos com líquido. Imagens divulgação.

Para tentar responder a essa pergunta, realizei uma breve revisão de literatura comparando os balões em relação a vários fatores, incluindo custo, volume, resultados, tempo de permanência, ajuste e complicações.

Vamos lá!

Existe diferença no preço dos balões?

O valor pago pelo balão pode variar bastante dependendo da região, do número de balões comprados e da relação do médico com a empresa fornecedora. Porém o balão de seis meses tende a ter um preço mais baixo quando comparado com o balão de um ano ajustável e não ajustável.

O volume de preenchimento faz diferença?

Não existe diferença no volume de preenchimento entre os três tipos de balão intragástrico comparados. Os três sugerem em bula um preenchimento de, pelo menos, 400 ml e, no máximo, 700 ml. Sabemos que os balões toleram volumes maiores, mas seu uso é off label.

Em relação ao volume, vale a pena citar uma meta-análise publicada em 2017 que avaliou 5549 pacientes com balões preenchidos com volumes variando de 400 a 700 ml (1). Por incrível que pareça, não houve associação entre maiores volumes de preenchimento do balão com maiores perdas de peso. O que se observou foi que balões com menos de 600 ml apresentavam uma maior taxa de impactação antral e refluxo quando comparados com balões acima desse volume, sem diferença nas outras complicações. Com isso, o estudo sugeriu que o volume utilizado para o preenchimento do balão intragástrico deve ser entre 600 e 650 ml.

O tempo de permanência faz diferença na perda de peso?

Com o lançamento do balão para tratamento de um ano de duração, houve uma grande expectativa em relação aos seus resultados. Será que os pacientes continuariam perdendo peso após os 6 meses? Vários estudos foram realizados comparando a perda de peso entre os tratamento de seis meses e um ano de duração (2-8).

Os resultados variam um pouco, com alguns estudos mostrando perdas discretamente melhores para o tratamento de 6 meses e outros para o de um ano, mas, na média, não existe diferença significativa na perda de peso máxima entre os dois tratamentos. Os resultados são semelhantes e variam entre 13 e 20% de perda de peso total.

E no reganho de peso? Existe diferença em relação ao tempo de permanência do balão?

Um estudo muito interessante publicado por Russo et al (6) avaliou prospectivamente dois grupos de pacientes após removerem o balão intragástrico. Um grupo que utilizou o balão de 6 meses e um grupo que utilizou o balão de um ano. No momento da remoção, os dois grupos haviam apresentado a mesma média de perda de peso (20 kg + 3). Os grupos foram acompanhados por 9 meses, e o reganho de peso após a remoção foi semelhante entre os dois grupos, como pode ser observado na tabela abaixo.

Tabela l. Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Tabela l. Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Tabela l.  Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Apesar disso, o balão de 1 ano apresenta uma vantagem muito interessante em relação ao balão de seis meses. O reganho de peso começa 6 meses depois quando comparado com o balão semestral, dando um maior tempo para o paciente se adaptar aos hábitos mais saudáveis.

Ajuste para aumentar o balão faz diferença?

A possibilidade de ajustar o balão também foi uma novidade muito esperada, e acreditava-se que poderia fazer uma grande diferença quando o paciente atingisse o platô de perda de peso.

Fittipaldi-Fernandes et al publicaram um estudo prospectivo randomizado muito interessante avaliando esse tema. Eles estudaram 180 pacientes. Um grupo no qual o balão foi preenchido com 600 ml e mantido durante um ano e outro grupo no qual o balão foi preenchido com 600 ml e após 6 meses reajustado com mais 250 ml. O grupo que foi ajustado apresentou uma perda média de 4,35 kg a mais do que o grupo não ajustado, mas sem diferença estatística na porcentagem de perda de peso total, na perda de excesso de peso ou no IMC (9).

Isso ocorre porque os pacientes que não perdem peso inicialmente com o balão (em torno de 8% dos pacientes) não costumam responder com o aumento do volume do balão. Esses casos são mais bem manejados com medicações para perda de peso. Os pacientes que mantêm sensação de saciedade e perdendo bem peso também não se beneficiam muito com os ajustes. Talvez, o grupo que mais tenha resultado são os pacientes que apresentaram uma boa perda de peso e queixam de perda da saciedade (10).

Importante lembrar também que ajustes com volume muito baixo não são efetivos nem, muitas vezes, notados pelos pacientes. Se um ajuste para mais for realizado, ele deve ser de no mínimo 150 ml.

Aqui, sim, em minha opinião, é a maior vantagem do balão ajustável. De acordo com dados do Consenso Brasileiro de Balão Intragástrico, que avaliou mais de 40.000 casos, a incidência de intolerância ao balão é de 2,2%. Além disso, há mais 0,9% dos pacientes que apresentam a hiperinsuflação espontânea do balão (11).

Se essas complicações ocorrerem com um balão não ajustável, o único tratamento possível é a remoção do balão. Quem trabalha com balão sabe que a interrupção precoce do tratamento é sempre uma grande dor de cabeça com queixas e questionamentos dos pacientes.

Se isso ocorrer com um balão ajustável, é possível resolver a complicação sem necessitar remoção e interrupção do tratamento. No caso de intolerância, o balão deve ser esvaziado até perder o seu formato esférico. Isso ocorre com volumes próximos ou um pouco menores do que 400 ml. No caso da hiperinsuflação, o balão deve ser esvaziado completamente e reenchido com um novo líquido. Sempre importante orientar o paciente que a hiperinsuflação pode ocorrer novamente.

Imagem de radiografia de abdome demonstrando balão hiperinsuflado com nível líquido

Imagem de radiografia de abdome demonstrando balão hiperinsuflado com nível líquido.

Complicações! Existe diferença na taxa de complicações entre os balões?

O Consenso Brasileiro de Balão Intragástrico (11) avaliou as complicações entre os diferentes tipos de balão. Não existe diferença significativa na taxa de incidência de hiperinsuflação, esvaziamento espontâneo, migração e perfuração no implante e explante.

Em relação às úlceras gástricas, o balão ajustável tem uma taxa de incidência de 5,7%, enquanto os outros balões apresentam taxas de apenas 0,4%. Dentre esses pacientes com úlcera no balão ajustável, 0,6% necessita interromper o tratamento. A maior incidência de úlceras com o balão ajustável está relacionada à presença do cateter de ajuste.

Úlcera pós balão intragástrico

Úlcera pós-balão intragástrico.

Enfim, quando usar cada tipo de balão?

Importante ressaltar que não existe contraindicação de nenhum dos tipos de balão para algum tipo específico de paciente, desde que as indicações e contraindicações do método sejam respeitadas.

Mas algumas sugestões podem ser feitas, sem nenhum critério de obrigatoriedade.

  • Pacientes preocupados com o custo do tratamento podem utilizar o balão mais barato;
  • Pacientes que precisam perder pouco peso ou que têm uma data para terminar o tratamento (algumas vezes um evento ou uma cirurgia que exigia perder peso para realizar) podem se beneficiar do tratamento mais curto – 6 meses;
  • Pacientes mais pesados ou com obesidade mais crônica: um tratamento mais longo é interessante;
  • Pacientes que moram longe ou que têm maior dificuldade para retornar para reavaliações: um balão com menor taxa de incidência de úlceras pode ser indicado;
  • Para aqueles pacientes que têm um maior risco de intolerância, como, por exemplo, pacientes colocando o seu segundo balão, a possibilidade de ajuste para reduzir o balão é importante.

Esses são alguns exemplos de situações em que um balão pode ser mais vantajoso do que os outros. Claro que nada disso é lei, como já escrevi, são apenas sugestões. Espero que esta revisão tenha sido útil.

Você também pode contribuir nos comentários com a sua opinião e experiência! Quando usa cada tipo de balão? Concorda com as sugestões acima? Conte para nós!

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Como citar este artigo

Orso IRB. Quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/quando-e-para-quem-indicar-cada-tipo-de-balao-intragastrico/

Referências

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  2. Eisa Lari , Waleed Burhamah, Ali Lari, Talal Alsaeed, Khalid Al-Yaqout, Salman Al-Sabah. Intragastric balloons – The past, present and future. Annals of Medicine and Surgery. 2021.
  3. Seong Ji Choi and Hyuk Soon Choi. Various Intragastric Balloons Under Clinical Investigation. Clin Endosc 2018.
  4. Alfredo Genco, Daniela Dellepiane, Giovanni Baglio et al. Adjustable Intragastric Balloon vs Non-Adjustable Intragastric Balloon: Case–Control Study on Complications, Tolerance, and Efficacy. OBES SURG. 2013.
  5. Maíra L SCHWAAB1, Eduardo N USUY JR2, Maurício M de ALBUQUERQUE1, Daniel Medeiros MOREIRA1,
    Victor O DEROSSI1 and Renata T USUY2Assessment of weight loss after non-adjustable and adjustable intragastric balloon use. Arq Gastroenterol 2020.
  6. Teresa Russo a, Giovanni Aprea a, Cesare Formisano a, Simona Ruggiero a, Gennaro Quarto a, Raffaele Serra b, Guido Massa a, Luigi Sivero. BioEnterics Intragastric Balloon (BIB) versus Spatz Adjustable BalloonSystem (ABS): Our experience in the elderly. International Journal of Surgery. 2016.
  7. Vitor O. Brunaldi, Manoel Galvao Neto. Endoscopic techniques for weight loss and treating metabolic syndrome. Current opinion Gastroenterology. 2019.
  8. Diogo Moura, Joel Oliveira, Eduardo G.H. De Moura, Wanderlei Bernardo, Manuel Galvão Neto, Josemberg Campos, Violeta B. Popov, Cristopher Thompson. Effectiveness of Intragastric Balloon for Obesity: A
    Systematic Review and Meta-Analysis Based on Randomized Control Trials. Surgery for Obesity and Related Diseases. 2015.
  9. Ricardo José Fittipaldi-Fernandez, Idiberto José Zotarelli-Filho, Cristina Fajardo Diestel, Márcia Regina Simas Torres Klein, Marcelo Falcão de Santana, João Henrique Felicio de Lima, Fernando Santos Silva Bastos, Newton Teixeira dos Santos. Randomized Prospective Clinical Study of Spatz3® Adjustable Intragastric Balloon Treatment with a Control Group: a Large-Scale Brazilian Experiment. Obesity Surgery. 2020.
  10. Books J. One-Year Adjustable Intragastric Balloons: Do They Offer More than Two Consecutive Nonadjustable
    6-Month Balloons? Obesity Surgery. 2013.
  11. ManoelGalvao Neto, Lyz Bezerra Silva, EduardoGrecco, LuizGustavodeQuadros, André Teixeira, Thiago Souza, JimiScarparo, ArturA.Parad a, RicardoDib, Josemberg Campos, RenaMoon. Brazilian Intragastric Balloon Consensus Statement (BIBC): practical guidelines based on experience of over 40,000 cases. SOARD. 2017.

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