Gastrectomia Vertical e risco de Esôfago de Barrett

Paciente de 65 anos, masculino, submetido a Gastrectomia Vertical em 2017 para tratamento de Obesidade Mórbida. Perdeu seguimento durante a pandemia do COVID-19, tendo feito somente uma endoscopia de seguimento no primeiro ano de pós-operatório.

Retorna ao ambulatório com sintomas importantes de pirose e regurgitação diários, com impacto na qualidade de vida e tolerância alimentar. Solicitada EDA, com achado de projeção de mucosa colunar, de coloração rosa-salmão no terço distal do esôfago, medindo cerca de 10 mm circunferencialmente. Realizadas biopsias com confirmação de metaplasia colunar intestinal, compatível com diagnostico de Esôfago de Barett.

Apesar de incomum em nosso meio, o diagnóstico de Esôfago de Barrett após GV tem sido cada vez mais reportado na literatura. Uma meta-analise recente demonstrou prevalência de 11,4%, com taxa agrupada de Barrett em pacientes com sintomas de DRGE de 18,2% (IC 95%, 12,4% – 26%). Tal estudo mostrou também que não havia diferença significativa na probabilidade de ter Barrett baseado nos sintomas de DRGE. 

Sendo assim, para realizar o diagnostico precoce de Barrett após Gastrectomia Vertical e manter um acompanhamento clínico e endoscópico adequados, devemos seguir a recomendação da IFSO de realizar endoscopia digestiva alta anualmente em pacientes submetidos a sleeve independente dos sintomas. 

Para saber mais sobre este tema e outros relacionados, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Referências

  1. Qumseya BJ, Qumsiyeh Y, Ponniah SA, Estores D, Yang D, Johnson-Mann CN, Friedman J, Ayzengart A, Draganov PV. Barrett’s esophagus after sleeve gastrectomy: a systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc. 2021 Feb;93(2):343-352.e2. doi: 10.1016/j.gie.2020.08.008. Epub 2020 Aug 14. PMID: 32798535.
  2. Brown WA, Johari Halim Shah Y, Balalis G, Bashir A, Ramos A, Kow L, Herrera M, Shikora S, Campos GM, Himpens J, Higa K. IFSO Position Statement on the Role of Esophago-Gastro-Duodenal Endoscopy Prior to and after Bariatric and Metabolic Surgery Procedures. Obes Surg. 2020 Aug;30(8):3135-3153. doi: 10.1007/s11695-020-04720-z. PMID: 32472360.

Como citar este artigo

Dantas ACB, Gastrectomia Vertical e risco de Esôfago de Barrett. Gastropedia; 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/gastrectomia-vertical-e-risco-de-esofago-de-barrett




Gastroentero Anastomose Ecoguiada (EUS-GE): tips and tricks

Autores: Matheus Franco, Hugo Guedes, Pedro Victor Aniz.

Introdução

A doença maligna é responsável por cerca de 50% a 80% dos casos de obstrução ao esvaziamento gástrico (gastric outlet obstruction – GOO), sendo o câncer de pâncreas a malignidade associada mais comumente (15% a 20%). Pacientes com GOO podem apresentar piora progressiva com náuseas, vômitos, perda de peso, dor abdominal e desidratação grave. Como os pacientes com GOO secundário a uma malignidade irressecável têm expectativa de vida limitada, o tratamento paliativo prioriza a resolução dos sintomas.

As intervenções paliativas para GOO incluem gastrojejunostomia (GJ) cirúrgica aberta ou laparoscópica, stent duodenal usando stents metálicos autoexpansíveis (SEMS) e gastroenterostomose ecoguiada (EUS-GE).

O uso de stent duodenal está associado a maiores taxas de complicações relacionadas ao stent, como reobstrução e reintervenção em comparação com a GJ cirúrgica.

Desde 2015, a EUS-GE tem sido estudada para o manejo da GOO, emergindo como uma alternativa terapêutica com resultados comparáveis à GJ cirúrgica, porém com os benefícios potenciais por ser uma técnica menos invasiva.

Nesse post temos objetivo de relatar uma série de casos de execução da EUS-GE, com foco no debate da técnica realizada.

Relato de caso

Paciente feminina, 92 anos, com câncer gástrico metastático, com obstrução pilórica, com quadro de náuseas e vômitos incoercíveis.

Após discussão multidisciplinar, optado por paliação dos sintomas com realização de EUS-GE. Vídeo abaixo:

Câncer gástrico com obstrução pilórica
Distensão da alça enteral e enterografia com contraste
Punção ecoguiada de alça enteral próxima ao estômago
Dilatação do lúmen da prótese
EUS-GE com LAMS bem posicionada

Tips and Tricks

Materiais necessários:

  • Hot Axios 20 mm (preferencialmente)
  • Fio-guia teflonado 0.035 in
  • Prótese biliar plástica reta com sistema de liberação 10 Fr (sustentador e empurrador)
  • Overtube de estômago (para casos onde não for possível progredir o empurrador da prótese de 10 Fr)
  • balão dilatador de 15 a 18 mm.
  • bomba de água com soro fisiológico e diluição de 01 ml de índigo carmin
  • equipo de bomba de água e bomba de água.

Intraprocedimento:

EDA e radioscopia:

  • Passar o fio-guia distalmente à lesão obstrutiva e ao ângulo de Treitz.
  • Deixar o fio-guia e passar o sustentador e o empurrador de 10 Fr distalmente à lesão obstrutiva e ao Treitz. Se necessário usar o overtube gástrico para evitar a alça do fio-guia dentro do estômago.
  • Retirar fio-guia e sustentador de prótese biliar de 10 Fr e realizar enterografia com contraste para checar a posição do empurrador pós-obstrução maligna

Ecoendoscopia:

  •  Iniciar distensão da alça de delgado com instilação de SF 0,9% com índigo carmin através da bomba de água conectada ao empurrador da prótese biliar.
  • Com o ecoendoscópio identificar alça enteral adjacente dilatada e com auxílio da radioscopia.
  • Ao identificar a alça enteral (duodeno distal ou jejuno proximal) na região do Treitz em posição estável do aparelho, realizar a punção da alça com a prótese de aposição de lumens (HotAxios, Boston Scientific), em técnica free-hand, à semelhança da técnica para drenagem de pseudocistos pancreáticos.
  • Realizar dilatação da prótese após confirmação do posicionamento correto da prótese, através da visão endoscópica com saída de soro com azul de índigo carmin pela prótese no estômago, e com a radioscopia.

Para saber mais sobre este tema, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Referências

Joel Oliveira, Matheus Franco, Gustavo Rodela, Fauze Maluf-Filho, Bruno Martins.  Endoscopic ultrasound-guided gastroenterostomy (gastroenteric anastomosis).  Int J Gastrointest Interv 2022;11:112-118.  https://doi.org/10.18528/ijgii220024




Septotomia para tratamento de fístula bariátrica

Uma das mais graves complicações da cirurgia bariátrica, independente da técnica utilizada, é o desenvolvimento de fístulas. Esta condição está associada à elevada morbimortalidade, gerando grandes expectativas e pressão sobre a equipe cirúrgica.

O tratamento de fístulas deve ser realizado em caráter multidisciplinar para promover as melhores opções possíveis para a recuperação plena do paciente. O controle do foco séptico pode envolver cirurgia, endoscopia e radiologia intervencionista, muitas vezes em associação.

A endoscopia digestiva possui um papel fundamental no suporte ao paciente com fístula após cirurgia bariátrica, devendo ser realizada em todos os pacientes mesmo que não tenha o intuito de tratar a fístula, pois permite avaliar possíveis fatores de risco para persistência ou recidiva (alterações anatômicas, desvio de eixo, estenoses associadas, detecção de drenos dentro do lúmen gástrico etc). 

Diversas técnicas endoscópicas têm sido relatadas para o tratamento de fístulas após cirurgia bariátrica, como a colocação de clips, cola, dilatação, terapia a vácuo, colocação de próteses e estenotomia. (assista a video-aula aqui)

Na estenotomia, objetiva-se a correção de defeito anatômico que predispõe a cronificação da fístula (septo entre fístula e cavidade gástrica), com auxílio de papilótomo de ponta (needle-knife ou similares) ou cateter de argônio. O segundo é utilizado preferencialmente nos casos com importante reação inflamatória e, portanto, maior risco de sangramento. O tratamento deve ser realizado em sessões com um intervalo de no mínimo uma semana, para permitir a cicatrização do tecido e redução da reação inflamatória. É associada com frequência à dilatação com balão de acalásia (5-10 psi) para auxiliar na remodelação da anatomia da bolsa gástrica.

Como citar este artigo:

Ferreira FC. Septotomia para tratamento de fístula bariátrica. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-septotomia-para-tratamento-de-fistula-bariatrica/

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Ressecção Endoscópica de Neoplasias Gástricas Sincrônicas

Caso Clínico

Paciente com 85 anos, em uso de anticoagulação plena (Eliquis) por histórico FA de alto risco tromboembólico, deu entrada no PS por quadro de melena há 2 dias.

Na avaliação inicial destacava-se: descorado 2+/4+, PA 98 x 56 mmHg, FC 98 bpm. Exames laboratoriais com Hb: 7,6 g/dL.

Solicitado endoscopia digestiva alta na urgência:

Observado da atrofia difusa da mucosa gástrica e lesão polipóide, séssil (Paris 0-Is), medindo 3,0 cm, localizada em parede posterior de corpo médio. Realizada biópsia que evidenciou adenoma com displasia de baixo grau.

Paciente foi tratado clinicamente com suspensão do anticoagulante, IBP, transfusão de hemáceas, sendo posteriormente encaminhado para nosso serviço para realização de ressecção endoscópica por técnica de dissecção submucosa (ESD).

Exame do procedimento

Durante o exame do procedimento, em contexto fora de sangramento agudo, foi observado duas lesões sincrônicas: a lesão polipóide descrita anteriormente e uma lesão plano-elevada (Paris 0-IIa), medindo 3,5 cm, também localizada em corpo proximal pela parede posterior:

Lesão polipóide: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade.
Lesão polipóide: Cromoendoscopia com índigo carmin e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade.

Lesão polipóide: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade
Lesão plano-elevada: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com perda e irregularidade do padrão de criptas.

Lesão plano-elevada: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com perda e irregularidade do padrão de criptas e capilar.

Ressecção endoscópica:

Optado por realizar a ressecção adicional em mesmo tempo da segunda lesão neoplásica, também por técnica de dissecção submucosa.

Fechamento do leito de ressecção

Como tratava-se de paciente idoso, com necessidade de retorno da anticoagulação o mais breve possível, optado pelo fechamento dos leitos de ressecção com coroa de endoloop e clipes:

Acompanhamento

Paciente evoluiu bem, com alta hospitalar no dia seguinte.

Resultado de anatomopatológico:

  1. Lesão polipóide: adenoma gástrico do tipo faveolar com diplasia de baixo grau, margens livres
  2. Lesão plano-elevada: adenocarcinoma tubular bem diferenciado intramucoso (invasão da muscular da mucosa), ausência de invasão angiolinfática, e margens livres



CASO CLÍNICO – Achado incidental no PET/TC de lesão de cólon

          Paciente masculino, 69 anos, hipertenso, diabético, dislipidêmico, cardiopata (arritmia cardíaca), além de antecedente de Síndrome de Erdheim Chester (histiocitose de células não-Langerhans) com uso de interferon e prednisona há cerca de um ano.

Paciente vinha bem em acompanhamento ambulatorial e realizou PET/CT de seguimento oncológico que evidenciou aumento da atividade metabólica (SUV: 5,8) no ângulo esplênico do cólon com suspeita de câncer colorretal avançado (Figura 1), sendo sugerido realização de colonoscopia para biópsias e tatuagens pré-operatórias (em planejamento de colectomia).

PET-CT de abdomen

A colonoscopia revelou pólipo séssil de 3 cm (Paris 0-Is) no cólon descendente proximal, junto ao ângulo esplênico, que à cromoscopia com NBI/ índigo carmin e uso da magnificação (near focus, CF-HQ190L, EVIS EXERA III, Olympus) apresentava superfície com leve irregularidade de criptas e vascular (tipo Vi de Kudo e JNET IIB low), cuja as biópsias mostraram adenoma tubular com displasia de alto grau.

Após discussão multidisciplinar com equipe da oncologia e cirurgia, foi optado por ressecção endoscópica por dissecção da submucosa (endoscopic submucosal dissection – ESD). A ESD foi realizada com Knife tipo Flush, injeção submucosa de voluven (6%), em cerca de 90 minutos, sem intercorrências. Paciente evoluiu bem e recebeu alta no dia seguinte com dieta leve. Anatomopatológico da peça mostrou adenoma tubular com displasia de alto grau (com atipias intensas), margens profundas e laterais livres, e ausência de invasão linfovascular. O procedimento foi então considerado curativo.

 

 

CONCLUSÕES

O caso relatado mostra o aumento do acesso e melhora da capacidade diagnóstica dos métodos de imagem, que incidentalmente podem revelar neoplasias colorretais mesmo que em estágios precoces ainda. E, fundamentalmente, demonstra a importância da avaliação com cromoendoscopia com magnificação para definição de condutas nos lesões colorretais.




Caso clínico: Lesão verrucóide em reto distal.

Caso:

Paciente do sexo feminino, 62 anos. Primeira colonoscopia, realizada para rastreamento de câncer colorretal. À retrovisão no reto, nota-se a presença da seguinte lesão:

Foi realizada biópsia da lesão e o anátomo patológico revelou a presença de uma lesão intraepitelial escamosa grau II (alto  grau) associada a alterações citológicas sugestivas de infecção pelo HPV.

Discussão:

A lesão condilomatosa anal é uma doença sexualmente transmissível associada à infecção pelo papiloma vírus humano (HPV) e ocupa a posição de DST mais comum em homens homossexuais jovens.

Embora a infecção possa seguir latente e assintomática, muitos desenvolvem lesões verrucosas genitais ou perianais, com potencial evolução para displasia e malignidade.

O condiloma é um achado frequente na prática da colonoscopia. A apresentação mais comum é a presença de lesões polipoides esbranquiçadas verrucoides e de consistência fibrosa, localizadas junto à linha pectínea, emergindo do canal anal, muitas vezes com extensão até a mucosa retal, podendo também acometer a mucosa retal isoladamente. À magnificação, notam-se capilares espiralados e alongados. Embora seja de identificação relativamente simples, um exame menos cuidadoso do reto distal, preparo inadequado ou mesmo a não realização da retrovisão pode limitar o diagnóstico.

  • Cerca de 12% dos carcinomas de células escamosas do reto estão associados a lesões condilomatosas.

  • São fatores de risco para displasia e carcinoma escamoso anal a prática de coito anal passivo desprotegido, histórico de doença do trato genital mediada pelo HPV, tabagismo, infecção pelo HIV, baixa contagem de CD4 e outras formas de imunossupressão.

A incidência de neoplasia intraepitelial anal (AIN) na população geral não é conhecida, no entanto, não parece ser desprezível mesmo em pacientes sem fatores de risco. Um estudo retrospectivo em uma comunidade relatou uma taxa de detecção de AIN/colonoscopia de 1/261 (95% CI 1/142–1/480) para todas as colonoscopias e 1/163 (95% CI 1/83–1/321) nas mulheres com mais de 40 anos de idade.

  • O exame cuidadoso da borda anal deve ser estimulado e valorizado no treinamento e na prática da colonoscopia, independente da presença de fatores de risco do paciente para lesões do canal anal. 

Exames de rastreamento são uma boa oportunidade para a deteccão incidental de lesões com potencial maligno, ampliando o benefício de programas de rastreamento do câncer colorretal.

Para saber mais sobre este tema e outros relacionados, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Referências

Forbes CM, McCloskey J, Forbes GM. Opportunistic detection of anal intraepithelial neoplasia at colonoscopy. JGH Open. 2020 Oct 14;4(6):1207-1210. doi: 10.1002/jgh3.12424. PMID: 33319057; PMCID: PMC7731801.

Byars RW, Poole GV, Barber WH. Anal carcinoma arising from condyloma acuminata. Am Surg. 2001;67:469–472




Caso clínico: síndrome de artéria mesenterica superior

Paciente, feminina, 20 anos, com diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico há 2 meses, em uso prednisona 40 mg/dia. Evoluiu com náuseas e vômitos refratários à terapia medicamentosa, associados à inapetência, desidratação e perda ponderal de 8 kg nesse período. Apresentava IMC 17.2 e hipocalemia ao exame laboratorial. Durante investigação, realizou tomografia de abdome (Figuras 1 e 2) com evidência de hiperdistensão gástrica, obstrução em 3ª porção duodenal e diminuição do ângulo aortomesentérico, tendo como principal suspeita diagnóstica a síndrome da artéria mesentérica superior. Realizou também enteroscopia (Figura 3), mostrando estase alimentar moderada e abaulamento pulsátil entre segunda e terceira porção duodenal, provocando redução da luz do órgão, achados que também eram compatíveis com a suspeita clínica inicial.

Análise comparativa entre tomografias de abdome realizadas com 21 dias de diferença, com redução do ângulo aortomesentérico provocando obstrução duodenal (direita). AMS: artéria mesentérica superior; AA: artéria aorta.

Figura 1: Análise comparativa entre tomografias de abdome realizadas com 21 dias de diferença, com redução do ângulo aortomesentérico provocando obstrução duodenal (direita). AMS: artéria mesentérica superior; AA: artéria aorta.

Hiperdistensão gástrica e obstrução em 3ª porção duodenal em tomografia de abdome.

Figura 2: Hiperdistensão gástrica e obstrução em 3ª porção duodenal em tomografia de abdome.

Enteroscopia - abaulamento entre segunda e terceira porção duodenal, provocando redução da luz do órgão.

Figura 3: Enteroscopia – abaulamento entre segunda e terceira porção duodenal, provocando redução da luz do órgão.

Após medidas clínicas para sintomas de obstrução intestinal alta – dieta zero, passagem de sonda nasogástrica sob aspiração, hidratação venosa, correção de distúrbios hidroeletrolíticos e otimização de antieméticos –, paciente evoluiu sem melhora dos sintomas, retornando o quadro de náuseas, vômitos e distensão abdominal.

Optado, então, por tratamento cirúrgico, sendo submetida à duodenojejunostomia videolaparoscópica. Cursou com plenitude pós-prandial e novos episódios eméticos no 2º dia do pós-operatório, sendo iniciadas medidas clínicas com passagem de sonda nasogástrica sob aspiração e, posteriormente, sendo iniciada dieta por sonda nasoenteral e nutrição parenteral total, porém paciente persistiu com sintomas obstrutivos.

Evoluiu com abdome agudo obstrutivo no 13º dia do pós-operatório, realizando laparotomia exploradora, que evidenciou anastomose duodenojejunal sanfonada com acotovelamento em alça eferente por bridas em mesocólon transverso, sendo realizada gastroenteroanastomose. Evoluiu com melhora clínica progressiva, resolução completa do quadro de vômitos e ganho gradativo de peso.

Síndrome da artéria mesentérica superior

A síndrome da artéria mesentérica superior (SAMS) é uma causa incomum de obstrução intestinal alta caracterizada pela compressão da terceira porção duodenal devido ao estreitamento do espaço entre a artéria mesentérica superior e a aorta. É também conhecida como síndrome de Wilkie, tendo sido descrita pela primeira vez em 1861 por Von Rokitansky [1].

Na maioria dos pacientes, o ângulo aortomesentérico mede entre 38° e 65°, podendo ser reduzido até 6° na SAMS, estando essa redução relacionada com o índice de massa corporal, sendo a perda significativa de peso o seu principal fator de risco [2,3].

Apresenta-se clinicamente com sintomas de obstrução intestinal alta, podendo o paciente cursar com dor epigástrica pós-prandial e saciedade precoce em quadros mais leves, há náuseas, vômitos biliosos e perda ponderal em casos mais severos. Para o diagnóstico, é necessário um alto índice de suspeição, visto que os sintomas são inespecíficos e pode fazer diagnóstico diferencial com outras causas de obstrução intestinal.

A realização de exames de imagem, como estudos contrastados, ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética e arteriografia, pode fornecer uma série de sinais compatíveis com a SAMS, como ângulo aortomesentérico 25° e afilamento abrupto na terceira porção duodenal com peristalse ativa [4,5,6].

O principal componente da terapia conservadora é o suporte nutricional, associado à descompressão gastrointestinal através da passagem de uma sonda nasogástrica e correção dos distúrbios hidroeletrolíticos. A nutrição parenteral total (NPT) pode ser necessária caso a alimentação enteral não seja uma opção [7]. Em caso de falha do tratamento conservador, a duodenojejunostomia laparoscópica é o procedimento cirúrgico mais utilizado e com resultados superiores às outras técnicas [8], entre elas, o procedimento de Strong e a gastrojejunostomia.

Existem poucos relatos de resultados a longo prazo no pós-cirúrgico de pacientes com SAMS. Uma série incluiu 16 pacientes que foram acompanhados sete anos após a cirurgia, sendo a perda ponderal corrigida em todos os pacientes, porém os sintomas praticamente se mantiveram, com exceção dos vômitos, que apresentaram diminuição significativa8. Em outra série, foram incluídos oito pacientes, com melhora dos sintomas, porém sem ganho significativo de peso [9].

Como citar este artigo

Amaral K, Medrado B. Caso clínico: síndrome de artéria mesenterica superior. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-sindrome-arteria-mesenterica-superior/

Referências bibliográficas

  1. Cohen LB, et al. The Superior mesenteric artery syndrome. J Clin Gastr 1985; 7: 113-116.
  2. Derrick Jr. Anatomia cirúrgica da artéria mesentérica superior. Am Surg 1965; 31:545.
  3. Ozkurt H, Cenker MM, Bas N, et al. Medição da distância e ângulo entre a aorta e a artéria mesentérica superior: valores normais em diferentes categorias de IMC. Surg Radiol Anat 2007; 29:595.
  4. Cohen LB, Field SP, Sachar DB. A síndrome da artéria mesentérica superior. A doença que não é, ou é? J Clin Gastroenterol 1985; 7:113.
  5. Neri S, Signorelli SS, Mondati E, et al. Ultrassom de imagem no diagnóstico de síndrome arterial mesentérica superior. J Intern Med 2005; 257:346.
  6. Unal B, Aktaş A, Kemal G, et al. Síndrome da artéria mesentérica superior: TC e ultrassonografia. Diagn Interv Radiol 2005; 11:90.
  7. Munns SW, Morrissy RT, Golladay ES, McKenzie CN. Hiperalimentação para síndrome mesentérica superior (elenco) após correção da deformidade espinhal. J Bone Joint Surg Am 1984; 66:1175.
  8. Ylinen P, Kinnunen J, Höckerstedt K. Síndrome da artéria mesentórica superior. Um estudo de acompanhamento de 16 pacientes operados. J Clin Gastroenterol 1989; 11:386.
  9. Merrett ND, Wilson RB, Cosman P, Biankin AV. Síndrome da artéria mesentérica superior: estratégias de diagnóstico e tratamento. J Gastrointest Surg 2009; 13:287.

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Caso clínico: ressecção endoscópica de parede total

Mulher, 76 anos, apresentando sintomas dispépticos. Endoscopia digestiva alta revelou lesão subepitelial bulbar (figura 1).

Ressecção endoscópica de parede total Figura 1 – Lesão submucosa

Figura 1: lesão submucosa

Realizada ecoendoscopia (figura 2) com evidência de uma lesão hipoecoica, homogênea, com limites bem definidos, medindo 1,5 cm, inserida na camada muscular própria, em que a punção aspirativa com agulha de biópsia (Acquire, Boston Scientific, USA) mostrou células fusiformes com positividade para c-kit no imunohistoquímico, compatível com tumor estromal gastrointestinal (GIST).

Ressecção endoscópica de parede total Figura 2 – Ecoendoscopia

Figura 2: ecoendoscopia

Procedimento

A lesão foi removida por ressecção endoscópica de espessura total com auxílio do dispositivo Padlock para aparelhos de maior calibre (Padlock Clip Pro-Select® Defect Closure Device, Steris), sendo usado um colonoscópio para aplicação do clipe (figura 3), com posterior ressecção da lesão e da parede total com alça diatérmica monofilamentar (25 mm, Mediglobe) (figura 4). A revisão do leito de ressecção (figura 5) mostrou sítio bem coaptado pelo clipe. Paciente evoluiu assintomática e recebeu alta no dia seguinte.

O anatomopatológico da lesão evidenciou o GIST, com índice mitótico nulo, G1 (baixo grau) e margens livres.

Materiais utilizados

  • Agulha de punção ecoendoscópica Acquire, Boston Scientific;
  • Padlock Clip Pro-Select® Defect Closure Device, Steris;
  • Alça monofilamentar 25 mm, Mediglobe.

Ressecção endoscópica de parede total Figura 3 – Colocação de Padlock

Figura 3: colocação de Padlock

Ressecção endoscópica de parede total Figura 4 – Exerese da lesão

Figura 4: exérese da lesão

Ressecção endoscópica de parede total Figura 5 – Exerese da lesão

Figura 5: exérese da lesão

Ressecção endoscópica de parede total Figura 6 – Lesão totalmente ressecada

Figura 6: lesão totalmente ressecada

Endoscopia de controle um mês após mostrou o clipe ainda no leito de ressecção, que apresentava bom aspecto.

Ressecção endoscópica de parede total Figura 7 – Controle tardio

Figura 7: controle tardio

Discussão

A técnica de ressecção endoscópica de espessura total (full thickness endoscopic resection) permite o tratamento definitivo de lesões envolvendo camadas mais profundas do trato gastrointestinal.

O clipe Padlock é um novo dispositivo da categoria de clipe over-the-scope que foi introduzido recentemente e que permite a apreensão total da parede do trato digestivo, tendo sido empregado com segurança para ressecção de lesões subepiteliais medindo até 1,5 cm. Lesões maiores que 1,5 cm podem apresentar dificuldade para serem aspiradas para dentro do cap antes da liberação do clipe. Em nosso caso, utilizamos o Padlock de colonoscopia por apresentar maior eixo longitudinal, que permitiria maior espaço para acomodar a lesão em seu interior. Houve leve dificuldade para passagem do dispositivo pelo cricofaríngeo, mas sem intercorrências.

Em conclusão, a ressecção endoscópica de parede total pode ser uma possibilidade terapêutica segura e curativa para casos selecionados de GIST do trato gastrointestinal.

Para saber mais sobre este tema, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Como citar este artigo

Franco M. Caso Clínico: Ressecção endoscópica de parede total. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-resseccao-endoscopica-de-parede-total/

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Uso de adesivos tissulares para fechamento de fístulas do trato digestivo

A fístula enterocutânea é definida como uma comunicação do trato gastrointestinal com a pele ou em ferida aberta (fístula enteroatmosférica). Em mais de 2/3 dos casos, elas decorrem de manipulação cirúrgica prévia (recentemente também associada a procedimentos endoscópicos terapêuticos), com mortalidade global de 15-25% [1]. É uma condição de alta morbidade, usualmente necessitando de internação prolongada. O tratamento das fístulas gastrointestinais requer um manejo multidisciplinar, indo desde o diagnóstico (clínico ou por imagem), controle de infecção, nutrição, avaliação para necessidade de drenagem de coleções até a escolha do melhor método de intervenção para o seu fechamento.

As fístulas enterocutâneas podem ser classificadas em superficiais (trajeto curto-menores que 2 cm de extensão ou labiadas) ou profundas (trajeto longo) e com alto (acima de 500 mL/24 horas) ou baixo débito (abaixo de 200 mL/24 horas). Fatores como obstrução distal, presença de coleções/cavitações com abscesso, desnutrição importante, neoplasia e irradiação prévia estão associados a menor chance de fechamento da fístula.

Sempre que possível, o tratamento minimamente invasivo é a primeira escolha, mas, em casos de fístulas com contaminação grosseira de cavidades, septicemia e/ou instabilidade hemodinâmica ou fístulas atmosféricas labiadas (intestino exposto com evisceração), a abordagem cirúrgica deve ser considerada. Para fístulas com orifício interno pequeno (abaixo de 5 mm) e baixo débito, o uso de selantes deve ser considerado como primeira alternativa.

O uso de selante injetado por meio endoscópico foi descrito pela primeira vez em 1990, quando Eleftheriadis et al reportaram o uso de cola de fibrina para tratamento de fístulas enterocutâneas [3].

Desde então, várias técnicas de tratamento de fístulas gastrointestinais foram desenvolvidas, com ótimos resultados no manejo dessas complicações. Em 2015, o mesmo grupo grego publicou série de 25 anos de experiência do uso de selantes (fibrina e cianoacrilato) em 63 pacientes, com sucesso clínico e técnico de 96,8%, a maior série institucional reportada até o momento [4].

O uso de selantes para o fechamento de fístulas gastrointestinais consiste na injeção de uma substância líquida biocompatível com capacidade de solidificação dentro do trajeto fistuloso. Essa técnica requer, portanto, o uso de um cateter fino dentro do trajeto fistuloso, este usualmente inserido com auxílio de fio-guia. A injeção pode ocorrer a partir do orifício interno (endoscópico) e externo (percutâneo). A injeção de selantes por cateter no trajeto fistuloso é uma técnica muito segura com risco muito baixo, usualmente relacionados à reação ao agente selante (ex. aprotinina bovina – cola de fibrina) ou ao risco anestésico do próprio ato endoscópico. Os raros relatos de embolia aérea estão relacionados ao uso concomitante de fistuloscopia (introdução do endoscópio por dentro do trajeto fistuloso e insuflação aérea). O uso de cianoacrilato em grande quantidade no trajeto fistuloso pode teoricamente originar infecção e reação de corpo estranho, como visto em uso para colagem de tela sintética para tratamento de hérnias inguinais.

Para a aplicação dos selantes, recomenda-se realizar escarificação do trajeto fistuloso com intuito de aumentar a resposta inflamatória e consequente retração cicatricial. Isso pode ser feito com uso de uma escova de citologia biliar e coagulação com plasma de argônio em baixa potência. O uso de selantes pode ser combinado com próteses digestivas ou sutura endoscópica [5], para garantir selamento ou mesmo telas biológicas servindo como matriz/ancoragem [6].

O cianoacrilato e a cola de fibrina se destacam entre os selantes tissulares comercialmente disponíveis no Brasil, com características biológicas distintas. Existem outros materiais utilizados como selantes cirúrgicos, como a mistura de albumina/gluraldeído, cujos resultados preliminares na utilização em fechamento de fístulas perianais foram associados à sepse perineal [7].

A cola de fibrina possui a vantagem de ser facilmente reabsorvível, porém, mediante contato de secreções digestivas, ela pode se dissolver precocemente antes que ocorra a cicatrização do trajeto. Os dois componentes principais da cola de fibrina são o fibrinogênio humano reconstituído com aprotinina bovina sintética e a trombina reconstituída com cloridrato cálcio, que, quando misturados, formam um coágulo de fibrina (em um processo semelhante à coagulação sanguínea). O mecanismo de ação da cola de fibrina é bloquear a passagem do conteúdo gastrointestinal e promover reparo cicatricial através de migração celular local e angiogênese com proliferação fibroblástica e de queratinócitos. A cola de fibrina possui também propriedades hemostáticas, sendo utilizada em tratamento de hemorragia digestiva por injeção direta [7].

Para aplicação de cola de fibrina no trajeto fistuloso, idealmente deve-se realizar infusão através de mecanismo de dupla seringa para evitar solidificação do mesmo no trajeto. Os kits comerciais disponíveis no Brasil possuem um conector em Y junto à saída da seringa e um cateter lúmen único curto com finalidade para injeção em campo cirúrgico ou percutâneo. O uso de fibrina por via endoscópica requer um cateter longo, sendo necessária a utilização de um cateter coaxial com lúmen bipartido ou duplo-lúmen em paralelo (este fabricado de forma caseira como alternativa) para que a mistura dos componentes ocorra em sua extremidade, evitando-se a solidificação da mesma no trajeto (FIGURA 1). O cateter com lúmen bipartido possui um calibre menor (existem modelos comerciais a partir de 1.9 mm, não disponíveis no Brasil) comparado ao alinhamento caseiro de 2 cateteres. Outra dificuldade na utilização de um cateter longo é a extrusão de todo o componente retido no cateter, visto que o volume utilizado é pequeno – lembramos que uma agulha de 23G (1.9Fr) com 180 cm de comprimento pode reter mais de 2 mL de líquido em seu interior. A diferença de viscosidade das duas soluções pode levar a velocidades de infusão diferentes; deve-se atentar ao tipo de seringa utilizado com intuito de se atingir a proporção de injeção de 1:1. O uso de gás carbônico facilita a extrusão do material.

 

cateter fibrina corte longitudinal e transversa

Figura 1 – cateter fibrina corte longitudinal e transversal

Figura 3 – Dispositivo para injeção de gás carbônico a ser utilizado para injeção de cola de fibrina (extraído de www.nordsonmedical.com) O uso de cola de fibrina humana autóloga com a centrifugação do soro do próprio paciente para obtenção de cola de fibrina foi utilizado em 2 casos de fístula esofágica, com sucesso [8]. Nesses casos, a injeção é realizada na submucosa ao redor da fístula com agulha. No Brasil, não dispomos de cateter duplo-lúmen coaxial endoscópico para uso comercial. Para fabricar de forma caseira um cateter duplo-lúmen, podem-se utilizar 2 cateteres de colangiografia finos (a partir de 4Fr) ou 2 bainhas de cateter de injeção endoscópica de 23G (retiradas as agulhas e remontado o cateter), alinhados paralelamente (FIGURA 2). Essa última opção tem sido nossa preferência devido ao custo (FIGURA 3). Deve-se atentar ao calibre obtido, pois o seu uso requer um canal de trabalho terapêutico (a partir de 3.8 mm). Na falta de um cateter duplo-lúmen, outra opção descrita é realizar a injeção sequencial através de um cateter com lúmen único. O uso de cateter de colangiografia duplo lúmen de troca rápida não deve ser utilizado pelo risco de vazamento lateral [9].

Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente

Figura 2 – Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente

Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente. Detalhe – fixador de cateter

Figura 3 – Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente. Detalhe – fixador de cateter

Para uso em endoscopia, o cianoacrilato apresenta-se em 2 fórmulas [10]: o N-butil 2-cianoacrilato, também conhecido como embucrilato e comercializado no Brasil como Histoacryl (B. Braun Medical, Bethlehem, PA). O ocrilato, por sua vez, possui 8 carbonos em sua fórmula (2-octyl cyanoacrylate) e é comercializado no Brasil como Dermabond (Johnson & Johnson, New Bruns- wick, NJ). O Glubran 2 (GEM, Viareggio, Italy) contém metacriloxi sulfalano, o qual aumenta o tempo de polimerização e reduz a produção de calor reacional. O lipiodol é recomendado para utilização de mistura com enbucrilato na proporção de 1:1 a 1:1.6, com a vantagem de reduzir o tempo de polimerização e permitir visualização radiológica. Após injeção, a lavagem do cateter deve ser feita com água destilada. Ambas as versões farmacológicas de ocrilato não requerem uso de lipiodol e podem ser lavadas com solução salina fisiológica. As técnicas de injeção são as mesmas recomendadas para tratamento de varizes gástricas, com a diferença de a injeção ser por meio de um cateter dentro do trajeto da fístula.

Descrevemos um caso em que foi usada terapia a vácuo e colagem de fibrina por via endoscópica com sucesso como modalidade terapêutica para fístula traqueoesofágica pós esofagectomia.

O desenvolvimento de fístula traqueoesofágica (TE) é uma rara complicação associada a uma alta mortalidade em pacientes submetidos à esofagectomia. Estudos mostram que, caso a fístula TE não tenha cicatrização dentro de um período de 4 a 6 semanas, o tratamento conservador deve ser abandonado. Opções de tratamento hoje dependem de condições, como vascularização do conduto gástrico, a gravidade da pneumonia aspirativa e o volume do vazamento de ar, e usualmente podem incluir tanto intervenção cirúrgica com uso de retalhos como endoscópica com colocação de prótese intraluminal. Em outubro 2019, um indivíduo do sexo masculino de 53 anos com quadro de disfagia, astenia e emagrecimento apresentou diagnóstico de carcinoma escamocelular em esôfago distal, moderadamente diferenciado, invasor (EC III). Entre novembro e dezembro de 2019, fez tratamento neoadjuvante com quimioterapia e radioterapia (cross trial). Após exames de re-estadiamento, foi optado por esofagectomia total em 3 campos com acesso torácico por videocirurgia e reconstrução utilizando tubo gástrico em janeiro de 2020.

O pós-operatório (PO) se deu em UTI, sem necessidade de ventilação mecânica e em boas condições hemodinâmicas, com uso de baixas doses de drogas vasoativas. No 4º dia PO, o dreno em região cervical demonstrou alto débito de aspecto bilioso, sendo indicada tomografia de tórax, que visualizou uma coleção pequena entre tubo gástrico e traqueia com pequena quantidade de ar, derrame pleural à esquerda com focos de consolidação e pequeno pneumotórax. No 12º PO, iniciou com instabilidade hemodinâmica associada a desconforto respiratório e saída de ar pela ferida cervical, com necessidade de intubação orotraqueal e estabilização em UTI. Uma fibrobroncoscopia diagnóstica revelou traqueobronquite aguda leve com secreção purulenta abundante à esquerda e presença de fístula traqueomediastinal em traqueia distal, sendo realizada reabordagem cirúrgica com enxerto bovino para fechamento da mesma, sem sucesso. Após tratamento conservador com jejum e nutrição parenteral por 18 dias, sem melhora significativa do quadro, foi optado por intervenção endoscópica com terapia a vácuo. Realizou tratamento endoscópico por terapia utilizando pressão negativa (vácuo) intraluminal esofágico por 3 semanas, com trocas e reavaliações periódicas (a cada 5 dias), até redução significativa do orifício fistuloso (FIGURA 4). Em abril de 2020, realizou exame contrastado deglutido, o qual evidenciou pequeno trajeto fistuloso. Foi submetido à nova abordagem endoscópica com injeção de cola de fibrina (FIGURA 5), recebendo alta 1 semana após. Em retorno em agosto de 2021, o paciente referiu melhora clínica, sem queixas de disfagia ou respiratórias, e exames contrastado e endoscópico revelaram fechamento completo da fístula (FIGURA 6).

Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica puntiforme, com comunicação traqueal

Figura 4 – Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica puntiforme, com comunicação traqueal

Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica após injeção de cola de fibrina

Figura 5 – Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica após injeção de cola de fibrina

Anastomose esôfago-gástrica pérvia e ampla, sem solução de continuidade

Figura 6 – Anastomose esôfago-gástrica prévia e ampla, sem solução de continuidade

Autores

Eduardo A. Bonin*

Larissa M. S. Gomide*

Bruno Verschoor*

Ricardo S. de Bem*

Leticia Rosevics*

Bruna S. Fossati*

* Serviço de Endoscopia Digestiva, Hospital de Clínicas (UFPR)

Ilustrações

Rodrigo R. Tonan

Como citar este artigo

Bonin EA, Gomide LMS, Verschoor B, Bem RS, Rosevics L, Fossati BS. Uso de adesivos tissulares para fechamento de fístulas do trato digestivo. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/uso-de-adesivos-tissulares-para-fechamento-de-fistulas-do-trato-digestivo/

Referências

  1. Management Approaches for Enterocutaneous Fistulas. Heimroth J, Chen E, Sutton E. Am Surg. 2018 Mar 1;84(3):326-333.
  2. Bhurwal A, Mutneja H, Tawadross A, Pioppo L, Brahmbhatt B. Gastrointestinal fistula endoscopic closure techniques. Ann Gastroenterol. 2020;33(6):554-562.
  3. Eleftheriadis E, Tzartinoglou E, Kotzampassi K, Aletras H. Early endoscopic fibrin sealing of high-output postoperative enterocutaneous fistulas. Acta Chir Scand. 1990 Sep;156(9):625-8.
  4. Kotzampassi K, Eleftheriadis E. Tissue sealants in endoscopic applications for anastomotic leakage during a 25-year period. Surgery. 2015 Jan;157(1):79-86.
  5. Bonin EA, Wong Kee Song LM, Gostout ZS, Bingener J, Gostout CJ. Closure of a persistent esophagopleural fistula assisted by a novel endoscopic suturing system. Endoscopy. 2012;44 Suppl 2 UCTN:E8-9.
  6. Abbas MA, Tejirian T. Bioglue for the treatment of anal fistula is associated with acute anal sepsis. Dis Colon Rectum. 2008 Jul;51(7):1155; author reply 1156.
  7. Böhm G, Mossdorf A, Klink C, Klinge U, Jansen M, Schumpelick V, Truong S. Treatment algorithm for postoperative upper gastrointestinal fistulas and leaks using combined vicryl plug and fibrin glue. Endoscopy. 2010 Jul;42(7):599-602. doi: 10.1055/s-0029-1244165.
  8. Iwase H, Kusugamf K, Tuzuki T, Suga S, Furuta R, Nakamura M, Funaki Y, Honjyo T, Kojima K, Maeda O. Endoscopic Fibrin Glue Injection with Coaxial Double Lumen Needle for Severe Upper Gastrointestinal Bleeding. Dig Endosc. 1998 Oct;10(4):335-342.
  9. Lucas M, Seeber P. Use of autologous fibringlue for endoscopic treatment of esophageal lesions. Endosc Int Open. 2015;3(5): E405-E408.
  10. Kumar N, Larsen MC, Thompson CC. Endoscopic Management of Gastrointestinal Fistulae. Gastroenterol Hepatol (N Y). 2014;10(8):495-452.
  11. Cameron R, Binmoeller KF. Cyanoacrylate applications in the GI tract. Gastrointest Endosc. 2013 Jun;77(6):846-57.

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Esofagite herpética em paciente imunocompetente: um relato de caso

Autores: Nathan Uehara Lira; Leonardo Oba; Clóvis Kuwahara; Ricardo Papi; Maria Fernanda Luchetti; Carina Fava; Isabelle Kristal.

Em geral, a infecção esofagiana pelo HSV pode ser consequência de vários eventos: contaminação pela orofaringe; reativação do vírus; disseminação para mucosa esofágica por meio do nervo vago.

Em pacientes imunocompetentes, a infecção é autolimitada. As principais manifestações clínicas são: disfagia e odinofagia (85%), dor torácica (68%) e febre (44%). Também foram descritos náuseas e vômitos em 15% dos casos e associações com lesões orais em 29%. Há também relatos de hemorragia digestiva (5,3%).

Ao exame endoscópico, as lesões esofágicas pelo HVS são localizadas no terço distal (50%), podendo ser encontradas em outros setores ou eventualmente serem difusas (32%). Inicialmente, apresentam-se como vesículas, medindo de 1 a 3 mm, localizadas principalmente em terço médio e distal do esôfago, podendo haver descamação com formação de pequenas úlceras de 1 a 3mm, que podem ser descritas como superficiais ou estelares com fundo eritematoso, edema ou eritema. Existem também algumas formas especiais com aspecto de vulcão. Eventualmente, é observada a presença de pseudomembranas, lembrando candidíase esofágica. As úlceras herpéticas podem evoluir com estenoses ou fístulas. As margens das úlceras devem ser biopsiadas ou pode ser realizado um escovado para citologia.

Descrição do caso

Paciente masculino, 19 anos, vem ao consultório apresentando queixas de epigastralgia e disfagia para sólidos e líquidos com início há dois dias. Apresentou um episódio de vômitos com vestígios hemáticos. Sem febre. Estava em uso de azitromicina e prednisona para tratamento de uma faringite.

Após a consulta, foi solicitada uma endoscopia, na qual visualizamos estas imagens:

Imagem de esofagite herpéticaImagem de esofagite herpética

Coletadas biópsias das bordas das lesões.

Anatomopatológico: esofagite crônica, moderada e erosiva, com presença de inclusões nucleares com características de herpes.

Conclusão

Esofagite herpética é uma alteração rara de ser encontrada em pacientes imunocompetentes, e seu diagnóstico depende de uma endoscopia digestiva alta com coleta de material para biópsia. O tratamento é realizado com aciclovir, e alguns artigos citam apenas tratamento de suporte por ser uma infecção autolimitada. Então, é muito importante que os endoscopistas tenham conhecimento da condição, não deixando passar seu diagnóstico e evitando assim suas possíveis complicações.

Como citar este artigo

Lira NU., Oba L., Kuwahara C., Papi R., Luchetti MF., Fava C., Kristal I. Esofagite herpética em paciente imunocompetente: um relato de caso. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/esofagite-herpetica-em-paciente-imunocompetente-um-relato-de-caso

Confira também: Esofagite por cândida – Kodsi

Bibliografia

  1. SAKAI, Paulo. Tratado de Endoscopia Digestiva Diagnóstica e Terapêutica. 3ª Edição. Editora Atheneu.
  2. PINHEIRO, Mariana. Herpetic Esophagitis: A diagnosis to remember. Birth and Grow Medical Journal. Volume 24 Nº1. 2015.
  3. MENDES, Lucas Corrêia. Esofagite herpética em criança imunocompetente. The Brazilian Journal of Infectious diseases. Volume 25. 2021.

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!