Biópsia Assistida por Incisão da Mucosa: Quando e Como Fazer?

A biópsia assistida por incisão de mucosa (mucosal incision-assisted biopsy, MIAB), denominada também biópsia por incisão única com Kneedle-Knife (incision needle‐knife biopsy, SINK biopsy) ou destelhamento, consiste em uma técnica endoscópica emergente e alternativa, descrita por Yokohata et al em 20075, utilizada para aquisição tecidual de lesões subepiteliais do trato gastrointestinal, que permite o diagnóstico histopatológico e imuno-histoquímico dessas condições.

O MIAB vem emergindo como método de abordagem de lesões subepiteliais, pois é de baixo custo-econômico e menor curva de aprendizado, mas com tempo de procedimento maior, sendo assim uma alternativa às punções ecoendoscópicas em centros de menor complexidade e com menos recursos.

Quando indicar?

O estabelecimento diagnóstico histopatológico e imuno-histoquímico das lesões subepiteliais possui importância fundamental na definição precisa de prognóstico, potencial de degeneração maligna e definição de conduta entre expectante, vigilância endoscópica e ressecções endoscópica ou cirúrgica.

Entretanto, como abordado no artigo de lesões subepiteliais, não são todas as lesões que devem ter diagnóstico anatomopatológico para definição de conduta e seguimento do caso, havendo indicações precisas para se realizar biópsias dessas lesões.

Em caso de necessidade de aquisição tecidual das lesões subepiteliais, deverá se optar por um dos três principais métodos diagnósticos: MIAB, punções ecoendoscópicas com agulha FNA (fine needle aspiration, EUS-FNA) ou com agulha FNB (fine needle biopsy, EUS-FNB).

As indicações do MIAB estão bem determinadas nos guidelines da Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE) e Colégio Americano de Gastroenterologia (ACG).

A ESGE recomenda que para lesões subepiteliais maiores de 20 mm, MIAB ou EUS-FNB podem ser igualmente empregados. Entretanto, em lesões subepiteliais inferiores a 20 mm, o MIAB é a primeira escolha devido maior rendimento diagnóstico, sendo a EUS-FNB segunda escolha (tabela 1).1 Com relação a taxa de rendimento do MIAB, a mesma foi avaliada em algumas metanálises, sendo demonstrado rendimento diagnóstico de 89% (IC 95% 82,7%-93,5%) para lesões subepiteliais do trato gastrointestinal superior com diâmetro médio de 21 mm, sendo 94,8% das lesões localizadas no estômago1,29.

A ACG sugere o MIAB quando o diagnóstico definitivo é necessário e as punções ecoendoscópicas prévias (FNA ou FNB) tenham sido inconclusivas.14 A diretriz recomenda igualmente como primeira escolha EUS-FNB sem avaliação macroscópica do patologista em sala (rapid on-site evaluation, ROSE) ou EUS-FNA com ROSE. Afinal, já é bem determinado na literatura que agulhas FNA possuem limitações de aquisição tecidual e seu rendimento diagnóstico adequado depende de um citopatologista em sala para atestar a representatividade da amostra periprocedimento.

A ASGE e AGA em seus guidelines descrevem o MIAB como um método diagnóstico alternativo para as lesões subepiteliais. Entretanto, não se posicionam com relação a situações de aplicabilidade.

Além disso, na escolha do método é importante considerar não somente as recomendações dos guidelines, mas também as particularidades de cada procedimento, custos hospitalares e disponibilidade de recusos. O MIAB foi associado a um maior tempo de procedimento e a um risco de fibrose perilesional, o qual pode dificultar ou impedir futuras ressecções endoscópicas28.

Tabela 1. Recomendações da ESGE¹
Tamanho Método de Escolha
LSE > 20 mm 1ª escolha: EUS-FNB ou MIAB
LSE < 20 mm 1ª escolha: MIAB
2ª escolha: EUS-FNB

Complicações

As taxas de complicações inerente ao MIAB são baixas. Os eventos adversos mais frequentes incluem: sangramento em cerca de 2 a 5% dos casos, os quais requisitaram transfusão sanguínea e/ou tratamento endoscópico na maioria dos trabalhos29, 30-32; fibrose perilesional pós-MIAB, impossibilitando ressecções endoscópicas futuras; e mais raramente perfuração, a qual não foi observada na maioria dos ensaios clínicos, metanálises e série de casos29, 33, 34.

Como fazer?

Primeiramente, é importante ressaltar os materiais necessários para o procedimento. Necessita-se de um gastroscópio convencional com cap, afinal o uso desse dispositivo permite visualização minuciosa da mucosa e do sítio manipulado por acumular menos resíduos na lente do endoscópio.

Uma faca eletrocirúrgica endoscópica é necessária, sendo sugerido o uso de Needle Knife, pois consiste no instrumento de maior poder de corte e menor poder de coagulação, uma vez que se objetiva realizar incisão precisa da mucosa seguida de divulsão dos tecidos. Um princípio básico relacionado às facas endoscópicas consiste no fato de quanto menor a área de contato do instrumento com a mucosa, maior será o poder de corte e menor será o poder de coagulação (figura 1). Sugere-se utilizar unidade eletrocirúrgica com corte em modo endocut, efeito 3 e 40 W.

Fig. 1. Tipos de facas eletrocirúrgicas (knifes), demonstrando que a medida que reduz a área de contato do instrumento, maior será o poder de corte e menor o de coagulação. Retirado de: Miyajima NT17

Outros materiais necessários consistem em pinça de biópsia para divulsão dos tecidos e aquisição de material, assim como clipes metálicos para fechamento do sítio manipulado pós-procedimento. Caso haja necessidade de controle hemostático peri-procedimento, sugerimos o uso de pinça hemostática coagrasper.

O vídeo 1 e as figuras de 2 a 7 demonstram as etapas do procedimento.

Referências

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Como citar este artigo

Balbinot RS, Martins B. Biópsia Assistida por Incisão da Mucosa: Quando e Como Fazer? Endoscopia Terapeutica 2025 Vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/biopsia-assistida-por-incisao-da-mucosa-quando-e-como-fazer/




Avaliação endoscópica da  Úlcera Péptica

 

Definição:

A úlcera péptica é definida como defeito na parede gástrica ou duodenal que se estende através da muscular da mucosa para a submucosa podendo atingir ou até perfurar  a muscular própria. 1 Quando a ruptura da mucosa é superficial e menor do que 5 mm, é chamada de erosão. 2

 

 

Figura 1: A) Erosões gástricas.  B) Úlcera com fundo fibrinoso limpo na parede anterior do antro gástrico.

 

Esta patologia está associada geralmente à dor epigástrica periódica que pode se manifestar 2-5 horas após as refeições e algumas vezes até com o estômago vazio. 3  Além dos sintomas dispépticos, a úlcera péptica pode evoluir com complicações como sangramento, anemia, perfuração e obstrução da saída gástrica. 1 

O sítio de preferência das úlceras gástricas benignas é a curvatura menor (incisura); no entanto, eles podem ocorrer em qualquer local do piloro à cárdia. A localização típica da úlcera duodenal é no bulbo, onde o conteúdo ácido do estômago tem seu primeiro contato com o intestino delgado.

 

 

Figura 2: A) Úlcera gástrica pré pilórica.  B) Úlcera com vaso visível na parede anterior da porção justapilórica do bulbo duodenal.

 

 

 

Um ambiente de hipersecreção ácida e fatores dietéticos ou de estresse estão relacionados ao desenvolvimento de úlceras pépticas. Porém, os fatores de risco mais importantes são a  infecção pelo Helicobacter pylori e o uso de anti inflamatórios não esteroides (AINEs). Estes fatores aumentam de forma independente e sinérgica o risco de doença ulcerosa péptica. 4

 

Comparado com não usuários, o uso de AINEs e aspirina aumentam o risco de complicações da úlcera péptica em quatro vezes em usuários de AINE e em duas vezes em usuários de aspirina. 5  Além disso, o uso concomitante de AINEs ou aspirina com inibidores seletivos de recaptação de serotonina, corticosteróides, antagonistas da aldosterona ou anticoagulantes também aumentaram o risco de hemorragia digestiva alta por úlcera péptica.6 Os esteroides, bisfosfonatos, cloreto de potássio, agentes quimioterápicos também estão associados ao desenvolvimento de úlceras gastroduodenais. 3

 

Outras etiologias menos frequentes são o estado hipersecretório ácido (síndrome de Zollinger-Ellison), úlcera da anastomose após ressecção gástrica subtotal, tumores (adenocarcinoma, linfoma), doença de Crohn do estômago ou duodeno, gastroduodenite eosinofílica, mastocitose sistêmica, danos por radiação, infecções virais (citomegalovírus ou herpes simples), colonização do estômago por Helicobacter heilmanii, doença sistêmica grave (cirrose, insuficiência renal), úlcera de Cameron e úlcera idiopática verdadeira. 2,3

 

Diagnóstico e Classificação

A endoscopia digestiva alta tem mais de 90% de sensibilidade e especificidade no diagnóstico da úlcera e do câncer gastroduodenal além de permitir a realização de  biópsias quando necessário. 3

A classificação de Sakita (Tabela 1 e Figura 3) é geralmente utilizada para determinar o estágio de atividade da úlcera. Ela se divide em estagio ativo (A), cicatrização (H) e cicatrizado (S)7. Além disso, cada estágio é subdividido em duas categorias: precoces (1) e tardios (2).

Tabela 1 – Classificação de Sakita

Estágio Descrição
A1 (ativo) Base com fibrina espessa, podendo ter hematina. Bordas elevadas e enantematosas.
A2 (ativo) Bordas menos elevadas. Fundo com fibrina clara. Discreta convergência das pregas.
H1 (cicatrização) Depósito central de fibrina fina com convergência de pregas.
H2 (cicatrização) Fina camada de fibrina na base. Ilhas de tecido de regeneração, com convergência de pregas.
S1 (cicatriz) Convergência das pregas. Formação de cicatriz vermelha.
S2 (cicatriz) Cicatriz branca com retração adjacente.

 

 

Figura 3: A) Úlcera ativa com fundo sujo – Sakita A1. B) Úlcera ativa com fundo limpo – Sakita A2. C) Úlcera em fase inicial de cicatrização – Sakita H1. D) Úlcera em fase avançada de cicatrização – Sakita H2.  E) Cicatriz avermelhada recente – Sakita S1.  F) Cicatriz branca, indicando retração antiga – Sakita S2.

 

Avaliação endoscópica das úlceras gastroduodenais

Durante o exame endoscópico de um paciente com doença ulcerosa péptica é importante avaliar se fatores de risco para o câncer gástrico estão presentes na mucosa, como pangastrite associada a Helicobacter pylori, atrofia ou metaplasia intestinal (Figura 4). Se o aspecto da mucosa gástrica é normal, sem nenhum dos fatores de risco mencionados, as lesões suspeitas de câncer gástrico são menos prováveis. A observação endoscópica magnificada e a cromoscopia convencional ou eletrônica (NBI, FICE ou I-Scan) se disponíveis, são úteis para determinar a presença destas alterações e também avaliar sinais suspeitos de malignidade. 8

 

 

Figura 4: Atrofia da mucosa do corpo gástrico e metaplasia intestinal na região pré pilórica.

 

A acurácia da avaliação endoscópica para determinar a malignidade pode ser muito boa mesmo utilizando apenas luz branca convencional. As principais características das úlceras vistas na endoscopia que se associam com malignidade são a presença de massa adjacente, base suja, bordas elevadas e irregulares, tamanho maior do que 3 cm e localização no cárdia e corpo gástrico (Tabela 2 e Figura 5).

 

Tabela 2 : Sinais endoscópicos que podem estar associados à úlceras malignas

Fundo sujo e com necrose
Bordas elevadas
Bordas irregulares
Tamanho maior de 3cm
Presença de massa associada
Localização no corpo ou cardia
Lesões ulceradas múltiplas

 

Figura 5. A) Extensa lesão ulcerada com bordas elevadas, irregulares e fundo sujo, localizada no corpo gástrico. AP: Adenocarcinoma. B) Grande lesão elevada subepitelial, com ulcerações. AP:GIST. C) Várias lesões elevadas entremeadas por áreas ulceradas com fibrina. AP: Sarcoma de Kaposi. D) Lesão ulcerada no corpo gástrico com bordas elevadas e irregulares, associada à retração de pregas. AP: adenocarcionoma.

 

 

Biópsias para pesquisa de H. pylori

A realização de biópsias para pesquisa de H. pylori é mandatória em todos os pacientes com úlcera péptica.   O ideal é pesquisar pelo método da urease e associar também biópsias para avaliação histológica.   A avaliação histológica aumenta a sensibilidade do diagnóstico, principalmente em pacientes em uso de IBP, com sangramento e em uso de antibióticos.

As biópsias devem seguir o protocolo de Sydney, duas no antro (a 3 cm do piloro), uma da incisura angularis e duas do corpo (parede anterior e posterior a 8 cm do cárdia).

 

Todas as úlceras devem ser biopsiadas?

Segundo o guideline da ASGE a indicação de biopsiar ou não as úlceras gástricas deve ser individualizado. Quando a aparência endoscópica de uma úlcera gástrica é sugestiva de malignidade devido a características específicas como lesão com massa associada, úlcera irregular de bordas elevadas e retração de pregas mucosas adjacentes, as biópsias endoscópicas devem ser realizadas. 1  Já as úlceras de aspecto benigno, em pacientes jovens em uso de AAS ou com H. pylori positivo podem não ser biopsiadas.

Úlceras duodenais não precisam ser biopsiadas rotineiramente.

Quando as biópsias forem realizadas, devem ser coletados no mínimo 5 fragmentos incluindo bordas nos quatro quadrantes e fundo da úlcera.

A exceção a essa regra são as lesões onde se suspeita de neoplasia precoce. Nestes casos o número de biópsias deve ser reduzido e dirigido pela cromoscopia ou magnificação.

 

Vigilância.  É necessário repetir a endoscopia após o tratamento?

A vigilância é indicada devido a algumas úlceras gástricas malignas se apresentarem inicialmente com aspecto muito semelhante à ulcera péptica.

Deve-se realizar a endoscopia de controle em 8-12 semanas após o tratamento das úlceras gástricas com IBP e erradicação da bactéria H. pylori.

Em pacientes jovens, com úlceras relacionadas ao uso de AINEs, com biópsias benignas, H. pylori negativo e melhora completa dos sintomas o controle endoscópico pode ser dispensado.

As úlceras duodenais só necessitam controle endoscópico se houver persistência dos sintomas.

 

 

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Gastrite atrófica – guia prático sobre OLGA e OLGIM

A gastrite atrófica é um achado frequente de exames endoscópicos, sendo um dos fatores de risco para o desenvolvimento de câncer gástrico.  Para identificar e estratificar grupos de risco foi criada uma classificação denominada OLGA (Operative Link of Gastritis Assesment), baseada na localização das biópsias e achados histológicos avaliando de forma objetiva o grau de atrofia.  A classificação é reprodutível, de fácil execução, permitindo selecionar o grupo de pacientes de maior risco que devem ter seguimento mais rígido, mantendo a custo-efetividade do rastreamento.

Resumidamente, as biópsias devem ser realizadas nos seguintes locais e identificadas em três frascos separados, com ao menos dois fragmentos de cada local: 

  1. Parede anterior e parede posterior de corpo (C1 e C2) 
  2. Incisura angular (A3)
  3. Pequena e grande curvatura de antro (A1 e A2)

Obs: se quiser uma discussão mais aprofundada a respeito dos locais de biópsia, confira esse outro artigo: onde coletar as biópsias para estadiamento OLGA?

O escore OLGA é classificado de acordo com o resultado destas biópsias, conforme tabela abaixo: 

Escore OLGA
Escore de OLGA para avaliação de atrofia gástrica

Essa classificação não leva em consideração a avaliação de outro fator de risco relevante caracterizado pela metaplasia intestinal. Para suprir esta deficiência, a classificação de OLGIM foi criada e basicamente reproduz a mesma ideia de avaliar a localização de biópsias com aspectos histológicos, porém voltadas para a metaplasia intestinal.

Os estágios são muito parecidos conforme disposto na tabela abaixo:

Score OLGIM
Score de OLGIM para avaliação de metaplasia intestinal

É realmente necessário fazer essas biópsias? A avaliação endoscópica não é suficiente?? 

Diversas publicações mostraram ao longo do tempo que os scores OLGA III/IV possuem maior risco para desenvolvimento de câncer gástrico, sendo relevante realizar seguimento cuidadoso neste subgrupo. Dentre elas destaca-se a publicação da GUT de 2007 envolvendo 448 pacientes  estratificados utilizando o sistema OLGA com identificação de aumento gradativo da faixa etária e prevalência de infeção com H. Pylori (HP) nos escores maiores. Além disso, lesões neoplásicas foram identificadas apenas nos estágios OLGA III e IV. 

Publicações mais recentes corroboram estes achados como a extensa metanálise envolvendo cerca de 2700 pacientes (8 estudos , dos quais 6 caso-controle) realizada por Yue H et al em 2018. Nessa publicação, foi descrito maior risco de desenvolvimento de câncer gástrico em escores  OLGA III e IV (OR 2,64; 95% IC p<0,00001) e OLGIM III e IV (OR  3.99;  95%  IC , p< 0,00001), confirmando a importância dos escores descritos nesse post e ressaltando a importância de fazer sim as biópsias. 

O que dizem então os guidelines?

ASGE (2021 )

  • As biópsias devem ser realizadas em antro, incisura e corpo;
  • A presença de metaplasia intestinal implica em diagnóstico de gastrite atrófica; 
  • Achados endoscópicos típicos: mucosa gástrica pálida, aumento da visualização de vascularização submucosa e perda de pregas gástricas;
  • Pacientes com gastrite atrófica e com HP + devem realizar tratamento e confirmar erradicação;
  • Rastreamento a cada 3 anos em pacientes com atrofia gástrica avançada (baseado na histologia e extensão de acometimento); 
  • Na presença de gastrite autoimune, pesquisar vitamina B12, Ferro e anticorpos anticorpos anti-célula parietal e anti-fator intrínseco, doenças tireoideanas. Suspeitar de gastrite autoimune em pacientes com deficiência de B12 e/ou de Ferro;
  • Anemia perniciosa é uma manifestação tardia de gastrite autoimune – no diagnóstico realizar biópsias para confirmar predominância de atrofia em corpo e excluir neoplasia e tumores neuroendócrinos;
  • Pacientes com gastrite autoimune devem ser rastreados para tumor neuroendócrino tipo 1 e os menores que 1cm devem ser ressecados. Controle endoscópico a cada 1-2 anos. 

ESGE (2019 – MAPSII)

  • Pacientes com gastrite atrófica ou metaplasia intestinal possuem risco aumentado de adenocarcinoma;
  • Endoscopia com equipamentos de alta definição e cromoscopia (CE) são superiores a endoscópios de alta definição com luz convencional
  • Cromoscopia pode direcionar as biópsias para áreas mais representativas, com maior risco de malignidade;  
  • Realizar biópsias em ao menos dois locais (corpo e antro – grande e pequena curvaturas) e enviar em frascos separados; 
  • Pacientes com atrofia leve a moderada restrita ao antro não possuem evidência para recomendação de rastreamento;
  • Pacientes com metaplasia intestinal em uma única região porém com histórico familiar de câncer gástrico, metaplasia incompleta ou gastrite crônica com HP persistente – considerar rastreamento e biópsias guiadas por CE em 3 anos; 
  • Casos de gastrite atrófica severa devem ser rastreados a cada 3 anos;
  • Displasia, sem lesão endoscópica definida devem ser submetidos a endoscopia com CE; 
  • Lesão endoscópica com displasia de baixo ou alto grau / carcinoma devem ser estadiados e tratados; 
  • Erradicação de H. pylori traz cicatrização do tecido não atrófico reduzindo o risco de câncer.

Referências:

  1. Yue, H., Shan, L., & Bin, L. (2018). The significance of OLGA and OLGIM staging systems in the risk assessment of gastric cancer: a systematic review and meta-analysis. In Gastric Cancer (Vol. 21, Issue 4, pp. 579–587).
  2. Rugge, M., Meggio, A., Pennelli, G., Piscioli, F., Giacomelli, L., de Pretis, G., & Graham, D. Y. (2007). Gastritis staging in clinical practice: The OLGA staging system. Gut, 56(5), 631–636.
  3. Coelho, M. C. F., et al. (2021). Helicobacter pylori chronic gastritis on patients with premalignant conditions: Olga and olgim evaluation and serum biomarkers performance. Arquivos de Gastroenterologia, 58(1), 39–47.
  4. Pimentel-Nunes, P., Libânio, D., Marcos-Pinto, R., et al. (2019). Management of epithelial precancerous conditions and lesions in the stomach (MAPS II): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE), European Helicobacter and Microbiota Study Group (EHMSG), European Society of Pathology (ESP), and Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED) guideline update 2019. Endoscopy, 51(4)

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