Ecoendoscopia para câncer gástrico: Quando, como e o porquê. Uma análise crítica da utilidade do método.

Atualmente, o câncer gástrico (CG) é o quinto câncer mais diagnosticado e a terceira causa de morte oncológica no mundo.  O estadiamento preciso é imperativo para a escolha do tratamento mais apropriado. A ecoendoscopia (EUS) é o melhor método não cirúrgico disponível para a avaliação da profundidade da invasão do câncer gástrico.

Quando solicitar a ecoendoscopia (indicações)?

  • Avaliação pré-tratamento endoscópico (ESD)

No estômago, a avaliação endoscópica pré-operatória nem sempre consegue predizer com acurácia a profundidade de invasão (diferente do cólon e esôfago, onde temos classificações que guiam a conduta).

Alguns achados endoscópicos sugerem invasão maciça da submucosa: hipertrofia ou convergência de pregas, ulcerações extensas, superfície muito irregular, sinal da não extensão.

Na ausência destes sinais ou na dúvida, a ecoendoscopia pode ser útil. Lembrando que em revisão sistemática, Mocellin & Pasquali encontraram uma sensibilidade de 85% e uma especificidade de 90% para diferenciar T1 (precoce) de T2 (quando a muscular própria está comprometida), sendo a sensibilidade de 87% e uma especificidade bem menor de 75% para a diferenciação de tumores intramucosos (T1a) daqueles com invasão da submucosa (T1b).

Um ponto que vale a pena ressaltar é que a maioria das lesões que teve o estadiamento incorreto de invasão da SM pela EUS era overstaging,  isto é,  eram na verdade lesões intramucosas (T1a).

Figura 1A – Imagem ecoendoscópica com aspecto sugerindo invasão da SM.

Figura 1B – Imagem da EUS da mesma lesão parecendo ser intramucosa.

Peça histológica da ESD comprovou que a lesão era mesmo restrita a mucosa.  Além disto, tradicionalmente, o tratamento endoscópico era restrito as lesões intramucosas, sendo algumas lesões com comprometimento superficial da submucosa (SM1 < 500 micra) consideradas como critério expandido. Entretanto, no último Guideline Japonês, algumas lesões SM1 foram consideradas como indicações relativas (Vide figura 3).

Figura 3

Outro dado importante, publicado recentemente na conceituada revista Nature, é que ESD antes da cirurgia para CG com invasão da SM ≥ 500 micra não prejudicou a sobrevida após cirurgia adicional. “Trocando em miúdos”, se a lesão na endoscopia – parecer superficial; na histologia – bem diferenciado e na ecoendoscopia – não invadir a muscular própria e não tiver linfonodoadenomegalia. Então, propor para o paciente a ressecção endoscópica com a intenção curativa e preservação do órgão, mas deixando claro que de acordo com o estadiamento histológico (invasão maciça da SM e infiltração angiolinfática) poderá ser necessária cirurgia complementar; e que neste caso, a ESD não prejudica em nada os resultados cirúrgicos.

  • Decisão de quimio perioperatória

Desde o estudo MAGIC, a quimioterapia perioperatória (antes e depois da cirurgia) mostrou-se benéfica no aumento da sobrevida para tumores (T ≥ 2, qualquer N e M0) Entretanto, alguns cirurgiões e alguns protocolos institucionais, preferem a cirurgia upfront nos casos T2 N0 M0. Se esta for a estratégia proposta, a EUS pode ser útil. A acurácia da EUS para Estadiamento N varia de 65 a 90%. E a sensibilidade e especificidade entre diferenciar T1-2 de T3-4 é de 86 e 91%, respectivamente.

  • Diagnóstico de metástases não detectadas pela tomografia

EUS tem um papel limitado no diagnóstico de metástases à distância. Entretanto, com uma tomografia negativa, a EUS pode identificar pequenas metástases no lobo esquerdo hepático e ascites neoplásicas de baixo volume mudando a conduta destes casos para tratamento paliativo.

.

NÃO SÃO INDICAÇÕES DE ECOENDOSCOPIA

– Quando o resultado não vai mudar a conduta

– Se lesões metastáticas já foram identificadas a tomografia

– Reestadiamento pós quimio ou radioterapia.

COMO realizar a EUS para o estadiamento do CG.

  • Aparelhos

A maioria dos estudos utilizou aparelhos radiais. Mini-probes com frequência de até 20 MHz podem ser úteis especialmente para o Estadiamento T mas são pouco disponíveis e tem limitação para lesões maiores de 3 cm e para o estadiamento linfonodal. Aparelhos lineares são mais disponíveis e podem ser especialmente úteis para lesão distais, da incisura e da pequena curvatura.  Por vezes, a combinação de aparelho pode permitir um estadiamento mais preciso.

  • Aspecto gerais

Decúbito lateral esquerdo e sedação consciente.

  • Princípios específicos e dicas

Imagens devem ser obtidas perpendiculares e mantendo uma distância de 0,5 -1,0 cm da parede ao probe.

Aspire o ar de todo o estômago, infusão de 200-400 ml de água (cuidado para não broncoaspirar). Comece da parte mais distal e vá puxando o aparelho.

Não existe definição restrita de valores da parede gástrica, mas considere um valor de 2-4 mm e uma relação de 1:1:1 da mucosa, submucosa e muscular própria.

LIMITAÇÕES

  • É um método operador dependente com baixa concordância interobservador.
  • Lesões ulceradas estão associada a overstaging devido à fibrose.
  • Lesões localizadas na cárdia, no fundo, na pequena curvatura, na incisura e próximo ao piloro são mais difíceis de serem examinadas pela EUS.
  • Estadiamento impreciso é mais comum nas lesões indiferenciadas e maiores do que 3 cm.

O porquê de realizar a EUS para estadiamento do CG?

Apesar do último Guideline europeu não recomendar o uso rotineiro da EUS antes da ESD; para indicações precisas, com uma técnica correta, com aparelhos adequados e conhecendo as limitações do método; a EUS é uma ferramenta útil para definir a conduta de muitos casos de CG. Este é um tema controverso, com dados por vezes conflitantes. Mais estudos, com metodologia mais homogênea e com um tratamento endoscópico mais difundido e incluindo os casos com invasão superficial da SM, são desejados para definir com exatidão o papel da EUS na conduta do CG. Algoritmo racional baseado do tratamento do CG com ênfase no papel da EUS está na figura 3.

Figura 3

E você o que acha? Concorda que a ecoendoscopia pode ser útil no estadiamento do câncer gástrico ou acha que não serve para nada? Ou que até atrapalha? Deixe sua opinião nos comentários abaixo

Referências

  1. Kuroki K, Oka S, Tanaka S, Yorita N, Hata K, Kotachi T, et al. Clinical significance of endoscopic ultrasonography in diagnosing invasion depth of early gastric cancer prior to endoscopic submucosal dissection. Gastric Cancer [Internet]. 2021;24(1):145–55. Available from: https://doi.org/10.1007/s10120-020-01100-5
  2. Ono H, Yao K, Fujishiro M, Oda I, Uedo N, Nimura S, et al. Guidelines for endoscopic submucosal dissection and endoscopic mucosal resection for early gastric cancer (second edition). Dig Endosc. 2021;33(1):4–20.
  3. Mocellin S, Pasquali S. Diagnostic accuracy of endoscopic ultrasonography (EUS) for the preoperative locoregional staging of primary gastric cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2015;2015(2).
  4. Ioannis S. Papanikolaoua, Maria Triantafylloua, Konstantinos Triantafylloua, Thomas Röschb. EUS in the management of gastric cancer. Ann Gastroenterol. 2011;24(1):9–15.
  5. Kuroki K, Oka S, Tanaka S, Yorita N, Hata K, Kotachi T, et al. Preceding endoscopic submucosal dissection in submucosal invasive gastric cancer patients does not impact clinical outcomes. Sci Rep [Internet]. 2021;11(1):1–9. Available from: https://doi.org/10.1038/s41598-020-79696-y
  6. Pei Q, Wang L, Pan J, Ling T, Lv Y, Zou X. Endoscopic ultrasonography for staging depth of invasion in early gastric cancer: A meta-analysis. J Gastroenterol Hepatol. 2015;30(11):1566–73.
  7. Pimentel-Nunes P, Libânio D, Bastiaansen BAJ, Bhandari P, Bisschops R, Bourke MJ, et al. Endoscopic submucosal dissection for superficial gastrointestinal lesions: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline – Update 2022. Endoscopy. 2022;591–622.
  8. Moura RN. Você sabe quais os critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura)? Endoscopia Terapêutica; 2022.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/criterios-esd-gastrico-ecura
  9. National Comprehensive Cancer Network – Clinical Practice Guidelines in Oncology – Version 2.2022 Gastric Cancer January 2022



CPRE com sistema troca rápida: menor tempo e menor taxa de complicações.

Cenas que, infelizmente, você já viu antes:

  • fio-guia no chão durante um procedimento difícil;
  • assistente pouco experiente com dificuldade na coordenação do manejo do fio-guia;
  • perda da canulação na troca acessórios.

Para solucionar este tipo de situação, foram desenvolvidas plataformas com fios-guia curtos que permitem uma troca rápida dos acessórios, tornando as CPREs mais seguras e rápidas.

Nesta publicação vamos explorar suas vantagens, funcionalidades e formas de uso.

 

Evolução da endoscopia biliopancreática

A técnica e os acessórios da colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) evoluíram progressivamente ao longo das últimas décadas. Percebeu-se que a melhor opção para a canulação é usar o papilótomo. Posteriormente, ficou claro que a cateterização seletiva com o fio-guia é mais eficaz. Contudo, a manipulação do fio-guia pela técnica tradicional é pouco prática e implica em algumas dificuldades como as citadas no início do texto. Além disso, não diminui a incidência de pancreatite pós CPRE em relação às demais técnicas de canulação(1).

O fio-guia hidrofílico tradicionalmente utilizado na CPRE possui comprimento entre 420 e 480cm, sendo bastante longo para permitir a troca de acessórios “over the wire”. Neste processo, não é raro a perda acidental da canulação ou queda de parte do fio no chão. A necessidade de um excelente grau de comunicação com o auxiliar também pode gerar dificuldade durante o acesso papilar. Enquanto o endoscopista ajusta a posição do endoscópio e do cateter, o assistente fica responsável pela manopla do papilótomo e pelo avanço do fio-guia. A forma como este avanço é feito traumatiza a papila em maior ou menor grau, implicando diretamente no índice de pancreatite pós CPER.(2

 

(Vídeo 1: Removendo o papilótomo tradicional com fio-guia de 450cm. Observem o contraste com os vídeos subsequentes)

 

Visando otimizar as manobras do procedimento, surgiu a ideia de um sistema com fio-guia de manipulação mais fácil e rápida. Este sistema possui três pilares: fio-guia curto (185 a 270 cm), acessórios que permitam troca sobre o fio-guia curto e uma de trava para fixar o guia. O primeiro sistema nesta plataforma foi introduzido no mercado em 1999 pela Boston Scientific o sistema RX. Posteriormente, a Cook em 2004 e a Olympus em 2005, lançaram suas próprias plataformas. (2) Atualmente vários fabricantes como Mediglobe e MI Tech também aderiram ao sistema baseado no fio-guia curto, mas a importação para o Brasil não é universal entre os fornecedores.

 

(Vídeo 2: Montando o dispositivo de trava + deixando o papilótomo com fio-guia curto prontos para a cateterização)

 

Vantagens

    • Índice de Complicações

A intensidade do trauma à papila durante as tentativas de canulação biliar está diretamente relacionado ao índice de pancreatite pós-CPER. Nos papilótomos com fio-guia curto, o endoscopista controla pessoalmente o avanço do guia, permitindo uma coordenação precisa com a movimentação do aparelho e do papilótomo. O endoscopista também recebe o feedback táctil do fio-guia que não é possível na técnica tradicional. Tal característica permite decisões mais precisas quanto à direção, à força utilizada e à resistência mecânica presente contra o avanço do guia.

Um estudo prospectivo randomizado comparando a linha de troca rápida RX da Boston Scientific com a linha padrão do mesmo fabricante obteve um resultado bastante impactante. A amostra planejada de 500 pacientes precisou ser encerrada precocemente em 216 casos devido à significante diferença de eventos adversos com implicações de segurança para o grupo controle. O índice de complicação foi quatro vezes menor (2,8% versus 11,2%) no grupo de pacientes abordados com a linha de troca rápida RX. (3)

 

(Vídeo 3: O endoscopista controla o papilótomo e o fio-guia. Após a cateterização, a remoção do papilótomo é simples, rápida e segura.)

 

  • Tempo de Procedimento e exposição à radiação

O tempo de procedimento também é significativamente menor com os acessórios de troca rápida. O fio-guia curto travado permite uma troca rápida e segura sem a necessidade de ações sincronizadas entre o endoscopista e seu assistente. O método reduz o tempo de procedimento ente 25 a 60%. A exposição à radiação também é significativamente reduzida com menos no tempo de uso da radioscopia.(4)

 

CONCLUSÃO

Diante dos melhores resultados, a migração para o sistema de troca rápida em grande parte dos países foi expressiva. Essa evolução ficou bem ilustrada em estudo tcheco que mostrou uma progressão de zero para 98% dos procedimentos usando a troca rápida em um período de quatro anos em 1506 pacientes(5). Atualmente, 90% dos endoscopistas norte americanos usam troca rápida.

O uso da técnica tradicional de CPRE com fio-guia longo ainda é bastante prevalente no Brasil. A exposição de um maior número de endoscopistas brasileiros ao sistema de troca rápida provavelmente impactará favoravelmente nas CPREs. Mais estudos em nosso país são garantidos.

 

BIBLIOGRAFIA

  1. Bailey AA, Bourke MJ, Williams SJ, Walsh PR, Murray MA, Lee EYT, et al. A prospective randomized trial of cannulation technique in ERCP : effects on technical success and post − ERCP pancreatitis. 2008;296–301.
  2. Reddy SC, Draganov P V. ERCP wire systems: The long and the short of it. World J Gastroenterol. 2009;15(1):55–60.
  3. Buxbaum J, Leonor P, Tung J, Lane C, Sahakian A, Laine L. Randomized Trial of Endoscopist-Controlled vs. Assistant-Controlled Wire-Guided Cannulation of the Bile Duct. Am J Gastroenterol [Internet]. 2016;111(12):1841–7. Available from: http://dx.doi.org/10.1038/ajg.2016.268
  4. Technology Status Evaluation Report, Report E. Short-wire ERCP systems. 2007;66(4).
  5. Maceček J, Staňka B,  Konvička P. Hybrid short-wire ERCP technique, five years of experience. Gastroent Hepatol 2021; 75(3): 200–206.



Relembrando os padrões IPCL de esôfago e sua relação com câncer .

Neste vídeo vamos relembrar os padrões dos capilares intrapapilares (IPCLs) através da endoscopia com magnificação e NBI,  e a relação destes padrões com o câncer de esófago, de uma forma rápida e simples.

 

 

Quer saber mais? Veja nosso post sobre o Padrão IPCL.




Avaliação endoscópica da  Úlcera Péptica

 

Definição:

A úlcera péptica é definida como defeito na parede gástrica ou duodenal que se estende através da muscular da mucosa para a submucosa podendo atingir ou até perfurar  a muscular própria. 1 Quando a ruptura da mucosa é superficial e menor do que 5 mm, é chamada de erosão. 2

 

 

Figura 1: A) Erosões gástricas.  B) Úlcera com fundo fibrinoso limpo na parede anterior do antro gástrico.

 

Esta patologia está associada geralmente à dor epigástrica periódica que pode se manifestar 2-5 horas após as refeições e algumas vezes até com o estômago vazio. 3  Além dos sintomas dispépticos, a úlcera péptica pode evoluir com complicações como sangramento, anemia, perfuração e obstrução da saída gástrica. 1 

O sítio de preferência das úlceras gástricas benignas é a curvatura menor (incisura); no entanto, eles podem ocorrer em qualquer local do piloro à cárdia. A localização típica da úlcera duodenal é no bulbo, onde o conteúdo ácido do estômago tem seu primeiro contato com o intestino delgado.

 

 

Figura 2: A) Úlcera gástrica pré pilórica.  B) Úlcera com vaso visível na parede anterior da porção justapilórica do bulbo duodenal.

 

 

 

Um ambiente de hipersecreção ácida e fatores dietéticos ou de estresse estão relacionados ao desenvolvimento de úlceras pépticas. Porém, os fatores de risco mais importantes são a  infecção pelo Helicobacter pylori e o uso de anti inflamatórios não esteroides (AINEs). Estes fatores aumentam de forma independente e sinérgica o risco de doença ulcerosa péptica. 4

 

Comparado com não usuários, o uso de AINEs e aspirina aumentam o risco de complicações da úlcera péptica em quatro vezes em usuários de AINE e em duas vezes em usuários de aspirina. 5  Além disso, o uso concomitante de AINEs ou aspirina com inibidores seletivos de recaptação de serotonina, corticosteróides, antagonistas da aldosterona ou anticoagulantes também aumentaram o risco de hemorragia digestiva alta por úlcera péptica.6 Os esteroides, bisfosfonatos, cloreto de potássio, agentes quimioterápicos também estão associados ao desenvolvimento de úlceras gastroduodenais. 3

 

Outras etiologias menos frequentes são o estado hipersecretório ácido (síndrome de Zollinger-Ellison), úlcera da anastomose após ressecção gástrica subtotal, tumores (adenocarcinoma, linfoma), doença de Crohn do estômago ou duodeno, gastroduodenite eosinofílica, mastocitose sistêmica, danos por radiação, infecções virais (citomegalovírus ou herpes simples), colonização do estômago por Helicobacter heilmanii, doença sistêmica grave (cirrose, insuficiência renal), úlcera de Cameron e úlcera idiopática verdadeira. 2,3

 

Diagnóstico e Classificação

A endoscopia digestiva alta tem mais de 90% de sensibilidade e especificidade no diagnóstico da úlcera e do câncer gastroduodenal além de permitir a realização de  biópsias quando necessário. 3

A classificação de Sakita (Tabela 1 e Figura 3) é geralmente utilizada para determinar o estágio de atividade da úlcera. Ela se divide em estagio ativo (A), cicatrização (H) e cicatrizado (S)7. Além disso, cada estágio é subdividido em duas categorias: precoces (1) e tardios (2).

Tabela 1 – Classificação de Sakita

Estágio Descrição
A1 (ativo) Base com fibrina espessa, podendo ter hematina. Bordas elevadas e enantematosas.
A2 (ativo) Bordas menos elevadas. Fundo com fibrina clara. Discreta convergência das pregas.
H1 (cicatrização) Depósito central de fibrina fina com convergência de pregas.
H2 (cicatrização) Fina camada de fibrina na base. Ilhas de tecido de regeneração, com convergência de pregas.
S1 (cicatriz) Convergência das pregas. Formação de cicatriz vermelha.
S2 (cicatriz) Cicatriz branca com retração adjacente.

 

 

Figura 3: A) Úlcera ativa com fundo sujo – Sakita A1. B) Úlcera ativa com fundo limpo – Sakita A2. C) Úlcera em fase inicial de cicatrização – Sakita H1. D) Úlcera em fase avançada de cicatrização – Sakita H2.  E) Cicatriz avermelhada recente – Sakita S1.  F) Cicatriz branca, indicando retração antiga – Sakita S2.

 

Avaliação endoscópica das úlceras gastroduodenais

Durante o exame endoscópico de um paciente com doença ulcerosa péptica é importante avaliar se fatores de risco para o câncer gástrico estão presentes na mucosa, como pangastrite associada a Helicobacter pylori, atrofia ou metaplasia intestinal (Figura 4). Se o aspecto da mucosa gástrica é normal, sem nenhum dos fatores de risco mencionados, as lesões suspeitas de câncer gástrico são menos prováveis. A observação endoscópica magnificada e a cromoscopia convencional ou eletrônica (NBI, FICE ou I-Scan) se disponíveis, são úteis para determinar a presença destas alterações e também avaliar sinais suspeitos de malignidade. 8

 

 

Figura 4: Atrofia da mucosa do corpo gástrico e metaplasia intestinal na região pré pilórica.

 

A acurácia da avaliação endoscópica para determinar a malignidade pode ser muito boa mesmo utilizando apenas luz branca convencional. As principais características das úlceras vistas na endoscopia que se associam com malignidade são a presença de massa adjacente, base suja, bordas elevadas e irregulares, tamanho maior do que 3 cm e localização no cárdia e corpo gástrico (Tabela 2 e Figura 5).

 

Tabela 2 : Sinais endoscópicos que podem estar associados à úlceras malignas

Fundo sujo e com necrose
Bordas elevadas
Bordas irregulares
Tamanho maior de 3cm
Presença de massa associada
Localização no corpo ou cardia
Lesões ulceradas múltiplas

 

Figura 5. A) Extensa lesão ulcerada com bordas elevadas, irregulares e fundo sujo, localizada no corpo gástrico. AP: Adenocarcinoma. B) Grande lesão elevada subepitelial, com ulcerações. AP:GIST. C) Várias lesões elevadas entremeadas por áreas ulceradas com fibrina. AP: Sarcoma de Kaposi. D) Lesão ulcerada no corpo gástrico com bordas elevadas e irregulares, associada à retração de pregas. AP: adenocarcionoma.

 

 

Biópsias para pesquisa de H. pylori

A realização de biópsias para pesquisa de H. pylori é mandatória em todos os pacientes com úlcera péptica.   O ideal é pesquisar pelo método da urease e associar também biópsias para avaliação histológica.   A avaliação histológica aumenta a sensibilidade do diagnóstico, principalmente em pacientes em uso de IBP, com sangramento e em uso de antibióticos.

As biópsias devem seguir o protocolo de Sydney, duas no antro (a 3 cm do piloro), uma da incisura angularis e duas do corpo (parede anterior e posterior a 8 cm do cárdia).

 

Todas as úlceras devem ser biopsiadas?

Segundo o guideline da ASGE a indicação de biopsiar ou não as úlceras gástricas deve ser individualizado. Quando a aparência endoscópica de uma úlcera gástrica é sugestiva de malignidade devido a características específicas como lesão com massa associada, úlcera irregular de bordas elevadas e retração de pregas mucosas adjacentes, as biópsias endoscópicas devem ser realizadas. 1  Já as úlceras de aspecto benigno, em pacientes jovens em uso de AAS ou com H. pylori positivo podem não ser biopsiadas.

Úlceras duodenais não precisam ser biopsiadas rotineiramente.

Quando as biópsias forem realizadas, devem ser coletados no mínimo 5 fragmentos incluindo bordas nos quatro quadrantes e fundo da úlcera.

A exceção a essa regra são as lesões onde se suspeita de neoplasia precoce. Nestes casos o número de biópsias deve ser reduzido e dirigido pela cromoscopia ou magnificação.

 

Vigilância.  É necessário repetir a endoscopia após o tratamento?

A vigilância é indicada devido a algumas úlceras gástricas malignas se apresentarem inicialmente com aspecto muito semelhante à ulcera péptica.

Deve-se realizar a endoscopia de controle em 8-12 semanas após o tratamento das úlceras gástricas com IBP e erradicação da bactéria H. pylori.

Em pacientes jovens, com úlceras relacionadas ao uso de AINEs, com biópsias benignas, H. pylori negativo e melhora completa dos sintomas o controle endoscópico pode ser dispensado.

As úlceras duodenais só necessitam controle endoscópico se houver persistência dos sintomas.

 

 

Bibliografia:

  1. Banerjee S, Cash BD, Dominitz JA, et al; ASGE Standards of Practice Committee. The role of endoscopy in the management of patients with peptic ulcer disease. Gastrointest Endosc. 2010 Apr;71(4):663-8
  2. Malfertheiner, P., Chan, F. K., & McColl, K. E. (2009). Peptic ulcer disease. The Lancet, 374(9699), 1449–1461.
  3. Ramakrishnan K, Salinas RC. Peptic ulcer disease. Am Fam Physician. 2007 Oct 1;76(7):1005-12
  4. Huang, J.-Q., Sridhar, S., & Hunt, R. H. (2002). Role of Helicobacter pylori infection and non-steroidal anti-inflammatory drugs in peptic-ulcer disease: a meta-analysis. The Lancet, 359(9300), 14–22. doi:10.1016/s0140-6736(02)07273-2.
  5. Lanas, A., & Chan, F. K. L. (2017). Peptic ulcer disease. The Lancet, 390(10094), 613–624. doi:10.1016/s0140-6736(16)32404-7
  6. Masclee GM, Valkhoff VE, Coloma PM, et al. Risk of upper gastrointestinal bleeding from different drug combinations. Gastroenterology 2014; 147: 784−92.
  7. Sakita T, Omori K. The course of gastric ulcer. Nippon Rinsho 1964; 22: 9.
  8. Yao K, Anagnostopoulos GK, Ragunath K. Magnifying endoscopy for diagnosing and delineating early gastric cancer. Endoscopy. 2009;41:462–467.



“Minority report” endoscópico. Manejo da acalásia de acordo com os achados da manometria de alta resolução. Revisão de conceitos em forma de mapa mental

Será que a aplicação dos novos conceitos da Classificação de Chicago  pode predizer o destino dos pacientes portadores de acalásia? Qualquer semelhança com o famoso filme pode não ser mera coincidência….

A manometria de alta resolução trouxe uma verdadeira revolução no diagnóstico dos transtornos da motilidade esofágica, tornando possível produzir uma espécie de mapa topográfico do peristaltismo esofágico, atribuindo cores para diferentes níveis de amplitude no esôfago e, dessa maneira, classificando a acalásia.

O objetivo do tratamento da acalásia é promover alívio da resistência na JEG (junção esôfagogástrica) e melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Não é possível reverter ou reabiliatr o distúrbio de contratilidade. Neste contexto conhecer o subtipo de acalásia além de melhorar nosso conhecimento em relação à doença, permite traçar uma estratégia de tratamento mais “personalizada” para cada caso.

Vários estudos têm demosntrado a equivalência entre a cirurgia de Heller, POEM e Dilatação Pneumática como modalidades terapêuticas. A escolha deve ser guiada pelas condições clínicas do paciente, expertise da equipe  e pelos achados da manometria de alta resolução, que são considerados os melhores preditores de resultado do tratamento.

A tabela à seguir mostra as modalidades para tratamento da acalásia disponíveis, suas vantagens e desvantagens.

 

TABELA. Modalidades de tratamento para Acalásia

O presente post mostra conceitos da Manometria de Alta Resolução e aponta as opções terapêuticas que podem ser adotadas para cada subtipo de acalásia. No final da leitura teremos um resumo em forma de mapa mental.

 

Inicialmente vale a pena resgatar alguns conceitos e tópicos importante relacionados ao manejo da acalásia:

  • Acalásia vem do grego a-Khalasis e significa perda do relaxamento. Caracteriza-se por um esfincter esofágico inferior espástico, que não relaxa e por uma perda da peristalse esofágica. É considerada uma doença rara, com incidência mundial estimada em 0.03 a 1.63 casos / 100 000 hab / ano e uma prevalência de 10 casos / 100 000 hab.
  • A Classificação de Chicago foi conceituada como uma abordagem padronizada para a interpretação de estudos clínicos de manometria de alta resolução. Ao adotar uma nomenclatura padronizada, métricas objetivas e uma estrutura baseada em princípios fisiológicos. A última revisão (versão 4.0) foi publicada em 2021. Em relação aos três subtipos de acalásia, os conceitos permanecem os mesmos da versão anterior (3.0, de 2015). Apesar disso ainda há muita dúvida em relação a qual conduta tomar frente aos achados da manometria em um pacientes portadores de acalásia na nossa prática diária.
  • Acalásia é definida quando temos IRP elevado e falha em 100% das contrações peristálticas. O achado de panpressurização esofágica define a acalasia tipo II. Em casos de acalasia tipo III temos além da elevação do IRP, as chamadas contrações prematuras (espasmos) definidas por DL < 4,5s e DCI > 450 mmHg.s.cm em mais de 20% das deglutições.
  • Obstrução ao fluxo da junção esofagogástrica: é uma condição que pode evoluir para acalásia ou representar uma espécie de variante da acalasia. Normalmente se relaciona a condições mais benignas e uso de opioides, compressões mecânicas, lesões subepiteliais, esofagite eosinofílica dentre outros. O diagnóstico ocorre quando a IRP está alterada, mas o paciente possui contrações peristálticas.
  • Motilidade esofágica ineficaz e esôfago hipercontrátil são outras condições que são descritas pela Manometria de Alta Resolução e não estão relacionadas com a acalásia. A Motilidade esofágica ineficaz é definida quando temos mais de 70% das contrações ineficazes ou fragmentadas.  Esôfago hipercontrátil ocorre quando temos mais de 20% das deglutições hipercontráteis. O Jackhammer (esôfago em britadeira) é considerado um subtipo de esôfago hipercontrátil, com contrações prolongadas repetitivas, deglutições hipercontráteis de pico único e deglutições hipercontráteis com uma vigorosa pós-contração do esfíncter inferior do esôfago.
  • Escore de Eckardt: apesar de ser amplamente usado na avaliação clínica dos pacientes, seu uso na avaliação pós tratamento ainda não é completamente validado, provavelmente pela subjetividade na descrição dos sintomas. De toda forma vários autores consideram que um escore de Eckardt > 3 ou uma redução de sintomas relatados < 50% são considerados falhas terapêuticas.

 

Agora que revisamos todos os conceitos importantes, segue um resumo do post em forma de mapa mental, um verdadeiro Minority Report da acalásia.

 

 

REFERÊNCIAS:

  1. Yadlapati R, Kahrilas PJ, Fox MR, Bredenoord AJ, Prakash Gyawali C, Roman S, et al. Esophageal motility disorders on high-resolution manometry: Chicago classification version 4.0©. Neurogastroenterol Motil 2021; 33(1):e14058. https://doi.org/10.1111/nmo.14058.
  2. Richter JE. Chicago Classification Version 4.0 and Its Impact on Current Clinical Practice. Gastroenterology & Hepatology 2021; 17(10): 468475.
  3. Herbella FAM, Schlottmann F and Patti MG. Pitfalls in the Interpretation of Chicago Classification for Esophageal Motility Disorders. J Neurogastroenterol Motil, 2021; 27(4): 513-7. https://doi.org/10.5056/jnm20058
  4. Mari A, Baker, FA, Pellicano R and Khoury T. Diagnosis and Management of Achalasia: Updates of the Last Two Years. J. Clin. Med. 2021, 10, 3607. https://doi.org/10.3390/jcm10163607.
  5. Swanstöm L. Achalasia; treatment, current status and future advances.  Korean J Intern Med 2019; 34:1173-1180. https://doi.org/10.3904/kjim.2018.439.

 

 




Baveno VII: O que há de novo (entre 2015 e 2021)?

Histórico :

A condução da hipertensão portal (HP) é a motivação principal para reuniões sequenciais, desde 1986, na Holanda e, desde 1990, em Baveno, Itália (Baveno I). Em 2016, formou-se a Cooperação Baveno, com objetivo de expandir a colaboração com especialistas e pesquisadores do tema e, em 2019, a parceria entre Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL) apoiou como consórcio oficial da EASL. É notório que as reuniões têm ampliado cada vez mais as perspectivas do cuidado ao paciente com síndrome de hipertensão portal, definindo eventos-chave, revisando rigorosamente as evidências científicas sobre a história natural, diagnóstico, prognóstico e terapêutica, gerando recomendações para orientar o manejo de pacientes, além de agenda de estudos científicos. No Baveno VI, o conceito de doença hepática crônica avançada compensada foi sugerido com base em testes não invasivos, uma vez que o termo “cirrose” poderia limitar o espectro da avaliação da patologia. Extrapolando essa análise, o Baveno VII, intitulado “Cuidados Personalizados da Hipertensão Portal”, versou sobre pacientes com doença hepática crônica avançada e os dois estágios possíveis, com e sem hipertensão portal clinicamente significante (HPCS)(1). O conceito de (re)compensação e seus parâmetros foram, pela primeira vez, introduzidos na discussão, baseados em critérios clínicos e parâmetros não-invasivos.

Medida da Hipertensão Portal  e definições:

A medida do gradiente de pressão portal foi ratificada como padrão-ouro para avaliar HP, sendo o melhor parâmetro a medida do gradiente de pressão da veia hepática (GPVH). Parâmetros para realização da medida invasiva do GPVH foram estabelecidos, buscando minimizar erros. Foi orientado uso de cateter de oclusão de balão compatível com orifício na extremidade ao invés de cateter reto convencional, para reduzir o erro aleatório das medições da pressão da veia hepática em cunha (A.1); sugeriu-se injetar pequeno volume de contraste ao inflar o balão de oclusão para confirmar a posição e afastar a presença de shunts, os quais levariam a subestimar medidas do gradiente de pressão (A.1). A sedação leve e consciente também foi recomendada, no intuito de impedir medidas subestimadas de pressão portal associadas à sedação profunda (B.1); com sugestão de uso de Midazolam em baixa dose (0,02 mg/kg) por não modificar o HVPG (B.1).

Orientações para mensurar a pressão de oclusão da veia hepática foram feitas, recomendando-se período de estabilização mínima de um minuto, além de registro em triplicata (D,1). Quanto à pressão da veia hepática livre (FHVP), recomendou-se medida na veia hepática (VH), dentro de 2-3 cm da confluência VH-veia cava inferior (VCI). Se a FHVP estiver mais de 2 mmHg acima das pressões da VCI, a presença de obstrução do fluxo da veia hepática deve ser descartada com a injeção de uma pequena quantidade de meio de contraste (A.1). Estas e outras orientações para padronizar métodos e ajudar a reduzir erros foram abordadas e fazem sentido discutir com equipes de hemodinâmica.

A HPCS é definida como GPVH ≥10 mmHg (A.1), porém, em caso de pacientes com colangite biliar primária, com componente pré-sinusoidal adicional, o GPVH pode subestimar gravidade da HP (B.1). Já em cirrose por NASH, chamou-se atenção que os sinais de HPCS também podem estar presentes em uma pequena proporção de pacientes com valores inferiores a 10mmHg (C.2) e, sempre que for observado doença hepática crônica e sinais clínicos de hipertensão portal, mas com GPVH <10 mmHg, a doença vascular porto-sinusoidal deve ser descartada (B.1).

Embora o conceito de HPCS seja orientado por medidas invasivas, os testes não-invasivos têm sido apontados como suficientemente precisos para estimá-la na prática clínica (A.1), sobretudo se associados às manifestações clínicas e laboratoriais. Na tabela 1 seguem recomendações para estimativas de HPCS baseada em medida da rigidez hepática (LSM) por elastografia transitória (TE) e nível sérico de plaquetas. A medida da elastografia esplênica foi recomendada, quando possível, como ferramenta para identificar risco de HPCS e varizes com risco de hemorragia digestiva alta (HDA, em pacientes com hepatites B e C).

Tabela 1

Neste consenso, a LSM (independentemente da técnica utilizada) é identificada como ferramenta de avaliação de prognóstico e seguimento em pacientes com doença crônica hepática avançada (A.1). Sugere-se utilizar a “regra dos cinco”, baseada na elastografia transitória (LSM-TE) para identificar riscos relativos de descompensação e morte, independentemente da etiologia da doença hepática crônica (B.1) (Figura 1). Nesta regra, LSM < 5kPa é considerada normal, se menor de 10kPa exclui doença crônica avançada; LSM < 15kPA e plaquetas > 150mil exclui HPCS; bem como persiste válido o critério do Baveno VI para postergar a endoscopia, com níveis de plaquetas superiores a 150mil associado a LSM < 20kPa.

Figura 1

Um ponto interessante foi o monitoramento de pacientes utilizando o LSM-TE, onde sugere-se que pacientes com valores entre 7-10 kPa sejam monitorados quanto às alterações que indiquem progressão da doença crônica parenquimatosa do fígado (DCPF) (C.2). O TE pode ter resultados falso-positivos, portanto LSM ≥10 kPa deve ser repetido em jejum ou associados aos marcadores séricos de fibrose (FIB-4 ≥2,67, ELF ≥9,8, FibroTest ≥ 0,58 para álcool/vírus, FibroTest≥0,48 para NAFLD) para ratificar seus achados (B.2). No geral, recomenda-se checar LSM anualmente para seguimento da DCPF e, se detectada diminuição clinicamente significativa nos valores (redução ≥20% em pacientes com LSM <20 kPa ou qualquer diminuição para LSM <10 kPa), tem-se um risco reduzido de descompensação e morte (C.2).

O Baveno VII introduziu a possibilidade da elastografia esplênica (SSM) como instrumento para identificar HPCS e varizes esofágicas com risco de sangramento em pacientes com hepatites B e C.  Aqueles que não preenchem critérios do Baveno VI para evitar a endoscopia digestiva, checar se SSM<40kPa por TE é uma possibilidade, a fim de identificar aqueles com de baixa probabilidade de varizes com risco e postergar a EDA (C;2). Este tópico merece discussão, dado que a medida da elastografia do baço requer mais evidências, além de estabelecer qual melhor técnica e os pontos de corte a serem utilizados. Contudo, progredirmos com exames de imagem multiparamétricos, com associando informações úteis sobre diagnóstico e prognóstico parece ser algo interessante e que pode aumentar a precisão dos métodos.

Ainda sobre prognóstico, muito pouco se falou sobre o risco cirúrgico em pacientes com HPCS no Baveno VII, a despeito de algumas evidências obtidas ao longo dos anos. Considerou-se que HPCS (GPVH ≥10 mmHg ou evidências clínicas) está associada a maior risco de descompensação e mortalidade em pacientes com DCPF submetidos à ressecção hepática devido carcinoma hepatocelular (A.1) e que, em candidatos à cirurgia abdominal não-hepática, o GPVH ≥16 mmHg está associado ao aumento do risco de mortalidade a curto prazo no pós-operatório (C.1). Critérios prognósticos como Child-Pugh ou MELD não foram considerados nestas afirmações, nem o tipo de complexidade de outros procedimentos cirúrgicos.

Impacto do tratamento etiológico na HPCS:

Após os antivirais de ação direta no tratamento da hepatite C, foi possível avaliar melhor o impacto da ausência de fatores etiológicos em pacientes com doença hepática crônica. Conforme o Baveno, pacientes com DCPF induzida por HCV que atingiram RVS e mostraram melhora, pós-tratamento, consistentes com valores de LSM <12kPa e plaquetas >150mil poderiam receber alta da vigilância da hipertensão portal (LSM e endoscopia), por não apresentarem HPCS e risco baixíssimo de descompensação; contudo, a vigilância do carcinoma hepatocelular permaneceria até mais dados disponíveis (B.1). Acrescenta-se ainda que, em pacientes com DCPF compensada e em terapia com betabloqueadores não-seletivos (BBNS) e sem HPCS (LSM <25kPa), após a remoção/supressão do fator etiológico primário, a endoscopia deveria ser repetida após 1-2 anos; e, na ausência de varizes, a terapia com BBNS seria descontinuada (C.2). Ao longo dos últimos anos aprendemos que os BBNS não só estavam associados às menores chances de sangramento varicoso, mas também a menos descompensação das doenças hepáticas. Com evidência C.2, será que estamos seguros para suspender o BBNS baseado nas evidências atuais? O Baveno coloca uma agenda de pesquisa onde o impacto da remoção dos fatores etiológicos primários não-virais e estratificação de risco em longo prazo seja avaliado, o que pode nos trazer algumas respostas.

Em revisão sistemática e metanálise, o uso de estatinas reduziu em 46% o risco de descompensação hepática e mortalidade por todas as causas, além de 27% menos risco de progressão de hipertensão portal.(2) Baseado em dados como estes, o uso de estatinas foi incentivado em pacientes com indicação formal além da com HPCS, devido ação na redução da pressão portal (A.1) e melhora na sobrevida global (B.1). Em pacientes com cirrose Child-Pugh B e C, as estatinas devem ser usadas em dose mais baixa (sinvastatina no máximo 20mg/d) e os pacientes devem ser acompanhados de perto para toxicidade muscular e hepática (A,1). Na cirrose Child-Pugh C, o benefício das estatinas ainda não foi comprovado (D.1).

Existe razão inversa entre o risco de carcinoma hepatocelular (CHC), mortalidade e a duração do uso de Aspirina: 31% menor risco de CHC, 27% menos mortalidade entre os usuários de Aspirina e sem aumento do risco de sangramento gastrointestinal (7.8% AAS e sem-AAS 6.9%)(3). Conforme recomendações do Baveno VII, o uso da Aspirina não deve ser desencorajado em pacientes com cirrose e indicação aprovada para aspirina, pois pode reduzir o risco de carcinoma hepatocelular, complicações relacionadas ao fígado e morte (B.2). Estudos apontam que aspirina pós-TIPS aumenta sobrevida pós-transplante.

A profilaxia antibiótica primária é recomendada em pacientes selecionados com alto risco de peritonite bacteriana espontânea (hemorragia GI, Child-Pugh C com proteína baixa no liquido ascítico) (B.1).  A profilaxia antibiótica secundária é indicada em pacientes com peritonite bacteriana espontânea (PBE) prévia (A.1) O perfil de resistência local deve ser considerado para escolher o antibiótico, a despeito da recomendação usual de cefalosporina de terceira geração.

A rifaximina, na dose de 550mg, via oral, 2 vezes ao dia, é indicada para a profilaxia secundária da encefalopatia hepática (A,1) e deve ser considerada para profilaxia e tratamento de encefalopatia hepática em pacientes submetidos a TIPS (B.2). A rifaximina não é indicada para profilaxia primária ou secundária de PBE. (C.1)

Um tema controverso foi a administração de albumina a longo prazo em pacientes com cirrose descompensada. Estudo demostrou redução de 38% na mortalidade no grupo que usou albumina prolongada e redução das complicações; contudo trials com objetivos similares apresentaram resultados negativos, também com número e perfil de pacientes selecionados diferentes, além de posologias e tempo de seguimento também não comparáveis. Mesmo assim, albumina prolongada foi recomendada, acreditando-se na redução de complicações e melhora da sobrevida livre de transplante hepático em pacientes com ascite não complicada, a despeito de necessitar de mais dados para avaliação (B.2). A administração de albumina em curto prazo persiste indicada para PBE (A,1), Lesão Renal Aguda > estágio 1A (C.1), paracentese de grande volume (A.1) e Síndrome Hepatorrenal-LRA (combinado com terlipressina) (B.1).

Prevenção da primeira descompensação:

O objetivo do tratamento na doença crônica avançada compensada é prevenir as complicações que definem a descompensação. (A.1) A definição de descompensação foi esclarecida neste consenso, sendo os eventos que marcam a sua presença:  ascite evidente (ou derrame pleural com GASA aumentado (> 1,1 g/dL), encefalopatia hepática (West Haven≥ 2) e sangramento de varizes (B.1); devendo ser consideradas condições como ACLF, carcinoma hepatocelular (B1), infecções bacterianas e  cirurgia de grande porte (B.1).

Ainda são necessárias evidências para definir se quantidade mínima de ascite detectada apenas em procedimentos de imagem, encefalopatia hepática mínima e sangramento oculto de gastroenteropatia hipertensiva portal podem ser considerados como descompensação (D.1). Outro ponto de discussão foi se icterícia isoladamente, em etiologias não colestáticas, poderia ser considerada primeira como descompensação ou se refletiria lesão hepática/ACLF sobreposta na cirrose compensada, informação que requer mais pesquisas (D.1).

Chama atenção que o BBNS vem como indicação de prevenir descompensação em pacientes com HPCS, inferência realizada baseada em medicas clínicas e métodos não-invasivos, e não apenas na prevenção de hemorragia varicosa. Não há evidências de que terapias endoscópicas como ligadura elástica ou cola tissular possam prevenir ascite ou encefalopatia hepática (D.1), logo pacientes com cirrose compensada em uso de BBNS para prevenção de descompensação não precisam de endoscopia de triagem para detecção de varizes, pois a endoscopia não mudará o manejo (B.2).

Prevenção do Primeiro Sangramento Digestivo Varicoso:

Tratamento com BBNS (Propranolol, Nadolol ou Carvedilol) deve ser considerado para prevenir descompensação em pacientes com HPCS (A1), sendo o Carvedilol preferido em DCPF compensada, por ser mais efetivo em reduzir o GPVH (A1), ser melhor tolerado e impactar na sobrevida (B1). Atribui-se a melhor eficácia do Carvedilol, bloqueador de terceira geração, não-seletivo dos receptores alfa1, beta1 e beta2 adrenérgicos, devido incremento de ação associada ao bloqueio dos receptores alfa1, levando a vasodilatação periférica e redução da resistência vascular periférica.

Na profilaxia do primeiro sangramento, único estudo sugeriu que a injeção de cianoacrilato pode ser mais eficaz que o propranolol na prevenção do primeiro sangramento na presença de grandes varizes GOV tipo 2 ou IGV tipo 1, a despeito de não haver diferença na sobrevida. Mais estudos são necessários nesses pacientes usando novas abordagens terapêuticas além de BBNS. (D.1) Procedimentos de radiologia intervencionista como BRTO/BATO/BARTO/TIPS não são indicados na profilaxia primária de sangramento de varizes gástricas em pacientes compensados ​​(D.1).

Sangramento Digestivo Varicoso Agudo:

Interessante perceber como dados que parecem óbvios podem impactar na prática clínica quando ratificados em uma diretriz como o Baveno, mesmo com níveis de evidências de menor impacto. Neste tópico, recomendou-se que a intubação orotraqueal, antes da endoscopia seja realizada apenas em pacientes com rebaixamento de nível de consciência e/ou com vômito de sangue ativo, para proteção de vias aéreas (5; D), não adotando este procedimento como uma rotina; devendo, a extubação, ocorrer o mais rápido possível após o procedimento (5; D) devido risco de infecção respiratória. O uso de sonda nasogástrica também deve ser pensado com cautela, pelo mesmo risco (5; D). Outra orientação que deve entrar na rotina é a realização de exames de imagem abdominal, em momento oportuno, preferencialmente com contraste (TC ou RM) para excluir trombose venosa esplâncnica, carcinoma hepatocelular e para mapear colaterais porto-sistêmicas (D.1).

Estudos apontam maior chance de encefalopatia hepática e menor sobrevida em pacientes com DCPF em uso de inibidores de bomba de prótons (IBP)(4,5). Assim, quando iniciados antes da endoscopia, estes devem ser interrompidos imediatamente após o procedimento, a menos que realmente indicados (D.2).  Quanto aos vasoconstrictores esplâncnicos, devem ser iniciados o quanto antes, ainda na unidade de emergência, e continuados entre 2 a 5 dias (1b; A). Desnutrição aumenta o risco de evento adverso em pacientes com DCPF e HDA; devendo a dieta oral ser reiniciada o mais breve (5;D) e a EH deve ser tratada preferencialmente com lactulose (oral/enema) durante a HDA-varicosa, por auxiliar na eliminação do sangue intestinal (D.1).

Quanto à terapêutica endoscópica, a ligadura elástica e adesivos tissulares permanecem como terapêutica de escolha, a depender do tipo de variz. Acrescentou-se que a terapia endoscópica para sangramento por gastropatia hipertensiva portal (GHP) pode ser feita com coagulação por plasma de argônio, ablação por radiofrequência ou ligadura elástica na GHP-GAVE (C.2). Mas, o pó hemostático (Hemospray®) ainda não foi recomendado como primeira linha de tratamento endoscópico para sangramento agudo varicoso (D.1).

A estratificação de risco e indicação de TIPS (transjugular intrahepatic portosystemic shunt) preemptivo, possivelmente, foi a principal recomendação nos últimos anos no algoritmo de tratamento de pacientes com hemorragia digestiva aguda varicosa (Figura 2). O TIPS recoberto com PTFE, dentro de 72 horas, idealmente <24 horas, após terapêutica endoscópica eficaz, é indicado em pacientes com sangramento de varizes esôfago-gástricas que atendem a qualquer um dos seguintes critérios: Child-Pugh C <14 pontos ou Child-Pugh B >7 com sangramento ativo na endoscopia inicial ou GPVH > 20 mmHg (A.1). Acute-on-chronic liver failure, encefalopatia hepática ou hiperbilirrubinemia na admissão não devem ser considerados como contraindicações ao TIPS (B.1), devendo ser avaliado cada caso com cuidado. Contudo, o TIPS pode ser uma conduta fútil no caso de Child-Pugh ≥14 ou MELD >30 e lactato >12 mmol/L, a menos que o transplante hepático seja previsto em curto prazo (B.1), sendo a decisão de realizar o procedimento tomada caso a caso (D.1).

Figura 2

Novas discussões terapêuticas foram consideradas como possíveis no Baveno VII, a despeito de necessitarem de mais evidências e expertise. Em pacientes com GOV2, IGV1 e varizes ectópicas, o BRTO (Balloon-occluded retrograde transvenous obliteration) pode ser considerado uma alternativa ao tratamento endoscópico ou TIPS, desde que seja tecnicamente e localmente viável (D.2). O TIPS pode ser combinado com embolização para controlar o sangramento ou reduzir o risco de sangramento recorrente por varizes gástricas ou ectópicas, particularmente nos casos em que, apesar da diminuição do GPVH, o fluxo portal permanece desviado para colaterais (D.2).

No tópico sobre coagulopatia do paciente com doença hepática crônica em vigência de sangramento agudo varicoso, persistem importantes dúvidas sobre o tema, mas ratificou-se o conhecimento adquirido, especialmente sobre o que não funciona. O Baveno VII inicia o tópico confirmando que, em sangramento de varizes devido à HP, o objetivo deve ser focado na redução da pressão portal em vez de corrigir as anormalidades da coagulação (B.1). Os testes convencionais de coagulação, como tempo de protrombina (TP/RNI) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa), não refletem com precisão o estado hemostático de pacientes com doenças hepáticas avançadas (B.1), correspondendo a pequena porcentagem das reações de coagulação. Na prática clínica, quando disponíveis, teste como tromboelastometria parece interessante para guiar casos graves associados a sangramentos recorrentes/refratários, por avaliar a qualidade da formação do trombo e guiar a transfusão de hemocomponentes, porém não foi citado no consenso.

No episódio de sangramento agudo por varizes, a transfusão de plasma fresco congelado não é recomendada, pois não corrige a coagulopatia e pode levar a sobrecarga volêmica e agravamento da hipertensão portal, com chances de precipitar novos sangramentos (B.1); assim, na prática, dá-se preferência aos crioprecipitados. Neste cenário, também não há evidências de que a contagem de plaquetas e os níveis de fibrinogênio estejam correlacionados com falha no controle do sangramento ou ressangramento; no entanto, em caso de sangramento persistente, a decisão de corrigir as anormalidades hemostáticas deve ser considerada caso-a-caso (D.2). Fator VIIa recombinante e ácido tranexâmico não são recomendados no sangramento agudo de varizes (A.1).

Em pacientes com DCPF com sangramento agudo e que estejam em uso de anticoagulantes, estes devem ser temporariamente descontinuados até que a hemorragia esteja controlada. A duração da descontinuação deve ser individualizada com base na indicação da anticoagulação (D.2). Em pacientes com trombose de veia porta (TVP), o manejo do sangramento é prioritário e deve ser realizado conforme as diretrizes gerais. (D.1)

Na profilaxia secundária de sangramento varicoso, BBNS em combinação com terapêutica endoscópica são primeira escolha. Em pacientes que não toleram a terapia combinada, qualquer uma dessas terapias pode ser mantida isoladamente (A1). TIPS deve ser considerado em pacientes com ascite recorrente (B.1) ou sangramento a despeito da profilaxia.

Prevenção de descompensação adicional:

Uma novidade do Baveno VII foi o conceito de descompensação adicional na cirrose. Segundo a diretriz, representa um estágio prognóstico associado a uma mortalidade ainda maior do que a associada à primeira descompensação, que seria definida por eventos específicos (B.1): a) desenvolvimento de um segundo evento descompensador causado por hipertensão portal (ascite, hemorragia varicosa ou encefalopatia hepática) e/ou icterícia; b)sangramento recorrente por varizes, ascite recorrente (necessidade de ≥3 paracenteses de grande volume em um ano), encefalopatia recorrente, desenvolvimento de peritonite bacteriana espontânea (PBE) e/ou síndrome hepatorrenal (SHR-LRA); c) e, em pacientes que apresentam apenas sangramento, desenvolvimento de ascite, encefalopatia ou icterícia após a recuperação do sangramento, mas não se esses eventos ocorrerem na época do sangramento. Dentre todas as recomendações, destacam-se a indicação de rastreamento de infecção bacteriana para casos de descompensação adicional (A.1) e encaminhamento de pacientes para transplante de fígado (A.1).

Fragilidade, desnutrição e sarcopenia foram considerados de forma tímida, mas também pela primeira vez no Baveno, como variáveis que impactam na sobrevida de pacientes com cirrose descompensada, sendo recomendada avaliação e orientações relacionadas em todos os casos (B.1).

A (re)compensação da doença hepática é um conceito trazido no Baveno VII. A compensação implica na regressão parcial de alterações estruturais e funcionais relacionadas à DCPF, especialmente após a retirada a etiologia da cirrose (A.1). Clinicamente, a definição de compensação é baseada em consenso de especialistas e requer o cumprimento de todos os critérios que seguem (C.2): a) supressão/cura da etiologia primária da cirrose (eliminação da hepatite C, supressão viral para hepatite B, abstinência alcoólica sustentada para cirrose induzida por álcool); b) resolução da ascite (sem diuréticos), encefalopatia (sem lactulose/rifaximina) e ausência de hemorragia recorrente por varizes (por pelo menos 12 meses) e c) melhora significativa dos testes de função hepática (albumina, RNI, bilirrubina).

Como a HPCS pode persistir apesar da compensação clínica, o BBNS não deve ser descontinuado a menos que a HPCS se resolva (B.1). Resolução da ascite (em uso de diuréticos ou após TIPS) e/ou ausência de hemorragia varicosa recorrente (em uso de BBNS/Carvedilol + LE ou após TIPS) sem remoção do fator etiológico primário e sem melhora da função hepática, não são considerados critério de compensação clínica (B.1).

Trombose venosa e uso de anticoagulantes em pacientes com doença hepática:

Anticoagulação não deve ser desencorajada, no caso de indicação formal, em pacientes com diagnóstico de DCPF, uma vez que pode reduzir os desfechos negativos relacionados à doença hepática, com e sem trombose da veia porta, além de melhorar a sobrevida global (B.1).  Heparina de Baixo Peso Molecular e Antagonistas da Vitamina K são amplamente aceitos e utilizados na trombose primária do sistema venoso portal ou vias de saída da veia hepática (A.1).

A triagem para trombose de veia porta (TVP) é recomendada em todos os pacientes que são potenciais candidatos ao transplante de fígado (D.2). A anticoagulação é recomendada em pacientes com cirrose e (i) trombose recente (<6 meses) total ou parcialmente oclusiva (>50%) do tronco da veia porta com ou sem extensão para a veia mesentérica superior, ou (ii) trombose da veia porta sintomática, independentemente da extensão, ou (iii) trombose da veia porta em potenciais candidatos a transplante hepático, independentemente do grau de oclusão e extensão (C.2). Nos potenciais candidatos a transplante de fígado, o objetivo da anticoagulação é prevenir a formação de novos trombos ou progressão do trombo, para facilitar a anastomose portal adequada e reduzir a morbidade e mortalidade pós-transplante (C.1). A anticoagulação deve ser considerada em pacientes com cirrose e trombose minimamente oclusiva (<50%) do tronco da veia porta que (i) progride em seguimento de curto prazo (1-3 meses) ou (ii) compromete a veia mesentérica superior (C.2). A anticoagulação deve ser (i) mantida até a recanalização da veia porta ou por um período mínimo de 6 meses, (ii) continuada após a recanalização em pacientes que aguardam transplante de fígado e (iii) considerada continuada após a recanalização em todos os outros, equilibrando os benefícios na prevenção recorrência e aumento da sobrevida e do risco de sangramento (C.1).

A anticoagulação é preferencialmente iniciada e mantida com Heparina de Baixo Peso Molecular (HBPM) e Antagonistas da Vitamina K (AVK) ou Anticoagulantes Orais Diretos (DOAC). A vantagens da HBPM é o número de evidências na população com doença hepática e mais conhecimento sobre a medicação e seu comportamento na população com DCPF. O AVK traz desafios no que diz respeito ao monitoramento do RNI em pacientes com cirrose. A vantagem dos DOAC está associada à facilidade do manejo, mas há menos dados disponíveis (C.1). Varfarina (AVK) e DOAC foram associados à redução da mortalidade por todas as causas; varfarina foi associada a mais sangramento em comparação com nenhum anticoagulante. DOAC tiveram incidência menor de sangramento em comparação com a varfarina em análises exploratórias. Dados atualmente disponíveis sugerem que não há grandes preocupações de segurança para os DOAC em pacientes com cirrose Child-Pugh A, porém devido a possibilidade de ação cumulativa, os DOAC devem ser usados ​​com cautela em pacientes Child-Pugh B, bem como em pacientes com clearance de creatinina abaixo de 30 mL/min. O uso de DOAC em pacientes Child-Pugh C não é recomendado fora dos protocolos do estudo (B.2). Os DOAC provavelmente têm perfis de segurança-eficácia diferentes em pacientes com cirrose, embora, no momento, nenhuma recomendação possa ser feita em favor de um DOAC específico neste cenário (D.2).

Distúrbio vascular porto-sinusoidal (DVPS)

A doença vascular porto-sinusoidal é uma ampla entidade clínico-patológica que engloba fibrose portal não-cirrótica, hipertensão portal idiopática ou hipertensão portal intra-hepática não-cirrótica e vários padrões histológicos sobrepostos, incluindo hiperplasia nodular regenerativa, venopatia portal obliterativa, esclerose hepatoportal, cirrose septal incompleta (B.1). Ausência de hipertensão portal não exclui DVPS; a presença de causas comuns de doença hepática não exclui DVPS, e ambos podem coexistir; a presença de trombose da veia porta não exclui DVPS, e ambas podem coexistir (B.1). A DVPS deve ser consideradA nas seguintes situações: (i) sinais de hipertensão portal contrastando com características atípicas de cirrose; ou (ii) anormalidades nos exames de sangue do fígado ou hipertensão portal em um paciente com uma condição conhecida por estar associada a DVPS; ou (iii) anormalidades inexplicáveis ​​nos exames de sangue do fígado, mesmo sem sinais de hipertensão portal. (B.1).

O diagnóstico de distúrbio vascular porto-sinusoidal pode ser observado na ausência de características clínicas, laboratoriais ou de imagem da hipertensão portal (B.1); amostra de biópsia hepática de tamanho adequado (> 20 mm) e de fragmentação mínima – ou de outra forma considerada adequada para interpretação por um patologista especialista – é necessária para o diagnóstico de PSVD (C.1). O diagnóstico de PSVD requer a exclusão de cirrose e de outras causas de hipertensão portal (B.1), juntamente com um dos três critérios a seguir (C.2): (i) pelo menos uma característica específica para hipertensão portal; ou (ii) pelo menos uma lesão histológica específica para PSVD; ou (iii) pelo menos uma característica não específica para hipertensão portal juntamente com pelo menos uma lesão histológica compatível embora não específica para PSVD.

Outras orientações para investigação etiológica e manejo na trombose primária do sistema venoso portal não cirrótica e Síndrome de Budd-Chiari (SBC) foram atualizados. Em pacientes com SBC, p. exemplo, apresentando insuficiência hepática aguda, o transplante hepático urgente deve ser considerado e o TIPS de emergência deve ser realizado, se possível, independentemente da listagem para transplante de fígado (C.1).

Assim, observamos que a “visão para além das varizes” do Baveno na condução do paciente com síndrome de hipertensão portal vem tomando proporções cada vez mais amplas de cuidado e abordando possibilidades em formatos também mais flexíveis. Nos próximos anos, vamos aguardar dispositivos de ultrassom endoscópico e outros métodos menos invasivos para avaliar gradiente de pressão portal e prognóstico de doenças hepáticas, papel da microbiota intestinal no tratamento das complicações da HPCS, impacto de terapêuticas mais eficazes no tratamento do NASH e desfechos, talvez, da COVID-19 na doença hepática.

Referencias

  1. Franchis R de, Bosch J, Garcia-Tsao G, Reiberger T, Ripoll C, Abraldes JG, et al. BAVENO VII – RENEWING CONSENSUS IN PORTAL HYPERTENSION: Report of the Baveno VII Consensus Workshop: personalized care in portal hypertension. J Hepatol [Internet]. 2021 Dec [cited 2022 Jan 29];0(0). Available from: http://www.journal-of-hepatology.eu/article/S0168827821022996/fulltext
  2. Kim RG, Loomba R, Prokop LJ, Singh S. Statin Use and Risk of Cirrhosis and Related Complications in Patients With Chronic Liver Diseases: A Systematic Review and Meta-analysis. Clin Gastroenterol Hepatol [Internet]. 2017 Oct 1 [cited 2022 Jan 29];15(10):1521-1530.e8. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28479502/
  3. Simon TG, Duberg A-S, Aleman S, Chung RT, Chan AT, Ludvigsson JF. Association of Aspirin with Hepatocellular Carcinoma and Liver-Related Mortality. N Engl J Med [Internet]. 2020 Mar 12 [cited 2022 Jan 29];382(11):1018–28. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32160663/
  4. Nardelli S, Gioia S, Ridola L, Farcomeni A, Merli M, Riggio O. Proton Pump Inhibitors Are Associated With Minimal and Overt Hepatic Encephalopathy and Increased Mortality in Patients With Cirrhosis. Hepatology [Internet]. 2019 Aug 1 [cited 2022 Jan 29];70(2):640–9. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30289992/
  5. De Roza MA, Kai L, Kam JW, Chan YH, Kwek A, Ang TL, et al. Proton pump inhibitor use increases mortality and hepatic decompensation in liver cirrhosis. World J Gastroenterol [Internet]. 2019 Sep 7 [cited 2022 Jan 29];25(33):4933–44. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31543684/



Assuntos gerais : Endometriose Intestinal

Introdução

A endometriose é uma doença ginecológica benigna definida pela presença de glândulas endometriais fora da cavidade uterina. É frequentemente diagnosticada na terceira década de vida, afetando 10 a 12% das mulheres em idade reprodutiva.

A sua etiologia ainda hoje é discutida, e a teoria mais popular é a da menstruação retrógrada. Durante a menstruação células endometriais migram através das trompas de Falópio para o peritônio e ali crescem sob a influência de fatores hormonais. Outras teorias consistem na transformação de células de outras topografias em células endometriais através de diferentes meios (metaplasia, células tronco).

A endometriose profunda é definida como a invasão subperitoneal com profundidade maior que 5 mm, sendo o intestino o órgão extragenital mais acometido, apresentando de 5 a 12% de prevalência nas mulheres com endometriose. A topografia é em 90% dos casos em cólon sigmoide e reto. Embora o envolvimento intestinal isolado possa ser observado, cerca de 50 % dos pacientes com doença no reto apresenta acometimento em outros locais. Curiosamente, em aproximadamente 30% dos casos com envolvimento de retossigmoide, o cólon direito também é acometido.

 

Sintomas

Os sintomas da endometriose intestinal podem ser inespecíficos como dismenorreia, dispareunia e dor pélvica crônica. Sintomas intestinais mais específicos, como diarreia, constipação, sangue nas fezes, distensão abdominal, disquezia e raramente obstrução intestinal, também podem ocorrer. No entanto, quaisquer sintomas pélvicos, especificamente de natureza cíclica, devem levantar a suspeita de endometriose.

Além disso, pacientes com endometriose frequentemente apresentam comorbidades psicopatológicas significativas, como ansiedade e depressão, que muitas vezes podem potencializar a gravidade da dor experimentada.

Diagnóstico

  • Exame físico : através do toque pélvico bimanual é frequentemente útil no diagnóstico, especialmente se realizado no momento da menstruação, período em que as lesões podem estar mais inflamadas, sensíveis e palpáveis.
  • Ultrassom transvaginal: exame de escolha como avaliação inicial, permite descrever tamanho, localização, distância da borda anal, profundidade e número de nódulos. Endometriomas se demonstram como imagens hipoecoicas que envolvem a parede intestinal a partir da serosa, podendo se estender para a muscular própria e a submucosa e raramente a mucosa (5% dos casos de endometriose intestinal). No entanto a limitação dessa técnica consiste em lesões no sigmoide, pois geralmente estão fora do campo de visão.
  • Ultrassom retal: é considerado o teste de escolha para avaliar lesões que infiltram a parede intestinal com alta acurácia na determinação de profundidade, além da possibilidade de confirmação histológica através da punção. Outra importante função deste método é no diagnóstico diferencial de lesões subepiteliais. A endometriose quase sempre acomete mais de uma camada, especialmente a serosa e raramente acomete a camada mucosa. Demais lesões subepiteliais primárias da parede intestinal costumam ser restritas a apenas uma camada.

Figura 1: Paciente com endometriose e abaulamento submumoso em cólon sigmoide

Figura 2: Ecoendoscopia demonstrando invasão maciça de imagem hipoecoica em submucosa de cólon

Figura 3: Punção ecoguiada de imagem hipoecoica

  • Colonoscopia: fornece sinais específicos em apenas 4% dos casos de endometriose profunda, se demonstra como lesões subepiteliais e eventualmente com mucosa apresentando edema, enantema, friabilidade, irregularidade de superfície ou mesmos quadros de estenoses. Apesar baixa sensibilidade (7%) desse exame para o diagnóstico de endometriose, a colonoscopia possibilita investigação de outras doenças que podem levar a sintomas atribuídos a endometriose.

Figura 4: Endometriose profunda causando redução da luz em cólon sigmoide. Imagem cedida pela Dra Renata Nobre Moura.

  • Ressonância: altamente eficiente e acurada, apresenta melhor resolução entre as estruturas e maior campo de visão. Esta técnica é cada vez mais utilizada nos casos em que o ultrassom apresenta dúvidas, na suspeita acometimento profundo da pelve ou quando há programação cirúrgica.

Tratamento

Como tratamento medicamentoso de primeira linha estão as combinações estroprogestogênicas, progestogênios isolados e análogos do hormônio liberador de gonadotrofina, sendo muito úteis também na prevenção de recorrência pós-operatória da doença. Em um estudo de pacientes utilizando o tratamento medicamentoso, foi observada uma diminuição de 53% dos sintomas gastrointestinais. Entretanto após 12 meses, 33% optaram pelo tratamento cirúrgico devido aos sintomas persistentes.

O exame padrão ouro no diagnóstico da endometriose é a laparoscopia, sendo também o método de escolha para o tratamento cirúrgico da endometriose pélvica sintomática. Dessa forma uma avaliação pré-operatória com os exames citados acima, é crucial para o manejo da doença, sendo que na presença de lesões intestinais ou no sistema urinário, um cirurgião especialista é altamente recomendado.

O tratamento cirúrgico é indicado nos pacientes que não respondem ao tratamento medicamentoso, e deve-se ser realizado preferencialmente de forma conservadora, com exceção dos casos estenose intestinal, uretral ou massas de características duvidosas, onde a remoção radical deve ser indicada.

Pontos chave Endometriose Intestinal

– 10 a 12% das mulheres (faixa etária 30 anos)

– patogênese: teoria da menstruação

– 5 a 12% acometimento intestinal

– 90% cólon e reto

– assintomática, inespecífico ou sintomas cíclicos

– exame físico: toque bimanual

– ultrassom transvaginal: exame inicial, limitação para cólon sigmoide

– ultrassom retal: confirmação de acometimento intestinal e diagnóstico diferencial de lesões subepiteliais

– ressonância: avaliação geral de endometriose profunda

– colonoscopia: lesões subepitelais e investigação sintomas paralelos

– tratamento medicamentoso: primeira escolha

– tratamento cirúrgico: laparoscopia, conservador quando possível

Referências

Nezhat C, Li A, Falik R, Copeland D, Razavi G, Shakib A, Mihailide C, Bamford H, DiFrancesco L, Tazuke S, Ghanouni P, Rivas H, Nezhat A, Nezhat C, Nezhat F. Bowel endometriosis: diagnosis and management. Am J Obstet Gynecol. 2018 Jun;218(6):549-562. doi: 10.1016/j.ajog.2017.09.023. Epub 2017 Oct 13. PMID: 29032051.

Habib N, Centini G, Lazzeri L, Amoruso N, El Khoury L, Zupi E, Afors K. Bowel Endometriosis: Current Perspectives on Diagnosis and Treatment. Int J Womens Health. 2020 Jan 29;12:35-47. doi: 10.2147/IJWH.S190326. PMID: 32099483; PMCID: PMC6996110.

Rossini LG, Ribeiro PA, Rodrigues FC, Filippi SS, Zago Rde R, Schneider NC, Okawa L, Klug WA. Transrectal ultrasound – Techniques and outcomes in the management of intestinal endometriosis. Endosc Ultrasound. 2012 Apr;1(1):23-35. doi: 10.7178/eus.01.005. PMID: 24949332; PMCID: PMC4062201.

Bourgioti C, Preza O, Panourgias E, Chatoupis K, Antoniou A, Nikolaidou ME, Moulopoulos LA. MR imaging of endometriosis: Spectrum of disease. Diagn Interv Imaging. 2017 Nov;98(11):751-767. doi: 10.1016/j.diii.2017.05.009. Epub 2017 Jun 23. PMID: 28652096.

Colaiacovo R, Carbonari A, Ganc R, de Paulo G, Ferrari A. Bowel endometriosis mimicking gastrointestinal stromal tumor and diagnosed by endoscopic ultrasound. Endoscopy. 2014;46 Suppl 1 UCTN:E433-4. doi: 10.1055/s-0034-1377429. Epub 2014 Oct 14. PMID: 25314180.

Nácul, Andrea Prestes e Spritzer, Poli MaraAspectos atuais do diagnóstico e tratamento da endometriose. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia [online]. 2010, v. 32, n. 6 [Acessado 3 Abril 2022] , pp. 298-307. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0100-72032010000600008>. Epub 28 Set 2010. ISSN 1806-9339. https://doi.org/10.1590/S0100-72032010000600008.

Milone, M., Mollo, A., Musella, M., Maietta, P., Sosa Fernandez, L. M., Shatalova, O., Conforti, A., Barone, G., De Placido, G., & Milone, F. (2015). Role of colonoscopy in the diagnostic work-up of bowel endometriosis. World journal of gastroenterology, 21(16), 4997–5001. https://doi.org/10.3748/wjg.v21.i16.4997




Síndrome da Polipose Juvenil

Definição:

A síndrome da Polipose Juvenil (SPJ) é caracterizada por predisposição a pólipos hamartomatosos no trato gastrointestinal.

Primeiramente, vamos lembrar o que são pólipos hamartomatosos:

  • Os pólipos hamartomatosos são compostos por elementos celulares normais, mas com arquitetura distorcida.

  • As síndromes de polipose hamartomatosa incluem Síndrome da Polipose Juvenil, Síndrome de Peutz-Jeghers e Síndrome do Tumor Hamartomatoso PTEN.

  • As síndromes de polipose hamartomatosas são incomuns, e juntas são responsáveis por menos que 1% dos casos de câncer colorretal nos EUA.

A SPJ É uma condição autossômica dominante, associada a mutação do gene SMAD4 ou BMPR1A. 75% dos pacientes têm história familiar positiva, mas 25% são mutação de novo. É uma condição rara, com incidência na população geral de 1:100.000 – 1:160.000 (Figuras 1 a 4)

Figura 1


Figura 2


Figura 3


Figura 4

.

 

Apresentação clínica

O número de pólipos varia, podendo indivíduos da mesma família ter 4 – 5 pólipos por todo o tempo de vida, enquanto outros podem apresentar centenas.

Os pólipos estão presentes em sua maioria no cólon (98%) sendo mais comum no cólon direito (70%), mas também podem estar presentes no estômago (14%), duodeno (7%), jejuno e íleo (7%). O tamanho varia de pólipos sésseis pequenos até pólipos pediculados maiores que 3 cm, geralmente têm a superfície lisa, enantematosa, podendo haver um exsutado esbranquiçado em sua superfície (Figuras 5 a 7).

Figura 5


Figura 6


Figura 7

Os sintomas começam geralmente nas primeiras duas décadas de vida, e os mais comuns são sangramento e anemia (90%), mas os pacientes também podem apresentar dor abdominal, diarreia, intussuscepção e obstrução intestinal.

A SPJ também pode estar associado a condições extracolônicas, como telangiectasia hemorrágica hereditária, macrocefalia, hidrocéfalo, coarctação de aorta e tetralogia de Fallot.

 

Histologia

A histologia mostra glândulas dilatadas e ecctasiadas, com espaços císticos preenchidos por mucina, lâmina própria abundante e infiltrado inflamatório crônico. Diferentemente de Peutz-Jeghers, não há proliferação da camada muscular lisa.  Cerca de 50% dos pólipos tem áreas de adenoma.

nota-se glandula dilatada e ectasiada

nota-se glândula dilatada e ectasiada


Notam se glandulas dilatadas e ectasiadas algumas preenchidas com mucina alem de congestao vascular

Notam-se glândulas dilatadas e ectasiadas, algumas preenchidas com mucina, além de congestão vascular


Notam-se glândulas dilatadas e preenchidas por mucina setas amarelas_glandulas normais seta azul

Notam-se glândulas dilatadas e preenchidas por mucina (setas amarelas); glândulas normais representadas pela seta azul

Risco de Câncer

  • Estes pacientes têm risco aumentado de câncer gástrico, colorretal, duodenal e pâncreas.
  • O risco de câncer colorretal varia de 17-22% aos 35 anos, chegando a 68% aos 60 anos.
  • A incidência de câncer no trato gastrointestinal superior pode chegar a 30%.

 

Diagnóstico

O diagnóstico da SPJ exige o preenchimento de 1 dos seguintes critérios:

  • Cinco ou mais pólipos juvenis do cólon e reto,
  • Pólipos juvenis em outros segmentos do trato gastrointestinal
  • Qualquer número de pólipos juvenis se história familiar positiva.

Importante: A presença de pólipos juvenis esporádicos no cólon não é tão incomum, estando presente em até 2% das crianças abaixo de 10 anos, sem caracterizar SPJ ou representar risco aumentado de câncer.

 

Rastreamento e vigilância

Para o rastreamento / vigilância, o guideline da ACG de 2015 recomenda para os pacientes em risco:

  • Colonoscopia inicialmente aos 12 anos ou quando iniciarem os sintomas, devendo ressecar os pólipos maiores que 5 mm e repetir anualmente até erradicação dos pólipos, depois pode-se espaçar para 3/3 anos.
  • Endoscopia inicialmente aos 12 anos, repetir a cada 1-3 anos, devendo ressecar todos os pólipos maiores que 5 mm.
  • Estudo do delgado: Se houver pólipos no duodeno, anemia ou enteropatia perdedora de proteínas, recomenda-se cápsula endoscópica, enteroscopia ou enterotomografia

 

Tratamento:

Pacientes com número limitado de pólipos podem ser manejados com polipectomia e vigilância endoscópica (Figuras 8 a 10).

Figura 8


Figura 9


Figura 10

Colectomia com anastomose ileorretal é indicado em caso de câncer, displasia de alto grau ou se não for possível controlar a polipose adequadamente. O reto no entanto deve permanecer em vigilância endoscópica.

Proctocolectomia pode ser necessária dependendo do número de pólipos no reto. Metade dos pacientes submetidos a colectomia, vão precisar de proctectomia posteriormente.

Gastrectomia total ou parcial pode ser necessária para pacientes com displasia avançada, câncer gástrico ou polipose que não pode ser adequadamente controlada por endoscopia.

 

Como citar esse artigo:

Figueiredo LZ, Martins BC. Síndrome da Polipose Juvenil. Endoscopia Terapêutica. 2022; vol 1. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-da-polipose-juvenil

 

Referências:

Zbuk KM, Eng C. Hamartomatous polyposis syndromes. Nat Clin Pract Gastroenterol Hepatol. 2007 Sep;4(9):492-502. doi: 10.1038/ncpgasthep0902. PMID: 17768394.

Larsen Haidle J, MacFarland SP, Howe JR. Juvenile Polyposis Syndrome. 2003 May 13 [updated 2022 Feb 3]. In: Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA, Wallace SE, Bean LJH, Gripp KW, Mirzaa GM, Amemiya A, editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993–2022. PMID: 20301642.

Calva, Daniel, and James R Howe. “Hamartomatous polyposis syndromes.” The Surgical clinics of North America vol. 88,4 (2008): 779-817, vii. doi:10.1016/j.suc.2008.05.002

Syngal S, Brand RE, Church JM, Giardiello FM, Hampel HL, Burt RW; American College of Gastroenterology. ACG clinical guideline: Genetic testing and management of hereditary gastrointestinal cancer syndromes. Am J Gastroenterol. 2015 Feb;110(2):223-62; quiz 263. doi: 10.1038/ajg.2014.435. Epub 2015 Feb 3. PMID: 25645574; PMCID: PMC4695986.




Gastrite atrófica – guia prático sobre OLGA e OLGIM

A gastrite atrófica é um achado frequente de exames endoscópicos, sendo um dos fatores de risco para o desenvolvimento de câncer gástrico.  Para identificar e estratificar grupos de risco foi criada uma classificação denominada OLGA (Operative Link of Gastritis Assesment), baseada na localização das biópsias e achados histológicos avaliando de forma objetiva o grau de atrofia.  A classificação é reprodutível, de fácil execução, permitindo selecionar o grupo de pacientes de maior risco que devem ter seguimento mais rígido, mantendo a custo-efetividade do rastreamento.

Resumidamente, as biópsias devem ser realizadas nos seguintes locais e identificadas em três frascos separados, com ao menos dois fragmentos de cada local: 

  1. Parede anterior e parede posterior de corpo (C1 e C2) 
  2. Incisura angular (A3)
  3. Pequena e grande curvatura de antro (A1 e A2)

Obs: se quiser uma discussão mais aprofundada a respeito dos locais de biópsia, confira esse outro artigo: onde coletar as biópsias para estadiamento OLGA?

O escore OLGA é classificado de acordo com o resultado destas biópsias, conforme tabela abaixo: 

Escore OLGA
Escore de OLGA para avaliação de atrofia gástrica

Essa classificação não leva em consideração a avaliação de outro fator de risco relevante caracterizado pela metaplasia intestinal. Para suprir esta deficiência, a classificação de OLGIM foi criada e basicamente reproduz a mesma ideia de avaliar a localização de biópsias com aspectos histológicos, porém voltadas para a metaplasia intestinal.

Os estágios são muito parecidos conforme disposto na tabela abaixo:

Score OLGIM
Score de OLGIM para avaliação de metaplasia intestinal

É realmente necessário fazer essas biópsias? A avaliação endoscópica não é suficiente?? 

Diversas publicações mostraram ao longo do tempo que os scores OLGA III/IV possuem maior risco para desenvolvimento de câncer gástrico, sendo relevante realizar seguimento cuidadoso neste subgrupo. Dentre elas destaca-se a publicação da GUT de 2007 envolvendo 448 pacientes  estratificados utilizando o sistema OLGA com identificação de aumento gradativo da faixa etária e prevalência de infeção com H. Pylori (HP) nos escores maiores. Além disso, lesões neoplásicas foram identificadas apenas nos estágios OLGA III e IV. 

Publicações mais recentes corroboram estes achados como a extensa metanálise envolvendo cerca de 2700 pacientes (8 estudos , dos quais 6 caso-controle) realizada por Yue H et al em 2018. Nessa publicação, foi descrito maior risco de desenvolvimento de câncer gástrico em escores  OLGA III e IV (OR 2,64; 95% IC p<0,00001) e OLGIM III e IV (OR  3.99;  95%  IC , p< 0,00001), confirmando a importância dos escores descritos nesse post e ressaltando a importância de fazer sim as biópsias. 

O que dizem então os guidelines?

ASGE (2021 )

  • As biópsias devem ser realizadas em antro, incisura e corpo;
  • A presença de metaplasia intestinal implica em diagnóstico de gastrite atrófica; 
  • Achados endoscópicos típicos: mucosa gástrica pálida, aumento da visualização de vascularização submucosa e perda de pregas gástricas;
  • Pacientes com gastrite atrófica e com HP + devem realizar tratamento e confirmar erradicação;
  • Rastreamento a cada 3 anos em pacientes com atrofia gástrica avançada (baseado na histologia e extensão de acometimento); 
  • Na presença de gastrite autoimune, pesquisar vitamina B12, Ferro e anticorpos anticorpos anti-célula parietal e anti-fator intrínseco, doenças tireoideanas. Suspeitar de gastrite autoimune em pacientes com deficiência de B12 e/ou de Ferro;
  • Anemia perniciosa é uma manifestação tardia de gastrite autoimune – no diagnóstico realizar biópsias para confirmar predominância de atrofia em corpo e excluir neoplasia e tumores neuroendócrinos;
  • Pacientes com gastrite autoimune devem ser rastreados para tumor neuroendócrino tipo 1 e os menores que 1cm devem ser ressecados. Controle endoscópico a cada 1-2 anos. 

ESGE (2019 – MAPSII)

  • Pacientes com gastrite atrófica ou metaplasia intestinal possuem risco aumentado de adenocarcinoma;
  • Endoscopia com equipamentos de alta definição e cromoscopia (CE) são superiores a endoscópios de alta definição com luz convencional
  • Cromoscopia pode direcionar as biópsias para áreas mais representativas, com maior risco de malignidade;  
  • Realizar biópsias em ao menos dois locais (corpo e antro – grande e pequena curvaturas) e enviar em frascos separados; 
  • Pacientes com atrofia leve a moderada restrita ao antro não possuem evidência para recomendação de rastreamento;
  • Pacientes com metaplasia intestinal em uma única região porém com histórico familiar de câncer gástrico, metaplasia incompleta ou gastrite crônica com HP persistente – considerar rastreamento e biópsias guiadas por CE em 3 anos; 
  • Casos de gastrite atrófica severa devem ser rastreados a cada 3 anos;
  • Displasia, sem lesão endoscópica definida devem ser submetidos a endoscopia com CE; 
  • Lesão endoscópica com displasia de baixo ou alto grau / carcinoma devem ser estadiados e tratados; 
  • Erradicação de H. pylori traz cicatrização do tecido não atrófico reduzindo o risco de câncer.

Referências:

  1. Yue, H., Shan, L., & Bin, L. (2018). The significance of OLGA and OLGIM staging systems in the risk assessment of gastric cancer: a systematic review and meta-analysis. In Gastric Cancer (Vol. 21, Issue 4, pp. 579–587).
  2. Rugge, M., Meggio, A., Pennelli, G., Piscioli, F., Giacomelli, L., de Pretis, G., & Graham, D. Y. (2007). Gastritis staging in clinical practice: The OLGA staging system. Gut, 56(5), 631–636.
  3. Coelho, M. C. F., et al. (2021). Helicobacter pylori chronic gastritis on patients with premalignant conditions: Olga and olgim evaluation and serum biomarkers performance. Arquivos de Gastroenterologia, 58(1), 39–47.
  4. Pimentel-Nunes, P., Libânio, D., Marcos-Pinto, R., et al. (2019). Management of epithelial precancerous conditions and lesions in the stomach (MAPS II): European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE), European Helicobacter and Microbiota Study Group (EHMSG), European Society of Pathology (ESP), and Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED) guideline update 2019. Endoscopy, 51(4)

Quer saber mais? Acompanhe esse outro post que preparamos para você.






Você sabe quais são os critérios de indicação de ressecção endoscópica do câncer gástrico precoce e os critérios de cura (eCura)?

A Sociedade Japonesa de Endoscopia (JGES) publicou em 2021(1) um guideline atualizado de Mucosectomia e Dissecção Endoscópica da Submucosa (ESD) para câncer gástrico precoce.

Em relação às recomendações de 2016(2), os critérios expandidos foram considerados absolutos na atual edição. Persistem como critérios expandidos somente as lesões recidivadas. Algumas lesões que antes eram contraindicadas à ressecção endoscópica foram alocadas nas indicações relativas.

Avaliação pré-operatória

Importante ressaltar que, no estômago, a avaliação endoscópica pré-operatória nem sempre consegue predizer com acurácia a profundidade de invasão (diferente do cólon e esôfago, onde temos classificações que guiam a conduta). Achados endoscópicos que sugerem invasão da submucosa:

  • hipertrofia ou convergência de pregas,
  • tamanho do tumor >3cm,
  • lesões muito avermelhadas,
  • superfície irregular,
  • elevação das margens,
  • sinal da não extensão (quando a mucosa gástrica é expandida pela insuflação, as lesões com invasão maciça da submucosa não se estendem e formam uma elevação trapezoide, além disso, as pregas convergem e se tornam elevadas).

Em alguns casos, quando há dificuldade nesta informação, a Ecoendoscopia pode ser ferramenta útil.

Em geral, a ressecção endoscópica deve ser realizada quando o risco de metástase linfonodal é extremamente baixo e os resultados a longo prazo são semelhantes aos da cirurgia. Além disso, o tamanho e a localização devem permitir a ressecção em bloco.

Para determinar se uma lesão gástrica é passível de ressecção endoscópica curativa, devemos avaliar:

  1. tipo histológico
  2. tamanho
  3. profundidade de invasão
  4. presença ou não de ulceração.

Indicações

Segundo o Guideline de 2021 da JGES, podemos dividir as indicações de ressecção endoscópica do câncer gástrico precoce em:

  • Absolutas: quando o risco de metástase linfonodal é <1% e os resultados da ressecção endoscópica se mostraram semelhantes aos da cirurgia.
  • Relativas: quando a lesão não preenche os critérios absolutos, mas nos casos em que a cirurgia é arriscada ou para obter uma avaliação histopatológica acurada.
  • Expandidas: lesões intramucosas recidivadas após ressecção endoscópica eCura C1

O quadro abaixo resume os critérios de indicação (tabela 1):

Tabela 1: Indicações de ESD

Critérios de cura:

Já os critérios de cura são divididos em:

eCuraA (ressecção curativa):

  • A ressecção endoscópica é igual ou superior à cirúrgica em desfechos a longo termo. É indicado seguimento a cada 6-12 meses.

eCuraB:

  • Apesar de estudos com resultados de longo prazo ainda não terem sido publicados, a cura é esperada. Estão incluídas nesses grupos lesões diferenciadas, ≤ 3 cm, SM1 (invasão até 500 micras). É indicado seguimento a cada 6-12 meses com EDA + CT.

 eCuraC:

  • quando a lesão não preenche os critérios acima. Pode ser dividida em:
  • C-1: quando a lesão é diferenciada mas não foi ressecada em bloco ou teve margens horizontais positivas. Nesse caso, o risco de metástase é baixo. Pode-se observar, repetir a ESD, fazer ablação ou operar.
  • C-2: todas as outras lesões que não preencheram os critérios. Na maioria destes casos, é indicada cirurgia devido ao potencial risco de recorrência e metástases.

DESCOMPLICANDO….

Indicações absolutas = tumores intramucosos (T1a)

  • Diferenciados sem ulceração: qualquer tamanho
  • Diferenciados com ulceração: <3cm
  • Indiferenciados sem ulceração: <2cm

Critérios de cura:

  • eCuraA = critérios absolutos + margens negativas, ausência de invasão angiolinfática à seguimento
  • eCuraB = T1b (SM1), diferenciado, <3cm, margens negativas, ausência de invasão angiolinfática à seguimento
  • eCuraC-1 = piecemeal ou margens horizontais positivas à seguimento
  • eCura C-2 = quando não preenchem os critérios acima à cirurgia

A tabela 2 e o algorítimo 1 sedimentam os critérios de eCura e seguimento pós ESD:

Tabela 2 : Resumos dos critérios de eCura

Algorítimo de seguimento

Para saber mais sobre este tema, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Como citar esse artigo:

Moura RN. Você sabe quais os critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura)? Endoscopia Terapêutica; 2022.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/criterios-esd-gastrico-ecura

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Ono H, Yao K, Fujishiro M, et al. Guidelines for endoscopic submucosal dissection and endoscopic mucosal resection for early gastric cancer (second edition). Dig Endosc. 2021 Jan;33(1):4-20.
  2. Ono H, Yao K, Fujishiro M et al. Guidelines for endoscopic submucosal dissection and endoscopic mucosal resection for early gastric cancer. Dig Endosc 2016; 28: 3–15.

Saiba mais sobre ESD:

Dissecção Endoscópica Submucosa (ESD): dicas para iniciar e aprimorar a técnica

Saiba mais sobre a detecção do câncer gástrico precoce clicando aqui: