Qual melhor forma de sedar o paciente para CPRE: anestesia geral ou sedação profunda sem intubação?

Os eventos adversos mais comuns na CPRE estão relacionados a sedação. O tipo de sedação utilizado nas CPREs varia ao redor do mundo e inclui desde sedação realizada pelo próprio endoscopista à anestesia assistida pelo anestesiologista, que pode ser com ou sem intubação orotraqueal (IOT). Poucos estudos, no entanto, compararam os efeitos adversos relacionados a sedação profunda monitorizada pelo anestesista sem IOT com a anestesia geral sob IOT.

Um único estudo randomizado sobre esse tema foi realizado para pacientes de alto risco para sedação e concluiu que a anestesia geral estava associada a significativamente menos efeitos adversos e que não comprometeu o tempo da CPRE ou a taxa de sucesso quando comparada a sedação profunda.

Hoje discutiremos um artigo intitulado “Randomized trial comparing general anesthesia with anesthesiologist administered deep sedation for ERCP in average-risk patients”, onde os autores conduziram um estudo randomizado, em um hospital terciário de referência em CPRE na Arábia Saudita, com o objetivo de comparar a segurança e a eficácia da sedação profunda assistida pelo anestesiologista com a anestesia geral em pacientes de médio risco.

Métodos:

Todos os pacientes emaiores de 18 anos com ASA menor ou igual a III eram elegíveis para o estudo. Foram excluídos pacientes que precisaram de CPRE de emergência, ASA IV ou V, que tinham anatomia alterada por cirurgia prévia, gestantes, suspeita de IOT difícil pela escala de Mallampati, alérgicos a alguma das medicações anestésicas usadas no estudo para sedação ou não eram aptos a assinar o termo de consentimento.

Os pacientes foram randomizados (1:1) e anestesiologista e endoscopista foram informados no momento do procedimento a que grupo o paciente pertencia.

Para sedação profunda sem IOT foi utilizado propofol em bolus seguido de infusão contínua. Na anestesia geral foram usados cisatracurio como relaxante muscular e propofol para indução. A anestesia profunda foi mantida utilizando anestésicos inalatórios, além de fentanil e outras drogas a critério do anestesiologista.

Os procedimentos foram realizados em decúbito ventral e todos os pacientes foram encaminhados para sala de recuperação pós-anestésica e mantidos sob monitorização contínua sob supervisão do anestesiologista até estarem aptos a alta.

O desfecho primário foi a proporção de pacientes de cada grupo que desenvolveu os seguintes efeitos adversos relacionados a sedação:

  • Hipotensão, quando a PAS caiu abaixo de 25% da PAS basal, com necessidade de droga vasoativa;
  • Arritmia cardíaca: bradicardia < 50 bpm ou taquicardia > 120 bpm, com necessidade de tratamento;
  • Hipóxia, quando a saturação caiu abaixo de 90% em qualquer período de tempo;
  • Hipercapnia, quando o CO2 aumentou mais de 25% em relação a linha de base;
  • Apnéia, quando a atividade respiratória cessou por 10 segundos via capnografia;
  • Ou qualquer interrupção ou suspensão do procedimento devido à sedação.

Os desfechos secundários foram o tempo de indução da sedação, tempo do procedimento, tempo de recuperação, incidência de sucesso na CPRE e incidência de complicações relacionadas a CPRE (sangramento, perfuração e pancreatite).

Resultados

Duzentos e quatro pacientes foram randomizados: 107 no grupo anestesia geral e 97 no grupo sedação profunda sem IOT. Um paciente do grupo da sedação foi retirado por apresentar arritmia após a randomização e antes da administração de qualquer sedativo. Não houve diferença entre os grupos com relação aos dados demográficos, comorbidades e indicação da CPRE.

Com relação ao desfecho primário, 44 pacientes tiveram efeitos adversos relacionados a sedação, que foram significativamente maiores no grupo sedação profunda sem IOT (34/96 – 35%) que no grupo anestesia geral (10/107 – 9%),  p<0,001.

Trinta e quatro pacientes do grupo sedação sem IOT tiveram 50 efeitos adversos, portanto alguns pacientes apresentaram mais que um efeito. A maioria desses efeitos resultou na interrupção temporária da CPRE (28/50 – 56%), principalmente pela necessidade de manipulação da via aérea (2 deles necessitando de IOT e conversão para anestesia geral) porém os procedimentos foram concluídos. Não houve necessidade dessa interrupção temporária no grupo da anestesia geral.

Exceto pelo tempo de indução que foi significativamente maior no grupo da anestesia geral (p<0,001), a duração da CPRE e o tempo de recuperação foi similar em ambos os grupos. Houve 02 sangramentos e 01 perfuração no grupo sedação sem IOT e não houve complicação relacionada a CPRE no grupo IOT.

Para identificar os fatores preditores dos efeitos adversos, foi feita análise univariada. Entretanto, nenhuma das variáveis incluindo gênero, idade, ASA, IMC, comorbidades, escala de Mallampati, indicação do procedimento, tempo do procedimento ou uso do fentanil foi significativamente associada a efeitos adversos.

Na regressão logística multivariada usando as variáveis mencionadas acima, o tempo do procedimento foi significativamente associado com efeitos adversos (OR 1,016; p= 0,026). Após remover as interrupções do procedimento e focar apenas nos eventos cardiorrespiratórios, o tempo do procedimento não foi mais significativo no modelo multivariado.

Discussão

Esse estudo randomizado mostrou que, para pacientes de médio risco que serão submetidos a CPRE, a anestesia geral está associada a significativamente menor risco de efeitos adversos relacionados a sedação quando comparada à sedação profunda sem IOT (9% x 35%, respectivamente; p< 0,001)

O tempo do procedimento foi um preditor independente para efeitos adversos. Porém, a associação entre duração do procedimento e efeitos adversos é complicada. A complexidade do procedimento, a dificuldade na canulação e o tipo de intervenção terapêutica prolongam a CPRE, o que potencialmente agrava os efeitos adversos. Por outro lado, os efeitos adversos e a necessidade de resolvê-los podem prolongar a duração do procedimento, o que dificulta estabelecer uma relação de causalidade com certeza.

Leia o artigo na íntegra (grátis) em: https://www.giejournal.org/article/S0016-5107(22)01739-4/fulltext




Você conhece as principais contraindicações à confecção da gastrostomia endoscópica?

O acesso enteral é a criação de uma via artificial através de um tubo apropriado para fornecer nutrição, medicações específicas ou até mesmo realizar descompressão. Essa comunicação com o trato gastrointestinal pode ser percutânea ou por meio de orifícios naturais.

A gastrostomia percutânea é o estabelecimento de acesso ao estômago através da parede abdominal, que pode ser realizada cirurgicamente (gastrostomia cirúrgica percutânea [PSG]), endoscopicamente (gastrostomia endoscópica percutânea [PEG]) ou até mesmo com orientação radiológica (ultrassom ou fluoroscópica – gastrostomia de inserção radiológica [RIG]).

A confecção da PEG figura entre os procedimentos endoscópicos mais comuns, sobretudo no âmbito dos serviços hospitalares, portanto, para além de conhecer as indicações, que usualmente competem aos respectivos Médicos Assistentes, cabe ao Endoscopista dominar minuciosamente as condições que contraindicam a sua realização.

Na maioria das vezes a indicação é clássica, decorrente da impossibilidade de ingesta oral, usualmente por desordens neurológicas (AVE, Parkinson, TCE, Demência, etc) ou obstrução (tumores do esôfago, orofaringe e cabeça/pescoço) e o cenário clínico favorável, fazendo com que o sucesso técnico possua cifras bastante elevadas.

No entanto, em algumas situações o cenário de realização é desafiador e apresenta riscos mais aumentados, porém, sem configurar uma contraindicação ABSOLUTA, onde a indicação merece ser discutida de maneira individualizada com a equipe médica e familiares, ponderando a relação risco-benefício, são as chamadas contraindicações RELATIVAS.

CONTRAINDICAÇÕES ABSOLUTAS à realização da PEG:

  • Obstrução mecânica do trato gastrointestinal – localizada além do tubo enteral, exceto se o próprio procedimento seja para proceder a descompressão
  • Peritonite ativa
  • Coagulopatia incorrigível
  • Isquemia intestinal em curso

Principais CONTRAINDICAÇÕES RELATIVAS à realização da PEG:

  1. HDA recente com risco de ressangramento
  2. Ascite
  3. Derivação ventriculoperitoneal
  4. Cirurgias prévias
  1. Sangramento gastrointestinal recente por úlcera péptica com vaso visível (Forrest IIA) ou por varizes esofágicas está associado a uma alta taxa de ressangramento, portanto, a decisão de obter acesso e iniciar nutrição enteral deve ser adiada por 72h. Pacientes com sangramentos de angiodisplasia e lesões agudas de mucosa gastroduodenal têm menos risco de ressangramento, logo não requerem atraso na confecção do acesso enteral.
  2. A confecção de PEG na presença de ascite é desafiadora, visto que pode prejudicar a maturação do trato estomal e aumentar o risco de peritonite bacteriana. Um estudo recente de 583 pacientes com cirrose não mostrou nenhuma diferença significativa para sangramento, infecção ou mortalidade em pacientes com ascite. Preferencialmente o procedimento deve ser feito após paracentese, tentando-se evitar a recrudescência da ascite por um período de 7 a 10 dias após a inserção do tubo, a fim de permitir melhor maturação do trato. Dispositivos de gastropexia podem ser usados para fixar o estômago à parede abdominal anterior e mitigar o risco com a eventual reacumulação de liquido.
  3. Em relação confecção de PEG e derivações ventriculoperitoneais (DVP), uma revisão sistemática recente de 208 pacientes concluiu que as taxas globais de infecção e mau funcionamento da DVP foram de 12,5% e 4,4%, respectivamente. As infecções ocorreram com mais frequência entre os pacientes que primeiro fizeram PEG e subsequente a DVP (21,8%) e nos pacientes que tiveram colocação simultânea da PEG e DVP (50%). Portanto, a PEG deve ser preferencialmente realizada após a DVP.
  4. Finalmente, defeitos da parede abdominal, como presença de “ostomias” ou drenos, cicatrizes cirúrgicas e presença de aderências podem aumentar o risco do procedimento, portanto, um planejamento mais cauteloso da escolha do local de colocação da PEG deve ser adotado, sempre respeitando a “janela” endoscópica. Manter uma distância de pelo menos 2 cm de qualquer cicatriz cirúrgica abdominal é recomendável e pode reduzir risco adicional evitando  qualquer alça intestinal intercalada, potencialmente presa em tecido cicatricial e aderências entre a parede abdominal e a superfície externa do estômago/jejuno.

Por fim, em termos de potencial risco hemorrágico, o acesso percutâneo (PEG) é considerado um procedimento de alto risco. A avaliação pré-procedimento deve incorporar investigações laboratoriais, incluindo hemograma completo (com atenção especial à contagem de plaquetas) e testes de coagulação; os limites recomendados são uma contagem de plaquetas > 50.000/μL e um INR < 1,5. Quanto ao uso concomitante de antiagregantes e anticoagulantes, os mesmos devem ser suspensos conforme recomendações específicas que figuram em guidelines e consensos internacionais.

O conhecimento das principais ressalvas ao procedimento de gastrostosmia endoscópica percutânea é obrigatório a todo endoscopista a fim de reduzir os riscos de complicações, bem como selecionar a técnica que melhor se aplique ao caso em questão.

Referências bibliográficas

  1.  Endoscopic management of enteral tubes in adult patients – Part 1: Definitions and indications. European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2021 Jan;53(1):81-92.  doi: 10.1055/a-1303-7449.  Epub 2020 Dec
  2.  Endoscopic management of enteral tubes in adult patients – Part 2: Peri- and post-procedural management. European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2021 Feb;53(2):178-195.  doi: 10.1055/a-1331-8080.  Epub 2020 Dec 21.

Como citar este artigo

Ribeiro MSL, Você conhece as principais contraindicações à confecção da gastrostomia endoscópica?  Endoscopia Terapeutica 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/?p=14111&preview=truehttps://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/voce-conhece-as-principais-contraindicacoes-a-confeccao-da-gastrostomia-endoscopica/ 




Quiz! ESÔFAGO DE BARRETT

Paciente do sexo masculino, 42 anos, obeso, tabagista, com sintomas de DRGE apresenta a seguinte imagem em sua primeira endoscopia alta.




Você sabe configurar seu bisturi elétrico?

O bisturi elétrico utiliza de corrente elétrica de alta frequência num tecido biológico, com intuito de conseguir efeitos médicos pela liberação de calor local. Os efeitos mais importantes para cirurgia de alta frequência são a coagulação e o corte.

  • A coagulação ocorre entre 60ºC e 100 ºC levando à evaporação dos líquidos, dessa forma o tecido seca e se contrai.
  • O corte, que ocorre a 100ºC ,causa a vaporização de líquido tecidual de forma muito rápida, culminando com o rompimento das membranas celulares, e consequente corte do tecido.

A aplicação dessa energia pode ser a partir da técnica monopolar, em que a corrente flui entre um eletrodo ativo com superfície de contato pequena (bisturi) para outro eletrodo neutro, com superfície de contato grande (placa). Outra forma é através da técnica bipolar em que os dois eletrodos estão integrados no mesmo instrumento, dessa forma a corrente flui entre uma área muito limitada de tecido entre esses dois eletrodos.

Figura 1A: circuito de corrente monopolar
Figura 1B: circuito de corrente bipolar

Cuidados

Tendo em vista que no campo operatório deve haver uma concentração de corrente para obtermos o resultado esperado, fora dele se houver um estrangulamento da corrente podem ocorrer queimaduras. Desta forma o percurso da corrente no corpo deve ser o mais curto possível e com grande seção transversal.

Evitar transmissão da corrente em áreas de articulações e especialmente não colocar a placa em tecidos cicatrizados, protuberâncias ósseas, implantes metálicos e regiões do corpo ricas em gordura. Sempre limpar a pele para retirada de gordura, sem utilizar álcool, colocar a placa na região já seca e sem a presença de pelos. Ficar atento com correntes de fuga (contato com maca ou outros objetos metálicos), conferir se o paciente não está molhado e colocar o eletrodo neutro (placa) com boa área de contato com a pele do paciente e o mais próximo possível do campo operatório.

Unidades eletrocirúrgicas mais modernas são conectadas a placas de duas partes associado a uma superfície anelar que distribui melhor a corrente por todo o acessório evitando aquecimento de apenas um lado. Além disso verificam continuamente se essa placa está conectada corretamente e com toda a sua superfície em contato, comparando permanentemente as correntes das duas superfícies do eletrodo neutro. A ativação é interrompida com um sinal de advertência no caso de discrepâncias grandes, evitando complicações. Assim sempre que possível deve ser optado por esse modelo.

Figura 2A: Alta densidade de corrente (aquecimento) na extremidade voltada para o procedimento cirúrgico em caso de eletrodo neutro convencional mal posicionado
Figura 2B: Distribuição de corrente sem aquecimento parcial com placa bipartida associado a anel, que pode ser posicionado independentemente do sentido
Figura 3: termografia comparando a placa bipartida com e sem anel

Alguns adornos pouco perceptíveis devem ser observados como cílios postiços e apliques (uso associado de colas, nylons ou metais) que podem interferir com a transmissão decorrente causando queimaduras.

A corrente alternada também pode interferir nos aparelhos eletroeletrônicos implantáveis como marca-passos, devendo sempre entrar em contato com a empresa responsável pelo aparelho antes do procedimento.

Com relação a gravidez não são conhecidos eventos adversos no embrião provocados por correntes cirúrgicas monopolares, mas deve-se evitar o percurso da corrente pelo feto e quando possível recomenda-se a utilização do bipolar.

Conceitos

Falaremos abaixo sobre os conceitos mais utilizados na endoscopia apresentados na unidade eletrocirúrgica.

Efeito: se relaciona com o efeito hemostático e é proporcional à voltagem. Quanto maior o efeito maior a hemostasia (I a IV). Deve ser escolhido de acordo com a espessura da parede do órgão.

  • Efeito I:  ceco, cólon direito
  • Efeito II:  duodeno, pólipos > 5 – 10 mm
  • Efeito III:  esôfago, estômago, pólipos 10 –15 mm
  • Efeito IV:  reto, pólipos pediculados, pólipos >15 mm, tumores grandes

No nível I não ocorre nenhuma coagulação entre cada ciclo de corte, trata-se de uma corrente de corte. O nível de efeito 1 é vantajoso para a remoção de pólipos em estruturas de paredes finas e que corram particular risco, pois, neste caso, um dano térmico devido a uma coagulação demasiado forte pode provocar uma perfuração.

 
Figura 4: relação entre efeito e borda de coagulação (adaptada à partir de material de divulgação de acesso aberto, ERBE)

Duração de corte: também apresenta quatro ajustes e tem relação direta com a profundidade do corte.

Figura 5: relação entre duração do corte e profundidade

Intervalo de corte: é o tempo de intervalo entre um corte e outro. Intervalos baixos levarão a cortes mais rápidos com baixa coagulação e intervalos altos cortes mais lentos e controlados. É configurado de 1 a 10.

Modos de corte:

  • AUTO CUT: corte puro. Utilizado na drenagem de pseudocisto
  • DRY CUT: boa hemostasia primária com desenvolvimento mínimo de fumaça. Utilizado na dissecção endoscópica da submucosa em incisões iniciais e circulares e na dissecção.
  • ENDO CUT: faz um acionamento em fases distintas entre corte e coagulação, com leitura da impedância tecidual e ajuste pelo efeito hemostático.
Figura 6: ciclo do endocut

ENDO CUT I: tem reduzida tensão de pico que proporciona efeito zíper menor e menor dispersão de energia no tecido, indicado para papilotomia.

Em comparação com a tecnologia sem ENDO CUT, o controle do corte no ENDO CUT I já não é feito pressionando o interruptor de pedal em intervalos de 1-2 segundos. Com a ajuda do modo de corte fracionado ENDO CUT I, é possível efetuar automaticamente um corte controlado e suficientemente lento com o interruptor de pedal pressionado, reduzindo-se, assim, o risco de corte descontrolado.

Nos casos de sangramento persistentes pós-polipectomia, é possível obter uma hemostasia através do papilótomo, ativando por instantes, o interruptor de pedal azul (coagulação) com o modo FORCED COAG em 60 watts, efeito 2.

Figura 7: recomendações de ajuste ENDO CUT I

ENDO CUT Q: modo utilizado para polipectomias e mucosectomias.

Figura 8: recomendações de ajuste para polipectomias
Figura 9: recomendações de ajuste para mucosectomias
Figura 10: recomendações de ajuste para ESD
Figura 11: recomendação de ajuste para POEM

Nota: essas são apenas recomendações do fabricante visto a experiência reunida de alguns serviços, porém podem variar de acordo com a opção pessoal.

Uma particularidade sobre as alças é que as monofilamentares têm menor área de contato com o tecido, em comparação com as multifilamentares (vários fios) com o mesmo diâmetro, o que resulta em uma coagulação reduzida.

O diâmetro do fio também influencia o grau de coagulação. Um diâmetro pequeno produz um efeito de coagulação reduzido e, ao mesmo tempo, um efeito de corte superior. As alças monofilamentares são mecanicamente mais rígidas do que as alças multifilamentares, entregando maior facilidade na apreensão do tecido.

Modos de coagulação

  • SOFT COAG: modo mais suave, mais profundo e mais brando. Indicado, por exemplo, para a coagulação de hemorragias menores com um tempo de aplicação máximo entre 1 e 2 segundos.
  • FORCED COAG: modo mais intenso e mais superficial. Utilizado como pré-coagulação em pólipos pediculados grandes ou na hemorragia pós-papilotomia.
  • SWIFT COAG: boa dissecção com mínimo desenvolvimento de fumaça. Muito utilizado na tunelização submucosa (POEM).
  • SPRAY COAG: eficiente coagulação superficial com profundidade de penetração limitada.
Figura 12: comparação de modos de coagulação

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Referências

Agradecimentos

Agradecimentos a Lucas Salgado de Salles Oliveira (Especialista Clínico ERBE) e Luis Roberto Tribst (Gerente Nacional ERBE) em nome da ERBE do Brasil pelo uso das imagens e referências técnicas.

Como citar este artigo

Oliveira JF. Você sabe configurar seu bisturi elétrico? Endoscopia Terapêutica 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/voce-sabe-configurar-seu-bisturi-eletrico/




Guideline ESGE – Sangramento Varicoso

Em novembro 2022 a ESGE lançou seu novo guideline sobre sangramento varicoso.

Esse guideline já incorpora os novos conceitos introduzidos pelo consenso de Baveno VII. O artigo na íntegra pode ser obtido através deste link.

No vídeo a seguir trazemos um breve resumo deste guideline. Bons estudos!

Referência

Gralnek IM, Camus Duboc M, Garcia-Pagan JC, Fuccio L, Karstensen JG, Hucl T, Jovanovic I, Awadie H, Hernandez-Gea V, Tantau M, Ebigbo A, Ibrahim M, Vlachogiannakos J, Burgmans MC, Rosasco R, Triantafyllou K. Endoscopic diagnosis and management of esophagogastric variceal hemorrhage: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2022 Nov;54(11):1094-1120. doi: 10.1055/a-1939-4887. Epub 2022 Sep 29. PMID: 36174643.




Ingestão de cáusticos e endoscopia – quando podemos realmente ajudar no quadro agudo?

A ingestão de cáusticos representa problema relevante tanto pelos danos agudos como crônicos, envolvendo pacientes de todas as faixas etárias. Na população pediátrica está habitualmente associada a ingestão acidental principalmente de produtos de limpeza armazenados de forma incorreta e reaproveitamento de embalagens.  Nas outras faixas etárias, tentativas de suicídio através da ingesta intencional de cáusticos são causa relevante, senão a mais frequente e grave.

Os agentes cáusticos podem sem ácidos (ácido muriático, ácido sulfúrico, ácido fórmico -“formol”) ou álcalis (bases), dos quais os principais representantes em nosso meio são o hipoclorito de sódio (água sanitária) e hidróxido de sódio (soda cáustica). O potencial de dano relevante está associado a dois fatores principais, o pH do produto (maior risco com pH<2 ou >11) e o volume ingerido.

A ingestão de cáusticos alcalinos está associada a dano por necrose por liquefação onde há saponificação dos lipídeos, desnaturação de proteínas e trombose capilar com potencial de danos mais profundos e perfuração. O dano secundário à ingestão de ácidos está associado por sua vez à necrose por coagulação. Há uma evolução natural no processo de dano e cicatrização da mucosa que pode ser dividido em três fases principais:

  • Fase aguda (até 10 dias) – necrose aguda (liquefação ou coagulação), trombose e ativação de cascata inflamatória; início da deposição de colágeno e re-epitelização.
  • Fase sub-aguda (10 dias – 6 a 8 semanas) – maior atividade dos mecanismos de reparação, aumento de colágeno e reepitelização o que pode conferir melhora sintomática inicial, com potencial de retorno à dieta oral. Considerada uma fase “traiçoeira” pois os sintomas melhoram enquanto o esôfago se reepiteliza e forma possíveis estenoses.
  • Fase crônica (>6 a 8 semanas) – fase de cicatrização e estenoses. Há recrudescimento de sintomas de odinofagia, disfagia e vômitos pelo estabelecimento de estenoses cicatriciais no esôfago.

Manejo inicial

O manejo inicial visa oferecer suporte, com avaliação de possíveis danos às vias áreas, hidratação, dieta zero e realização de exames complementares. Os laboratoriais incluem hemograma, ureia, creatinina, enzimas hepáticas, enquanto os exames de imagem podem incluir radiografia simples (avaliar pneumoperitônio, pneumotórax ou pneumomediastino) e endoscopia. A tomografia tem capacidade de avaliar a profundidade do dano ao trato digestivo (não avaliada pela endoscopia), sendo utilizada em diversos centros, porém não é utilizada rotineiramente em nosso meio.

Endoscopia

A endoscopia digestiva alta possui papel importante no tratamento dos pacientes com ingestão cáustica através da classificação das lesões e consequente identificação do grupo de pacientes com maior risco para desenvolvimento de estenoses, os quais devem ser incluídos em um programa de dilatação.  A classificação utilizada é a Classificação de Zargar, sendo bastante simples:

  • Grau 1 – edema e enantema;
  • Grau 2 a – Friabilidade, erosões, eritema, exsudato inflamatório difuso;
  • Grau 2 b – úlceras superficiais ou profundas, confluentes ou não;
  • Grau 3 a – áreas de necrose;
  • Grau 3 b – necrose extensa.

A endoscopia deve ser realizada o quanto antes, preferencialmente nas primeiras 24h da ingesta e no máximo até 48h após. Após esse período, o risco de agravamento de lesões é maior e a endoscopia deve ser suspensa, podendo ser realizada após 3 semanas da ingestão, momento onde podem ser iniciadas as sessões de dilatação nos pacientes de risco para desenvolvimento de estenoses (Zargar 2b ou 3). Alguns estudos sugerem a realização de estudo contrastado para confirmar a presença de estenose antes da dilatação, o que também pode ser realizado nos pacientes que não conseguiram fazer endoscopia nas primeiras 48h. A presença de necrose esofágica pode estar associada a perfuração sendo importante avaliar a profundidade da lesão com tomografia. Quadros de necrose extensa habitualmente são cirúrgicos. 

É importante considerar que a ingestão de cáusticos pode desencadear uma série de alterações sistêmicas como acidose metabólica, distúrbios eletrolíticos, insuficiência renal e também danos (ou hiperatividade) das vias aéreas (principalmente os mais voláteis) requerendo cuidado adicional na sedação destes pacientes.

Mensagens principais:

  • A endoscopia deve ser realizada precocemente (máximo 48h);
  • Não induzir vômitos pelo risco de refluxo ao esôfago e agravamento dos danos;
  • Zargar 1 e 2a – baixo risco de desenvolvimento de estenoses;
  • Zargar 3a e 3b – risco de perfuração;
  • Risco aumentado de estenose e perfuração – pH <2 ou >11;
  • Danos às vias aéreas com cáusticos voláteis;

É importante avaliar que em muitas ocasiões não temos informações fidedignas relacionadas ao produto ingerido por diversos motivos:

  • Crianças ou responsáveis podem desconhecer o produto ingerido ou não darem informações verdadeiras por temor de possíveis repercussões;
  • Pacientes com tentativa de suicídio estão atravessando momento de grande pesar e instabilidade emocional, desconhecida pelo emergencista e podem maximizar ou minimizar dados relevantes;
  • Produtos formulados, manipulados, diluídos podem conter substâncias desconhecidas ou causarem reações químicas incertas;
  • Ingestão de produtos cáusticos em ambientes de trabalho, escolas, creches, fazendas, casa de terceiros etc – o temor de repercussões negativas e responsabilização por danos podem influenciar funcionários e familiares. 

Quer saber mais sobre esofagites cáusticas ou tratamento de estenoses? Entre em contato conosco!

Referências

  1. Methasate A, Lohsiriwat V. Role of endoscopy in caustic injury of the esophagus. World J Gastrointest Endosc. 2018 Oct 16;10(10):274-282. doi: 10.4253/wjge.v10.i10.274. PMID: 30364838; PMCID: PMC6198306.
  2. ASGE Standards of Practice Committee, Lightdale JR, Acosta R, Shergill AK, Chandrasekhara V, Chathadi K, Early D, Evans JA, Fanelli RD, Fisher DA, Fonkalsrud L, Hwang JH, Kashab M, Muthusamy VR, Pasha S, Saltzman JR, Cash BD; American Society for Gastrointestinal Endoscopy. Modifications in endoscopic practice for pediatric patients. Gastrointest Endosc. 2014
  3. Chirica M, Kelly MD, Siboni S, Aiolfi A, Riva CG, Asti E, Ferrari D, Leppäniemi A, Ten Broek RPG, Brichon PY, Kluger Y, Fraga GP, Frey G, Andreollo NA, Coccolini F, Frattini C, Moore EE, Chiara O, Di Saverio S, Sartelli M, Weber D, Ansaloni L, Biffl W, Corte H, Wani I, Baiocchi G, Cattan P, Catena F, Bonavina L. Esophageal emergencies: WSES guidelines. World J Emerg Surg. 2019
  4. Tosca J, Villagrasa R, Sanahuja A, Sanchez A, Trejo GA, Herreros B, Pascual I, Mas P, Peña A, Minguez M. Caustic ingestion: development and validation of a prognostic score. Endoscopy. 2021 Aug;53(8):784-791. doi: 10.1055/a-1297-0333. Epub 2021 Jan 18. PMID: 33096569.

Como citar este artigo

Ferreira F. Ingestão de cáusticos e endoscopia – quando podemos realmente ajudar no quadro agudo? Endoscopia Terapêutica 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/ingestao-de-causticos-e-endoscopia–quando-podemos-realmente-ajudar-no-quadro-agudo/




ACHADOS ENDOSCÓPICOS RELACIONADOS À INFECÇÃO PELO H. PYLORI

O H pylori

O Helicobacter pylori é uma bactéria gram-negativa que induz reações celulares e químicas no estômago, sendo considerada carcinógeno humano. Seu diagnóstico e tratamento têm importante papel na prevenção de doenças associadas, como câncer gástrico, úlceras, linfoma MALT e pólipos hiperplásicos. (Para saber mais sobre H. PYLORI, acesse esse post 1 e esse post 2)

Sabemos que existem vários testes diagnósticos, desde não invasivos (sorologia, teste respiratório e antígeno fecal) até os invasivos (urease, cultura e histologia). Os métodos não invasivos possuem alta acurácia, porém não avaliam as alterações da mucosa gástrica. Para saber mais sobre os testes diagnósticos acesse esse post.

Devido ao caráter focal da colonização bacteriana, a acurácia dos métodos invasivos, por sua vez, depende do local, número e tamanho das biópsias. Estas, quando mal direcionadas, podem resultar em falsos-negativos.  Dessa forma, é importante avaliarmos os preditores endoscópicos da presença ou ausência do H. pylori a fim de direcionar biópsias para áreas de maior probabilidade de infecção, assim como até evitá-las quando o valor preditivo positivo for alto.

Estudos demonstraram que, apesar de não serem patognomônicos, alguns achados endoscópicos estão associados à presença do H. pylori. Recentemente, novas tecnologias de cromoscopia e magnificação permitiram a análise da microestrutura da mucosa gástrica e, consequentemente, maior acurácia na determinação do status de infecção (ausência, infecção ativa e pós-erradicação).

O objetivo deste artigo é auxiliar os endoscopistas na avaliação dos achados endoscópicos relacionados ao H. pylori tanto à luz branca, quanto à cromoscopia e magnificação.

Então vamos lá!

2. Achados do estômago não infectado

2.1 À luz branca

O estômago normal apresenta coloração rósea-avermelhada e brilhante e o pregueado mucoso está presente de maneira uniforme. O muco deve ser hialino e frequentemente formando pequeno lago.  No corpo e fundo, as pregas estão mais concentradas na grande curvatura, em forma de tenda e que tendem a desaparecer com a insuflação. Já o antro é plano, com tonalidade clara.

2.2 À cromoscopia e magnificação

Para entendermos as alterações visualizadas na magnificação endoscópica, precisamos primeiro saber a histomorfologia da mucosa normal do estômago.

Para saber mais sobre a histologia normal do estômago Clique aqui

Resumidamente, a mucosa do corpo gástrico é composta por orifício críptico (OC), epitélio marginal da cripta (MCE), rede de capilar subepitelial (SECN), vasos coletores e espaços intervenientes (entre as criptas), conforme esquema a seguir:

No estômago não infectado pelo H. pylori, a rede capilar subepitelial está presente, de forma regular em todo o corpo, denominada de RAC (regular arrangement of collecting venules). O valor preditivo-negativo deste achado é maior que 90%, o que significa que sua presença na pequena curvatura de corpo distal e incisura está fortemente associada à condição de não infecção pelo H. pylori.

Podemos observar, também, que tanto o orifício da cripta quanto o epitélio marginal são ovais, regulares e simétricos. A rede capilar subepitelial (SECN) é regular e fina, em formato de favo de mel.

Figura 1: Achados endoscópicos de estômago não infectado pelo H. pylori. (a) A mucosa é lisa, brilhante, com pregas uniformemente distribuídas.  (b) Vênulas coletoras com distribuição regular (RAC). (c) RAC em detalhe com luz branca e sem magnificação. (d) Magnificação demonstrando padrão vascular dos capilares subepiteliais em “favo de mel”, orifícios redondos das criptas (amarronzados) e epitélio marginal da cripta de forma oval e regular. O RAC apresenta coloração azulada (ciano).
 
 

3. Achados do estômago infectado

3.1- À luz branca

À luz branca, os achados endoscópicos mais associados à infecção pelo H. pylori são: hiperemia difusa, enantema petequial (“salpicado”) de fundo e corpo proximal, pregas espessadas e tortuosas, edema da mucosa, exsudato fibrinoso no corpo e nodularidade antral. Com a persistência da infecção, ocorre diminuição das pregas e os vasos submucosos ficam mais visíveis, achados da gastrite atrófica.

Em estudo prospectivo multicêntrico, a sensibilidade e especificidade dos achados endoscópicos descritos acima foram de 94,3% e 62,8% (KATO,2013). A hiperemia difusa foi considerado característica mais confiável pelos endoscopistas experientes.

Sabemos que essa infecção se inicia no antro e progride para o corpo. Todavia, no antro, a acurácia diagnóstica é menor, pois os vasos estão localizados mais profundamente, prejudicando sua visualização. Portanto, devemos primeiro avaliar a presença ou ausência da hiperemia no corpo. Quando essa avaliação é difícil, devemos prestar atenção no enantema petequial, no edema, nas pregas e no exsudato fibrinoso.

Como descrito anteriormente, a ausência do padrão regular das vênulas coletoras (RAC negativo) pode estar associado à infecção ativa pelo H. pylori, mas a especificidade deste achado é baixa. Em estudo brasileiro (Fiuza F, Martins BC, 2021), a ausência de RAC esteve associada apenas a 50,6% de positividade do H. pylori. Em outras palavras, a ausência de RAC tem alta acurácia para presença da bactéria, mas nem sempre a infecção é que causa sua perda.

Importante lembrar que, na infecção pelo H. pylori, o RAC desaparece inicialmente na pequena curvatura de corpo distal e incisura, sendo esses locais os mais específicos para serem analisados. Entretanto, nas gastrites crônicas, quando a atrofia antral se estende justamente pela incisura e pequena curvatura de corpo distal, pode ocorrer desaparecimento ou deformidade do RAC, mesmo em pacientes erradicados, dificultando sua análise. Nesses casos, precisamos procurar o RAC na mucosa de corpo distal longe da atrofia.

Outro dado importante é que a última região em que o RAC fica preservado é no corpo proximal e fundo gástrico, locais que não são recomendados para avaliação da infecção bacteriana.

Figura 2: Achados endoscópicos de um estômago infectado pelo H. pylori. (a) enantema difuso, (b) enantema petequial e edema, (c) ingurgitamento de pregas, (d) exsudato fibrinoso no corpo, (e) nodularidade antral, (f) edema da mucosa e ausência do RAC, (g) atrofia.

3.2- À magnificação

Histomorfologicamente, com a infecção pelo H. pylori, as criptas tornam-se maiores e irregulares, envoltas por eritema e sulcos. Já não conseguimos ver a rede de capilares subepiteliais, pois células inflamatórias, edema, epitélio degenerado, e rompimento da rede microvascular impedem sua adequada visualização. Os orifícios das criptas ficam assimétricos e brancos devido ao depósito de conteúdo inflamatório no seu interior das glândulas. Conforme a atrofia vai se expandindo, o epitélio marginal das criptas fica aumentado e possui forma irregular e alongada/curva. É o que chamamos de “antralização” do corpo gástrico.

Em estudo brasileiro (Fiuza F, Martins BC, 2021), verificou-se que é possível identificar essas alterações da mucosa gástrica (especialmente a presença ou ausência de RAC) utilizando a tecnologia de near focus, visto que os gastroscópios com magnificação ainda não são amplamente disponíveis em nosso meio.

Figura 3: Magnificação endoscópica de estômago infectado pelo H. pylori: mucosa edemaciada, com enantema e diminuição do pregueado mucoso. Houve perda da rede capilar subepitelial normal e das vênulas coletoras. As criptas tornam-se mais alongadas e de aspecto reticular (“antralização”), com eritema e dilatação dos vasos subepiteliais.

4. Achados do estômago tratado (pós-erradicação)

Ainda permanece controverso se o tratamento do H. pylori pode reverter a gastrite atrófica e a metaplasia intestinal. Além disso, pode levar até 10-15 anos para a mucosa se recuperar e voltar ao normal.

Após a erradicação, as áreas não atróficas dissipam a inflamação e as áreas atróficas tornam-se relativamente avermelhadas quando comparadas à mucosa adjacente. Isso confere o padrão em “mapa”. Esse padrão pode estar associado ao desenvolvimento de câncer gástrico tanto primário quando metacrônico mesmo após tratamento efetivo do H. pylori.

Outra característica descrita é o padrão “rachado” (cracked pattern, em inglês), onde aparecem sulcos na mucosa antral, indicando mucosa reparativa. 

Estudos demonstraram que a terapia de erradicação pode alterar as características do estômago reparado, causando dificuldade no diagnóstico de câncer gástrico precoce. Por isso que o status pós-erradicação deve ser distinguido da negatividade do H. pylori

 Figura 4: Padrão tipo “mapa”: lesões avermelhadas planas ou superficialmente deprimidas de vários formatos, tamanhos e densidades de enantema. Acredita-se que o mecanismo da aparência em mapa seja o fortalecimento do contraste entre a mucosa não atrófica e a mucosa atrófica após o desaparecimento do enantema difuso. Esse achado não está sempre presente, porém, quando observado, é indicativo de mucosa gástrica pós erradicação.
Figura 5: Padrão de atrofia com “rachaduras” (Cracked pattern, em inglês). Esse achado não indica presença de H. pylori, mas pode representar evidência de reparação da gastrite após sua erradicação.

Referências

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Yao K. The endoscopic diagnosis of early gastric cancer. Ann Gastroenterol. 2013;26(1):11-22. 

Yagi K, Nakamura A, Sekine A. Comparison between magnifying endoscopy and histological, culture and urease test findings from the gastric mucosa of the corpus. Endoscopy. 2002 May;34(5):376-81. 

Yuan C, Lin XM, Ou Y, Cai L, Cheng Q, Zhou P, Liao J. Association between regular arrangement of collecting venules and Helicobacter pylori status in routine endoscopy. BMC Gastroenterol. 2021 Oct 20;21(1):389. 

Glover B, Teare J, Patel N. A systematic review of the role of non-magnified endoscopy for the assessment of H. pylori infection. Endosc Int Open. 2020 Feb;8(2):E105-E114.

Qi Q, Guo C, Ji R, Li Z, Zuo X, Li Y. Diagnostic Performance of Magnifying Endoscopy for Helicobacter pylori Infection: A Meta-Analysis. PLoS One. 2016 Dec 19;11(12):e0168201.

Weng CY, Xu JL, Sun SP, Wang KJ, Lv B. Helicobacter pylori eradication: Exploring its impacts on the gastric mucosa. World J Gastroenterol. 2021 Aug 21;27(31):5152-5170.  

Nishikawa Y, Ikeda Y, Murakami H, et al. Classification of atrophic mucosal patterns on Blue LASER Imaging for endoscopic diagnosis of Helicobacter pylori-related gastritis: A retrospective, observational study. PLoS One. 2018;13(3):e0193197.

Toyoshima O, Nishizawa T, Koike K. Endoscopic Kyoto classification of Helicobacter pylori infection and gastric cancer risk diagnosis. World J Gastroenterol. 2020 Feb 7;26(5):466-477.

Ono S, Dohi O, Yagi N, Sanomura Y, Tanaka S, Naito Y, Sakamoto N, Kato M. Accuracies of Endoscopic Diagnosis of Helicobacter pylori-Gastritis: Multicenter Prospective Study Using White Light Imaging and Linked Color Imaging. Digestion. 2020;101(5):624-630.

Kato T, Yagi N, Kamada T, Shimbo T, Watanabe H, Ida K; Study Group for Establishing Endoscopic Diagnosis of Chronic Gastritis. Diagnosis of Helicobacter pylori infection in gastric mucosa by endoscopic features: a multicenter prospective study. Dig Endosc. 2013 Sep;25(5):508-18.

Fiuza F, Maluf-Filho F, Ide E, Furuya CK Jr, Fylyk SN, Ruas JN, Stabach L, Araujo GA, Matuguma SE, Uemura RS, Sakai CM, Yamazaki K, Ueda SS, Sakai P, Martins BC. Association between mucosal surface pattern under near focus technology and Helicobacter pylori infection. World J Gastrointest Endosc. 2021 Oct 16;13(10):518-528.

Como citar este artigo

Nobre R, Baba E, Achados endoscópicos relacionados à infecção pelo H. Pylori, Endoscopia Terapêutica; 2022. Dísponivel em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/achados-endoscopicos-relacionados-a-infeccao-pelo-h-pylori




Atualizações nos Critérios Diagnósticos da Esofagite Eosinofílica (EEo)

CASO CLÍNICO

Homem, 30 anos, previamente hígido e sem comorbidades, foi submetido à Endoscopia Digestiva Alta como propedêutica de leve disfagia recorrente, principalmente com alguns alimentos, além de episódios esporádicos de sensação de entalo, há cerca de 3 meses.

É possível constatar a presença de edema, sulcos longitudinais, exsudato e anéis, todos achados endoscópicos contextualizados à Esofagite Eosinofílica, que juntamente com a história clínica e perfil epidemiológico do paciente tornam esta hipótese diagnóstica provável.

Os aspectos endoscópicos, classificações e forma correta de realizar as biópsias serão abordados numa publicação futura, dentro da segunda parte das atualizações nos critérios diagnósticos.

Por ora, vamos focar na forma mais atualizada de como concluir um diagnóstico de EEo.

Neste caso em tela, qual seria sua conduta, após receber as biópsias realizadas que evidenciaram acentuada eosinofilia esofágica?

  1. Realizar teste terapêutico com inibidores de bomba protônica, reavaliar resposta clínica e repetir EDA com biópsias (constatar regressão da eosinofilia) para saber se o diagnóstico é aplicável ou não.
  2. Diante do resultado das biópsias, já confirmar o diagnóstico e iniciar o tratamento.

Pois bem, para você que ainda considera o teste com IBP parte integrante e imprescindível da formulação do diagnóstico de EEo, trago algumas atualizações que podem modificar sua compreensão da doença. Boa leitura!

MUDANÇAS NOS CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

As primeiras diretrizes diagnósticas sobre Esofagite Eosinofílica (EEo) foram publicadas em 2007 e atualizadas em 2011. Ela foi definida como uma condição clínico-patológica imuno-mediada, caracterizada clinicamente por sintomas de disfunção esofágica e histologicamente por 15 ou mais eosinófilos por campo de grande aumento, com consenso de especialistas determinando que a melhor abordagem para descartar inflamação relacionada à doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) seria com uso de inibidor de bomba de prótons (IBP) em altas doses por 8 semanas ou através do monitoramento de pH (pHmetria). Naquela época, EEo e DRGE eram consideradas mutuamente excludentes.

Durante a década seguinte, pesquisas e experiências clínicas adicionais forneceram novos insights sobre a resposta aos IBP’s. Vários investigadores observaram que uma grande proporção de pacientes com sintomas e eosinofilia esofágica (≥15 eos/cga) responderam ao tratamento com IBP, mas não tinham apresentação clínica consistente com DRGE. Por causa disso, as diretrizes diagnósticas publicadas em 2011, 2013 e 2014 definiram uma nova condição denominada Eosinofilia Esofágica Responsiva ao IBP (PPI-REE). Pacientes com PPI-REE tinham sintomas de disfunção esofágica e ≥15 eos/cga na biópsia, mas obtiveram melhora ou resolução dos sintomas e da eosinofilia após um ciclo de IBP em altas doses. Nessas diretrizes, a PPI-REE não foi bem compreendida, mas EEo e DRGE ainda eram consideradas duas condições distintas.

No entanto, uma gama de outras pesquisas em andamento sugeriu que EEo e DRGE não eram necessariamente condições excludentes e, em vez disso, compartilhavam uma relação complexa:

  • Elas podem coexistir;
  • EEo pode levar a refluxo secundário devido à diminuição da complacência esofágica ou dismotilidade;
  • DRGE pode levar à diminuição da integridade da barreira epitelial , permitindo exposição a antígeno e subsequente eosinofilia.

Além disso, uma série de estudos examinou as características clínicas, endoscópicas e histológicas iniciais (antes do ciclo de IBP), tanto da EEo como da PPI-REE, não encontrando fatores conclusivos que pudessem distinguir as duas.

Condições atópicas concomitantes eram comuns em EEo e PPI-REE, fatores alérgicos e inflamatórios foram encontrados elevados em ambos e os perfis de expressão de RNA foram muito semelhantes entre as duas condições (e distintas da DRGE), com normalização após tratamento com esteróides tópicos ou restrição dietética, embora existissem algumas diferenças.

Finalmente, vários mecanismos não-ácido mediados potenciais foram descritos que poderiam explicar a resposta ao IBP na PPI-REE (inibição de funções inflamatórias – oxidação, fagocitose, migração celular; bloqueio de IL-13 e IL-14;  inibição de molécula-1 de adesão intercelular, etc). Assim, PPI-REE emergiu como um subtipo de EEo em alguns pacientes, e uma grande controvérsia se desenvolveu:

  • EEo e PPI-REE são de fato a mesma condição?
  • PPI-REE seria uma doença associada a alergia alimentar?
  • IBP’s devem ser considerados tratamento de primeira linha na EEo?
  • O ciclo de IBP deveria ser removido das diretrizes diagnósticas?

De fato, quando avaliados em conjunto, esses novos avanços das pesquisas forneceram um forte embasamento para a consideração da remoção do ciclo de IBP do algoritmo diagnóstico da EEo.

  • A favor da manutenção do ciclo de IBP nos critérios diagnósticos pesavam o potencial em reduzir o número de endoscopias necessárias; a ajuda em tratar a DRGE concomitante e fornecer uma abordagem em etapas para o diagnóstico de EEo.
  • A favor da eliminação do ciclo de IBP pesavam permitir a capacidade de discutir uma gama de terapias (por exemplo, algumas usadas para EEo clássica) sem comprometer os pacientes com um IBP desde o início; ajudar a conseguir um recrutamento mais amplo em ensaios clínicos e permitir o tratamento da eosinofilia esofágica com o próprio IBP independentemente da causa subjacente, removendo a resposta à medicação como critério diagnóstico.

Um enorme progresso foi feito na compreensão da EEo nas últimas duas décadas, abrangendo apresentação clínica, epidemiologia, genética, patogênese, tratamento e resultados. Com uma evolução tão rápida do conhecimento, os critérios diagnósticos também tiveram que evoluir. Essa instigante mudança de paradigma acerca da doença findou com a realização da Conferência AGREE (A working Group on ppi-REE) em 6 de maio de 2017 (Chicago-IL, USA), que culminou com a seguinte atualização:

  1. PPI-REE é indistinguível da EoE e portanto estão no mesmo espectro
  2. IBP’s são melhor classificados como um tratamento primário para eosinofilia esofágica decorrente da EEo do que como um critério diagnóstico

À medida que o campo continue a se desenvolver e novas questões identificadas por pesquisas clínicas durante esse processo sejam respondidas, os critérios diagnósticos certamente irão evoluir outra vez.

NOVO CRITÉRIO DIAGNÓSTICO PROPOSTO

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Referências Bibliográficas

  1. Evan S. Dellon,  Chris A. Liacouras, Javier Molina-Infante, Glenn T. Furuta et al.Updated International Consensus Diagnostic Criteria for Eosinophilic Esophagitis: Proceedings of the AGREE Conference. Gastroenterology 2018;155:1022–1033.
  2. Andrés Gómez-Aldana, Mario Jaramillo-Santos, Andrés Delgado, Carlos Jaramillo, Adán Lúquez-Mindiola. Eosinophilic esophagitis: Current concepts in diagnosis and treatment. World J Gastroenterol 2019 August 28; 25(32): 4598-4613.
  3. Lucendo et al.  Guidelines on eosinophilic esophagitis: evidence-based statements and recommendations for diagnosis and management in children and adults. United European Gastroenterology Journal 2017, Vol. 5(3) 335–358.
  4. Hirano et al. Endoscopic assessment of the oesophageal features of eosinophilic oesophagitis: validation of a novel classification and grading system. Gut 2013;62:489–495.

Como citar esse artigo

Brasil G, Atualizações nos Critérios Diagnóstico da Esofagite Eosinofílica (EEo) – parte 1. Endoscopia Terapeutica; 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/atualizacoes-nos-criterios-diagnostico-da-esofagite-eosinofilica-eeo-parte-1




Dica Rápida e Simples que Salva Vidas: Identifique Precocemente o Carcinoma de Células Escamosas (CEC) no Esôfago

Os endoscopistas ocidentais falham em diagnosticar 12% das neoplasias do trado digestivo superior.(1) Isso também te procupa? Saber que falhamos em diagnosticar uma fatia significativa de doenças letais deixa qualquer endoscopista apreensivo. Para o CEC de esôfago, um pequeno ajuste na sistematização de seu exame pode dobrar sua capacidade diagnóstica sem aumentar o tempo de seu exame. Salve vidas lendo o rápido texto abaixo↓↓.

Introdução

O CEC precoce de esôfago se apresenta como lesões sutis da mucosa que são dificilmente percebidas na endoscopia de rotina. A sensibilidade diagnóstica da luz branca é de preocupantes 50%.(2) Isso mesmo, deixamos de identificar metade dos casos de uma doença altamente letal em uma fase facilmente curável.

A displasia escamosa e o carcinoma intramucoso possuem alterações mínimas de relevo. O aspecto endoscópico consiste principalmente na deformação progressiva do padrão microvascular da mucosa: os “intra papilar capillary loops” (IPCLs). Usando um endoscópio de alta definição, vemos os IPCLs como pontos vermelhos à luz branca. Em um exame mais detalhado, usando magnificação, podemos ver a alça capilar adjacente à membrana basal. Por ser tão superficial, os IPCLs refletem precocemente as alterações epiteliais e se observados atentamente, permitem um diagnóstico precoce do CEC.(3)

A observação destas alterações é um desafio já que há um contraste pobre entre a mucosa subjacente de coloração rósea e a cor vermelha do IPCL. Como veremos mais adiante, a cromoscopia óptica ou digital apresenta um papel fundamental ao realçar o contraste dos vasos transformando em chamativas alterações discretas.(3)

Imagem 1 – Displasia de alto grau sob luz branca e NBI. 

Rastreio:

No rastreio para CEC, a cromoscopia com lugol sempre foi um método chave nos pacientes de alto risco. Sua sensibilidade chega a 90% permitindo um diagnóstico eficaz. Contudo, o lugol apresenta uma baixa especificidade além de necessitar da disponibilidade de seu antídoto (tiosulfato ou hipossulfito). Outras complicações como hiperssensibilidade ao iodo, laringite, pneumonite e dor retrosternal também estão associadas ao procedimento.(2) 

Imagem 2 – Luz branca + Lugol 2% em CEC intramucoso + displasia de alto grau semicircunferencial. 

Com o surgimento das tecnologias de cromoscopia integradas aos sistemas de endoscopias, foi possível solucionar vários dos incovenientes do Lugol. Tecnologias patenteadas por seus respectivos fabricantes como o NBI, o BLI e o i-Scan proporcionaram a capacidade de executar a cromoscopia com apenas um toque no aparelho, não havendo qualquer necessidade de acessório. O NBI é a ferramenta com maior nível de evidência e será abordado mais diretamente neste texto. 

O NBI subtrai alguns espectros da luz branca, deixando a vasculatura mais contrastada. Quando há alterações dos IPCLs uma mancha amarronzada fica bastante evidente ao lado da mucosa normal com tom esverdeado. Mesmo sem magnificação este aspecto endoscópico dobra a sensibilidade diagnóstica do exame.(4)  

E agora, a dica !

Com apenas um clique o endoscopista multiplica sua sensibilidade diagnóstica para o CEC de esôfago. Um salto de 50% para 90% de diagnósticos identificados! Sistematize da seguinte forma seu exame: Lavagem e aspiração do esôfago; Introdução do aparelho com luz branca; ao encerrar o procedimento, retire o aparelho com NBI ou similar ligado, inspecionando detalhadamente o esôfago na retirada. Tal é simples e certamente vai te ajudar a salvar vidas!

Referencias

1.         Menon S, Trudgill N. How commonly is upper gastrointestinal cancer missed at endoscopy? A meta-analysis. Endosc Int Open. 2014;02(02):E46–50.

2.        Morita FHA, Bernardo WM, Ide E, Rocha RSP, Aquino JCM, Minata MK, et al. Narrow band imaging versus lugol chromoendoscopy to diagnose squamous cell carcinoma of the esophagus: A systematic review and meta-analysis. BMC Cancer [Internet]. 2017;17(1):1–14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s12885-016-3011-9

3.        Inoue H, Kaga M, Ikeda H, Sato C, Sato H, Minami H, et al. Magnification endoscopy in esophageal squamous cell carcinoma: A review of the intrapapillary capillary loop classification. Ann Gastroenterol. 2015;28(1):41–8.

4.        Ide E, Maluf-Filho F, Chaves DM, Matuguma SE, Sakai P. Narrow-band imaging without magnifcation for detecting early esophageal squamous cell carcinoma. World J Gastroenterol. 2011;17(39):4408–13.

Como citar este artigo

Pontual JP, Dica Rápida e Simples que Salva Vidas: Identifique Precocemente o Carcinoma de Células Escamosas (CEC) no Esôfago, Endoscopia Terapeutica; 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/dica-rapida-e-simples-que-salva-vidas-identifique-precocemente-o-carcinoma-de-celulas-escamosas-cec-no-esofago/




Você sabe a melhor forma de identificar e manejar os pacientes com risco aumentado de coledocolitíase?

A incidência de colelitíase sintomática entre os americanos adultos é em torno de 10%. No Brasil  estudos retrospectivos mostram uma incidência de até 9,3%.   Entre estes pacientes, 10-20% podem apresentar coledocolitíase concomitante.

A CPRE transformou o tratamento dos cálculos na via biliar principal de uma operação de grande porte em um procedimento minimamente invasivo.   Porém, apresenta uma incidência não desprezível de efeitos adversos (5-15%) como pancreatite, sangramento e perfuração.  Assim é importante selecionar de forma correta os pacientes que serão submetidos ao procedimento para evitar a realização de exames desnecessários.

A ESGE recomenda que os pacientes com colelitíase sintomática em programação de colecistectomia devem realizar a dosagem de enzimas hepáticas e ultrassom de abdome. Estes exames servem como triagem para avaliar o risco de coledocolitíase concomitante e determinar os pacientes que se beneficiariam  de uma investigação adicional.

Agora, como devemos utilizar os resultados desta triagem?

Preditores do Risco de Coledocolitíase

Em 2010 a ASGE publicou uma lista de preditores para avaliar o risco de coledocolitíase. Baseado nestes critérios os pacientes eram divididos em risco alto, intermediário e baixo risco.  Para os de alto risco a recomendação era ir direto para a CPRE. Os de risco intermediário deveriam investigar melhor através da realização de colangiorressonância ou ecoendoscoscopia antes da decisão terapêutica.  Os de baixo risco poderiam ir para colecistectomia direto. 

Tabela 1. Preditores clínicos publicados em 2010 pela ASGE.  Adaptado de Maple et al 2010.  Atenção, estes critérios foram revisados. 

Porém,  estudos posteriores utilizando estes critérios demonstraram que  a acurácia variava de 70 a 80%, levando a até 30% de CPRE desnecessárias. 

Devido a isso, tanto a associação Americana (ASGE) quanto a europeia (ESGE) revisaram estes preditores em seus guidelines mais recentes.

Os novos critérios estão resumidos na tabela abaixo:

Tabela 2 Preditores de coledocolitíase publicados pela ASGE e ESGE. Adaptado de Buxbaum et al 2019 e  Manes et al 2019.

Os pacientes com quadro de colangite ou cálculo visualizado no ultrassom de abdome ou em tomografia/RNM são considerados como de alto risco.   A ASGE inclui um critério a mais, que é a presença de Bilirrubina total maior do que 4 mg/dl associada à dilatação da via biliar como critério de alto risco.   Estes pacientes podem ser submetidos a CPRE direto, antes da colecistectomia e sem a necessidade de investigação adicional.

Os pacientes com alteração de enzimas hepáticas (TGO, TGP, FA, GGT) ou com dilatação da via biliar no ultrassom (>6 mm com vesícula in situ) são considerados de risco intermediário. Novamente a ASGE tem um critério a mais que é a idade maior do que 55 anos.  O racional para este critério é que pacientes com mais de 55 anos tem uma maior incidência de coledocolitíase não associada à alteração de enzimas hepáticas.   Os dois guidelines sugerem que os pacientes com critérios intermediários sejam submetidos à colangiorressonância ou ecoendoscopia para avaliar a presença de coledocolitíase antes da colecistectomia.  Na impossibilidade de realizar estes exames, a colangiografia intraoperatória é indicada como alternativa.

Já os pacientes que não apresentam nenhum destes critérios são considerados como de baixo risco e podem realizar a colecistectomia direto, com ou sem colangiografia intraoperatória.

Nos critérios de 2010 a pancreatite aguda era um critério de risco intermediário.  Porém, estudos confirmaram que a incidência de coledocolitíase residual após um episódio de pancreatite leve varia de apenas 10 a 30%.  Devido a isso ela deixou de ser critério de risco.  Os pacientes após a resolução da pancreatite aguda devem ser avaliados de acordo com os critérios acima. Se não apresentares critérios de alto ou médio risco podem ir para a colecistectomia direto.

E qual dos critérios eu devo seguir? ASGE ou ESGE?

Um estudo incluindo 1042 pacientes comparou os critérios da ASGE e da ESGE para a avaliação da presença de coledocolitíase.  Os resultados mostraram que os dois critérios são válidos e muito bons, com especificidade de 96,87% para os da ASGE e 98,24% para os da ESGE.

Comparando os dois critérios, o da ESGE é ligeiramente mais específico, com os critérios da ASGE apresentando um número discretamente maior de pacientes falso positivos.

Conclusão

Apesar da CPRE ser uma técnica minimamente invasiva, ela não é isenta de complicações!

Devido a isso, a avaliação da probabilidade pré-teste em pacientes com suspeita de coledocolitíase é essencial para diferenciar os pacientes que irão se beneficiar de uma avaliação mais aprofundada dos que poderão ir direto para a CPRE.

Referências

Manes G, Paspatis G, Aabakken L et al. Endoscopic management of common bile duct stones: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) guideline. Endoscopy 2019; 51: 472–491

Maple JT, Ben-Menachem T. ASGE Standards of Practice Committee. et al. The role of endoscopy in the evaluation of suspected choledocholithiasis. Gastrointest Endosc 2010; 71: 1–9