METÁSTASE GÁSTRICA DE MELANOMA

Metástases gástricas de melanoma

Metástase de melanoma pigmentado constituída de células epitelióides pleomórficas; coloração de hematoxilina e eosina, 40x.

O melanoma maligno é uma das doenças malignas mais comuns que metastatizam para o tubo digestivo. A metástase pode ocorrer no momento do diagnóstico primário ou décadas após, como primeiro sinal de recorrência. Os sítios mais comuns de metástases de melanoma maligno são o intestino delgado (50%), cólon (31,3%), estômago (20%) e ânus e reto (25%)(1).

Já melanoma maligno primário do gastrointestinal pode surgir em várias áreas do trato digestivo: 33% estão localizados na nasofaringe, 5,9% no esôfago, 2,7% no estômago, 2,3% no intestino delgado, 1,4% na vesícula biliar, 9% no cólon, 22% no reto e 31% na região anal (2, 3).

Os pacientes com metástases de melanoma para o TGI podem apresentar sintomas como dor abdominal, disfagia, obstrução do intestino delgado, diarreia, hematêmese e melena (1), mas frequentemente são inespecíficos, e a indicação de realizar a endoscopia normalmente é investigação de anemia crônica por deficiência de ferro (2).

Endoscopicamente, as metástases gástricas do melanoma podem apresentar-se como úlceras pigmentadas enegrecidas, pigmentos enegrecidos difusos na mucosa, múltiplos diminutos nódulos na mucosa ou submucosa, lesões polipoides ou massas extrínsecas. Essas lesões são frequentemente pigmentadas, porém podem apresentar-se de forma não-pigmentadas, mimetizando outras neoplasias epiteliais e linfoma MALT. Portanto, as biópsias são mandatórias em pacientes com história de melanoma submetidos à endoscopia, mesmo em lesões não-pigmentadas. A cápsula endoscópica ou enteroscopia são úteis quando há suspeita de lesão no delgado. O PET-CT tem alta sensibilidade para detectar metástases de melanoma, entretanto não é capaz de detectar metástases gástricas (2).

A intervenção cirúrgica pode ser realizada especialmente em pacientes sintomáticos, para alívio da dor e melhora da qualidade de vida. Médicos oncologistas escolhem imunoterapia sistêmica com o anticorpo monoclonal anti-CTLA4 ipilimumab, que tem sido provada como tratamento efetivo para melanoma metastático (2).

O prognóstico é ruim, com sobrevida média de 4 a 6 meses.

Referência

1. Pommer B et al. Gastric metastases from malignat melanoma. Endoscopy 2008; 40: E30-E31

2. Genova, Pietro; Sorce, Maria; Gabibi, Daniela; Genova, Gaspare; Gebbbia, Vittorio; Galanti, Daniela; Ancona, Chiara; Valerio, Maria Rosaria. Gastric and Retal Metastases From Malignant Melanoma Presenting With Anemia

Hipocrômica e Tratada com Imunoterapia. Case Report In Oncological Medicine. 2017

3. Rai MP et al. BMJ Case Rep 2018. Doi: 10.116/bcr-2018-224914




Caso Clínico – Fístula biliar pós trauma abdominal fechado

Relato do caso:

Paciente do sexo masculino, com 43 anos de idade, deu entrada no pronto socorro, após ter evadido de outro hospital .

Tinha antecedente de trauma abdominal fechado, após queda de andaime (7 metros), estando internado com conduta não cirúrgica por cerca de 18 dias. Após este período, “fugiu” do hospital de origem e procurou atendimento no PS-HC Marília.

Na entrada, apresentava-se estável hemodinamicamente, porém  emagrecido (estava em jejum desde o trauma), com dor em andar superior de abdômen, sinais de ascite volumosa, além de anasarca e leve icterícia. Foi submetido a tomografia de abdômen com contraste, que evidenciou laceração hepática Grau III, coleções subcapsulares  e volumosa ascite. Optou-se por realizar paracentese, com saída de cerca de 11 litros de secreção biliar.

Laceração hepática Grau III

 

Volumosa ascite

Paracentese com bile

 

Diagnosticada a fístula biliar, paciente foi submetido a Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (CPRE), com papilotomia, sendo evidenciada fístula biliar em ramos secundários a direita. Não foi possível a colocação de prótese (em falta no serviço).

Fístula biliar

Fístula biliar

Após a CPRE, paciente ainda realizou outra paracentese com saída de cerca de 2 litros de bile. Neste momento, foi submetido a laparoscopia, com colocação de dreno perihepático com dificuldade (muitas aderências), para auxiliar na drenagem.

Mesmo com a drenagem externa paciente evoluiu com febre, e dor abdominal, sendo submetido a laparotomia exploradora, com drenagem de múltiplas coleções cavitárias. Foi necessário realizar peritoniostomia, para lavagens frequentes da cavidade. Em nenhuma das abordagens foi possível avaliar a lesão hepática ou tentar alguma terapêutica adicional sobre as vias biliares.

Após boa evolução, com parada de drenagem de bile e secreção purulenta, paciente foi submetido a fechamento da cavidade, pode ser realimentado oralmente, teve boa evolução e posterior alta, encontrando-se atualmente bem, trabalhando e sem alterações biliares.

 

Discussão:

Recentemente vem ganhando terreno as terapias não invasivas para traumas abdominais fechados, em especial de vísceras maciças, como rins, baço e fígado. As melhores condições de cuidados em UTI, associadas a evolução dos procedimentos diagnósticos e intervenções minimalistas, fazem com que terapias não operativas sejam a escolha em pacientes com lesões graves, antes sempre cirúrgicas, como lesões hepáticas acima de grau III.

A escolha da terapia não operativa em paciente com trauma abdominal fechado não reside apenas no grau de lesão das vísceras envolvidas (no caso vísceras maciças), mas na estabilidade hemodinâmica do paciente. Pacientes instáveis, são encaminhados imediatamente a cirurgia. Pacientes estáveis, são submetidos a exame de imagem, diagnóstico do tipo de lesão, e acompanhamento em UTI.

Especificamente no trauma hepático fechado, a principal preocupação e complicação é o sangramento. As fístulas biliares são incomuns, ocorrendo nos casos mais graves (graus de lesão maiores), com incidência estimada em cerca de 2,8 a 7,4% dos casos. Podem ocorrer de imediato, junto ao trauma, ou serem tardias, após cirurgias de controle de dano, ou após necrose de parênquima ou ruptura de biliomas.

O diagnóstico de complicações biliares nos casos de trauma hepático fechado pode ser difícil. Em geral podem aparecer sinais indiretos, como piora do quadro, febre e dor em hipocôndrio direito, e também, um sinal mais específico, a icterícia. Sugere-se que exames seriados de tomografia computadorizada podem evidenciar aumento de coleções com baixa atenuação, ou coleções perihepáticas tardias. Deve-se lembrar de que mesmo a tomografia computadorizada com contraste não é especifica para alterações biliares, com alguns autores sugerindo o estudo das vias biliares com técnicas de radioisótopos.

O tratamento inclui o suporte, antibioticoterapia e diagnóstico precoce. Como em geral as complicações biliares são tardias, os pacientes podem ser submetidos a técnicas minimamente invasivas. Inicialmente, pode-se colocar um dreno cavitário, no local da coleção, ou bilioma, transformando uma lesão biliar em uma fístula controlada, evitando-se a contaminação da cavidade e acumulo de fluídos.

Outra técnica já estabelecida é a realização de CPRE.  A idéia do uso de tal terapêutica é que, devido a papilotomia, há diminuição da pressão biliar, deixando a bile de seguir pela fístula, causando o fechamento desta. Inicialmente após a papilotomia, pode haver ainda alguma dificuldade em drenagem da bile pela papila, secundária ao edema pela manipulação. Assim, hoje se indica o tratamento de fístulas biliares traumáticas com CPRE e próteses, principalmente em fístulas distais. A presença da prótese anula totalmente a pressão na via biliar, aumentando a taxa de fechamento de fístulas.

A evolução após a CPRE em geral é positiva, com o fechamento da fístula. Casos mais graves podem vir a necessitar de posterior cirurgia. Deve-se sempre acompanhar o paciente, principalmente quando da colocação de próteses, para evitar uma futura colangite por não retirada desta.

Você já tratou algum paciente assim? Como realizou o diagnóstico? Qual foi o tratamento e evolução?

 

Agradeço aos colegas Dr. Roberto Tucci Junior, pelo auxílio na condução do caso, e Dra. Flavia Ferreira Magalini na construção do relato.

 

Bibliografia:

Kulaylat AN, et at. Traumatic bile leaks from blunt liver injury in children: a multidisciplinary and minimally invasive approach to management. J Pediatr Surg. 2014;49(3):424-7.

Al-Hassani A, et al. Delayed bile leak in a patient with grade IV blunt liver trauma: A case report and review of the literature. Int J Surg Case Rep. 2015;14:156-9.

Ragavan M, et al.Posttraumatic Intrahepatic Bilioma. Indian J Surg. 2015;77:1399-400. 

Tiwari C, et al. Management of Traumatic Liver and Bile Duct Laceration. Euroasian J Hepatogastroenterol. 2017;7(2):188-190.   

 

Como citar esse artigo:

Sauniti, G. Caso Clínico – Fístula biliar pós trauma abdominal fechado. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-fistula-biliar-pos-trauma-abdominal-fechado/

 

 




Esplenose Pancreática

Paciente do sexo feminino, 38 anos, foi submetida à RNM de abdômen para a avaliação de cisto renal complexo, realizando diagnóstico incidental de um nódulo hipervascularizado, medindo aproximadamente 20 mm, localizado na cauda do pâncreas. A paciente apresentava obesidade, IMC de 40, Diabetes Mellitus, Hipertensão Arterial e Hipercolesterolemia.

esplenose1

Para investigar a lesão pancreática, foi optado por realizar ecoendoscopia  com  punção aspirativa do nódulo.

esplenose2 esplenose3

A ecoendoscopia demonstrou uma lesão na cauda do pâncreas, hipoecóica, regular, com ecotextura semelhante ao baço. A lesão foi puncionada com agulha de 22 G.

esplenose4

imagem ilustrativa

O resultado da avaliação histocitológica revelou presença de corpo de Malpighi, compatível com tecido esplênico e confirmando o diagnóstico de esplenose pancreática.

 

Revisão

A esplenose abdominal é o transplante espontâneo de tecido esplênico para locais não usuais. Esta situação ocorre geralmente após trauma ou cirurgia. Outra causa possível é a falha na coalescência durante a migração mesenquimal das células esplênicas.   A esplenose pancreática é descoberta na maioria das vezes incidentalmente e não necessita ressecção cirúrgica se o diagnóstico for acurado. Entretanto, a esplenose pancreática pode ser confundida com um tumor neuroendócrino pancreático não funcionante, já que as duas lesões tem  característica hipervasculares semelhantes à avaliação pela tomografia ou RNM. Devido à isso, o diagnóstico preciso é crucial, já que a esplenose não requer tratamento cirúrgico.

Os achados ecoendoscópicos da esplenose pancreática podem ser desafiadores. Mesmo o achado mais frequente de lesão homogênea, hipoecóica e bem circunscrita requer a punção aspirativa para diferenciá-la  de um tumor neuroendócrino.

 

REFERÊNCIAS.

  1. Ardengh JC, de Paulo GA, Ferrari AP. EUS-guided FNA in the diagnosis of pancreatic neuroendocrine tumors before surgery. Gastrointest Endosc. 2004;60:378-84
  2. Laüffer JM, Baer HU, Maurer CA, Wagner M, Zimmermann A, Büchler MW. Intrapancreatic accessory spleen. A rare cause of a pancreatic mass. Int J Pancreatol. 1999;25:65-8
  3. Fiamingo P, Veroux M, Da Rold A, Guerriero S, Pariset S, Buffone A, Tedeschi U. A rare diagnosis for a pancreatic mass: splenosis. J Gastrointest Surg. 2004;8:915-6.
  4. Fremont RD, Rice TW. Splenosis: a review. South Med J. 2007;100:589-93

 




Hiperinsuflação espontânea de balão intragástrico

 

Paciente 35 anos, IMC 32,  submetida a colocação de balão intragástrico há 6 semanas.

Procedimento de implante: SF 500 ml + 20 ml de azul de metileno.

Apresentou boa evolução após o procedimento, com progressão habitual da dieta e perda de 8 kg no período.

Há 1 semana iniciou quadro de dor em região lombar, sem relação com a posição ou movimentação, associada a náuseas, empachamento, desconforto abdominal e alguns episódios de vômitos.

Ao EF chamava atenção uma região endurecida à palpação de epigástrio/ HCE (Balão?).

 

Exames laboratoriais:

  • Amilase: 356; Lipase:1330
  • Na 142; K 3,7
  • Hb 13,7; Leuco 10.500
  • U 38; Cr 0,9

 

Solicitado RX de abdômen:

 

Realizada endoscopia digestiva alta com anestesia geral:

a) Balão impactado no corpo distal, rechaçando a incisura angularis; b) balão colonizado por fungos, dificultando a visualização do nível hidroaéreo em seu interior; c) balão mobilizado novamente para corpo proximal/fundo; d) idem b).

Presença de resíduos alimentares em pequena quantidade. BIG apresentava colonização fúngica em sua superfície, dificultando a visualização do nível hidroaéreo. Chamou atenção o volume relativamente normal do BIG. Esperava encontrar o balão bem volumoso, dificultando inclusive a passagem do aparelho para o antro, mas isso não aconteceu. A incisura estava achatada, comprimindo o antro, devido impactação no corpo distal. Era possível sua mobilização para o fundo, porém em poucos segundos ele retornava para sua posição habitual.

Realizada retirada do BIG sem intercorrências.

 

Evolução

Paciente permaneceu internada e repetiu exames laboratoriais no dia seguinte, apresentando normalização das enzimas pancreáticas. Bilirrubinas e enzimas hepáticas sem anormalidades. USG de abdomen apresentou microcálculos em vesícula biliar, sem dilatação do colédoco.

Apresentou melhora da dor, aceitando bem dieta leve e recebeu alta hospitalar.

 

Fisiopatologia

O mecanismo de hiperinsuflação espontânea do balão intragástrico ainda é desconhecido. Os dados na literatura são escassos e não permitem uma conclusão. Uma hipótese é que exista alguma relação com infecção por fungos ou bactérias anaeróbias. No entanto, não há uma explicação plausível para essa colonização:

  • durante o procedimento de inserção do BIG (por contaminação do líquido)?
  • defeito da válvula?
  • porosidade do material?
  • alguma condição intrínseca ao paciente?

 

A hiperamilasemia transitória provavelmente ocorre devido compressão do balão no corpo do pâncreas, especialmente no ponto em que este cruza com a coluna dorsal.

E você? Já teve algum caso semelhante? Como foi a evolução?

 




Passagem de prótese biliar em paciente com prótese duodenal prévia

Paciente do sexo feminino, 76 anos, com história de perda de peso e dor em região epigástrica com irradiação para o dorso.  Realizou endoscopia digestiva que demonstrou abaulamento em parede posterior de antro e bulbo duodenal com mucosa infiltrada e irregular. As biópsias não foram conclusivas.

Abaulamento em parede posterior de região antropilórica com infiltração e irregularidade mucosa


A paciente então foi submetida à tomografia de abdome que evidenciou volumosa lesão no corpo e colo do pâncreas invadindo a parede do antro gástrico e bulbo duodenal além de envolver o tronco celíaco e apresentar amplo contato com a artéria mesentérica superior.

Tomografia demonstrando lesão pancreática invadindo a região do antro e bulbo duodenal


Indicada ecoendoscopia para punção biópsia da lesão, que confirmou adenocarcinoma de pâncreas.

Lesão hipoecóica irregular no colo do pâncreas. Punção ecoguiada da lesão.


A paciente foi encaminhada para iniciar quimioterapia. Dois meses depois evoluiu com quadro de vômitos pós prandiais.  Realizou nova endoscopia que demonstrou obstrução pilórica e duodenal pela lesão. Foi realizada passagem de sonda nasoenteral e encaminhada para avaliação de prótese duodenal.

Injeção de contraste pela SNE demonstrando a estenose do piloro e duodeno. Aspecto radiológico e endoscópico da prótese duodenal.


Realizou passagem da prótese sem intercorrências. Foi utilizada prótese duodenal não recoberta de 22 mm por 90 mm com liberação em posição antro-pilórica.   A paciente evoluiu com melhora dos vômitos e boa aceitação alimentar.
Um mês após a passagem da prótese duodenal a paciente evoluiu com icterícia.  Realizou novo exame de imagem que demonstrou progressão da lesão com invasão do colédoco intrapancreático e dilatação das vias biliares intra e extra hepáticas.
Indicada nova CPRE para tentativa de drenagem biliar.

 
Realizada passagem do aparelho através da prótese duodenal que estava integrada à mucosa da região antropilórica. Tentativa de canulação da papila através da malha da prótese sem sucesso.  Introdução do duodenoscópio até ultrapassar a prótese permitindo  bom acesso à papila.  A colangiografia demonstrou dilatação das vias biliares intra e extra hepáticas com extensa estenose tumoral intrapancreática.  Passagem de prótese metálica parcialmente recoberta de 10 mm por 80 mm.
A paciente evoluiu com melhora da icterícia. Após o procedimento teve sobrevida de 3 meses sem sintomas de obstrução biliar ou de saída gástrica.




SÍNDROME BLUE RUBBER BLEB NEVUS

Paciente  masculino, 16 anos,  com história de anemia ferropriva persistente secundária a hemorragia digestiva baixa (HDB) recorrente desde os 3 anos de idade sendo necessárias inúmeras hemotransfusões.
Antecedente cirúrgico de laparotomia aos 6 anos com realização de enterectomia (1,5 m de jejuno) e ressecção de 13 lesões cujo anatomopatológico concluiu se tratarem de hemangiomas cavernosos.
Foi admitido para investigação com relato de episódio de HDB há 30 dias. Apresentava-se hipocorado, com Hb: 4,1 g/dl e Ht: 12,5%. Estava em uso de talidomida. No exame físico destacava-se a presença de um nódulo violáceo em dorso de mão e diminuta lesão em pé (vide fotos abaixo).


Realizou tomografia de abdome identificou várias lesões com características vasculolinfáticas  nas alças de intestino delgado e cólon. Identificadas também lesões na adrenal esquerda, peritônio, parênquima e hilo hepático.
Endoscopia digestiva alta sem alterações.
A colonoscopia (vide abaixo) evidenciou 4 lesões polipoides subpediculadas, medindo até 25mm, bem delimitadas, levemente violáceas, localizadas em cólon transverso, descendente, ângulo esplênico e reto, porém sem sinais de sangramento. Tais achados eram sugestivos de hemangiomas.


A enteroscopia alta identificou 2 lesões em jejuno: um hemangioma de 1,5 cm e uma angioectasia, ambas tratadas com argônio.
Baseado nos achados da colonoscopia e no passado de hemangiomas em intestino delgado foi aventada a hipótese da Síndrome do Nevo Azul (Blue Rubber Bleb Nevus – BRBN).
Neste caso, por conta do tamanho das lesões colônicas optamos por realizar o tratamento endoscópico com injeção de cianoacrilato.  Esta conduta foi baseada em relatos da literatura que mostram uma boa taxa de sucesso e menor recorrência. O procedimento foi realizado sem intercorrências.
 
 

A colonoscopia de controle em 1 semana e após cerca de 5 meses apresentaram bons resultados. Paciente não apresentou mais HDB e manteve hemoglobina após 1 ano em torno de 15,1 g/dl e Ht de 43%.
Discussão
A Blue Rubber Bleb Nevus Syndrome (SBRBN) é uma doença rara caracterizada por malformações vasculares (hemangiomas carvenosos) localizadas principalmente na pele e trato gastrintestinal. A maior parte dos casos são esporádicos, mas há alguns relatos em grupos de famílias, o que sugere ter uma base genética com herança autossômica dominante.
A maior morbidade desta doença se deve ao sangramento gastrintestinal, geralmente auto-limitado, evidenciando-se pela perda oculta nas fezes. A depender do tamanho e extensão dos hemangiomas pode ocorrer hematêmese, melena ou enterorragia. Outras complicações gastrintestinais, quando as lesões são de grandes dimensões, são: volvo, intussuscepção e isquemia intestinal.
O diagnóstico diferencial se dá com outras síndromes que cursam com lesões vaculares cutâneas e similares em outros órgãos que são:

  • Redu Osler Weber (TGI e pulmão)
  • Klippel- Trenaunay (osso, tecidos moles e S. Nervoso)
  • Sturge Weber (meninges)
  • Von Hippel Lindau (SNC e retina)
  • Maffucci (esqueleto)
  • Cobb (Medula espinhal)

Nos casos leves o tratamento é conservador com suplementação de ferro e/ou transfusões sanguíneas. Em casos de HDB recorrente é necessário o tratamento endoscópico ou eventualmente o cirúrgico. A ecoendoscopia pode ser útil para confirmar a natureza hemangiomatosa das lesões.
Para as lesões localizadas no trato gastrintestinal as modalidades terapêuticas endoscópicas a depender do tamanho e da extensão são:

  • Terapia injetora com adrenalina
  • Terapia térmica com Argônio
  • Ligadura elástica
  • Cianoacrilato
  • Polipectomia
  • Dissecção endoscópica submucosa

A recorrência das lesões é alta. Há possibilidade de tratamento farmacológico complementar com agentes antiangiogênicos ou antiproliferativos (talidomida, octreotide, corticoides, interferon gama).
O prognóstico depende da extensão do envolvimento visceral. Não há relação com transformação maligna.
Apesar da raridade do caso a mensagem a ser passada é que o tratamento endoscópico pode contribuir para a melhora na qualidade de vida com menor necessidade de hemotransfusões, menor custo e tempo de internação de pacientes. Optamos pela terapia com cianoacrilato por ser uma opção segura e eficaz.
 
* Caso clínico relatado com a colaboração da Dra Marina Pamponet Motta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Dwivedi M, et al. Gastrointestinal endoscopy 2002; 55(7): 943-9461
Zurakowski J, et al. Endoscopy 2008, 40: E120-E121
Ferreira, M. J Port Gastroenterol 2009; 16;115-119
Mavrogenis, G. Endoscopy 2011, 43: E291-292
 




Caso Clínico – Pancreatite induzida por corpo estranho

A ingestão de corpos estranhos (CE) é um problema clínico comum. A maioria (80%) dos CE ingeridos passa pelo trato gastrointestinal (TGI) sem intercorrências dentro de uma semana, sendo a perfuração um evento raro, que ocorre em menos de 1% dos pacientes. Os ossos de peixe (espinhas) são os objetos mais comumente ingeridos e a causa mais frequente de perfuração do TGI.

CASO CLÍNICO

O caso a seguir é de uma paciente do sexo feminino, com 63 anos de idade, que procurou a urgência do nosso hospital com queixas de dor em “barra” no andar superior do abdome associada a náuseas há 24h. Os exames laboratoriais evidenciaram: leuco 11.500/mm3, PCR 13,02 mg/dL e lipase 230 U/L. Realizou Tomografia Computadorizada (TC) de abdome para avaliar possível pancreatite, que demonstrou um corpo estranho radiopaco, linear, transfixando o antro gástrico e atingindo a cabeça do pâncreas, ocasionando aumento focal deste.

 
Em virtude dos achados, a paciente foi referenciada à Endoscopia Digestiva para realização de EDA de urgência, que evidenciou espinha de peixe impactada na pequena curvatura da região pré-pilórica antral, medindo cerca de 3cm. Realizada retirada endoscópica com auxílio de pinça de corpo estranho sem intercorrências.

 
Após a confirmação do CE se tratar realmente de espinha de peixe, a paciente foi indagada e confirmou ingestão de peixe há 3 dias, no entanto, sem recordar de qualquer eventualidade durante a alimentação. Evoluiu com resolução completa da dor abdominal e normalização de todos os exames laboratoriais, recebendo alta hospitalar após 72h com boa aceitação alimentar e sem intercorrências.

DISCUSSÃO

CE não metálicos, especialmente espinhas de peixe e outros fragmentos ósseos, representam um problema singular no diagnóstico da perfuração do TGI. As ocasiões onde esses objetos podem ser engolidos são numerosas e subnotificadas. A ingestão de espinhas de peixe é especialmente frequente em culturas (por exemplo, chinesa) onde o peixe inteiro é uma iguaria culinária. Os ossos são ingeridos frequentemente de maneira acidental e esquecidos. As manifestações clínicas decorrentes da perfuração do TGI tem amplo espectro de apresentação e o intervalo tempo entre a ingestão e o início dos sintomas pode ser agudo ou crônico, alcançando meses ou até mesmo anos, o que torna um evento difícil de diagnosticar no pré-operatório.
A perfuração induzida por CE ocorre em todos os segmentos do TGI, embora tende a ocorrer em regiões de angulação acentuada, como as junções ileocecal e retossigmoideana. Outros locais possíveis de perfuração são os sacos herniários, divertículo de Meckel e o apêndice. Quando a perfuração segue um curso mais insidioso pode mimetizar uma série de patologias diferentes, de acordo com o local anatômico, conforme a tabela abaixo:

H.E. Williams et al. / International Journal of Surgery Case Reports 5 (2014) 437–439

 
A radiografia não é confiável para diagnóstico da perfuração por espinha de peixe. Este problema foi ilustrado em estudos de ingestão de ossos de peixes, mostrando que o grau de radiopacidade do osso varia de acordo com as espécies. Em contraste, os ossos de frango são quase sempre radiopacos. Mesmo quando os ossos dos peixes são suficientemente radiopacos para serem visualizados nas radiografias, grandes massas de tecido mole e líquido podem obscurecer o conteúdo mínimo de cálcio do osso, particularmente em pacientes obesos. A TC tem sido útil na detecção de perfuração por CE não-metálicos. A perfuração ocasionada por espinha de peixe tipicamente aparece na TC como uma lesão calcificada linear, cercada por uma área de inflamação. Apesar de sua superioridade sobre a radiografia no diagnóstico da perfuração por espinha de peixe, a TC tem potenciais limitações na detecção de ossos de peixe intra-abdominais.
A pancreatite induzida por corpo estranho é infrequente e, quando ocorre, geralmente é decorrente de inflamação da papila duodenal maior ou de impactação com obstrução do ducto biliar. A pancreatite causada por traumatismo direto de uma espinha de peixe ingerida é evento extremamente raro. A TC é útil para fazer um diagnóstico precoce.
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  1. Chiu YH, How CK, Chen JD. Fish Bone-Induced Pancreatitis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2010;8(3):e27.
  2. Goh BKP, Tan YM, Lin SE, et al. CT in the preoperative diagnosis of fish bone perforation of the gastrointestinal tract. Am J Roentgenol. 2006;187(3):710–714.
  3. McCanse D, Kurchin A. Gastrointestinal Foreign Bodies. The American Journal of Surgery. 1981;142(September):335–37.
  4. Williams HE, Khokhar A a., Rizvi M, Gould S. Gastric perforation by a foreign body presenting as a pancreatic pseudotumour. Int J Surg Case Rep. 2014;5(7):437–439.
  5. Pereira B, Santos A, Pereira E, Banhudo A. Letters To the Editor. Rev Esp Enferm Dig. 2013;105(7):439–40.

 




Caso Clínico – Endometriose de Reto

A endometriose é definida como tecido endometrial fora do útero. O envolvimento colorretal da endometriose ocorre em 5 a 10% dos casos, acometendo mais freqüentemente a região retossigmoidiana.

A endometriose do reto pode ser confundida com carcinoma retal, uma vez que os sintomas e sinais podem se assemelhar.

Os principais sintomas referidos da endometriose intestinal são dor em cólica no abdome inferior, constipação e diarréia. Outros sintomas que também podem ser relatados incluem tenesmo, alternância do hábito intestinal com defecação dolorosa, enterorragia, sintomas de oclusão parcial do intestino e dispareunia.

A colonoscopia identifica sinais específicos de endometriose intestinal em 50% dos casos, como o achado de abaulamentos e lesões subepiteliais na parede colorretal. Na maioria dos casos a mucosa encontra-se íntegra, e em 5% pode-se observar sinais de infiltração, como enantema, edema, friabilidade, irregularidade da superfície e altearações no padrão de vascularização.

A RNM deve ser o exame inicial para o diagnóstico de endometriose. Sendo o ultrassom transretal um importante exame na avaliação dos casos de endometriose intestinal, pois apresenta maior sensibilidade e especificidade na determinação da extensão da infiltração na parede intestinal, quando comparado com a RNM, além de possibilitar a realização de punções para análise histológica nos casos necessários.

A ressecção cirúrgica laparoscópica é o tratamento habitual dos casos de endometriose intestinal sintomática.

Caso Clínico

Mulher 38 anos, com queixa de abdominal crônica, porém relata alteração do hábito intestinal há 8 meses, de 1 a 2 vezes ao dia para uma vez a cada 3 a 4 dias, com afilamento das fezes, puxo e tenesmo. Nesse período também houve piora das dores abdominais, em cólica, difusa, que se intensificam no período menstrual, e associada à sangramento vermelho vivo nas fezes. Antecedente familiar: Mãe diagnosticada com câncer colorretal  aos 54 anos.

Realizada colonoscopia (imagens abaixo) que evidenciou abaulamento na parede anterior do reto médio, com área de mucosa com irregularidade e friabilidade, cujas biópsias demonstraram endometriose.

Tenesmo Tenesmo Tenesmo Tenesmo Tenesmo

 

 

Referências:

1. Rossini LG, Ribeiro PA, Rodrigues FC, et al. Transrectal ultrasound – Techniques and outcomes in the management of intestinal endometriosis. Endosc Ultrasound. 2012;1(1):23-35.

2. Guerra GMLSR, Monteiro EP, Souza HFS, et al. Endometriose de Reto – Relato de de Caso. Rev Bras Coloproct, 2004; 24(4):354-357.




Caso Clínico – Drenagem endoscópica transmural ecoguiada de coleção peripancreática pós operatória

As coleções fluidas pós-operatórias são uma complicação bem reconhecida após ressecções pancreáticas e podem levar ao aumento da mortalidade e do tempo de internação hospitalar.
A pancreatectomia distal envolve a ressecção do parênquima pancreático à esquerda da veia porta. A morbidade pós-operatória varia de 9% a 31%, sendo as coleções fluidas peripancreáticas (PFC) uma complicação encontrada em 4% até 40% dos casos e possuindo na fístula pancreática uma das principais causas.
Embora a maioria das PFC pós pancreatectomia distal sejam manejadas conservadoramente por nutrição parenteral total, antibióticos e octreotide intravenoso, cerca de 40% dos casos necessitam de intervenções adicionais.
O caso a seguir é de uma paciente do sexo feminino com 51 anos de idade, que foi referenciada ao nosso serviço para tratamento endoscópico de uma PFC infectada (abscesso intra-abdominal) 28 dias após Pancreatectomia corpo-caudal por um IPMN de ducto principal. Na ocasião apresentava febre e dor abdominal refratárias a tentativa de tratamento clínico (antibioticoterapia).

CASO CLÍNICO

DISCUSSÃO

O tratamento das PFC secundárias a cirurgia pancreática variou ao longo do tempo de cistogastrostomia ou cistoduodenostomia cirúrgica, drenagem percutânea e, mais recentemente, drenagem endoscópica transluminal.
Existem 2 modalidades minimamente invasivas utilizadas para drenar as PFC pós operatórias:

  • Percutânea: tem sido frequentemente a modalidade de escolha para a drenagem de PFC que surgem após a ressecção da cauda pancreática, embora a taxa de sucesso seja menor para PFC infectada, com uma maior taxa de fístula permanente em comparação a PFC não infectada. Cateteres percutâneos podem permanecer no local por várias semanas, prolongando a permanência no hospital para troca e manutenção dos mesmos.
  • Endoscópica: é uma modalidade consagrada para o tratamento das PFC que surgem como uma complicação da pancreatite aguda ou crônica com altas taxas de sucesso, no entanto, seu uso para tratamento das PFC pós pancreatectomia é pouco relatado, apesar do potencial para drenagem efetiva e rápida recuperação.

 
Recentemente, a drenagem endoscópica transluminal ecoguiada tem sido utilizada com sucesso no tratamento das coleções fluidas peripancreáticas pós-operatórias. Varadarajulu e colaboradores relataram sua experiência em 2011 usando drenagem endoscópica ecoguiada no manejo de PFC após pancreatectomia distal em 20 pacientes, com uma taxa de sucesso técnico e clínico de 100% e sem complicações imediatas ou tardias. Gupta e colaboradores descreveram a drenagem endoscópica ecoguiada no pós-operatório de 43 pacientes submetidos a vários tipos de cirurgia abdominal, com taxas de sucesso técnico e clínico de 100% e 79%, respectivamente, nos pacientes de cirurgia pancreática. Além disso, em outro estudo do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, Kwon e colaboradores descreveram uma taxa de sucesso técnico e clínico de 100% com drenagem endoscópica ecoguiada de 9 pacientes com coleções fluidas pós-operatórias.
Um detalhe importante a considerar é que as PFC pós-operatórias, embora resultantes na maioria dos casos de fístulas do ducto pancreático, podem  conter debris sólidos devido à subsequente incorporação de tecido necrótico que foi dissolvido enzimaticamente pelo suco pancreático. Assim, uma vantagem potencial para a drenagem endoscópica transluminal é a capacidade de debridamento de materiais sólidos ou de tecido necrótico por necrosectomia direta, que não podem ser realizados usando drenos percutâneos de pequeno diâmetro.
Alguns pontos permanecem controversos no manejo das PFC pós pancreatectomias:

  • A drenagem transpapilar com colocação de stent de ducto pancreático para fístulas pancreáticas pós-operatórias tem mostrado algum sucesso em pacientes selecionados, no entanto seu uso rotineiro para resolução das FPC pós pancreatectomias ainda não pode ser recomendado.
  • O momento ideal de realizar a drenagem endoscópica também não está estabelecido. A maioria dos estudos exclui pacientes com PFC <4 semanas por causa da presumida falta de maturação da parede. Existem dados limitados sobre a avaliação do sucesso e segurança da drenagem realizada em até 4 semanas da cirurgia. No entanto, há provavelmente uma diferença entre as PFC por complicações de pancreatite vs. ressecção pancreática em virtude das aderências que formam a partir da cirurgia, o que pode contribuir na prevenção de vazamento intraperitoneal.

 
Outro aspecto que merece ser ressaltado é quanto ao modelo dos stents utilizados nas drenagens. Praticamente todos os trabalhos utilizaram stents plásticos (duplo pigtail) em detrimento de stents metálicos. O manejo tradicional inclui o uso de múltiplos stents plásticos, que não foram especificamente projetados para drenagem transluminal e consequentemente requerem várias revisões por obstrução devido ao seu pequeno diâmetro. Os stents biliares metálicos auto-expansíveis (SEMS) totalmente cobertos foram empregados com a esperança que um diâmetro luminal maior facilitaria uma drenagem mais eficaz e durável. Infelizmente, os SEMS’s podem migrar ou ocasionar injúria tecidual com sangramento quando sua extremidade encosta na parede do lúmen.
Com o advento dos stents metálicos de aposição de lúmen (LAMS), as limitações técnicas descritas estão sendo superadas e provavelmente ocorrerá uma mudança de paradigma sobre o assunto, todavia o uso destes novos dispositivos ainda não está amplamente disseminado, especialmente para as PFC pós cirúrgicas, razão pela qual não foram utilizados nos trabalhos mencionados.
Em resumo, a drenagem endoscópica é pelo menos tão segura e eficaz quanto a drenagem percutânea para PFC que surgem após a pancreatectomia distal. Os menores tempo de internação hospitalar e uso de tomografias, além das demais ponderações aqui realizadas, tornam a modalidade endoscópica uma importante estratégia de tratamento dessa comum e difícil complicação, com potencial de se transformar no método de primeira linha brevemente. Uma abordagem multidisciplinar que envolva cirurgiões, endoscopistas e radiologistas intervencionistas provavelmente produzirá os melhores resultados para esses pacientes.

REFERÊNCIAS

– Azeem N, Baron TH, Topazian MD, Zhong N, Fleming CJ, Kendrick ML. Outcomes of endoscopic and percutaneous drainage of pancreatic fluid collections arising after pancreatic tail resection. J Am Coll Surg. Elsevier Inc.; 2012;215(2):177–85.
– Kwon YM, Gerdes H, Schattner M a., Brown KT, Covey AM, Getrajdman GI, et al. Management of peripancreatic fluid collections following partial pancreatectomy: A comparison of percutaneous versus EUS-guided drainage. Surg Endosc Other Interv Tech. 2013;27(7):2422–7.
– Mandai K, Uno K, Yasuda K. Endoscopic ultrasound-guided drainage of postoperative intra-abdominal abscesses. World J Gastroenterol. 2015;21(11):3402–8.
– Prasad G a., Varadarajulu S. Endoscopic Ultrasound-Guided Abscess Drainage. Gastrointest Endosc Clin N Am. Elsevier Inc; 2012;22(2):281–90.
– Tilara A, Gerdes H, Allen P, Jarnagin W, Kingham P, Fong Y, et al. Endoscopic ultrasound-guided transmural drainage of postoperative pancreatic collections. J Am Coll Surg. American College of Surgeons; 2014;218(1):33–40.
– Varadarajulu S, Wilcox CM, Christein JD. EUS-guided therapy for management of peripancreatic fluid collections after distal pancreatectomy in 20 consecutive patients. Gastrointest Endosc. Elsevier Inc.; 2011;74(2):418–23.




Coledocoduodenostomia ecoguiada: um procedimento endoscópico-cirúrgico

 

INTRODUÇÃO:

A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) é o procedimento de escolha para a drenagem da via biliar comum, no caso de obstruções distais. Contudo, em aproximadamente 5% de todos os casos, isso não é factível. Nos casos de pacientes operados com alteração da anatomia gastrointestinal e em casos oncológicos, como os tumores periampulares, por exemplo,  a CPRE tem baixas taxas de sucesso e outro método se faz necessário. É aí onde surge a drenagem biliar ecoguiada (DBEG), como uma alternativa eficaz e segura.

As indicações atuais para DBEG são:

  • falha da CPRE
  • alteração anatômica
  • tumor que impeça o acesso a árvore biliar
  • contraindicações ao acesso percutâneo

 

Existem dois métodos para se realizar uma DBEG:

  • Trans-hepática: onde através da pequena curvatura proximal realiza-se uma punção e drenagem ecoguiada do segmento III hepático, ou
  • Extra-hepático: também chamada de coledocoduodenostomia ecoguiada, onde, no bulbo duodenal realiza-se uma punção, dilatação e inserção de uma prótese entre o duodeno e o colédoco, sendo todos os passos sob visão direta da endoscopia agregada a visão radiológica e ecoendoscópica, simultaneamente.

 

CASO CLÍNICO:

Paciente de 80 anos, sexo feminino, com dor abdominal, icterícia progressiva e perda de peso não quantificada há 08 meses.

  • Exames complementares indicavam colestase (AST: 55, ALT: 71, FA: 645, GGT 374, BT: 22,10, BD: 21,0)
  • Ultrassom de fígado e vias biliares evidenciaram dilatação da via biliar intra e extra-hepática, com colédoco de 1,8cm.
  • A tomografia de abdome mantém o achado da dilatação, com evidência de interrupção do coléodoco a nível da cabeça do pâncreas, devido a lesão hipodensa, de 3,0 x 2,7cm, associado a dilatação do ducto de Wirsung, além de disseminação linfonodal da lesão.

 

Tentado inicialmente CPRE para drenagem biliar, sem sucesso por infiltração da papila duodenal e obstrução maligna da mesma. Foi então realizado uma biópsia da lesão que confirmou o diagnóstico da adenocarcinoma de pâncreas.

Diante desse contexto, após consentimento da paciente, foi realizado, sob anestesia geral e utilizando-se um ecoendoscópio setorial com canal de 2.8 mm, uma ecopunção no joelho bulbar junto a parede supero-anterior com intuito de se criar um trajeto fistuloso não anatômico para se proceder a uma drenagem biliar ecoguiada (coledocoduodenostomia), com passagem de prótese metálica  parcialmente recoberta de 60 x 10 mm. O tempo total de procedimento foi de 35 minutos, sendo o tempo de passagem da prótese de 5 minutos. O método de dilatação utilizado foi por meio do estilete e apenas uma prótese foi utilizada, com escoamento imediato de bile esverdeada entremeada a alguns grumos biliares. O esvaziamento de contraste da via biliar  após 20 minutos do procedimento foi considerado ótimo e não houve complicação técnica ou clínica durante ou após o procedimento (Figuras 1, 2, 3).

A paciente teve boa evolução, recebendo alta em 36h e, após uma semana, encontrava-se clinicamente bem, sem dor, com boa aceitação de dieta oral. Novos exames laboratoriais mostram queda significativa dos valores de bilirrubina (BT: 14,30, BD: 12,00). A paciente manteve seguimento clínico e clearance progressivo de bilirrubinas, mantendo-se assintomática por 06 meses e com sobrevida de 07 meses após o procedimento. Destaca-se a melhora da qualidade de vida comprovada objetivamente por meio de escores (SF-36) realizados antes e seriadamente após o acesso ecoguiado.

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Figura 1: Imagem ecoendoscopica setorial demonstrando colédoco distal dilatado a montante da estenose neoplásica, a agulha e a veia porta.

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Figura 2: Imagem radiológica demonstrando a estenose distal na via biliar extrahepática e o aparelho de ecoendoscopia, alem do fio guia passando pelo ponto de punção que ocorreu na face supero-anterior do joelho duodenal.

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Figura 3: Prótese metálica disposta no bulbo duodenal e configurando a coledocoduodenostomia ecoguiada.

DISCUSSÃO:

Apresentamos um caso clínico onde uma neoplasia maligna periampular impedia a drenagem biliar por CPRE e sendo utilizado, com sucesso, método alternativo da drenagem biliar com a utilização da ecoendoscopia setorial: coledocoduodenostomia.

O acesso biliar ecoguiado compõe-se por técnicas intra e extra-hepáticas. A hepatogastrostomia é indicada nas lesões hílares com insucesso da CPRE e a coledocoduodenostomia destaca-se na obstrução do confluente bilioduodenopancreático.

Vale ressaltar que se trata de um procedimeno minimamente invasivo que, agregado a CPRE, permite-se a drenagem biliar em torno de 98% dos casos, portanto o acesso ecoguiado caracteriza uma técnica de resgate relevante. O sucesso terapêutico e técnico, na literatura, é de 85-100%. Ainda vale citar que a relação custo beneficio é favorável a este método quando comparado com o acesso transparietal e cirúrgico. Outrossim, a ciurgia é padrão ouro e deve ser o método de finalização na falha da supracitada técnica.

Em relação as opções de próteses, poder-se-á utilizar próteses metálicas (cobertas, parcialmente cobertas e não cobertas) e plásticas. Na coledocoduodenostomia pode-se utilizar tanto metálicas como plásticas, entretanto na hepatogastrostomia a preferência são as metálicas cobertas.

Concluindo, a coledocoduodenostomia ecoguiada compõe técnica elegante e efetiva de resgate ao acesso biliar na falha da CPRE convencional e deve ser realizada por profissionais com destacada proficiência em CPRE e Ecoendoscopia, além de ambiente com acessórios adequados e hospitalar bem estruturado.

 

Quer saber mais? Clique aqui para acessar o post: Drenagem Biliar Ecoguiada – breve revisão da literatura

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Guedes HG, Lopes RI, de Oliveira JF, Artifon EL. Reality named endoscopic ultrasound biliary drainage. World J Gastrointest Endosc 2015; 7(15): 1181-1185 [PMID: 26504507 PMCID: PMC4613807 DOI: 10.4253/wjge.v7.i15.1181]