Mucosectomia de Esôfago com Duette

 
Paciente masculino, 74 anos, encaminhado para realização de endoscopia digestiva alta (EDA) de rotina para acompanhamento de esôfago de Barrett.
A endoscopia revelou esôfago de Barrett curto, porém com área nodular avermelhada não corada com ácido acético.
 

 
Biópsia: adenocarcinoma tubular bem diferenciado, ocorrendo em área de displasia de alto grau em esôfago de Barret com metaplasia intestinal incompleta.
Ecoendoscopia: espessamento da mucosa, porém sem sinais de invasão da submucosa profunda ou da muscular própria. Ausência de acometimento linfonodal. Estadiamento T1a N0 Mx
Foi então indicado a mucosectomia para melhor análise da lesão. (Digo melhor análise, pois até este ponto não sabemos se a ressecção endoscópica pode ser curativa ou não.)
 

 
Anatomopatológico após a ressecção:

  • adenocarcinoma bem diferenciado medindo 0,6 cm,
  • Invasão de submucosa medindo 0,2 cm
  • Presença de invasão perineural.

 
A magnitude da invasão submucosa neste caso, extrapola os critérios considerados adequados para ressecção endoscópica segundo a sociedade europeia de endoscopia (ESGE – clique para ler esse guideline).
Segundo esse guideline, o tratamento endoscópico da neoplasia superficial do Barrett é a primeira opção caso a neoplasia seja restrita a mucosa (T1a).
Em neoplasias com invasão da submucosa (T1b), a ressecção endoscópica pode ser uma alternativa à cirurgia se atender aos seguintes critérios histopatológicos:

  • neoplasias com invasão na submucosa inferior a 500µm
  • histologia bem ou moderadamente diferenciada
  • ausência de invasão vascular e linfática
  • margens livres

 
Quanto à técnica de ressecção, a mucosectomia e a ESD parecem ser igualmente eficazes. O artigo abaixo é um estudo prospectivo randomizado muito bem conduzido que ilustra bem essa situação:
A randomised trial of endoscopic submucosal dissection versus endoscopic mucosal resection for early Barrett’s neoplasia. Gut. 2017 May;66(5):783-793. Terheggen G et al.
“CONCLUSIONS:  In terms of need for surgery, neoplasia remission and recurrence, ESD and EMR are both highly effective for endoscopicresection of early BO neoplasia. ESD achieves a higher R0 resection rate, but for most BO patients this bears little clinical relevance. ESD is, however, more time consuming and may cause severe AE.”
 
Para fechar essa discussão, é importante ressaltar que no caso dos pacientes que já desenvolveram adenocarcinoma ou displasia de alto grau no EB, a ablação do epitélio remanescente deve ser realizada. Isso pode ser feito através de radiofrequência – tecnologia recentemente incorporado em nosso meio – ou através do APC híbrido (não é a técnica de argônio comum!!!). Clique aqui para ver um vídeo desse procedimento.
Copio trecho do guideline da ESGE:
After endoscopic resection of visible abnormalities containing any degree of dysplasia or neoplasia, complete eradication of all remaining Barrett’s epithelium should be strived for, preferably with RFA. (After endoscopic resection of visible abnormalities, recurrence rates between 15 % in 5 years and 30 % in 3 years have been reported for patients in whom the remaining BE is left untreated.)
 




Caso clínico – Melanoma metástatico e Gastrite

Paciente do sexo masculino, 27 anos, portador de melanoma metastático, tendo realizado 03 doses de Ipilimumabe (imunoterápico), evolui com náuseas, vômitos, dor epigástrica e perda ponderal de cerca de 08 Kg em 10 dias. Na admissão, estável do ponto de vista hemodinâmico. Ao exame, abdome plano, RHA presentes, flácido, doloroso a palpação em região epigástrica, sem sinais de irritação peritoneal.  Realizou EDA:

Foi realizada inicialmente a pesquisa imunohistoquimica para CMV e pesquisa para outras bactérias (ex: Streptococcus), sendo negativa, além de se afastar melanoma metástatico (não seria também a característica endoscópica esperada). Anatomopatológico inicial apenas com importante infiltrado linfocítico e neutrofílico inespecífico. Foi aventada a possibilidade de gastropatia relacionada ao Ipililumabe e diante da gravidade do aspecto endoscópico e urgente necessidade de iniciar terapêutica, após discussão entre gastroenterologia e oncologia, foi optado por iniciar Metilprednisolona 02 mg/Kg/dia. Além de iniciar corticoterapia, foi realizada passagem de SNE pós pilórica, IBP endovenoso e sucralfato. O paciente apresentou significativa melhora clínica em 48 horas e após 01 semana da internação hospitalar, obteve alta hospitalar para desmame ambulatorial do corticoide. Durante acompanhamento ambulatorial, paciente trouxe revisão de lâmina do primeiro anatomopatológico (AP do diagnóstico) sendo evidenciado que 04 células endoteliais estavam acometidas pelo CMV e a pesquisa para H. pylori positiva (paucibacilar). Em discussão multidisciplinar entre oncologista, gastroenterologista e patologista, a gastropatia foi atribuída a imunoterapia. Dentre os aspectos considerados, tem-se: aspecto endoscópico não é típico para CMV (principalmente pelo fato que o antro encontrava-se completamente recoberto por camada de fibrina) assim como também não era típico para H. pylori, além do acometimento paucibacilar pelo H. pylori e apenas 04 células endoteliais acometidas pelo CMV, o que não justificaria a gravidade do aspecto endoscópico e o fato da lesão endotelial identificada na histologia não ser típica do CMV. Fora isso, tem-se a resposta terapêutica e rápida com uso da metilprednisolona (02 mg/kg/dia). Segue a última EDA realizada ambulatorialmente:

Os imunoterápicos correspondem a nova classe de quimioterápicos cujas indicações tem-se ampliado. São drogas que estimulam as células T a atuarem contra as células neoplásicas. Os eventos adversos gastrointestinais mais comumente relacionados são a colite e hepatotoxidade. Para tratamento dos eventos adversos, a corticoterapia exerce papel importante. Apesar de não existirem relatos de caso relacionando o uso do ipililumabe com a gastropatia medicamentosa, na literatura existem dois relatos de casos relacionando o uso do Nivolumabe (outro tipo de imonuterápico) com gastropatia. A característica clínica, endoscópica e histológica é muito semelhante ao caso apresentado acima.  Seguem os dois relatos de caso na referência abaixo do texto. Dessa forma, os gastroenterologistas e endoscopistas tem que ficar atentos quanto a gastropatia medicamentosa mediada por imunoterápicos (classe nova de quimioterápicos)  vir a ser encontrada com maior frequência em futuro próximo em função do aumento da prescrição desta classe de imunoterápicos não somente para o melanoma como também para outras neoplasias.

Referências:

  • Boyke J, Dejulio T. Severe esophagitis and gastritis from NivolumabTherapy. ACG Case Rep J 2017
  • Kobayashi M, Yamaguchi O, Nagata K, Nonaka K, Ryozawa S, Acute hemorrhagic gastritis after nivolumab treatment, Gastrointestinal Endoscopy (2017)

Elaborado em colaboração com:

Dr. Rodrigo Antônio Vieira Guedes (oncologista)

Dr. Nathanael de Freitas Pinheiro Junior (patologista)




Pâncreas anular

Paciente feminina, 42 anos, com histórico de 8 meses de dor abdominal, localizada em todo abdome superior, predominantemente pós-prandial, associada à empachamento e vômitos tardios, com alivio dos sintomas após os vômitos. Relata ainda raros episódios de diarreia. Perdeu 9Kg no período, reduzindo seu peso de 57 para 48 Kg.

Solicitada endoscopia digestiva alta para investigação. Foram realizados dois exames, no primeiro foi identificado grande volume de estase gástrica, com resíduos sólidos, não aspiráveis, que determinou interrupção do exame pelo risco de broncoaspiração. Para o segundo exame fez uso de dois dias de dieta liquida exclusiva como preparo.

Achado estômago de volume aumentado, bulbo dilatado e estenose da segunda porção que permitia a passagem justa do aparelho de 9,8mm.

Com a identificação da estenose da segunda porção foi solicitada tomografia de abdome total, que identificou o pâncreas anular.

 

 

Revisão:

O pâncreas anular é uma anomalia congênita rara, na qual há um anel de tecido pancreático circulando a segunda porção duodenal. Consequência de falha na rotação completa do broto pancreático ventral durante o período embrionário.

Por se tratar de problema congênito acreditava-se que a grande maioria se manifestava na infância, com obstrução duodenal; contudo algumas séries de casos tem demonstrado até 50% de acometimento de adultos, com sintomas de dor, pancreatite ou massa na cabeça do pâncreas. Estima-se que até dois terços dos portadores dessa condição permanecerão assintomáticos a vida toda.

Habitualmente os sintomas ocorrem com obstrução duodenal na infância ou dor no adulto, principalmente nas terceira e quarta décadas de vida; o único relato na literatura de paciente que apresentou sintomas nas duas fases da vida é de um brasileiro atendido no Grupo de Cirurgia das Vias Biliares e Pâncreas do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP. Dessa forma, o caso aqui relatado, foge do lugar comum, com predomínio de sintomas obstrutivos no paciente adulto.

O tratamento dos sintomas na infância consiste na derivação: duodeno jejunal, gastro jejunal ou duodeno duodenal. A secção do anel foi totalmente abandonada pela ocorrência de pancreatites e fístulas duodenais em incidência proibitiva.

No adulto a abordagem mais frequente envolve a pancreatoduodenectomia com incisão cefálica para remoção dos cálculos, seguida de oclusão com alça jejunal para garantir a drenagem adequada do segmento anular.  Porém parece haver uma tendência a favor da realização da duodenopancreatectomia com preservação pilórica, já que nessa fase os sintomas costumam estar relacionados à ocorrência de pancreatite cefálica por dificuldade de drenagem do segmento com vício rotacional, dificuldade essa que por vezes não é plenamente resolvida pela pancreatoduodenectomia. Além disso há que se atentar aos relatos de neoplasias peri ampulares associadas ao pâncreas anular, há relatos de cinco casos de neoplasia de papila e três de cabeça de pâncreas.

A pancreatografia endoscópica tem sua atuação limitada pela presença de estenose duodenal ou pela má formação em si. Durante um período foi considerado método diagnóstico valioso mas atualmente já foi plenamente substituído pela ressonância.

Existe uma classificação, proposta por Yogi et al, que divide os tipos de pâncreas anular em 6, conforme a drenagem do ducto de Wirsung, mas até o momento ela não tem utilidade clínica.

Diante de um bulbo dilatado e alongado com estreitamento da segunda porção duodenal devemos lembrar dessa entidade que na maioria das vezes passa sem diagnóstico (considerando sempre que a endoscopia não é o exame de eleição para o diagnóstico).

 

Referencias:

  1. Green JD Fieber SS, Buniak B. Annular pancreas with dilated biliary and pancreatic ducts. Am J Gastroenterol 1993;88:467-8
  2. Brickford BJ, Williamson JCF Annular pancreas. Br J Surg 1952;39:49-52
  3. Cunha JE1de Lima MSJukemura JPenteado SJureidini RPatzina RASiqueira SA. Unusual clinical presentation of annular pancreas in the adult. 2005;5(1):81-5. Epub 2005 Mar 16.
  4. Yogi Y, Shibue T, Hashimoto S. Annular pancreas detected in adults, diagnosed by endoscopic retrograde cholangiopancreatography: report of four cases. Gastroenterol Jpn 1987;22:92-9
  5. Chen YC, Yeh CN, Tseng JH. Symptomatic adult annular pancreas. J Clin Gastroenterol 2003;36:446-50
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Como citar esse artigo:

Lima MS. Pâncreas anular. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/pancreas_anular/




CASO CLINICO – DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL

Paciente sexo masculino, 42 anos portador de Colite Ulcerativa (pancolite) há cerca de 15 anos em uso de mesalazina e azatioprina no momento com sintomas esporádicos de sangramento nas fezes.

Antecedentes: HAS.

Ao exame físico:

Estado geral bom, corado. PA: 130×70, FC:110bpm.

Abdome: inocente. DB negativo. RHA +.

Última colonoscopia há 1 ano com pancolite em atividade moderada – MAYO 2.

Realizada nova colonoscopia de controle com presença de enantema e microerosões recobertas por fibrina em cólon ascendente intercaladas por áreas de mucosa cicatrizada em cólon transverso, descendente e reto. Destaca-se em cólon descendente uma lesão plano-elevada de crescimento lateral (LST), granular, forma nodular mista melhor delimitada após cromoscopia com índigo Carmin medindo aproximadamente 30mm na maior extensão.

CECO E CÓLON ASCENDENTE PROXIMAL

 

CÓLON TRANSVERSO

 

CÓLON DESCENDENTE

 

CÓLON DESCENDENTE APRESENTANDO LST REALÇADA APÓS CROMOSCOPIA COM ÍNDIGO CARMIN

 

Baseado no SCENIC (Consenso Internacional de Vigilância e Manejo da displasia da Doença Inflamatória Intestinal) publicado em 2015, alguns conceitos e recomendações foram incorporadas no tocante ao manejo de lesões colônicas em um paciente portador de Doença inflamatória intestinal (DII).

O conceito antigo de DALM e ALM, muitas vezes de difícil interpretação foi abolido e incorporado a Classificação de Paris já bem conhecida entre nós endoscopistas e de mais fácil compreensão.

Antes, qualquer lesão elevada em mucosa previamente inflamada era indicação formal de colectomia. Atualmente com a melhoria nas tecnologias endoscópicas tem-se aumentado a visualização de lesões displásicas que antes eram tidas como invisíveis. Desta forma há possiblidade de tratamento endoscópico curativo nas lesões precoces.

Surgiu ainda um novo conceito de lesão ressecável endoscopicamente quando:

* Margens bem definidas.

* Ressecção endoscópica completa da lesão e confirmada com a histologia.

* Biópsias das áreas cincunjacentes à lesão sem displasia.

Quanto ao melhor procedimento ainda não há estudos que comprovem a superioridade da dissecção submucosa em relação à mucosectomia. Desta forma, o endoscopista deve escolher a técnica o qual se sinta mais confortável e seguro a realizar.

Referências

SCENIC international consensus statement on surveillance and management of dysplasia in inflammatory bowel disease. Gastrointestinal Endoscopy. 2015; 81(3)




METÁSTASE GÁSTRICA DE MELANOMA

Metástases gástricas de melanoma

Metástase de melanoma pigmentado constituída de células epitelióides pleomórficas; coloração de hematoxilina e eosina, 40x.

O melanoma maligno é uma das doenças malignas mais comuns que metastatizam para o tubo digestivo. A metástase pode ocorrer no momento do diagnóstico primário ou décadas após, como primeiro sinal de recorrência. Os sítios mais comuns de metástases de melanoma maligno são o intestino delgado (50%), cólon (31,3%), estômago (20%) e ânus e reto (25%)(1).

Já melanoma maligno primário do gastrointestinal pode surgir em várias áreas do trato digestivo: 33% estão localizados na nasofaringe, 5,9% no esôfago, 2,7% no estômago, 2,3% no intestino delgado, 1,4% na vesícula biliar, 9% no cólon, 22% no reto e 31% na região anal (2, 3).

Os pacientes com metástases de melanoma para o TGI podem apresentar sintomas como dor abdominal, disfagia, obstrução do intestino delgado, diarreia, hematêmese e melena (1), mas frequentemente são inespecíficos, e a indicação de realizar a endoscopia normalmente é investigação de anemia crônica por deficiência de ferro (2).

Endoscopicamente, as metástases gástricas do melanoma podem apresentar-se como úlceras pigmentadas enegrecidas, pigmentos enegrecidos difusos na mucosa, múltiplos diminutos nódulos na mucosa ou submucosa, lesões polipoides ou massas extrínsecas. Essas lesões são frequentemente pigmentadas, porém podem apresentar-se de forma não-pigmentadas, mimetizando outras neoplasias epiteliais e linfoma MALT. Portanto, as biópsias são mandatórias em pacientes com história de melanoma submetidos à endoscopia, mesmo em lesões não-pigmentadas. A cápsula endoscópica ou enteroscopia são úteis quando há suspeita de lesão no delgado. O PET-CT tem alta sensibilidade para detectar metástases de melanoma, entretanto não é capaz de detectar metástases gástricas (2).

A intervenção cirúrgica pode ser realizada especialmente em pacientes sintomáticos, para alívio da dor e melhora da qualidade de vida. Médicos oncologistas escolhem imunoterapia sistêmica com o anticorpo monoclonal anti-CTLA4 ipilimumab, que tem sido provada como tratamento efetivo para melanoma metastático (2).

O prognóstico é ruim, com sobrevida média de 4 a 6 meses.

Referência

1. Pommer B et al. Gastric metastases from malignat melanoma. Endoscopy 2008; 40: E30-E31

2. Genova, Pietro; Sorce, Maria; Gabibi, Daniela; Genova, Gaspare; Gebbbia, Vittorio; Galanti, Daniela; Ancona, Chiara; Valerio, Maria Rosaria. Gastric and Retal Metastases From Malignant Melanoma Presenting With Anemia

Hipocrômica e Tratada com Imunoterapia. Case Report In Oncological Medicine. 2017

3. Rai MP et al. BMJ Case Rep 2018. Doi: 10.116/bcr-2018-224914




Caso Clínico – Fístula biliar pós trauma abdominal fechado

Relato do caso:

Paciente do sexo masculino, com 43 anos de idade, deu entrada no pronto socorro, após ter evadido de outro hospital .

Tinha antecedente de trauma abdominal fechado, após queda de andaime (7 metros), estando internado com conduta não cirúrgica por cerca de 18 dias. Após este período, “fugiu” do hospital de origem e procurou atendimento no PS-HC Marília.

Na entrada, apresentava-se estável hemodinamicamente, porém  emagrecido (estava em jejum desde o trauma), com dor em andar superior de abdômen, sinais de ascite volumosa, além de anasarca e leve icterícia. Foi submetido a tomografia de abdômen com contraste, que evidenciou laceração hepática Grau III, coleções subcapsulares  e volumosa ascite. Optou-se por realizar paracentese, com saída de cerca de 11 litros de secreção biliar.

Laceração hepática Grau III

 

Volumosa ascite

Paracentese com bile

 

Diagnosticada a fístula biliar, paciente foi submetido a Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (CPRE), com papilotomia, sendo evidenciada fístula biliar em ramos secundários a direita. Não foi possível a colocação de prótese (em falta no serviço).

Fístula biliar

Fístula biliar

Após a CPRE, paciente ainda realizou outra paracentese com saída de cerca de 2 litros de bile. Neste momento, foi submetido a laparoscopia, com colocação de dreno perihepático com dificuldade (muitas aderências), para auxiliar na drenagem.

Mesmo com a drenagem externa paciente evoluiu com febre, e dor abdominal, sendo submetido a laparotomia exploradora, com drenagem de múltiplas coleções cavitárias. Foi necessário realizar peritoniostomia, para lavagens frequentes da cavidade. Em nenhuma das abordagens foi possível avaliar a lesão hepática ou tentar alguma terapêutica adicional sobre as vias biliares.

Após boa evolução, com parada de drenagem de bile e secreção purulenta, paciente foi submetido a fechamento da cavidade, pode ser realimentado oralmente, teve boa evolução e posterior alta, encontrando-se atualmente bem, trabalhando e sem alterações biliares.

 

Discussão:

Recentemente vem ganhando terreno as terapias não invasivas para traumas abdominais fechados, em especial de vísceras maciças, como rins, baço e fígado. As melhores condições de cuidados em UTI, associadas a evolução dos procedimentos diagnósticos e intervenções minimalistas, fazem com que terapias não operativas sejam a escolha em pacientes com lesões graves, antes sempre cirúrgicas, como lesões hepáticas acima de grau III.

A escolha da terapia não operativa em paciente com trauma abdominal fechado não reside apenas no grau de lesão das vísceras envolvidas (no caso vísceras maciças), mas na estabilidade hemodinâmica do paciente. Pacientes instáveis, são encaminhados imediatamente a cirurgia. Pacientes estáveis, são submetidos a exame de imagem, diagnóstico do tipo de lesão, e acompanhamento em UTI.

Especificamente no trauma hepático fechado, a principal preocupação e complicação é o sangramento. As fístulas biliares são incomuns, ocorrendo nos casos mais graves (graus de lesão maiores), com incidência estimada em cerca de 2,8 a 7,4% dos casos. Podem ocorrer de imediato, junto ao trauma, ou serem tardias, após cirurgias de controle de dano, ou após necrose de parênquima ou ruptura de biliomas.

O diagnóstico de complicações biliares nos casos de trauma hepático fechado pode ser difícil. Em geral podem aparecer sinais indiretos, como piora do quadro, febre e dor em hipocôndrio direito, e também, um sinal mais específico, a icterícia. Sugere-se que exames seriados de tomografia computadorizada podem evidenciar aumento de coleções com baixa atenuação, ou coleções perihepáticas tardias. Deve-se lembrar de que mesmo a tomografia computadorizada com contraste não é especifica para alterações biliares, com alguns autores sugerindo o estudo das vias biliares com técnicas de radioisótopos.

O tratamento inclui o suporte, antibioticoterapia e diagnóstico precoce. Como em geral as complicações biliares são tardias, os pacientes podem ser submetidos a técnicas minimamente invasivas. Inicialmente, pode-se colocar um dreno cavitário, no local da coleção, ou bilioma, transformando uma lesão biliar em uma fístula controlada, evitando-se a contaminação da cavidade e acumulo de fluídos.

Outra técnica já estabelecida é a realização de CPRE.  A idéia do uso de tal terapêutica é que, devido a papilotomia, há diminuição da pressão biliar, deixando a bile de seguir pela fístula, causando o fechamento desta. Inicialmente após a papilotomia, pode haver ainda alguma dificuldade em drenagem da bile pela papila, secundária ao edema pela manipulação. Assim, hoje se indica o tratamento de fístulas biliares traumáticas com CPRE e próteses, principalmente em fístulas distais. A presença da prótese anula totalmente a pressão na via biliar, aumentando a taxa de fechamento de fístulas.

A evolução após a CPRE em geral é positiva, com o fechamento da fístula. Casos mais graves podem vir a necessitar de posterior cirurgia. Deve-se sempre acompanhar o paciente, principalmente quando da colocação de próteses, para evitar uma futura colangite por não retirada desta.

Você já tratou algum paciente assim? Como realizou o diagnóstico? Qual foi o tratamento e evolução?

 

Agradeço aos colegas Dr. Roberto Tucci Junior, pelo auxílio na condução do caso, e Dra. Flavia Ferreira Magalini na construção do relato.

 

Bibliografia:

Kulaylat AN, et at. Traumatic bile leaks from blunt liver injury in children: a multidisciplinary and minimally invasive approach to management. J Pediatr Surg. 2014;49(3):424-7.

Al-Hassani A, et al. Delayed bile leak in a patient with grade IV blunt liver trauma: A case report and review of the literature. Int J Surg Case Rep. 2015;14:156-9.

Ragavan M, et al.Posttraumatic Intrahepatic Bilioma. Indian J Surg. 2015;77:1399-400. 

Tiwari C, et al. Management of Traumatic Liver and Bile Duct Laceration. Euroasian J Hepatogastroenterol. 2017;7(2):188-190.   

 

Como citar esse artigo:

Sauniti, G. Caso Clínico – Fístula biliar pós trauma abdominal fechado. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-fistula-biliar-pos-trauma-abdominal-fechado/

 

 




Esplenose Pancreática

Paciente do sexo feminino, 38 anos, foi submetida à RNM de abdômen para a avaliação de cisto renal complexo, realizando diagnóstico incidental de um nódulo hipervascularizado, medindo aproximadamente 20 mm, localizado na cauda do pâncreas. A paciente apresentava obesidade, IMC de 40, Diabetes Mellitus, Hipertensão Arterial e Hipercolesterolemia.

esplenose1

Para investigar a lesão pancreática, foi optado por realizar ecoendoscopia  com  punção aspirativa do nódulo.

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A ecoendoscopia demonstrou uma lesão na cauda do pâncreas, hipoecóica, regular, com ecotextura semelhante ao baço. A lesão foi puncionada com agulha de 22 G.

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imagem ilustrativa

O resultado da avaliação histocitológica revelou presença de corpo de Malpighi, compatível com tecido esplênico e confirmando o diagnóstico de esplenose pancreática.

 

Revisão

A esplenose abdominal é o transplante espontâneo de tecido esplênico para locais não usuais. Esta situação ocorre geralmente após trauma ou cirurgia. Outra causa possível é a falha na coalescência durante a migração mesenquimal das células esplênicas.   A esplenose pancreática é descoberta na maioria das vezes incidentalmente e não necessita ressecção cirúrgica se o diagnóstico for acurado. Entretanto, a esplenose pancreática pode ser confundida com um tumor neuroendócrino pancreático não funcionante, já que as duas lesões tem  característica hipervasculares semelhantes à avaliação pela tomografia ou RNM. Devido à isso, o diagnóstico preciso é crucial, já que a esplenose não requer tratamento cirúrgico.

Os achados ecoendoscópicos da esplenose pancreática podem ser desafiadores. Mesmo o achado mais frequente de lesão homogênea, hipoecóica e bem circunscrita requer a punção aspirativa para diferenciá-la  de um tumor neuroendócrino.

 

REFERÊNCIAS.

  1. Ardengh JC, de Paulo GA, Ferrari AP. EUS-guided FNA in the diagnosis of pancreatic neuroendocrine tumors before surgery. Gastrointest Endosc. 2004;60:378-84
  2. Laüffer JM, Baer HU, Maurer CA, Wagner M, Zimmermann A, Büchler MW. Intrapancreatic accessory spleen. A rare cause of a pancreatic mass. Int J Pancreatol. 1999;25:65-8
  3. Fiamingo P, Veroux M, Da Rold A, Guerriero S, Pariset S, Buffone A, Tedeschi U. A rare diagnosis for a pancreatic mass: splenosis. J Gastrointest Surg. 2004;8:915-6.
  4. Fremont RD, Rice TW. Splenosis: a review. South Med J. 2007;100:589-93

 




Hiperinsuflação espontânea de balão intragástrico

 

Paciente 35 anos, IMC 32,  submetida a colocação de balão intragástrico há 6 semanas.

Procedimento de implante: SF 500 ml + 20 ml de azul de metileno.

Apresentou boa evolução após o procedimento, com progressão habitual da dieta e perda de 8 kg no período.

Há 1 semana iniciou quadro de dor em região lombar, sem relação com a posição ou movimentação, associada a náuseas, empachamento, desconforto abdominal e alguns episódios de vômitos.

Ao EF chamava atenção uma região endurecida à palpação de epigástrio/ HCE (Balão?).

 

Exames laboratoriais:

  • Amilase: 356; Lipase:1330
  • Na 142; K 3,7
  • Hb 13,7; Leuco 10.500
  • U 38; Cr 0,9

 

Solicitado RX de abdômen:

 

Realizada endoscopia digestiva alta com anestesia geral:

a) Balão impactado no corpo distal, rechaçando a incisura angularis; b) balão colonizado por fungos, dificultando a visualização do nível hidroaéreo em seu interior; c) balão mobilizado novamente para corpo proximal/fundo; d) idem b).

Presença de resíduos alimentares em pequena quantidade. BIG apresentava colonização fúngica em sua superfície, dificultando a visualização do nível hidroaéreo. Chamou atenção o volume relativamente normal do BIG. Esperava encontrar o balão bem volumoso, dificultando inclusive a passagem do aparelho para o antro, mas isso não aconteceu. A incisura estava achatada, comprimindo o antro, devido impactação no corpo distal. Era possível sua mobilização para o fundo, porém em poucos segundos ele retornava para sua posição habitual.

Realizada retirada do BIG sem intercorrências.

 

Evolução

Paciente permaneceu internada e repetiu exames laboratoriais no dia seguinte, apresentando normalização das enzimas pancreáticas. Bilirrubinas e enzimas hepáticas sem anormalidades. USG de abdomen apresentou microcálculos em vesícula biliar, sem dilatação do colédoco.

Apresentou melhora da dor, aceitando bem dieta leve e recebeu alta hospitalar.

 

Fisiopatologia

O mecanismo de hiperinsuflação espontânea do balão intragástrico ainda é desconhecido. Os dados na literatura são escassos e não permitem uma conclusão. Uma hipótese é que exista alguma relação com infecção por fungos ou bactérias anaeróbias. No entanto, não há uma explicação plausível para essa colonização:

  • durante o procedimento de inserção do BIG (por contaminação do líquido)?
  • defeito da válvula?
  • porosidade do material?
  • alguma condição intrínseca ao paciente?

 

A hiperamilasemia transitória provavelmente ocorre devido compressão do balão no corpo do pâncreas, especialmente no ponto em que este cruza com a coluna dorsal.

E você? Já teve algum caso semelhante? Como foi a evolução?

 




Passagem de prótese biliar em paciente com prótese duodenal prévia

Paciente do sexo feminino, 76 anos, com história de perda de peso e dor em região epigástrica com irradiação para o dorso.  Realizou endoscopia digestiva que demonstrou abaulamento em parede posterior de antro e bulbo duodenal com mucosa infiltrada e irregular. As biópsias não foram conclusivas.

Abaulamento em parede posterior de região antropilórica com infiltração e irregularidade mucosa


A paciente então foi submetida à tomografia de abdome que evidenciou volumosa lesão no corpo e colo do pâncreas invadindo a parede do antro gástrico e bulbo duodenal além de envolver o tronco celíaco e apresentar amplo contato com a artéria mesentérica superior.

Tomografia demonstrando lesão pancreática invadindo a região do antro e bulbo duodenal


Indicada ecoendoscopia para punção biópsia da lesão, que confirmou adenocarcinoma de pâncreas.

Lesão hipoecóica irregular no colo do pâncreas. Punção ecoguiada da lesão.


A paciente foi encaminhada para iniciar quimioterapia. Dois meses depois evoluiu com quadro de vômitos pós prandiais.  Realizou nova endoscopia que demonstrou obstrução pilórica e duodenal pela lesão. Foi realizada passagem de sonda nasoenteral e encaminhada para avaliação de prótese duodenal.

Injeção de contraste pela SNE demonstrando a estenose do piloro e duodeno. Aspecto radiológico e endoscópico da prótese duodenal.


Realizou passagem da prótese sem intercorrências. Foi utilizada prótese duodenal não recoberta de 22 mm por 90 mm com liberação em posição antro-pilórica.   A paciente evoluiu com melhora dos vômitos e boa aceitação alimentar.
Um mês após a passagem da prótese duodenal a paciente evoluiu com icterícia.  Realizou novo exame de imagem que demonstrou progressão da lesão com invasão do colédoco intrapancreático e dilatação das vias biliares intra e extra hepáticas.
Indicada nova CPRE para tentativa de drenagem biliar.

 
Realizada passagem do aparelho através da prótese duodenal que estava integrada à mucosa da região antropilórica. Tentativa de canulação da papila através da malha da prótese sem sucesso.  Introdução do duodenoscópio até ultrapassar a prótese permitindo  bom acesso à papila.  A colangiografia demonstrou dilatação das vias biliares intra e extra hepáticas com extensa estenose tumoral intrapancreática.  Passagem de prótese metálica parcialmente recoberta de 10 mm por 80 mm.
A paciente evoluiu com melhora da icterícia. Após o procedimento teve sobrevida de 3 meses sem sintomas de obstrução biliar ou de saída gástrica.




SÍNDROME BLUE RUBBER BLEB NEVUS

Paciente  masculino, 16 anos,  com história de anemia ferropriva persistente secundária a hemorragia digestiva baixa (HDB) recorrente desde os 3 anos de idade sendo necessárias inúmeras hemotransfusões.
Antecedente cirúrgico de laparotomia aos 6 anos com realização de enterectomia (1,5 m de jejuno) e ressecção de 13 lesões cujo anatomopatológico concluiu se tratarem de hemangiomas cavernosos.
Foi admitido para investigação com relato de episódio de HDB há 30 dias. Apresentava-se hipocorado, com Hb: 4,1 g/dl e Ht: 12,5%. Estava em uso de talidomida. No exame físico destacava-se a presença de um nódulo violáceo em dorso de mão e diminuta lesão em pé (vide fotos abaixo).


Realizou tomografia de abdome identificou várias lesões com características vasculolinfáticas  nas alças de intestino delgado e cólon. Identificadas também lesões na adrenal esquerda, peritônio, parênquima e hilo hepático.
Endoscopia digestiva alta sem alterações.
A colonoscopia (vide abaixo) evidenciou 4 lesões polipoides subpediculadas, medindo até 25mm, bem delimitadas, levemente violáceas, localizadas em cólon transverso, descendente, ângulo esplênico e reto, porém sem sinais de sangramento. Tais achados eram sugestivos de hemangiomas.


A enteroscopia alta identificou 2 lesões em jejuno: um hemangioma de 1,5 cm e uma angioectasia, ambas tratadas com argônio.
Baseado nos achados da colonoscopia e no passado de hemangiomas em intestino delgado foi aventada a hipótese da Síndrome do Nevo Azul (Blue Rubber Bleb Nevus – BRBN).
Neste caso, por conta do tamanho das lesões colônicas optamos por realizar o tratamento endoscópico com injeção de cianoacrilato.  Esta conduta foi baseada em relatos da literatura que mostram uma boa taxa de sucesso e menor recorrência. O procedimento foi realizado sem intercorrências.
 
 

A colonoscopia de controle em 1 semana e após cerca de 5 meses apresentaram bons resultados. Paciente não apresentou mais HDB e manteve hemoglobina após 1 ano em torno de 15,1 g/dl e Ht de 43%.
Discussão
A Blue Rubber Bleb Nevus Syndrome (SBRBN) é uma doença rara caracterizada por malformações vasculares (hemangiomas carvenosos) localizadas principalmente na pele e trato gastrintestinal. A maior parte dos casos são esporádicos, mas há alguns relatos em grupos de famílias, o que sugere ter uma base genética com herança autossômica dominante.
A maior morbidade desta doença se deve ao sangramento gastrintestinal, geralmente auto-limitado, evidenciando-se pela perda oculta nas fezes. A depender do tamanho e extensão dos hemangiomas pode ocorrer hematêmese, melena ou enterorragia. Outras complicações gastrintestinais, quando as lesões são de grandes dimensões, são: volvo, intussuscepção e isquemia intestinal.
O diagnóstico diferencial se dá com outras síndromes que cursam com lesões vaculares cutâneas e similares em outros órgãos que são:

  • Redu Osler Weber (TGI e pulmão)
  • Klippel- Trenaunay (osso, tecidos moles e S. Nervoso)
  • Sturge Weber (meninges)
  • Von Hippel Lindau (SNC e retina)
  • Maffucci (esqueleto)
  • Cobb (Medula espinhal)

Nos casos leves o tratamento é conservador com suplementação de ferro e/ou transfusões sanguíneas. Em casos de HDB recorrente é necessário o tratamento endoscópico ou eventualmente o cirúrgico. A ecoendoscopia pode ser útil para confirmar a natureza hemangiomatosa das lesões.
Para as lesões localizadas no trato gastrintestinal as modalidades terapêuticas endoscópicas a depender do tamanho e da extensão são:

  • Terapia injetora com adrenalina
  • Terapia térmica com Argônio
  • Ligadura elástica
  • Cianoacrilato
  • Polipectomia
  • Dissecção endoscópica submucosa

A recorrência das lesões é alta. Há possibilidade de tratamento farmacológico complementar com agentes antiangiogênicos ou antiproliferativos (talidomida, octreotide, corticoides, interferon gama).
O prognóstico depende da extensão do envolvimento visceral. Não há relação com transformação maligna.
Apesar da raridade do caso a mensagem a ser passada é que o tratamento endoscópico pode contribuir para a melhora na qualidade de vida com menor necessidade de hemotransfusões, menor custo e tempo de internação de pacientes. Optamos pela terapia com cianoacrilato por ser uma opção segura e eficaz.
 
* Caso clínico relatado com a colaboração da Dra Marina Pamponet Motta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Zurakowski J, et al. Endoscopy 2008, 40: E120-E121
Ferreira, M. J Port Gastroenterol 2009; 16;115-119
Mavrogenis, G. Endoscopy 2011, 43: E291-292