Síndrome de Mirizzi
Em 1948, o cirurgião argentino Pablo L. Mirizzi descreveu um paciente com obstrução parcial do hepatocolédoco secundário a cálculo biliar impactado no infundíbulo da vesícula biliar associado à resposta inflamatória envolvendo o ducto cístico e o ducto hepático comum. Essa apresentação tornou-se conhecida como Síndrome de Mirizzi (SM).
Inicialmente, Mirizzi caracterizou a síndrome por associação dos seguintes fatores: ducto cístico com trajeto paralelo ao ducto hepático comum, cálculos impactados no ducto cístico ou no infundíbulo da vesícula biliar, obstrução mecânica do ducto hepático comum por cálculos ou secundário à inflamação, icterícia contínua ou intermitente e colangite recorrente.
Atualmente, ela compreende um espectro de apresentações que variam desde a compressão extrínseca do hepatocolédoco até a presença de fístula colecistobiliar.
É uma complicação relativamente rara, ocorrendo em 0,05% – 3,95% dos pacientes com colelitíase.
Possui maior prevalência em mulheres com idade entre 21 e 90 anos, provavelmente um reflexo da preponderância de litíase biliar nesse grupo.
Quadro clínico e laboratorial
O quadro clínico-laboratorial da SM não é específico. Na anamnese, normalmente o paciente relata colelitíase de longa data, episódios de icterícia obstrutiva e passado de colecistite aguda e/ou colangite.
Os sinais e sintomas referidos geralmente incluem:
- dor abdominal em hipocôndrio direito e/ou epigástrio;
- icterícia;
- náuseas e vômitos;
- colúria;
- febre.
Quanto aos exames laboratoriais, as transaminases costumam estar elevadas, bem como a bilirrubina direta, a fosfatase alcalina e a gama- GT.
Cerca de 80% dos pacientes com SM apresentam icterícia, dor abdominal e alterações das provas de função hepática.
Exames de imagem
A ultrassonografia e a tomografia computadorizada de abdome podem sugerir o diagnóstico de SM ao revelar cálculo(s) fixo(s) na área do infundíbulo, próximo à junção do ducto cístico com o hepático comum, e dilatação das vias biliares acima do local da compressão.
A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) também pode revelar compressão ou estreitamento do hepatocolédoco.
A ecoendoscopia no diagnóstico da coledocolitíase, independentemente do tamanho do cálculo ou do diâmetro coledociano, é um teste diagnóstico mais acurado do que a CPRE para a detecção de cálculo na via biliar principal.
Para o diagnóstico da SM, a ecoendoscopia apresenta uma sensibilidade de 97% e especificidade de 100%.
A colangioressonância pode demonstrar com precisão a presença de dilatação biliar, o grau de obstrução, a localização intra ou extraluminal dos cálculos, podendo revelar ainda alterações anatômicas, como fístulas e malformações.
Classificação
A síndrome de Mirizzi, que antes era classificada em apenas quatro tipos, atualmente, inclui mais um, o tipo V, que compreende a fístula colecistoentérica.
Os tipos são:
I) compressão extrínseca do ducto hepacolédoco por cálculo no infundíbulo da vesícula ou no ducto cístico;
II) presença de fístula colecistobiliar com erosão de diâmetro inferior a 1/3 da circunferência do ducto hepacolédoco;
III) presença de fístula colecistobiliar com diâmetro superior a 2/3 da circunferência do ducto hepacolédoco;
IV) presença de fístula colecistobiliar que envolve toda a circunferência do ducto hepacolédoco;
V) qualquer tipo, mais fístula colecistoentérica (Va: sem íleo biliar e Vb: com íleo biliar).
Tratamento
Os casos de Mirizzi tipo I, ou seja, sem fístula colecistobiliar, podem ser tratados pela colecistectomia clássica. Porém, em casos de extenso processo inflamatório, a colecistectomia subtotal com remoção dos cálculos pode ser mais adequada.
Mirizzi II/III (fístula colecistobiliar): abordagem dos pacientes com fístula colecistobiliar envolve colecistectomia subtotal fundo-cística. A vesícula biliar deve ser removida deixando um remanescente de parede medindo cerca de 5-10 mm ao redor da fístula colecistobiliar, a fim de permitir a coledocoplastia do ducto biliar destruído. A exploração do colédoco deve ser sempre realizada usando uma incisão distal à fístula e protegida por um tubo Kehr.
No tipo IV, devido à extensa destruição da via biliar, o tratamento consiste em anastomose bilioenterica.
No tipo V, deve ser realizada a sutura da víscera acometida.
A CPRE e a colangioscopia podem ser realizadas também como técnicas alternativas de tratamento em pacientes sem condições cirúrgicas.
Como citar este artigo
Ruiz RF, Martins B. Síndrome de Mirizzi. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/mirizzi/
Referências
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- Machado MAC, et al. Colecistectomia Videolaparoscópica em paciente com Síndrome de Mirizzi. Rev Hosp Clin Fac Med S Paulo 1997;52(6):324-327.
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