Casos Clínicos: Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática

 

Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática – achados de endoscopia digestiva alta e de ultrassom endoscópico.

A neoplasia intraductal mucinosa papilar (NIMP) pancreática é uma neoplasia epitelial, que se caracteriza por proliferação papilar e dilatação do ducto pancreático principal, com consequente formação de cisto[i]. As NIMPs são classificadas como tipo ducto pancreático principal (DP), tipo ducto pancreático secundário (DS), ou misto com base no envolvimento topográfico ductal do tumor. Sua identificação usualmente é feita por colangiopancreatoressonância magnética (ColangioRM), podendo ser confirmada pelo ultrassom endoscópico (USE) com ou sem punção ecoguiada, cujo principal achado é a confirmação de comunicação ductal, corroborado pela presença de células mucinosas. Seu tratamento baseia-se nos fatores de risco (sintomas clínicos, achados de imagem) pelo fato da NIMP progredir para carcinoma de forma infrequente e muitos pacientes serem assintomáticos. Atualmente, as recomendações de sociedade sugerem acompanhamento de 2 a 3 anos para cistos < 1 cm; anual de cistos (1 e 2 cm) por um período total de 2 anos e de 3-6 meses para cistos > 2 cm. Qualquer paciente ictérico ou com história de pancreatite aguda é candidato à cirurgia com base na localização do cisto e na extensão do envolvimento do DP[ii]. A NIMP pode apresentar-se como uma variável fistulizante, usualmente para o duodeno. Os autores apresentam um caso de formação espontânea de fístula gastropancreática secundária a uma NMIP tipo misto detectada e avaliada por endoscopia digestiva alta e ecoendoscopia.

 

CASO CLÍNICO

Paciente do sexo feminino, 68 anos, procurou o serviço de gastroenterologia do CHC-UFPR em maio 2018 com queixa de plenitude pós-prandial e desconforto abdominal. Solicitados exames diagnósticos de rotina, em que um US mostrou lesão solido-cística pancreática a esclarecer. Um exame de ColangioRM mostrou dilatação e irregularidade ductal a esclarecer, tendo como hipóteses diagnósticas NMIP do tipo misto ou pancreatite crônica calcificante (FIGURA 1). Foi submetida a ecoendoscopia e endoscopia digestiva alta o qual evidenciou NIMP com fistulização para o estômago e acentuada dilatação ductal pancreática com vegetações em seu interior (FIGURAS 2, 3 e 4). Foi possível adentrarmos no trajeto fistuloso para obteção de biópsias das vegetações.

A biópsia endoscópica confirmou NIMP do tipo misto padrão intestinal (FIGURA 5) e, conforme os critérios de Fukuoka 2016 (sintomas, acentuada dilatação ductal) acometimento de toda a glândula pancreática e o elevado risco de malignidade, foi decidido por pancreatectomia total como opção para tratamento curativo. Durante o ato cirúrgico, não foi possível a dissecção da cabeça pancreática devido a aderências em grandes vasos. Foi optado então por pancreatectomia corpo-caudal, cuja congelação de margem evidenciou lesão papilar ductal sem displasia. O procedimento foi associado a gastrectomia parcial e esplenectomia. A paciente apresentou evolução pós-operatória favorável, recebendo alta 10 dias pós-procedimento. O anatomopatológico evidenciou neoplasia mucinosa intraductal papilífera com displasia de alto grau, sem foco de neoplasia invasora, com acometimento ductal extenso e margem proximal positiva para presença de epitélio papilar sem displasia. Seis meses após o procedimento, a paciente retorna ao hospital por diarreia e desnutrição, a qual foi manejada com orientações dietéticas e revisão da reposição de enzimas pancreáticas. Um mês após, a paciente é reinternada com quadro de sepse sem origem determinada, evoluindo a óbito em 3 dias a despeito de medidas suportivas e uso de antibiótico de largo espectro.

FIGURA 1 – Colangioressonância – acentuada dilatação e tortuosidade do ducto pancreático principal (flechas verdes) com sinais de comunicação fistulosa com o estômago ao nível do corpo pancreático (flecha azul).

Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática

 

FIGURA 2 – Achado ecoendoscópico – presença de vegetação intraductal doppler-positivo dentro do ducto pancreático principal (este dilatado), confirmando tratar-se de NIMP tipo misto.

 

FIGURA 3 – Achado endoscópico – presença de uma gota de muco junto à parede posterior do estômago, confirmando tratar-se de uma neoplasia mucinosa.

Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática

 

FIGURA 4 – Achado endoscópico – após adentrado no orifício fistuloso, nota-se a parede do ducto pancreático principal (ao fundo) e uma vegetação (à direita).

Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática

 

FIGURA 5 – Fotomicrografia demonstrando projeção papilar e epitélio tipo intestinal (flechas amarelas). Hematoxilina-eosina 40x.

Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática

 

DISCUSSÃO

A NIMP pode apresentar como complicação durante seu seguimento a formação de fístula espontânea em órgãos adjacentes em até 6% dos casos[i], ou mesmo, muito raramente, ruptura em peritônio livre[ii]. A presença de uma fístula é usualmente identificada por exames de imagem não invasivos, tais como a TC de abdômen e a ColangioRM, pois permitem a identificação anatômica da fístula. Tais achados podem ser confirmados por ultrassom endoscópico.

As fístulas podem ser múltiplas, ocorrendo em qualquer dos tipos de NIMP (DP, DS ou misto) [iii]. O tipo de fístula pode variar em comportamento como sendo invasor (tipo penetrante) devido à infiltração por neoplasia avançada ou por compressão local e isquemia da parede do tubo digestivo (tipo mecânico), este usualmente não associado à malignidade e responsável por até cerca de 2/3 dos casos de NIMP fistulizante (4). Dentre os sítios descritos, a NIMP pode fistulizar para o duodeno (65%), seguido de colédoco (11%), estômago (19%) e cólon (3%)[iv]. Dentre as fístulas para o estômago, identificamos na literatura um total de 5 casos publicados e 2 séries de casos.

Embora o achado de fístula sugira agressividade, nos casos em que ocorre compressão (tipo mecânico), a sua presença não está necessariamente associada à neoplasia invasiva. De fato, o tipo histológico usual nas fístulas é o intestinal6, considerado de baixa agressividade dentre os quatro tipos histológicos de NIMP descritos na literatura. No presente caso, a paciente apresentava tipo histológico intestinal com foco de displasia de alto grau, sem sinais de neoplasia invasora. Entretanto, o acometimento ductal desses pacientes tende a ser difuso por toda a extensão do pâncreas. Isso determina um dilema terapêutico para pacientes com alto risco cirúrgico e idosos, uma vez que a cirurgia com potencial de cura seria a pancreatectomia total, um procedimento de elevado risco e morbidade pré e pós-operatória. Clinicamente, a presença de fístula em si não representa uma situação de risco para o paciente. A fistulização, em verdade, pode promover descompressão ductal pancreática[v] e melhora dos sintomas[vi], restando apenas o componente secretor da doença, que teoricamente poderia espoliar o paciente por perda proteica. No presente estudo, a paciente referia-se à dor abdominal crônica, provavelmente decorrente de pancreatite crônica adjacente.

Em relação à conduta, no presente caso, optou-se, inicialmente, por pancreatectomia total, mas foi tecnicamente possível somente a realização de pancreatectomia corpo-caudal (aderências ao nível da cabeça pancreática) e gastrectomia parcial com remoção do componente fistuloso. A despeito de ter sido realizada uma cirurgia que poupou tecido pancreático, a paciente desenvolveu desnutrição grave em curto espaço de tempo de pós-operatório.

A fístula gastropancreática é considerada rara na literatura e suas consequências, a longo prazo; risco de neoplasia e o intervalo de seguimento não estão definidos7. No presente caso, o exame endoscópico e endossonográfico foram cruciais para o diagnóstico e, quanto ao tratamento, faz-se necessária uma avaliação do risco, ponderando-se as ressecções pancreáticas extensas, principalmente em pacientes idosos e de alto risco.

 

 

 

AUTORES

Eduardo Aimore Bonin1, Raquel Canzi Almada de Souza1, Renata Pereira Mueller1, Sergio Ossamu Ioshii1, José Celso Ardengh 2.

1- Complexo Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.
2- Hospital 9 de Julho, Setor de Endoscopia, São Paulo, SP, Brasil, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Endoscopia, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

 

Como citar esse artigo:

Aimore E., Canzi R., Pereira R., Ossamu S. e Celso J. Casos Clínicos: Fístula gastropancreática secundária a neoplasia intraductal mucinosa papilar pancreática. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/fistula-gastropancreatica-secundaria-neoplasia-intraductal-mucinosa-papilar-pancreatica-achados-de-endoscopia-digestiva-alta-e-de-ultrassom-endoscopico/

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Referências

[i] Kobayashi G., Fujita N., Noda Y., Ito K., Horaguchi J., Obana T. Intraductal papillary mucinous neoplasms of the pancreas showing fistula formation into other organs. J Gastroenterol. 2010;45(October, 10):1080–1089.
[ii] Mizuta Y, Akazawa Y, Shiozawa K, Ohara H, Ohba K, Ohnita K, Isomoto H, Takeshima F, Omagari K, Tanaka K, Yasutake T, Nakagoe T, Shirono K, Kohno S. Pseudomyxoma peritonei accompanied by intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas. Pancreatology. 2005; 5(4-5):470-4.
[iii] Ravaud S., Laurent V., Jausset F., Cannard L., Mandry D., Oliver A. CT and MR imaging features of fistulas from intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas to adjacent organs: a retrospective study of 423 patients. Eur J Radiol. 2015;84(November, 11):2080–2088.
[iv] Ravaud S., Laurent V., Jausset F., Cannard L., Mandry D., Oliver A. CT and MR imaging features of fistulas from intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas to adjacent organs: a retrospective study of 423 patients. Eur J Radiol. 2015;84(November, 11):2080–2088.
[v] Patel A,Allen A, Kuwahara J, Tracy Wadsworth T, Loeffler DM,Xie KL. Intraductal papillary mucinous neoplasm complicated by a gastropancreatic fistula Radiol Case Rep. 2019 Mar; 14(3): 320–323.
[vi] Gebran Khneizer,a,d Kavya M. Reddy,b Muhammad B. Hammami,c and Samer Alkaadeb Formation of Pancreatoduodenal Fistula in Intraductal Papillary Mucinous Neoplasm of the Pancreas Decreased the Frequency of Recurrent Pancreatitis. Gastroenterology Res. 2019 Feb; 12(1): 43–47.

 

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DIRETRIZ – ASGE – Papel da endoscopia no diagnóstico e tratamento das neoplasias císticas do pâncreas

 




Tratamento a vácuo de fístula digestiva pós-operatória

A terapia com vácuo endoscópico é uma opção para tratamento de fístulas pós-operatórias. Apresentamos, neste caso, uma alternativa de manejo para fístula de coto jejunal. 

Paciente feminina, 42 anos, com gastrectomia total prévia por adenocarcinoma gástrico, com abdômen agudo obstrutivo devido à recidiva neoplásica. Submetida à colectomia esquerda de urgência. Evoluiu com sepse, necessitando reabordagem no terceiro dia pós-operatório, sendo visualizada fístula de coto jejunal (provável trauma por sonda nasogástrica).

 

fístula de coto jejunal com grande extravasamento de contraste oral na TC

   

fístula de coto jejunal com grande extravasamento de contraste oral na TC

Realizada rafia do coto, teste com azul de metileno e drenagem local para tratamento da fístula. Evoluiu com resposta inflamatória prolongada, sendo manejada com nutrição parenteral total até extubação. Após melhora clínica, reiniciada dieta, evidenciando-se persistência da fístula. Mantido jejum oral e suporte parenteral sem melhora aos testes sequenciais com azul de metileno oral. Após 35 dias de pós-operatório, sem melhora com tratamento cirúrgico e clínico, foi optado por confecção de curativo de pressão negativa para tratamento endoscópico.

Na endoscopia, observa-se coto jejunal terminal aberto, medindo, aproximadamente, 2 cm de diâmetro, com deiscência completa da rafia, processo inflamatório e fibrina em grande quantidade com dreno abdominal junto ao local da fístula.

 

Fístula em 35 dias de PO

Fístula em 35 dias de PO

Fístula em 35 dias de PO

Fístula em 35 dias de PO

 

Confeccionado curativo com sonda tipo trilumina, adaptando a sonda de aspiração com gases e adesivos, formando um “Y” para encaixar no coto jejunal e a sonda alimentar para seguir na via digestiva, mantendo alimentação enteral pós-fístula.

Sonda trilumina confeccionada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Colocada sonda via nasal e posicionado o braço de aspiração, encaixado no coto jejunal, guiado por visão direta endoscópica, e mantido em aspiração contínua por dispositivo de pressão negativa VAC, com média de pressão de sucção de 125 mmHg. 

Sonda posicionada no jejuno com dispositivo de sucção VAC, fotos abaixo:

Sonda posicionada no coto jejunal com dispositivo de sucção VAC

 

 

Houve necessidade de troca da sonda no terceiro dia por falha de vácuo e posicionamento.

Realizada revisão endoscópica após 10 dias de sucção contínua. Observada redução significativa do orifício fistuloso e redução do processo inflamatório e fibrinopurulento local.

 

Fístula após 10 dias de vácuo endoscópico

 

Fístula após 10 dias de vácuo endoscópico

 

 

 

 

Devido à dificuldade de autorização de material pela saúde suplementar, e obstrução da sonda trilumina na via alimentar, adaptamos uma sonda de aspiração a vácuo confeccionada com sonda nasogástrica revestida com esponja e adesivo multiperfurado externo, sendo posicionada via nasal por visão endoscópica no coto jejunal e passagem de sonda enteral na outra narina, mantendo alimentação enteral pela alça alimentar.

 

 

Sonda confeccionada manualmente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Realizada nova revisão endoscópica 27 dias após início da terapia com vácuo endoscópico, com evidência de fechamento do lúmen fistuloso, realizado novo teste com azul de metileno sem extravasamento.

Coto após terceira revisão endoscópica

 

Coto após terceira revisão endoscópica

 

Após teste com azul de metileno negativo por 24 horas, foi retirado dreno abdominal, e paciente retomou alimentação oral, normalizando textura alimentar em 7 dias.

Neste caso, observamos que a sonda trilumina tem maior tolerabilidade pelo paciente, por ficar adaptada apenas em uma narina que realiza alimentação e sucção. Porém, o longo trajeto da sonda alimentar favorece obstrução e dobras no trato digestivo especialmente na região da anastomose, além dos entraves de custo e disponibilidade do material. Enquanto a sonda nasogástrica é de baixo custo, a confecção do curativo é facilmente executável e efetiva, porém causando maior desconforto no paciente pela necessidade de uso de ambas as narinas para sucção e alimentação simultâneas.

Durante o tratamento com vácuo endoscópico, observamos que, clinicamente, é bem tolerável, com pouca dor, porém houve sensação de engasgo e náuseas intensas nos primeiros dias da terapia, necessitando uso de amplictil para controle dos sintomas, além do trauma nasal pelo tempo prolongado e várias passagens de sonda via nasal. 

A terapia com vácuo endoscópico pode ser eficaz por ser minimamente invasiva, permitindo a recuperação em menor tempo, podendo evitar reabordagem cirúrgica e até permitir tratamento a nível ambulatorial.

 

Saiba mais:

 

Referências:
  1. Tratamento endoscópico das fístulas após bypass gástrico. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DuwrYGbAcjA&feature=youtu.be 
  2. Diogo Turiani Hourneaux de Moura, Vitor O. Brunaldi, Mauricio Minata, Daniel Riccioppo, Marco Aurelio Santo, Eduardo Guimarães Hourneaux de Moura. Endoscopic vacuum therapy for a large esophageal perforation after bariatric stent placement. p. 346-348. 
  3. Newton NJ, Sharrock A, Rickard R, Mughal M. Systematic review of the use of endo-luminal topical negative pressure in oesophageal leaks and perforations. Dis Esophagus. 2017;30(3):1-5. 
  4. Manfredi MA, Clark SJ, Staffa SJ, et al. Endoscopic Esophageal Vacuum Therapy: A Novel Therapy for Esophageal Perforations in Pediatric Patients. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2018;67(6):706-712. 
  5. Moura, Diogo & Moura, Bruna & Bazarbashi, Ahmad Najdat & Ribeiro, Igor & Moura, Eduardo & Thompson, Christopher. (2019). Role of endoscopic vacuum therapy in the management of gastrointestinal transmural defects. World Journal of Gastroenterology. 1
Como citar este artigo:

Wercka J. Tratamento a vácuo de fístula digestiva pós-operatória. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/tratamento-vacuo-de-fistula-digestiva-pos-operatoria/




Caso clínico – Biópsia hepática por ecoendoscopia

Paciente sexo feminino, 54 anos, com antecedentes de transtorno depressivo e dislipidemia, iniciou em novembro de 2019 quadro de icterícia, colúria e hipocolia fecal, sem dor abdominal, febre ou perda de peso. Etilista de 5 doses/semana e tabagista com baixa carga tabágica (2 anos/maço). Fazia uso de sertralina há 2 anos e havia iniciado o uso de sinvastatina em outubro de 2019, tendo interrompido o uso quando ficou ictérica.

  • Exames laboratoriais (janeiro/2020): AST: 70/ ALT: 24/ Fosfatase alcalina: 552 (referência: <110)/ Gama-GT: 706/ Bilirrubinas: 4,9 (Direta: 3,3)/ Alb: 3,1/ INR: 1,0.
  • Sorologias virais e autoanticorpos negativos, incluindo anti-mitocôndria.
  • Colangiorressonância (dezembro/2019): fígado com redistribuição volumétrica e sinal heterogêneo, com vesícula e vias biliares sem alterações.

Feita hipótese de lesão hepática induzida por sinvastatina e optado por seguimento clínico-laboratorial.

Houve persistência do quadro, sendo realizada ecoendoscopia em julho de 2020 para afastar causas obstrutivas, com achado de região hipoecogênica, heterogênea, limites irregulares, medindo 2,5 x 1,5 cm na cabeça pancreática (Figura 1), sem dilatação de colédoco à montante (5,8 mm).

Realizada punção com agulha de biópsia (FNB) de 20G da lesão pancreática e, no mesmo procedimento, biópsia de lobo esquerdo hepático (Figura 2). Para a biópsia hepática, foi utilizada também uma agulha de FNB de 20G, 2 passagens, com 3 oscilações lentas em cada, sem uso de vácuo. Obtida quantidade satisfatória de material (Figura 3). Não houve intercorrências durante ou após o procedimento.

Anatomopatológico da lesão pancreática revelou tecido acinar pancreático sem atipias e do fígado hepatopatia crônica colestática padrão biliar, com fibrose grau 2 e colestase moderada/acentuada, compatível com ação medicamentosa.

Iniciado uso de ácido ursodesoxicólico, com melhora inicial do quadro clínico-laboratorial.

Figura 1. Região hipoecogênica, heterogênea, limites irregulares, medindo 2,5 x 1,5 cm, localizada na cabeça pancreática.

 

Figura 2. Biópsia de lobo esquerdo hepático guiada por ecoendoscopia (agulha de FNB de 20G)

Figura 3. Material obtido da biópsia hepática guiada por ecoendoscopia.

Discussão

A biópsia hepática é ferramenta útil no diagnóstico e estadiamento de doenças do fígado como hepatites virais, doença hepática gordurosa associada a disfunção metabólica e hepatopatias autoimunes. Apesar do avanço de técnicas não invasivas como a elastografia hepática, estas permitem o estadiamento apenas do grau de fibrose, não fornecendo dados importantes para confirmação etiológica a avaliação do grau de atividade inflamatória, por exemplo.

As vias mais utilizadas para biópsia hepática são a percutânea, cirúrgica e transjugular. Cada uma delas possui limitações e riscos importantes como dor abdominal, sangramento, complicações da anestesia geral (biópsia cirúrgica) e alto custo (biópsia transjugular).

A biópsia hepática por ecoendoscopia vem ganhando espaço nos últimos anos, com publicações recentes de séries de casos com mais de 200 pacientes e metanálises incluindo mais de 400 pacientes. Tem como potenciais vantagens:

  • Maior conforto para o paciente.
  • Maior facilidade técnica em pacientes obesos (comparada com a via percutânea).
  • Possibilidade de avaliação endoscópica simultânea para rastreamento de varizes.
  • Realização simultânea de medida do gradiente de pressão venosa hepática por ecoendoscopia.

A eficácia em se obter material adequado para análise histológica na biópsia hepática por ecoendoscopia é de 93,9 a 100%. O comprimento médio total dos fragmentos obtidos nos diferentes estudos é de 2,4 a 5,5 cm (com fragmentos únicos de 0,4 a 1,1 cm) e o número médio de espaços porta obtidos de 21 a 42. A biópsia dos dois lobos hepáticos está associada a maior comprimento da amostra e maior número de espaços porta.

Em relação às complicações

  • O índice médio dos estudos é de 2,3%, que é comparável àquele descrito para os outros métodos de biópsia hepática.
  • O evento adverso mais comum é a dor abdominal (2 a 15%), na quase totalidade dos casos leve e de resolução espontânea.
  • Há descrição de sangramento em cerca de 1,2% dos pacientes e raros casos de febre e sangramento fatal (este último ocorrido em um paciente crítico).

A biópsia hepática por ecoendoscopia pode ser feita com agulhas de punção aspirativa (FNA) de 19G, bem como agulhas de FNB de 19G e 22G, com índice de sucesso semelhante. A punção pode ser feita no lobo hepático esquerdo (via transgástrica) e/ou direito (via transduodenal) geralmente sem vácuo, 1 a 3 passagens, 3 a 4 oscilações, utilizando-se o Doppler para evitar vasos no trajeto. A retirada do fragmento da agulha pode ser feita com estilete ou flush com heparina, com cuidado para não curvar a agulha e fragmentar a amostra, que deve ser colocada em formalina 10%.

A principal limitação para a maior utilização da biópsia hepática por ecoendoscopia no Brasil é seu maior custo comparado à via mais utilizada (percutânea). Porém, em casos em que a ecoendoscopia está indicada por outros motivos (como o caso em questão) ou quando outras vias não são possíveis (obesidade grau 3, por exemplo), esta via parece ser factível e segura.

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Referências

  1. Dellatore P, Sarkar A, Rustgi VK et al. REVIEW OF ENDOSCOPIC ULTRASOUND GUIDED LIVER BIOPSY: A MULTICENTER EXPERIENCE. Pôster, DDW 2020.
  2. Hasan MK, Kadkhodayan K, Idrisov E et al. Endoscopic ultrasound-guided liver biopsy using a 22-G fine needle biopsy needle: a prospective study. Endoscopy 2019;51:818-824.
  3. Mohan BP, Shakhatreh M, Garg R et al. Efficacy and safety of EUS-guided liver biopsy: a systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc 2019;89:238-46
  4. Bazerbachi F, Vargas EJ, Matar R et al. EUS-guided core liver biopsy sampling using a 22-gauge fork-tip needle: a prospective blinded trial for histologic and lipidomic evaluation in nonalcoholic fatty liver disease. Gastrointest Endosc 2019;90:926-32.



Tratamento do Divertículo de Zenker por Z-POEM

 

Divertículo de Zenker (DZ) são protrusões saculiformes da mucosa e submucosa esofágica que ocorre na parede posterior da junção faringoesofágica, logo acima do músculo cricofaríngeo (MCF), com prevalência entre 0,01% e 0,1%.

O tratamento endoscópico ganhou espaço nas últimas décadas sobre o tratamento cirúrgico, visto ser um tratamento minimamente invasivo, com menor morbidade e eficaz.

Várias técnicas endoscópicas foram descritas como a diverticulotomia (link), uso de ultracision, plasma de argônio, etc. Os resultados das técnicas endoscópicas estão resumidos a seguir:

  • Sucesso clínico entre 56% e 100%
  • Eventos adversos média de 15%
  • Recidiva clínica 10,5%

 

Essa recidiva relativamente alta é atribuída a dificuldade em se identificar com precisão o final do músculo cricofaríngeo, o que pode levar a septotomia incompleta. Por outro lado, a secção além do limite do músculo pode abrir comunicação com o mediastino e consequente risco infeccioso.

Neste cenário surgiu a possibilidade de aplicar uma nova técnica endoscópica, baseada na experiência prévia com o POEM (miotomia esofágica perioral) utilizada para tratamento da acalásia. Esse novo procedimento foi apelidado de Z-POEM ou D-POEM, ou seja, a miotomia do divertículo de Zenker com criação de um túnel submucoso.

As vantagens teóricas dessa técnica seriam:

  1. Melhor identificação e secção completa do músculo cricofaríngeo
  2. Possibilidade de fechar a mucosa com clipes, trazendo menos dor, possibilitando cicatrização mais rápida e minimizando riscos infecciosos.

 

Indicação

  • Diverticulotomia do Zenker está indicada nos pacientes com DZ que apresentam disfagia, regurgitação, engasgos ou pneumonia de aspiração.

 

Avaliação pré-procedimento

  • Deglutograma contrastado
  • Endoscopia digestiva alta
  • Pré-operatório para anestesia geral (ECG, RX tórax, exames laboratoriais com coagulograma)

 

Cuidados pré-operatórios:

  • Recomendamos dieta líquida na véspera do procedimento e jejum de 12 horas para evitar presença de resíduos alimentares no interior do divertículo
  • Antibióticos de amplo espectro na indução anestésica.

 

Sedação e posicionamento sugerido

  • Anestesia geral
  • Nossa preferência é pelo DLE, embora alguns autores realizem o procedimento na posição supina

 

Materiais necessários

  • Agulha de esclerose
  • Cap, de preferência o cap cônico.
  • Faca de dissecção submucosa (Hybrid-knife Erbe)
  • Bisturi elétrico Erbe com função endocut
  • Pinça hemostática (coagrasper ou hot-biopsy Boston)
  • Insuflador de CO2 (imprescindível). Recomendado baixo fluxo para evitar enfisema subcutâneo

 

Passos técnicos do procedimento

  • Injeção e secção da mucosa 2 cm acima do septo do DZ
  • Criação do túnel submucoso
  • Identificação do septo (MCF)
  • Dissecção meticulosa do septo na sua face anterior e posterior.
  • Secção do septo
  • Revisão da hemostasia
  • Fechamento da mucosa com clips

 

Cuidados pós-operatórios

  • Antibióticos. EV são mantidos por 24horas após o procedimento e na alta são substituídos por ATB via oral por 5-7 dias (solução líquida de amoxicilina ou amoxicilina + clavulanato).
  • Aguá e chá frio podem ser iniciados 6 horas após o procedimento.
  • Dieta líquida no primeiro PO, com progressão gradual para dieta pastosa e dieta leve conforme ausência de dor e boa aceitação via oral.
  • IBP por 4 semanas.
  • Controle endoscópico em 3 meses

 

Video do Procedimento

 

Procedimento realizado por Dr. Nelson Miyajima + Dr. Bruno Martins

 

Resultados

O maior estudo até então foi publicado este ano na GIE. [2]

  • Estudo internacional multicêntrico envolvendo 10 instituições
  • 75 pacientes, média idade 73 anos
  • Sucesso técnico 97% (73/75)
  • Eventos adversos em 6,7% (5/75)
    • 1 sangramento leve tratado de forma conservadora
    • 4 perfurações (1 grave e 3 moderadas)
  • Tempo médio do procedimento 52 minutos
  • Média de estadia hospitalar 1,8 dias
  • Sucesso clínico 92% (69/75)
  • Média de follow-up 291 dias
  • Com 12 meses de follow-up, um paciente referiu recidiva dos sintomas

 

Conclusões: 

O tratamento endoscópico do divertículo de Zenker utilizando a técnica do Z-POEM é promissora, eficaz e apresenta bons resultados.

Imagina-se que essa técnica possa oferecer uma resposta mais duradoura a longo prazo, visto possibilitar a secção completa do músculo cricofaríngeo com segurança, já que a mucosa pode ser fechada com clipes ao término do procedimento.

No entanto, estudos com follow-up a longo prazo ainda são necessário para nos certificarmos da resposta duradoura do procedimento.

Tampouco existem estudos comparando o Z-POEM com a técnica tradicional, embora existam estudos em andamento. Os resultados desses estudo são aguardados ansiosamente.

 

Referências:

 

  1. Li QL, Chen WF, Zhang XC, et al. Submucosal Tunneling Endoscopic Septum Division: A Novel Technique for Treating Zenker’s Diverticulum. Gastroenterology. 2016;151(6):1071‐1074. doi:10.1053/j.gastro.2016.08.064
  2. Yang J, Novak S, Ujiki M, et al. An international study on the use of peroral endoscopic myotomy in the management of Zenker’s diverticulum. Gastrointest Endosc. 2020;91(1):163‐168. doi:10.1016/j.gie.2019.04.249
  3. Maydeo A, Patil GK, Dalal A. Operative technical tricks and 12-month outcomes of diverticular peroral endoscopic myotomy (D-POEM) in patients with symptomatic esophageal diverticula. Endoscopy. 2019;51(12):1136‐1140. doi:10.1055/a-1015-0214

 

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Como citar esse artigo:

Martins, BC. Tratamento do Divertículo de Zenker por Z-POEM. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/tratamento-do-diverticulo-de-zenker-por-z-poem/

 




Caso Clínico – Punção Ecoguiada Retrógrada por via Transgástrica

Caso Clínico

A punção aspirativa por ecoendoscopia é um procedimento seguro e eficaz para o diagnóstico citopatológico de lesões
mediastinais.
Apresentamos caso punção aspirativa ecoguiada que foi foi realizada de forma retrógrada através de uma gastrostomia,
devido à abertura bucal limitada por trismo.
Paciente masculino, 42 anos, com CEC de orofaríngeo que apresentou resposta parcial à quimio-radioterapia e, portanto,
estava sendo avaliado para cirurgia. A PET-CT mostrou lesão mediastinal hipermetabólica. No planejamento oncológico
deste paciente, se a lesão mediastinal fosse um foco metastático, a cirurgia estaria contra-indicada. A tentativa
inicial de punção por ecoendoscopia falhou pois o aparelho de ecoendoscopia não pôde ser passado através da boca devido
ao trismo induzido por radiação.
Após discussão multidisciplinar, procedeu-se à punção ecoguiada retrógrada da massa mediastinal através da gastrostomia
preexistente (vídeo após o texto).
O procedimento foi realizado sob anestesia geral. A sonda de gastrostomia existente foi removida e substituído por um
trocarte laparoscópico de 15 mm após dilatação em série do trato de gastrostomia. Um gastroscópio padrão foi passado
através do trocarte e dois clips foram colocados na cárdia para ajudar na identificação da transição esofagogástrica
(TEG) durante a passagem do ecoendoscópio. Um ecoendoscópio radial (GF-UE160-AL5, Olympus, Tóquio, Japão) foi inserido
através do trocarte e avançado de forma retrógrada através da TEG até a visualização ultrassonográfica da massa
mediastinal (Figura 1). O ecoendoscópio radial foi então trocado por um ecoendoscópio linear (UC140P-AL5, Olympus,
Tóquio, Japão) para realização da punção aspirativa ecoguiada. Foram realizadas duas passagens com uma agulha de 22G,
com diagnóstico citopatológico em sala (ROSE) de carcinoma (Figura 2). O ecoendoscópio linear e o trocarte foram
removidos e uma sonda de gastrostomia balonada foi colocada. A patologia final confirmou a metástase do CEC. O paciente
recebeu alta no mesmo dia sem complicações e iniciou a imunoterapia paliativa posteriormente.
Passagem transgástrica do ecoendoscópio radial.
Punção ecoguiada retrógrada por via transgástrica.

 
Link na referência abaixo:
Matheus C Franco , Andrew T Strong , Prabhleen Chahal , Joseph Veniero , Brian Burkey , John J Vargo , Amit Bhatt.  Transgastric Retrograde
Endoscopic Ultrasound Sampling of a Mediastinal Mass in a Patient With Radiation-Induced Trismus. Endoscopy 2017;
49(07): E177-E178.

 




Terapia a vácuo transgástrica para tratamento de fístula pancreatocutânea após necrosectomia endoscópica utilizando um sistema de drenagem túbulo-laminar fechado

A pancreatite aguda necrotizante está associada a coleções necróticas organizadas em mais de 50% dos casos, e cerca de 25% desses casos necessitam intervenção. A necrosectomia endoscópica transgástrica (NET) é uma opção menos invasiva para tratamento de coleção necrótica organizada, e deve ser priorizada sempre que possível antes de uma abordagem cirúrgica. A terapia a vácuo transgástrica tem sido descrita para tratamento de coleção necrótica organizada pancreática. Nós descreveremos a seguir um método de drenagem a vácuo utilizando um sistema de drenagem túbulo-laminar fechado para tratamento de fístula pancreaticocutânea de alto débito associado a pancreatite necrotizante.

Um paciente masculino de 36 anos foi hopsitalizado em Junho de 2018 com sintomas de dor abdominal por pancreatite aguda necrotizante associada a etilismo e tabagismo. Ele não apresentava comorbidades. O paciente evoluiu com síndrome de resposta inflamatória sistêmica e falência de múltiplos órgãos, e uma tomografia computadorizada de abdomem revelou uma coleção necrótica organizada massiva. O paciente desenvolveu quadro séptico e sangramento digestivo varicoso, necessitando tamponamento com passagem de balão esofágico. Em seguida, houve drenagem espontânea de secreção pancreática em região inguinal esquerda.

Coleção necrótica organizada massiva estendendo-se através do espaço retroperitonial (setas vermelhas) até a região inguinal esquerda (seta amarela).

FIGURA 1 – Coleção necrótica organizada massiva estendendo-se através do espaço retroperitonial (setas vermelhas) até a região inguinal esquerda (seta amarela).

 

FIGURA 2 – Varizes gástricas devido a trombose de veia esplênica (setas). Essa complicação impôs um desafio à drenagem transgástrica.

 

Nessa ocasião o paciente foi então transferido de hospital para o nosso setor de endoscopia para NET com uso de prótese metálica autoexpansível para aposição luminal.

Figura 3 – Drenagem transgástrica de coleção pancreática organizada utilizando prótese metálica por aposição luminal (setas) (Hanaro BCF 12mm/30mm stent, MItech, Gyeonggi-do, Rep. of Korea).

 

Após três sessões semanais de NET, houve limpeza efetiva do material necrótico pancreático, porém o paciente desenvolveu uma fístula pancreaticocutânea de alto débito em região inguinal (acima de 1000mL). Foi decidido por terapia a vácuo com dreno túbulo-laminar.

Figura 4 – Terapia a vácuo transgástrica utilizando drenagem fechada túbulo-laminar (dreno de Waterman). a. O dreno foi construído a partir de uma sonda nasogástrica de polietileno tipo Levine 14F envolta por um dreno de latex tipo Penrose N3. b. um fio-guia foi inserido endoscopicamente até sua exteriorização no orifício inguinal. O fio-guia foi então transferido da boca para a narina esquerda. c. o dreno túbulo-laminar foi então inserido até atingir a cavidade abdominal auxiliando por um endoscópio. d. Extremidade gástrica do dreno túbulo-laminar.

 

 

Uma primeira tentativa de passagem do dreno através da prótese resultou em mal posicionamento da mesma, com persistência da fístula. Uma semana após, foi optado por remoção da prótese e passagem através do orifício gástrico e dentro da retrocavidade abdominal.

Figura 5 – Dreno tubulo-laminar situado no espaço retroperitonial (setas). A prótese metálica pré-existente foi removida.

 

 

A terapia a vácuo (pressão de 200 mmhg) foi então reiniciada, resultando em redução significativa do débito da fístula (de acima de 1000mL para 30mL em 24 horas). Cinco dias após controle efetivo do débito da fistula, o dreno foi removido e 2 próteses plásticas duplo-espiraladas 7F/7cm (Cook endoscopy, Winstom-Salem, NC, USA) foram posicionadas através do pertuito gástrico.

Figura 6 – Resolução completa da cavitação necrosada e da fistula pancreaticocutânea. Duas próteses plásticas duplo-espiraladas foram inseridas para manutenção do pertuito gastrico. A seta amarela mostra a extremidade distal/interna da prótese.

 

O paciente restaurou a dieta via oral e recebeu alta 2 semanas após este procedimento. Após 18 semanas de seguimento o paciente restaurou o peso original e encontra-se sem sintomas digestivos. As próteses pancreáticas transgástricas devem permanecer indefinidamente devido ao desenvolvimento de síndrome de desconexão pancreática.

 

 

AUTORES

Eduardo Aimore Bonin, Andre Marussi Morsoletto, Eduardo Silva Carboni, Eduardo Brommelstroet Ramos, Julio Cesar Wiederkher, Micheli Fortunato Domingos, Guilherme Francisco Gomes.

Hospital Nossa Senhora das Graças, Curitiba, Brasil

 

REFERÊNCIAS

1  Manrai M, Kochhar R, Gupta V, Yadav TD, Dhaka N, Kalra N, Sinha SK, Khandelwal N. Outcome of Acute Pancreatic and Peripancreatic Collections Occurring in Patients With Acute Pancreatitis. Ann Surg. 2018 Feb;267(2):357-363.

2 Sarathi Patra P, Das K, Bhattacharyya A, Ray S, Hembram J, Sanyal S, Dhali GK. Natural resolution or intervention for fluid collections in acute severe pancreatitis. Br J Surg. 2014 Dec;101(13):1721-8.

3 Bakker OJ, van Santvoort HC, van Brunschot S, Geskus RB, Besselink MG, Bollen TL, van Eijck CH, Fockens P, Hazebroek EJ, Nijmeijer RM, Poley JW, van Ramshorst B, Vleggaar FP, Boermeester MA, Gooszen HG, Weusten BL, Timmer R; Dutch Pancreatitis Study Group. Endoscopic transgastric vs surgical necrosectomy for infected necrotizing pancreatitis: a randomized trial. JAMA. 2012 Mar 14;307(10):1053-61.

4 Loske G, Schorsch T, Gobrecht O, Martens E, Rucktäschel F.Transgastric endoscopic vacuum therapy with a new open-pore film drainage device in a case of infective pancreatic necrosis. Endoscopy. 2016;48 Suppl 1:E148-9.

5 Wedemeyer J, Kubicka S, Lankisch TO, Wirth T, Patecki M, Hiss M, Manns MP, Schneider AS. Transgastrically placed endoscopic vacuum-assisted closure system as an addition to transgastric necrosectomy in necrotizing pancreatitis (with video).Gastrointest Endosc. 2012 Dec;76(6):1238-41.

 




Manejo endoscópico no tratamento paliativo de fístula traqueoesofágica de origem tumoral

O câncer de esôfago é frequentemente diagnosticado em um estágio avançado e incurável.

Embora a paliação cirúrgica possa ser considerada em pacientes sem doença metastática e com bom risco operatório, pacientes com risco cirúrgico elevado tendem a se beneficiar mais através de tratamentos não cirúrgicos. Inclusive, com essas abordagens, não raro, apresentam melhora expressiva da disfagia.

A paliação desse sintoma pode frequentemente ser alcançada por radiação, com ou sem quimioterapia associada. No entanto, essa melhora pode ocorrer somente após várias semanas, fazendo com que por diversas vezes haja comprometimento do quadro clínico e complicações associadas (sangramentos, obstrução, fístula esofágica, aspiração, desnutrição, etc).

Pacientes sintomáticos que não são candidatos à radioquimioterapia, aqueles que apresentam disfagia recorrente mesmo após terapêutica ou naqueles que ocorre certas complicações (fístulas por exemplo), podem se beneficiar com tratamentos  endoscópicos paliativos e, embora vários métodos endoscópicos tenham sido descritos, o stent esofágico (PMAE – prótese metálica auto-expansível) é provavelmente o mais usado .

Em uma diretriz de 2013, a Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal (ASGE) recomendou o implante de stent  esofágico como o método preferido para paliação de disfagia em pacientes com fístulas secundárias ao câncer de esôfago .

Como regra geral, as abordagens paliativas para o câncer de esôfago inoperável devem basear-se nas características do paciente, do tumor, nos objetivos do tratamento e nas preferências do paciente e da equipe médica assistente .

Relato de caso:

Manejo endoscópio no  tratamento  paliativo de fístula traqueoesofágica  após  RT e QT.

Paciente P. S. J. , masculino, 58 anos, de profissão “seresteiro”, tabagista e etilista há mais de 40 anos (SIC) , diagnosticado como portador  de neoplasia esofágica avançada (tumor epidermóide) com comprometimento pulmonar  e linfonodal. Foi submetido à tratamento sistêmico – QT e a RT evoluindo com fístula  traqueoesofágica a qual impedia a ingestão de alimentos.

Permaneceu com SNE por 2 meses e posteriormente foi realizada uma jejunostomia para manutenção da nutrição enteral.

Após 4 meses da confecção do acesso jejunal, foi encaminhado ao serviço de endoscopia terapêutica pela equipe oncológica para avaliação de  implante de PMAE.

A EDA evidenciou ao nível do esôfago torácico, presença de orifício grande fistuloso que permitia a nítida visualização da árvore respiratória. Não havia estenose associada e a passagem do endoscópio para o estômago se fazia sem resistências.

Em conjunto com a  equipe oncológica, optamos pelo implante de uma PMAE parcialmente recoberta.

Procedimento terapêutico:

EDA – implante de PMAE

Introduzimos o fio-guia até o duodeno, retiramos o endoscópio e, sob radioscopia, liberamos PMAE parcialmente recoberta de 105 mm x 23 mm. A mesma revestiu completamente o orifício fistuloso, preservando o esôfago cervical e a região da TEG.

Obs: a ingestão de líquidos foi liberada após 24 horas do implante da PMAE e após   72 horas foi liberada a ingesta de alimentos sólidos.

Nos primeiros 5 dias queixou-se de dor torácica de leve a moderada intensidade a qual respondeu  bem a analgésicos intravenosos que posteriormente (após 3 dias) foram administrados pela via oral.

Paciente recebeu alta hospitalar após 7 dias do implante (permeneceu internado para término do tratamento de pneumonia com antibioticoterapia intravenosa).

Clique sobre as imagens abaixo para ampliá-las :

EDA controle realizada cerca de 3 meses após a passagem da prótese:

Presença de crescimento tecidual (não tumoral) ao nível da extremidade proximal  (parte não recoberta) do stent o qual não impedia e não dificultava a progressão do aparelho.

Paciente negava episódios de impactação alimentar.

Clique sobre as imagens abaixo para ampliá-las :

EDA controle realizada cerca de 6 meses após a passagem da prótese:

Após 6 meses do implante do stent apresentou quadro de disfagia progressiva.

Durante a EDA evidenciamos uma estenose ao nível da extremidade proximal da PMAE (crescimento tecidual não tumoral) que não permitia a progressão do aparelho.

Realizamos dilatação com balão hidrostático sem intercorrências.

Após o procedimento paciente obteve melhora do quadro disfágico.

Clique sobre as imagens abaixo para ampliá-las :

-Sobrevida de 10 meses  após implante da PMAE devido à complicações causadas por metástases.

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Recanalização endoscópica após obstrução completa do esôfago proximal

Paciente do sexo masculino de 65 anos evoluindo com afagia 6 meses após completar radio e quimioterapia para CA de laringe.
Realizou exame contrastado em que não houve passagem do meio de contraste para o esôfago e endoscopia confirmando obstrução completa logo abaixo do cricofaríngeo.
 

EED com ausência de progressão do contraste para o esôfago. Imagem endoscópica da obstrução e falha na tentativa de passagem de fio guia através da estenose.


 
O vídeo abaixo demonstra o tratamento da estenose completa através da técnica de Rendezvous utilizando um endoscópio via oral e outro endoscópio slim retrogradamente através da gastrostomia.

 
O paciente permaneceu com a prótese durante 3 semanas.  O plano era manter 4 semanas mas o paciente solicitou a remoção devido à intolerância.   Após a remoção foi iniciado programa de dilatação seriado associado ao uso de corticóide oral  (via gastrostomia) por um período de 8 semanas.
Atualmente ainda está em programa de dilatação (5 meses pós procedimento).  Mantém estenose anelar ao nível do cricofaríngeo com necessidade de dilatação a cada 15 dias com sondas guiadas indo até 14 mm.   Está apto à engolir saliva e comida pastosa e mantém terapia com fonoaudiólogo para reabilitação da deglutição.




Caso clínico: Importância do exame cuidadoso da câmara gástrica!

Paciente feminina, 63 anos, veio para realização de endoscopia digestiva alta por epigastralgia esporádica. Sem outros sinais de alarme.
Abaixo vídeo do exame:

Percebam a importância em lavar adequadamente a câmara gástrica, com objetivo de visualizar toda a mucosa do estômago. Adicionalmente, realizada insuflação adequada do órgão e uso de escopolamina endovenosa. Nesse caso foi observada uma lesão elevada (0-IIa), na grande curvatura para parede anterior da transição corpo-antro, medindo cerca de 1,5 cm. Fotos abaixo:


 
A biópsia mostrou adenocarcinoma bem diferenciado com foco de invasão da submucosa. Imagem abaixo gentilmente cedida pelo Dr Heinrich Seidler:
 

As setas em azul mostram o componente intramucoso da lesão, e a seta preta o foco de invasão na submucosa.


 
Paciente foi submetido a gastrectomia subtotal com linfadenectomia. O exame da peça operatória mostrou adenocarcinoma tubular bem diferenciado com invasão da submucosa, e acometimento de 01 linfonodo de 33 (1/33). Estadiamento: pT1bN1
 
Para acessar mais um post de neoplasia gástrica precoce, clique AQUI!
 




Hemorragia Digestiva Alta: Exame e Terapêutica Endoscópica Underwater

Paciente masculino, 82 anos, com IRC dialítica, AVC prévio em uso de clopidogrel 75mg/dia, com quadro de melena há 3 dias, acompanhado de adinamia intensa. Investigação laboratorial mostrou hemoglobina de 5.3 mg/dL, necessitando de hemotransfusão.

Realizada endoscopia digestiva alta que evidenciou sangramento ativo em duodeno distal. Foto abaixo:

Pela intensidade do sangramento ativo houve dificuldade de identificar o foco exato do sangramento. Dessa forma, optado por realizar o exame com preenchimento do órgão com água. Fotos abaixo:

Sendo então observado uma malformação vascular com sangramento ativo. Optado pela realização de injeção underwater de solução de adrenalina (1:10.000UI), com parada do sangramento. Fotos abaixo:

E em seguida realizada a colocação de 2 clipes hemostáticos:

Paciente evoluiu bem, recebendo alta após 2 dias, sem novos episódios de sangramento em acompanhamento ambulatorial de 1 mês.