Divertículo Intraduodenal (“Windsock Diverticulum”): uma causa rara de obstrução intestinal alta

Paciente feminina, 19 anos, previamente hígida, iniciou com quadro de distensão abdominal e vômitos pós-alimentares recorrentes há cerca de 30 dias. Referia perda ponderal de 3 Kg no período. 

Negava outras comorbidades, uso de medicamentos ou cirurgias prévias.

Ao exame físico mostrava-se emagrecida, desidratada e com abdome distendido em região epigástrica. Sem outras alterações.

Tomografia de abdome evidenciava espessamento inespecífico em segunda porção duodenal promovendo dilatação do bulbo e da câmara gástrica.

Foi então submetida à endoscopia digestiva alta que mostrou septo espesso na transição do bulbo para a segunda porção duodenal, com formação de grande divertículo intraduodenal, com pequeno orifício no fundo diverticular, que não permitia a passagem do endoscópio. A papila duodenal maior encontrava-se na borda do septo e era possível transpor o aparelho para a segunda porção duodenal, pela lateral do divertículo, sem dificuldades.

Figura 1: imagem endoscópico do divertículo intraduodenal. Seta verde: divertículo. Seta preta: septo do divertículo. Seta azul: segunda porção duodenal.
Figura 2: imagem endoscópica do fundo do divertículo. Seta preta: orifício no fundo diverticular.
Figura 3: imagem endoscópica mostrando a relação entre o divertículo e a papila duodenal maior (seta preta).

Após discussão com a paciente e com a equipe cirúrgica sobre as possibilidades terapêuticas, foi optado pela tentativa de tratamento endoscópico.

O procedimento foi realizado com a paciente sob anestesia geral, sendo incialmente identificada a papila duodenal maior e iniciado o corte longe da sua localização. Foi realizada secção de todo o septo do divertículo, com auxílio de cateter tipo “needle-knife”, da sua porção inicial na transição do bulbo para a segunda porção duodenal até o seu orifício distal. Em seguida foi realizada hemostasia das duas bordas com aplicação de clipes metálicos. Procedimento transcorreu sem intercorrências e a paciente foi encaminhada para o quarto.

Figura 4: imagem endoscópica após a secção do septo do divertículo.
Figura 5: imagem endoscópica da hemostasia do septo do divertículo.

No segundo dia de pós-operatório, a paciente apresentou episódio de hematêmese volumosa, com instabilidade hemodinâmica, sendo então encaminhada para a unidade de tratamento intensivo. Foi submetida a nova endoscopia digestiva alta que mostrou sangramento ativo nas bordas seccionadas do divertículo, apesar dos clipes metálicos posicionados. Foi optado, então, pelo tratamento combinado com injeção de solução de adrenalina e colocação de mais clipes metálicos, com parada do sangramento.

Paciente não apresentou recorrência do sangramento sendo reiniciada dieta por via oral, com boa aceitação, 48 horas após a segunda endoscopia. Recebeu alta no 6 PO, com boa tolerância alimentar, sem queixas.

Paciente retornou 30 dias após o procedimento, assintomática, para realização de endoscopia digestiva alta de controle. Procedimento evidenciou apenas pequenos septos seccionados remanescentes na transição do bulbo para a segunda porção duodenal, sem formação diverticular residual, com fácil transposição do endoscópio para a segunda porção duodenal.

Figura 6: imagem endoscópica do controle após 30 dias do procedimento.

Discussão

O divertículo intraduodenal, também chamado de “windsock diverticulum”, é uma anomalia congênita rara, secundária a recanalização incompleta do intestino anterior durante o desenvolvimento embrionário. Inicialmente ele teria o aspecto de uma membrana ou diafragma duodenal e que, com o passar dos anos e com a peristalse, passaria a ter um aspecto mais alongado, formando o divertículo. Seu nome “windsock diverticulum” seria devido a semelhança de seu formato com uma biruta, windsock em inglês (1). 

Ele foi inicialmente descrito em 1885 por Silock e consiste em uma formação diverticular alongada, localizada na segunda porção duodenal, adjacente à papila duodenal maior (2). Um orifício na sua porção distal pode ou não estar presente.

Em geral, o divertículo intraduodenal é assintomático e identificado incidentalmente. Sua sintomatologia pode ser muito variável como náuseas, vômitos, empachamento, distensão ou dor abdominal e, mais raramente, hemorragia digestiva alta, pancreatite aguda ou obstrução intestinal (3).

O diagnóstico pode ser feito através da endoscopia digestiva alta ou de exames radiológicos, como tomografia computadorizada com contraste oral ou raio X contrastado de esôfago, estômago e duodeno (4).

O tratamento pode ser cirúrgico ou endoscópico, não existindo recomendação quanto a melhor técnica devido a baixa prevalência do divertículo intraduodenal. Tem se dado preferência ao endoscópico pela sua menor morbidade (1).  

Existem diferentes técnicas descritas para o tratamento endoscópico, variando desde a diverticulectomia com auxílio de alça de polipectomia até a diverticulotomia com a utilização do “needle-knife” (1). Independente da técnica escolhida, dois cuidados são fundamentais, a identificação da papila previamente à realização do procedimento, devido a proximidade do divertículo com a papila maior, e a realização de hemostasia cuidadosa, uma vez que o divertículo é muito vascularizado e a chance de sangramento pós-procedimento é alta (1).

Apesar de ser uma entidade rara, o médico endoscopista deve estar atento ao diagnóstico do divertículo intraduodenal em pacientes com sintomas gastrointestinais altos. O tratamento endoscópico apresenta bons resultados e deve ser considerado em pacientes sintomáticos.

Referências

  1. Law R, Topazian M, Baron TH. Endoscopic treatment of intraluminal duodenal (“windsock”) diberticulum: varying techniques from five cases. Endoscopy 2012;44:1161-1164.
  2. Silock AQ. Ephithelioma of de ascending colon: enterocolitis, congenital duodenal septum with internal diverticulum. Trans Pathol Soc London 1885;36:207.
  3. Odemis B, Baspinar B, Erdogan C, et al. A rare case of a windsock-shaped intraluminal duodenal diverticulum treated successfully with endoscopic diverticulectomy. Endoscopy 2022;54:E914-E915.
  4. Karagyozov P, Tishkov I, Gdeorgieva Z, et al. Endoscopy International Open 2019;07:E87-E89.

Como citar este arquivo

Retes FA. Divertículo Intraduodenal (“Windsock Diverticulum”): uma causa rara de obstrução intestinal alta. Endoscopia Terapeutica 2023 Vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/diverticulo-intraduodenal-windsock-diverticulum-uma-causa-rara-de-obstrucao-intestinal-alta/




Tumor de células granulares do esôfago: relato de caso com revisão da literatura

Relato de Caso

Mulher, 49 anos, hipertensa, sem história familiar ou passados cirúrgicos significativos, procurou o serviço para realizar endoscopia diagnóstica devido à distensão intermitente e regurgitação. O exame físico e os resultados dos exames laboratoriais não mostraram nenhuma anormalidade significativa, enquanto a endoscopia digestiva alta evidenciou lesão nodular branco-amarelada de aspecto subepitelial e consistência fibroelástica em esôfago distal, medindo aproximadamente 6mm.

Tumor de células granulares (visão endoscópica)

Foram realizadas biópsias da lesão esofágica, revelando tumor de células granulares esofágicas.

Optamos pela ressecção da lesão esofágica e, portanto, foi solicitado exame complementar para seu estadiamento.

À ecoendoscopia, o diagnóstico de lesão subepitelial foi confirmado e a lesão foi descrita como oval, hipoecóica, homogênea, de aproximadamente 5,6 mm x 1,6 mm, com limites precisos e contornos regulares, inserido na mucosa profunda, apresentando discreta invasão da camada na submucosa e sem comprometimento de linfonodos regionais.

Tumor de células granulares (visão ecoendoscópica)

Quanto à terapêutica, optamos pela mucosectomia endoscópica com auxílio de banda elástica. O procedimento sucedeu com a identificação da lesão, seguido de delimitação com banda elástica e ressecção com alça diatérmica. À macroscopia da peça, revelou-se livre de lesão às margens laterais.

Tumor de células granulares (peça)

A paciente permaneceu assintomática após o procedimento e o estudo anatomopatológico confirmou o diagnóstico de tumor de células granulares localizado na submucosa, com margens laterais livres e profundas, afirmando a ausência de malignidade.

Tumor de células granulares (lâmina anatomopatológico)

Discussão

Tal paciente está dentro do grupo epidemiológico mais acometido pelos tumores de células granulares do esôfago (TCG) e o diagnóstico, conforme aponta a literatura, foi feito acidentalmente. Sabe-se que, embora pequeno, há risco de crescimento e desenvolvimento de malignidade. Além disso, são evidentes os entraves quanto ao acompanhamento desses casos, logo, de acordo com a paciente, optamos pela ressecção endoscópica. 

Os TCG foram descritos pela primeira vez por Abrikossoff em 1926 e aproximadamente 8% se desenvolvem no trato gastrointestinal, sendo o esôfago responsável por um a dois terços dos casos.

Os TCG esofágicos também podem ser:

  • Vermelhos ou branco-acinzentados
  • Raramente ulcerados
  • Origem neurogênica (derivada das células de Schwann)
  • Pequeno potencial maligno (2 a 4%)
  • Predominantes no sexo feminino e meia-idade
  • Maioria assintomático (principalmente nos menores de 2cm)
  • Achado incidental à endoscopia na sua maioria

EUS é o melhor procedimento para avaliar lesões da submucosa gastrointestinal superior e deve ser realizado em todos os pacientes com o diagnóstico de TCG esofágico, pois o tamanho do tumor e o grau de invasão são importantes para definir o método de tratamento. 

A confirmação diagnóstica pode ser realizada através de:

  • Endoscopia com biópsia (confirmação em 50-83% dos casos);
  • Ressecção endoscópica da mucosa (EMR);
  • Biópsia guiada por EUS
  • Aspiração por agulha fina guiada por EUS

Por endoscopia e EUS, os TCG são difíceis de distinguir de outros tumores submucosos, por exemplo, leiomiomas ou tumores estromais gastrointestinais e, por isso, a análise histopatológica é essencial (13).

Um potencial maligno foi relatado em 2% a 4% dos TCGs esofágicos, especialmente os maiores que 1cm. Os critérios histológicos de malignidade propostos por Fanburg-Smith ainda são discutíveis entre os patologistas, sendo a metástase o único critério de malignidade com concordância unânime. Portanto, a ressecção deve ser realizada, exceto nas lesões menores de 1 cm,  em que os relatos na literatura sugerem conduta conservadora com endoscopia e EUS.

Em geral, várias abordagens endoscópicas estão disponíveis para tratar TCG, incluindo mucosectomia auxiliada por banda elástica, viável em casos confinados à mucosa (16).

Recomendações de conduta da literatura:

  • Lesões menores que 1 cm: pode-se adotar conduta conservadora com endoscopia e/ou EUS;
  • Lesões entre 1 e 2 cm: ressecção endoscópica da mucosa (EMR);
  • Lesões entre 2 e 3 cm: ressecção endoscópica submucosa
  • Lesões maiores que 3cm, originários da muscular própria ou alta suspeita de malignidade: remoção cirúrgica com cirurgia aberta tradicional ou cirurgia toracoscópica

Nossa paciente está dentro do grupo epidemiológico mais acometido pelos tumores de células granulares do esôfago e seu diagnóstico foi estabelecido com ultrassonografia diagnóstica e USE. A conduta menos conservadora foi justificada pelo limite do risco de crescimento e potencial maligno da lesão junto às limitações de realização de séries de EDA no âmbito do sistema público de saúde do país. Em relação ao tratamento propriamente dito, optou-se por realizar a EMR com auxílio de banda elástica, devido à pequena dimensão da lesão (6 mm) e à restrição à mucosa, conforme visualizado anteriormente na USE. O procedimento foi realizado com sucesso, sem complicações, e a amostra foi enviada para estudo anatomopatológico, confirmando o diagnóstico.

Como citar este artigo

Martins SFS. Tumor de células granulares do esôfago: relato de caso com revisão da literatura. Endoscopia Terapeutica 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/tumor-de-celulas-granulares-do-esofago-relato-de-caso-com-revisao-da-literatura/




Ressecção de parede total gástrica com Padlock

Paciente masculino 68 anos com antecedente pessoal de leucemia tratada, obesidade, diabetes e dislipidemia.

Durante exame de rotina, apresentou em endoscopia digestiva alta lesão elevada medindo 15 mm em grande curvatura de corpo gástrico com vasos aberrantes, apresentando características sugestivas de tumor neuroendócrino (TNE) que foram confirmados em anatomopatológico. A mucosa gástrica de corpo e antro não apresentavam sinais de atrofia, o que levantou a hipótese de um TNE esporádico do tipo III (não relacionado com gastrite atrófica autoimune).

Paciente submetido a complementação diagnóstica com ecoendoscopia, a qual mostrou lesão limitada a segunda e terceira camadas, portanto passível de ressecção endoscópica.

Realizada ressecção endoscópica com a técnica de ligadura elástica sem intercorrências.

O estudo histológico evidenciou acometimento de submucosa com margens profundas e laterais comprometidas. Imuno-histoquimica revelou ki-67 inferior a 2%.

Por tratar-se de provável TNE do tipo 3, ou seja, com risco maior de disseminação linfonodal, optado por tentativa de nova ressecção endoscópica com intuito de evitar um procedimento cirúrgico.

Submetido a novo tratamento com auxílio de over-the-scope-clip (Padlock) para ressecção endoscópica de espessura gástrica total (full thickness endoscopic ressection). Aplicação de dois endoloops de segurança abaixo do OTSC. A remoção da lesão foi obtida com sucesso apresentando pela patologia amostra livre de neoplasia.

Discussão

Resseções endoscópicas de espessura total permitem diagnósticos definitivo e apresentam potencial curativo no tratamento de lesões envolvendo qualquer camada da parede do trato gastrointestinal (1). O uso de OTSC para ressecção de parede total no trato gastrointestinal alto é uma técnica emergente para ressecções de lesões epiteliais e subepiteliais selecionadas com evidência de eficácia e segurança em uma série de casos(2-4). O uso da técnica se mostra mais favorável com lesões subepiteliais medindo até 1,5 cm, visto que lesões maiores podem apresentar dificuldade para serem aspiradas dentro do cap antes da liberação do clipe(5). Cumpre salientar que o clipe Padlock não é recomendado para ressecção de espessura total do TGI. Sua aprovação na ANVISA está ligada a tratamento de fístulas e sangramento digestivos

Comentários Finais

A técnica de ressecção endoscópica de espessura total permite o tratamento definitivo de lesões envolvendo camadas mais profundas dos órgãos do trato gastrointestinal , principalmente para lesões medindo até 1,5cm de diâmetro. A ressecção endoscópica de parede total pode ser uma possibilidade terapêutica para casos selecionados de lesões profundas do trato gastrointestinais.

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Referências

1.Feng Y, Yu L, Yang S, et al. Endolumenal endoscopic full-thickness resection of muscularis propria-originating gastric submucosal tumors. J Laparoendosc Adv Surg
2. Schmidt A, Damm M, Caca K. Endoscopic full-thickness resection using a novel  over-the-scope device. Gastroenterology 2014;147:740-742 e2
Sarker S, Gutierrez JP, Council L, et al. Over-the-scope clip-assisted method for  resection of full-thickness submucosal lesions of the gastrointestinal tract. Endoscopy 2014;46:758-61
4 Fahndrich M, Sandmann M. Endoscopic full-thickness resection for gastrointestinal lesions using the over-the-scope clip system: a case series. Endoscopy 2015;47:76-9.
5. Over-the-scope clip-assisted endoscopic full-thickness resection of epithelial and subepithelial GI lesions

Como citar este artigo

Barros RS, Martins BC. Tumor neuroendócrino. Endoscopia Terapêutica 2023, vol. 1. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/resseccao-de-parede-total-gastrica-com-padlock




Neoplasia periampular sem lesão visível

Paciente do sexo feminino, 53 anos, sem comorbidades prévias, iniciou quadro de icterícia, febre e aumento de enzimas caniculares.

  • Realizou ressonância magnética (RNM) abdominal que identificou sinais de colangite com dilatação da VB intra e extra-hepáticas.
  • Submetida a CPRE em serviço externo com evidência de “papilite” e microcálculos no coledoco. Realizado fistulotomia, dilatação de papila, varredura com balão extrator e passagem de prótese plástica. Biopsiado a papila que resultou em amostra inconclusiva.

Após um mês, apresentou novamente quadro de colangite e a nova RNM de abdome apresentava as mesmas alterações, agora com a presença de prótese biliar.

  • Realizada ecoendoscopia que mostrou dilatação do colédoco (16 mm) e ducto principal pancreático (4,5 mm), com interrupção dos mesmos na topografia da papila duodenal, sem nítida lesão perceptível na ecoendoscopia. Efetuada punção ecoguiada com agulha fina. 
  • Em nova CPRE, realizada dilatação, biópsias de papila e passagem de nova prótese plástica.

Resultado de anatomopatológico da punção ecoguiada e das biópsias por CPRE: adenocarcinoma moderadamente diferenciado de papila duodenal, superficialmente invasivo e ulcerado.

Paciente foi submetida a gastroduodenopancreatectomia com linfadenectomia regional. Estadiamento revelou comprometimento linfático, vascular e neural pT3b pN2. O tratamento adjuvante com quimioterapia foi indicado.

Vídeo

Comentários:

Esse caso ilustra bem a importância de insistir na elucidação diagnóstica dos tumores periampulares. Apesar da imagem endoscópica e da RNM não demonstrarem lesão nítida na papila duonenal maior, a suspeita se manteve devido a grande dilatação do colédoco (16mm) associado a icterícia, sem uma causa muito convincente (apenas microcálculos na CPRE anterior). Isso motivou a realização da Ecoendoscopia concomitante para melhor investigar a região, a qual demonstrou dilatação do duto pancreático principal que não havia sido evidenciado na RNM, o que aumentou ainda mais a suspeita de uma lesão periampular. Nesses casos, a punção guiada por ecoendoscopia justamente no local onde ocorre a interrupção dos dutos aumenta a sensibilidade diagnóstica.

O adenocarcinoma de papila duodenal faz parte do grupo de tumores periampulares que surgem nas proximidades da ampola de Vater. A incidência é maior na população com síndromes de Polipose Hereditária. O quadro clínico mais comum é de síndrome colestática obstrutiva associado a dor abdominal, emagrecimento e anemia. Laboratorialmente evidencia-se aumento de bilirrubinas diretas e enzimas caniculares. A avaliação diagnóstica das vias biliares se inicia com USG de abdome, com pouca sensibilidade para visualizar o tumor. A CPRE é indicada para o diagnóstico, permitindo a identificação do tumor, biópsia e descompressão biliar. A ecoendoscopia apresenta importância para detecção e punção de tumores pequenos como também no estadiamento. O tratamento padrão envolve a gastroduodenopancreatectomia e frequentemente associada à quimioterapia adjuvante e radioterapia.

Por ser um diagnóstico raro e de maior complexidade, é fundamental ressaltá-lo precocemente diante de um quadro de colestase obstrutiva, com melhora do prognóstico quando detectado inicialmente.

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Como citar esse artigo?

Cardoso ACFL, Martins BC. Neoplasia periampular sem lesão visível. Endoscopia Terapêutica 2023, vol 1. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/neoplasia-periampular-sem-lesao-visivel/




Gastrectomia Vertical e risco de Esôfago de Barrett

Paciente de 65 anos, masculino, submetido a Gastrectomia Vertical em 2017 para tratamento de Obesidade Mórbida. Perdeu seguimento durante a pandemia do COVID-19, tendo feito somente uma endoscopia de seguimento no primeiro ano de pós-operatório.

Retorna ao ambulatório com sintomas importantes de pirose e regurgitação diários, com impacto na qualidade de vida e tolerância alimentar. Solicitada EDA, com achado de projeção de mucosa colunar, de coloração rosa-salmão no terço distal do esôfago, medindo cerca de 10 mm circunferencialmente. Realizadas biopsias com confirmação de metaplasia colunar intestinal, compatível com diagnostico de Esôfago de Barett.

Apesar de incomum em nosso meio, o diagnóstico de Esôfago de Barrett após GV tem sido cada vez mais reportado na literatura. Uma meta-analise recente demonstrou prevalência de 11,4%, com taxa agrupada de Barrett em pacientes com sintomas de DRGE de 18,2% (IC 95%, 12,4% – 26%). Tal estudo mostrou também que não havia diferença significativa na probabilidade de ter Barrett baseado nos sintomas de DRGE. 

Sendo assim, para realizar o diagnostico precoce de Barrett após Gastrectomia Vertical e manter um acompanhamento clínico e endoscópico adequados, devemos seguir a recomendação da IFSO de realizar endoscopia digestiva alta anualmente em pacientes submetidos a sleeve independente dos sintomas. 

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Referências

  1. Qumseya BJ, Qumsiyeh Y, Ponniah SA, Estores D, Yang D, Johnson-Mann CN, Friedman J, Ayzengart A, Draganov PV. Barrett’s esophagus after sleeve gastrectomy: a systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc. 2021 Feb;93(2):343-352.e2. doi: 10.1016/j.gie.2020.08.008. Epub 2020 Aug 14. PMID: 32798535.
  2. Brown WA, Johari Halim Shah Y, Balalis G, Bashir A, Ramos A, Kow L, Herrera M, Shikora S, Campos GM, Himpens J, Higa K. IFSO Position Statement on the Role of Esophago-Gastro-Duodenal Endoscopy Prior to and after Bariatric and Metabolic Surgery Procedures. Obes Surg. 2020 Aug;30(8):3135-3153. doi: 10.1007/s11695-020-04720-z. PMID: 32472360.

Como citar este artigo

Dantas ACB, Gastrectomia Vertical e risco de Esôfago de Barrett. Gastropedia; 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/gastrectomia-vertical-e-risco-de-esofago-de-barrett




Gastroentero Anastomose Ecoguiada (EUS-GE): tips and tricks

Autores: Matheus Franco, Hugo Guedes, Pedro Victor Aniz.

Introdução

A doença maligna é responsável por cerca de 50% a 80% dos casos de obstrução ao esvaziamento gástrico (gastric outlet obstruction – GOO), sendo o câncer de pâncreas a malignidade associada mais comumente (15% a 20%). Pacientes com GOO podem apresentar piora progressiva com náuseas, vômitos, perda de peso, dor abdominal e desidratação grave. Como os pacientes com GOO secundário a uma malignidade irressecável têm expectativa de vida limitada, o tratamento paliativo prioriza a resolução dos sintomas.

As intervenções paliativas para GOO incluem gastrojejunostomia (GJ) cirúrgica aberta ou laparoscópica, stent duodenal usando stents metálicos autoexpansíveis (SEMS) e gastroenterostomose ecoguiada (EUS-GE).

O uso de stent duodenal está associado a maiores taxas de complicações relacionadas ao stent, como reobstrução e reintervenção em comparação com a GJ cirúrgica.

Desde 2015, a EUS-GE tem sido estudada para o manejo da GOO, emergindo como uma alternativa terapêutica com resultados comparáveis à GJ cirúrgica, porém com os benefícios potenciais por ser uma técnica menos invasiva.

Nesse post temos objetivo de relatar uma série de casos de execução da EUS-GE, com foco no debate da técnica realizada.

Relato de caso

Paciente feminina, 92 anos, com câncer gástrico metastático, com obstrução pilórica, com quadro de náuseas e vômitos incoercíveis.

Após discussão multidisciplinar, optado por paliação dos sintomas com realização de EUS-GE. Vídeo abaixo:

Câncer gástrico com obstrução pilórica
Distensão da alça enteral e enterografia com contraste
Punção ecoguiada de alça enteral próxima ao estômago
Dilatação do lúmen da prótese
EUS-GE com LAMS bem posicionada

Tips and Tricks

Materiais necessários:

  • Hot Axios 20 mm (preferencialmente)
  • Fio-guia teflonado 0.035 in
  • Prótese biliar plástica reta com sistema de liberação 10 Fr (sustentador e empurrador)
  • Overtube de estômago (para casos onde não for possível progredir o empurrador da prótese de 10 Fr)
  • balão dilatador de 15 a 18 mm.
  • bomba de água com soro fisiológico e diluição de 01 ml de índigo carmin
  • equipo de bomba de água e bomba de água.

Intraprocedimento:

EDA e radioscopia:

  • Passar o fio-guia distalmente à lesão obstrutiva e ao ângulo de Treitz.
  • Deixar o fio-guia e passar o sustentador e o empurrador de 10 Fr distalmente à lesão obstrutiva e ao Treitz. Se necessário usar o overtube gástrico para evitar a alça do fio-guia dentro do estômago.
  • Retirar fio-guia e sustentador de prótese biliar de 10 Fr e realizar enterografia com contraste para checar a posição do empurrador pós-obstrução maligna

Ecoendoscopia:

  •  Iniciar distensão da alça de delgado com instilação de SF 0,9% com índigo carmin através da bomba de água conectada ao empurrador da prótese biliar.
  • Com o ecoendoscópio identificar alça enteral adjacente dilatada e com auxílio da radioscopia.
  • Ao identificar a alça enteral (duodeno distal ou jejuno proximal) na região do Treitz em posição estável do aparelho, realizar a punção da alça com a prótese de aposição de lumens (HotAxios, Boston Scientific), em técnica free-hand, à semelhança da técnica para drenagem de pseudocistos pancreáticos.
  • Realizar dilatação da prótese após confirmação do posicionamento correto da prótese, através da visão endoscópica com saída de soro com azul de índigo carmin pela prótese no estômago, e com a radioscopia.

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Referências

Joel Oliveira, Matheus Franco, Gustavo Rodela, Fauze Maluf-Filho, Bruno Martins.  Endoscopic ultrasound-guided gastroenterostomy (gastroenteric anastomosis).  Int J Gastrointest Interv 2022;11:112-118.  https://doi.org/10.18528/ijgii220024




Septotomia para tratamento de fístula bariátrica

Uma das mais graves complicações da cirurgia bariátrica, independente da técnica utilizada, é o desenvolvimento de fístulas. Esta condição está associada à elevada morbimortalidade, gerando grandes expectativas e pressão sobre a equipe cirúrgica.

O tratamento de fístulas deve ser realizado em caráter multidisciplinar para promover as melhores opções possíveis para a recuperação plena do paciente. O controle do foco séptico pode envolver cirurgia, endoscopia e radiologia intervencionista, muitas vezes em associação.

A endoscopia digestiva possui um papel fundamental no suporte ao paciente com fístula após cirurgia bariátrica, devendo ser realizada em todos os pacientes mesmo que não tenha o intuito de tratar a fístula, pois permite avaliar possíveis fatores de risco para persistência ou recidiva (alterações anatômicas, desvio de eixo, estenoses associadas, detecção de drenos dentro do lúmen gástrico etc). 

Diversas técnicas endoscópicas têm sido relatadas para o tratamento de fístulas após cirurgia bariátrica, como a colocação de clips, cola, dilatação, terapia a vácuo, colocação de próteses e estenotomia. (assista a video-aula aqui)

Na estenotomia, objetiva-se a correção de defeito anatômico que predispõe a cronificação da fístula (septo entre fístula e cavidade gástrica), com auxílio de papilótomo de ponta (needle-knife ou similares) ou cateter de argônio. O segundo é utilizado preferencialmente nos casos com importante reação inflamatória e, portanto, maior risco de sangramento. O tratamento deve ser realizado em sessões com um intervalo de no mínimo uma semana, para permitir a cicatrização do tecido e redução da reação inflamatória. É associada com frequência à dilatação com balão de acalásia (5-10 psi) para auxiliar na remodelação da anatomia da bolsa gástrica.

Como citar este artigo:

Ferreira FC. Septotomia para tratamento de fístula bariátrica. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/caso-clinico-septotomia-para-tratamento-de-fistula-bariatrica/

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Ressecção Endoscópica de Neoplasias Gástricas Sincrônicas

Caso Clínico

Paciente com 85 anos, em uso de anticoagulação plena (Eliquis) por histórico FA de alto risco tromboembólico, deu entrada no PS por quadro de melena há 2 dias.

Na avaliação inicial destacava-se: descorado 2+/4+, PA 98 x 56 mmHg, FC 98 bpm. Exames laboratoriais com Hb: 7,6 g/dL.

Solicitado endoscopia digestiva alta na urgência:

Observado da atrofia difusa da mucosa gástrica e lesão polipóide, séssil (Paris 0-Is), medindo 3,0 cm, localizada em parede posterior de corpo médio. Realizada biópsia que evidenciou adenoma com displasia de baixo grau.

Paciente foi tratado clinicamente com suspensão do anticoagulante, IBP, transfusão de hemáceas, sendo posteriormente encaminhado para nosso serviço para realização de ressecção endoscópica por técnica de dissecção submucosa (ESD).

Exame do procedimento

Durante o exame do procedimento, em contexto fora de sangramento agudo, foi observado duas lesões sincrônicas: a lesão polipóide descrita anteriormente e uma lesão plano-elevada (Paris 0-IIa), medindo 3,5 cm, também localizada em corpo proximal pela parede posterior:

Lesão polipóide: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade.
Lesão polipóide: Cromoendoscopia com índigo carmin e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade.

Lesão polipóide: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com criptas vilosas com leve irregularidade
Lesão plano-elevada: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com perda e irregularidade do padrão de criptas.

Lesão plano-elevada: Cromoendoscopia com NBI e magnificação near focus com perda e irregularidade do padrão de criptas e capilar.

Ressecção endoscópica:

Optado por realizar a ressecção adicional em mesmo tempo da segunda lesão neoplásica, também por técnica de dissecção submucosa.

Fechamento do leito de ressecção

Como tratava-se de paciente idoso, com necessidade de retorno da anticoagulação o mais breve possível, optado pelo fechamento dos leitos de ressecção com coroa de endoloop e clipes:

Acompanhamento

Paciente evoluiu bem, com alta hospitalar no dia seguinte.

Resultado de anatomopatológico:

  1. Lesão polipóide: adenoma gástrico do tipo faveolar com diplasia de baixo grau, margens livres
  2. Lesão plano-elevada: adenocarcinoma tubular bem diferenciado intramucoso (invasão da muscular da mucosa), ausência de invasão angiolinfática, e margens livres



CASO CLÍNICO – Achado incidental no PET/TC de lesão de cólon

          Paciente masculino, 69 anos, hipertenso, diabético, dislipidêmico, cardiopata (arritmia cardíaca), além de antecedente de Síndrome de Erdheim Chester (histiocitose de células não-Langerhans) com uso de interferon e prednisona há cerca de um ano.

Paciente vinha bem em acompanhamento ambulatorial e realizou PET/CT de seguimento oncológico que evidenciou aumento da atividade metabólica (SUV: 5,8) no ângulo esplênico do cólon com suspeita de câncer colorretal avançado (Figura 1), sendo sugerido realização de colonoscopia para biópsias e tatuagens pré-operatórias (em planejamento de colectomia).

PET-CT de abdomen

A colonoscopia revelou pólipo séssil de 3 cm (Paris 0-Is) no cólon descendente proximal, junto ao ângulo esplênico, que à cromoscopia com NBI/ índigo carmin e uso da magnificação (near focus, CF-HQ190L, EVIS EXERA III, Olympus) apresentava superfície com leve irregularidade de criptas e vascular (tipo Vi de Kudo e JNET IIB low), cuja as biópsias mostraram adenoma tubular com displasia de alto grau.

Após discussão multidisciplinar com equipe da oncologia e cirurgia, foi optado por ressecção endoscópica por dissecção da submucosa (endoscopic submucosal dissection – ESD). A ESD foi realizada com Knife tipo Flush, injeção submucosa de voluven (6%), em cerca de 90 minutos, sem intercorrências. Paciente evoluiu bem e recebeu alta no dia seguinte com dieta leve. Anatomopatológico da peça mostrou adenoma tubular com displasia de alto grau (com atipias intensas), margens profundas e laterais livres, e ausência de invasão linfovascular. O procedimento foi então considerado curativo.

 

 

CONCLUSÕES

O caso relatado mostra o aumento do acesso e melhora da capacidade diagnóstica dos métodos de imagem, que incidentalmente podem revelar neoplasias colorretais mesmo que em estágios precoces ainda. E, fundamentalmente, demonstra a importância da avaliação com cromoendoscopia com magnificação para definição de condutas nos lesões colorretais.




Caso clínico: Lesão verrucóide em reto distal.

Caso:

Paciente do sexo feminino, 62 anos. Primeira colonoscopia, realizada para rastreamento de câncer colorretal. À retrovisão no reto, nota-se a presença da seguinte lesão:

Foi realizada biópsia da lesão e o anátomo patológico revelou a presença de uma lesão intraepitelial escamosa grau II (alto  grau) associada a alterações citológicas sugestivas de infecção pelo HPV.

Discussão:

A lesão condilomatosa anal é uma doença sexualmente transmissível associada à infecção pelo papiloma vírus humano (HPV) e ocupa a posição de DST mais comum em homens homossexuais jovens.

Embora a infecção possa seguir latente e assintomática, muitos desenvolvem lesões verrucosas genitais ou perianais, com potencial evolução para displasia e malignidade.

O condiloma é um achado frequente na prática da colonoscopia. A apresentação mais comum é a presença de lesões polipoides esbranquiçadas verrucoides e de consistência fibrosa, localizadas junto à linha pectínea, emergindo do canal anal, muitas vezes com extensão até a mucosa retal, podendo também acometer a mucosa retal isoladamente. À magnificação, notam-se capilares espiralados e alongados. Embora seja de identificação relativamente simples, um exame menos cuidadoso do reto distal, preparo inadequado ou mesmo a não realização da retrovisão pode limitar o diagnóstico.

  • Cerca de 12% dos carcinomas de células escamosas do reto estão associados a lesões condilomatosas.

  • São fatores de risco para displasia e carcinoma escamoso anal a prática de coito anal passivo desprotegido, histórico de doença do trato genital mediada pelo HPV, tabagismo, infecção pelo HIV, baixa contagem de CD4 e outras formas de imunossupressão.

A incidência de neoplasia intraepitelial anal (AIN) na população geral não é conhecida, no entanto, não parece ser desprezível mesmo em pacientes sem fatores de risco. Um estudo retrospectivo em uma comunidade relatou uma taxa de detecção de AIN/colonoscopia de 1/261 (95% CI 1/142–1/480) para todas as colonoscopias e 1/163 (95% CI 1/83–1/321) nas mulheres com mais de 40 anos de idade.

  • O exame cuidadoso da borda anal deve ser estimulado e valorizado no treinamento e na prática da colonoscopia, independente da presença de fatores de risco do paciente para lesões do canal anal. 

Exames de rastreamento são uma boa oportunidade para a deteccão incidental de lesões com potencial maligno, ampliando o benefício de programas de rastreamento do câncer colorretal.

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Referências

Forbes CM, McCloskey J, Forbes GM. Opportunistic detection of anal intraepithelial neoplasia at colonoscopy. JGH Open. 2020 Oct 14;4(6):1207-1210. doi: 10.1002/jgh3.12424. PMID: 33319057; PMCID: PMC7731801.

Byars RW, Poole GV, Barber WH. Anal carcinoma arising from condyloma acuminata. Am Surg. 2001;67:469–472