Atualizações nos Critérios Diagnósticos da Esofagite Eosinofílica (EEo)

CASO CLÍNICO

Homem, 30 anos, previamente hígido e sem comorbidades, foi submetido à Endoscopia Digestiva Alta como propedêutica de leve disfagia recorrente, principalmente com alguns alimentos, além de episódios esporádicos de sensação de entalo, há cerca de 3 meses.

É possível constatar a presença de edema, sulcos longitudinais, exsudato e anéis, todos achados endoscópicos contextualizados à Esofagite Eosinofílica, que juntamente com a história clínica e perfil epidemiológico do paciente tornam esta hipótese diagnóstica provável.

Os aspectos endoscópicos, classificações e forma correta de realizar as biópsias serão abordados numa publicação futura, dentro da segunda parte das atualizações nos critérios diagnósticos.

Por ora, vamos focar na forma mais atualizada de como concluir um diagnóstico de EEo.

Neste caso em tela, qual seria sua conduta, após receber as biópsias realizadas que evidenciaram acentuada eosinofilia esofágica?

  1. Realizar teste terapêutico com inibidores de bomba protônica, reavaliar resposta clínica e repetir EDA com biópsias (constatar regressão da eosinofilia) para saber se o diagnóstico é aplicável ou não.
  2. Diante do resultado das biópsias, já confirmar o diagnóstico e iniciar o tratamento.

Pois bem, para você que ainda considera o teste com IBP parte integrante e imprescindível da formulação do diagnóstico de EEo, trago algumas atualizações que podem modificar sua compreensão da doença. Boa leitura!

MUDANÇAS NOS CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

As primeiras diretrizes diagnósticas sobre Esofagite Eosinofílica (EEo) foram publicadas em 2007 e atualizadas em 2011. Ela foi definida como uma condição clínico-patológica imuno-mediada, caracterizada clinicamente por sintomas de disfunção esofágica e histologicamente por 15 ou mais eosinófilos por campo de grande aumento, com consenso de especialistas determinando que a melhor abordagem para descartar inflamação relacionada à doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) seria com uso de inibidor de bomba de prótons (IBP) em altas doses por 8 semanas ou através do monitoramento de pH (pHmetria). Naquela época, EEo e DRGE eram consideradas mutuamente excludentes.

Durante a década seguinte, pesquisas e experiências clínicas adicionais forneceram novos insights sobre a resposta aos IBP’s. Vários investigadores observaram que uma grande proporção de pacientes com sintomas e eosinofilia esofágica (≥15 eos/cga) responderam ao tratamento com IBP, mas não tinham apresentação clínica consistente com DRGE. Por causa disso, as diretrizes diagnósticas publicadas em 2011, 2013 e 2014 definiram uma nova condição denominada Eosinofilia Esofágica Responsiva ao IBP (PPI-REE). Pacientes com PPI-REE tinham sintomas de disfunção esofágica e ≥15 eos/cga na biópsia, mas obtiveram melhora ou resolução dos sintomas e da eosinofilia após um ciclo de IBP em altas doses. Nessas diretrizes, a PPI-REE não foi bem compreendida, mas EEo e DRGE ainda eram consideradas duas condições distintas.

No entanto, uma gama de outras pesquisas em andamento sugeriu que EEo e DRGE não eram necessariamente condições excludentes e, em vez disso, compartilhavam uma relação complexa:

  • Elas podem coexistir;
  • EEo pode levar a refluxo secundário devido à diminuição da complacência esofágica ou dismotilidade;
  • DRGE pode levar à diminuição da integridade da barreira epitelial , permitindo exposição a antígeno e subsequente eosinofilia.

Além disso, uma série de estudos examinou as características clínicas, endoscópicas e histológicas iniciais (antes do ciclo de IBP), tanto da EEo como da PPI-REE, não encontrando fatores conclusivos que pudessem distinguir as duas.

Condições atópicas concomitantes eram comuns em EEo e PPI-REE, fatores alérgicos e inflamatórios foram encontrados elevados em ambos e os perfis de expressão de RNA foram muito semelhantes entre as duas condições (e distintas da DRGE), com normalização após tratamento com esteróides tópicos ou restrição dietética, embora existissem algumas diferenças.

Finalmente, vários mecanismos não-ácido mediados potenciais foram descritos que poderiam explicar a resposta ao IBP na PPI-REE (inibição de funções inflamatórias – oxidação, fagocitose, migração celular; bloqueio de IL-13 e IL-14;  inibição de molécula-1 de adesão intercelular, etc). Assim, PPI-REE emergiu como um subtipo de EEo em alguns pacientes, e uma grande controvérsia se desenvolveu:

  • EEo e PPI-REE são de fato a mesma condição?
  • PPI-REE seria uma doença associada a alergia alimentar?
  • IBP’s devem ser considerados tratamento de primeira linha na EEo?
  • O ciclo de IBP deveria ser removido das diretrizes diagnósticas?

De fato, quando avaliados em conjunto, esses novos avanços das pesquisas forneceram um forte embasamento para a consideração da remoção do ciclo de IBP do algoritmo diagnóstico da EEo.

  • A favor da manutenção do ciclo de IBP nos critérios diagnósticos pesavam o potencial em reduzir o número de endoscopias necessárias; a ajuda em tratar a DRGE concomitante e fornecer uma abordagem em etapas para o diagnóstico de EEo.
  • A favor da eliminação do ciclo de IBP pesavam permitir a capacidade de discutir uma gama de terapias (por exemplo, algumas usadas para EEo clássica) sem comprometer os pacientes com um IBP desde o início; ajudar a conseguir um recrutamento mais amplo em ensaios clínicos e permitir o tratamento da eosinofilia esofágica com o próprio IBP independentemente da causa subjacente, removendo a resposta à medicação como critério diagnóstico.

Um enorme progresso foi feito na compreensão da EEo nas últimas duas décadas, abrangendo apresentação clínica, epidemiologia, genética, patogênese, tratamento e resultados. Com uma evolução tão rápida do conhecimento, os critérios diagnósticos também tiveram que evoluir. Essa instigante mudança de paradigma acerca da doença findou com a realização da Conferência AGREE (A working Group on ppi-REE) em 6 de maio de 2017 (Chicago-IL, USA), que culminou com a seguinte atualização:

  1. PPI-REE é indistinguível da EoE e portanto estão no mesmo espectro
  2. IBP’s são melhor classificados como um tratamento primário para eosinofilia esofágica decorrente da EEo do que como um critério diagnóstico

À medida que o campo continue a se desenvolver e novas questões identificadas por pesquisas clínicas durante esse processo sejam respondidas, os critérios diagnósticos certamente irão evoluir outra vez.

NOVO CRITÉRIO DIAGNÓSTICO PROPOSTO

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Referências Bibliográficas

  1. Evan S. Dellon,  Chris A. Liacouras, Javier Molina-Infante, Glenn T. Furuta et al.Updated International Consensus Diagnostic Criteria for Eosinophilic Esophagitis: Proceedings of the AGREE Conference. Gastroenterology 2018;155:1022–1033.
  2. Andrés Gómez-Aldana, Mario Jaramillo-Santos, Andrés Delgado, Carlos Jaramillo, Adán Lúquez-Mindiola. Eosinophilic esophagitis: Current concepts in diagnosis and treatment. World J Gastroenterol 2019 August 28; 25(32): 4598-4613.
  3. Lucendo et al.  Guidelines on eosinophilic esophagitis: evidence-based statements and recommendations for diagnosis and management in children and adults. United European Gastroenterology Journal 2017, Vol. 5(3) 335–358.
  4. Hirano et al. Endoscopic assessment of the oesophageal features of eosinophilic oesophagitis: validation of a novel classification and grading system. Gut 2013;62:489–495.

Como citar esse artigo

Brasil G, Atualizações nos Critérios Diagnóstico da Esofagite Eosinofílica (EEo) – parte 1. Endoscopia Terapeutica; 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/atualizacoes-nos-criterios-diagnostico-da-esofagite-eosinofilica-eeo-parte-1




Dica Rápida e Simples que Salva Vidas: Identifique Precocemente o Carcinoma de Células Escamosas (CEC) no Esôfago

Os endoscopistas ocidentais falham em diagnosticar 12% das neoplasias do trado digestivo superior.(1) Isso também te procupa? Saber que falhamos em diagnosticar uma fatia significativa de doenças letais deixa qualquer endoscopista apreensivo. Para o CEC de esôfago, um pequeno ajuste na sistematização de seu exame pode dobrar sua capacidade diagnóstica sem aumentar o tempo de seu exame. Salve vidas lendo o rápido texto abaixo↓↓.

Introdução

O CEC precoce de esôfago se apresenta como lesões sutis da mucosa que são dificilmente percebidas na endoscopia de rotina. A sensibilidade diagnóstica da luz branca é de preocupantes 50%.(2) Isso mesmo, deixamos de identificar metade dos casos de uma doença altamente letal em uma fase facilmente curável.

A displasia escamosa e o carcinoma intramucoso possuem alterações mínimas de relevo. O aspecto endoscópico consiste principalmente na deformação progressiva do padrão microvascular da mucosa: os “intra papilar capillary loops” (IPCLs). Usando um endoscópio de alta definição, vemos os IPCLs como pontos vermelhos à luz branca. Em um exame mais detalhado, usando magnificação, podemos ver a alça capilar adjacente à membrana basal. Por ser tão superficial, os IPCLs refletem precocemente as alterações epiteliais e se observados atentamente, permitem um diagnóstico precoce do CEC.(3)

A observação destas alterações é um desafio já que há um contraste pobre entre a mucosa subjacente de coloração rósea e a cor vermelha do IPCL. Como veremos mais adiante, a cromoscopia óptica ou digital apresenta um papel fundamental ao realçar o contraste dos vasos transformando em chamativas alterações discretas.(3)

Imagem 1 – Displasia de alto grau sob luz branca e NBI. 

Rastreio:

No rastreio para CEC, a cromoscopia com lugol sempre foi um método chave nos pacientes de alto risco. Sua sensibilidade chega a 90% permitindo um diagnóstico eficaz. Contudo, o lugol apresenta uma baixa especificidade além de necessitar da disponibilidade de seu antídoto (tiosulfato ou hipossulfito). Outras complicações como hiperssensibilidade ao iodo, laringite, pneumonite e dor retrosternal também estão associadas ao procedimento.(2) 

Imagem 2 – Luz branca + Lugol 2% em CEC intramucoso + displasia de alto grau semicircunferencial. 

Com o surgimento das tecnologias de cromoscopia integradas aos sistemas de endoscopias, foi possível solucionar vários dos incovenientes do Lugol. Tecnologias patenteadas por seus respectivos fabricantes como o NBI, o BLI e o i-Scan proporcionaram a capacidade de executar a cromoscopia com apenas um toque no aparelho, não havendo qualquer necessidade de acessório. O NBI é a ferramenta com maior nível de evidência e será abordado mais diretamente neste texto. 

O NBI subtrai alguns espectros da luz branca, deixando a vasculatura mais contrastada. Quando há alterações dos IPCLs uma mancha amarronzada fica bastante evidente ao lado da mucosa normal com tom esverdeado. Mesmo sem magnificação este aspecto endoscópico dobra a sensibilidade diagnóstica do exame.(4)  

E agora, a dica !

Com apenas um clique o endoscopista multiplica sua sensibilidade diagnóstica para o CEC de esôfago. Um salto de 50% para 90% de diagnósticos identificados! Sistematize da seguinte forma seu exame: Lavagem e aspiração do esôfago; Introdução do aparelho com luz branca; ao encerrar o procedimento, retire o aparelho com NBI ou similar ligado, inspecionando detalhadamente o esôfago na retirada. Tal é simples e certamente vai te ajudar a salvar vidas!

Referencias

1.         Menon S, Trudgill N. How commonly is upper gastrointestinal cancer missed at endoscopy? A meta-analysis. Endosc Int Open. 2014;02(02):E46–50.

2.        Morita FHA, Bernardo WM, Ide E, Rocha RSP, Aquino JCM, Minata MK, et al. Narrow band imaging versus lugol chromoendoscopy to diagnose squamous cell carcinoma of the esophagus: A systematic review and meta-analysis. BMC Cancer [Internet]. 2017;17(1):1–14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s12885-016-3011-9

3.        Inoue H, Kaga M, Ikeda H, Sato C, Sato H, Minami H, et al. Magnification endoscopy in esophageal squamous cell carcinoma: A review of the intrapapillary capillary loop classification. Ann Gastroenterol. 2015;28(1):41–8.

4.        Ide E, Maluf-Filho F, Chaves DM, Matuguma SE, Sakai P. Narrow-band imaging without magnifcation for detecting early esophageal squamous cell carcinoma. World J Gastroenterol. 2011;17(39):4408–13.

Como citar este artigo

Pontual JP, Dica Rápida e Simples que Salva Vidas: Identifique Precocemente o Carcinoma de Células Escamosas (CEC) no Esôfago, Endoscopia Terapeutica; 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/dica-rapida-e-simples-que-salva-vidas-identifique-precocemente-o-carcinoma-de-celulas-escamosas-cec-no-esofago/




Você sabe a melhor forma de identificar e manejar os pacientes com risco aumentado de coledocolitíase?

A incidência de colelitíase sintomática entre os americanos adultos é em torno de 10%. No Brasil  estudos retrospectivos mostram uma incidência de até 9,3%.   Entre estes pacientes, 10-20% podem apresentar coledocolitíase concomitante.

A CPRE transformou o tratamento dos cálculos na via biliar principal de uma operação de grande porte em um procedimento minimamente invasivo.   Porém, apresenta uma incidência não desprezível de efeitos adversos (5-15%) como pancreatite, sangramento e perfuração.  Assim é importante selecionar de forma correta os pacientes que serão submetidos ao procedimento para evitar a realização de exames desnecessários.

A ESGE recomenda que os pacientes com colelitíase sintomática em programação de colecistectomia devem realizar a dosagem de enzimas hepáticas e ultrassom de abdome. Estes exames servem como triagem para avaliar o risco de coledocolitíase concomitante e determinar os pacientes que se beneficiariam  de uma investigação adicional.

Agora, como devemos utilizar os resultados desta triagem?

Preditores do Risco de Coledocolitíase

Em 2010 a ASGE publicou uma lista de preditores para avaliar o risco de coledocolitíase. Baseado nestes critérios os pacientes eram divididos em risco alto, intermediário e baixo risco.  Para os de alto risco a recomendação era ir direto para a CPRE. Os de risco intermediário deveriam investigar melhor através da realização de colangiorressonância ou ecoendoscoscopia antes da decisão terapêutica.  Os de baixo risco poderiam ir para colecistectomia direto. 

Tabela 1. Preditores clínicos publicados em 2010 pela ASGE.  Adaptado de Maple et al 2010.  Atenção, estes critérios foram revisados. 

Porém,  estudos posteriores utilizando estes critérios demonstraram que  a acurácia variava de 70 a 80%, levando a até 30% de CPRE desnecessárias. 

Devido a isso, tanto a associação Americana (ASGE) quanto a europeia (ESGE) revisaram estes preditores em seus guidelines mais recentes.

Os novos critérios estão resumidos na tabela abaixo:

Tabela 2 Preditores de coledocolitíase publicados pela ASGE e ESGE. Adaptado de Buxbaum et al 2019 e  Manes et al 2019.

Os pacientes com quadro de colangite ou cálculo visualizado no ultrassom de abdome ou em tomografia/RNM são considerados como de alto risco.   A ASGE inclui um critério a mais, que é a presença de Bilirrubina total maior do que 4 mg/dl associada à dilatação da via biliar como critério de alto risco.   Estes pacientes podem ser submetidos a CPRE direto, antes da colecistectomia e sem a necessidade de investigação adicional.

Os pacientes com alteração de enzimas hepáticas (TGO, TGP, FA, GGT) ou com dilatação da via biliar no ultrassom (>6 mm com vesícula in situ) são considerados de risco intermediário. Novamente a ASGE tem um critério a mais que é a idade maior do que 55 anos.  O racional para este critério é que pacientes com mais de 55 anos tem uma maior incidência de coledocolitíase não associada à alteração de enzimas hepáticas.   Os dois guidelines sugerem que os pacientes com critérios intermediários sejam submetidos à colangiorressonância ou ecoendoscopia para avaliar a presença de coledocolitíase antes da colecistectomia.  Na impossibilidade de realizar estes exames, a colangiografia intraoperatória é indicada como alternativa.

Já os pacientes que não apresentam nenhum destes critérios são considerados como de baixo risco e podem realizar a colecistectomia direto, com ou sem colangiografia intraoperatória.

Nos critérios de 2010 a pancreatite aguda era um critério de risco intermediário.  Porém, estudos confirmaram que a incidência de coledocolitíase residual após um episódio de pancreatite leve varia de apenas 10 a 30%.  Devido a isso ela deixou de ser critério de risco.  Os pacientes após a resolução da pancreatite aguda devem ser avaliados de acordo com os critérios acima. Se não apresentares critérios de alto ou médio risco podem ir para a colecistectomia direto.

E qual dos critérios eu devo seguir? ASGE ou ESGE?

Um estudo incluindo 1042 pacientes comparou os critérios da ASGE e da ESGE para a avaliação da presença de coledocolitíase.  Os resultados mostraram que os dois critérios são válidos e muito bons, com especificidade de 96,87% para os da ASGE e 98,24% para os da ESGE.

Comparando os dois critérios, o da ESGE é ligeiramente mais específico, com os critérios da ASGE apresentando um número discretamente maior de pacientes falso positivos.

Conclusão

Apesar da CPRE ser uma técnica minimamente invasiva, ela não é isenta de complicações!

Devido a isso, a avaliação da probabilidade pré-teste em pacientes com suspeita de coledocolitíase é essencial para diferenciar os pacientes que irão se beneficiar de uma avaliação mais aprofundada dos que poderão ir direto para a CPRE.

Referências

Manes G, Paspatis G, Aabakken L et al. Endoscopic management of common bile duct stones: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) guideline. Endoscopy 2019; 51: 472–491

Maple JT, Ben-Menachem T. ASGE Standards of Practice Committee. et al. The role of endoscopy in the evaluation of suspected choledocholithiasis. Gastrointest Endosc 2010; 71: 1–9




Câncer Gástrico Hereditário

Autores: Marcus Fernando Kodama Pertille Ramos e Ítalo Beltrão Pereira Simões

A maioria dos casos de câncer gástrico (CG) são esporádicos, mas cerca de 10% apresentam agregação familiar e 1 a 3% possuem uma causa hereditária. O conhecimento das síndromes hereditárias como fator causal do câncer colorretal (CCR) é bem difundido, mas no CG isso é menos divulgado, fato que pode prejudicar o diagnóstico precoce e o seguimento adequado.

O CG hereditário pode ocorrer associado a presenças de polipose ou não, como no caso das síndromes do Câncer Gástrico Difuso Hereditário, Li-Fraumeni, BRCA1, BRCA2 e Lynch. Nesse artigo descreveremos brevemente as principais síndromes de CG hereditário associadas à polipose deixando as não associadas para um artigo futuro.

1. CG HEREDITÁRIO ASSOCIADO A POLIPOSE

1.1 POLIPOSE ADENOMATOSA FAMILIAR (PAF)

A PAF decorre de uma mutação do gene supressor tumoral do gene APC causando um altíssimo risco de CCR.

Cerca de 51 a 88% dos pacientes apresentam pólipos gástricos principalmente de glândulas fúndicas (PGF). A incidência é elevada inclusiva na PAF atenuada. Eles costumam ser numerosos, e o termo polipose gástrica pode ser empregado apenas quando mais de 20 estão presentes.

Displasia de baixo grau pode estar presente em até 44% dos pólipos de glândulas fúndicas. Pólipos adenomatosos são detectados em cerca de 20% dos pacientes com PAF.

O rastreamento endoscópico alto é recomendado no momento da manifestação da polipose colônica ou a partir de 25 anos. O intervalo de realização vai depender dos achados e também de acordo com a necessidade de seguimento de adenoma de papila, quando presente, de acordo como escore de Spigelman.

Polipose gástrica em paciente com PAF. Imagens mostram inúmeros pólipos em cárdia, fundo, corpo e antro.

1.2 SÍNDROME DE PEUTZ-JEGHERS (SPJ)

A SPJ é autossômica dominante, caracterizada pelo desenvolvimento de polipose hamartomatosa gastrointestinal principalmente no jejuno associada a presença de máculas melanocíticas.

O diagnóstico clínico baseia-se na confirmação da presença de pólipos hamartomatosos associado com história familiar positiva e hiperpigmentação de mucosas, dedos e genitália externa.

Pólipos gástricos são detectados em 25% dos casos, comparados com 70-90 % encontrados no intestino delgado e 50% no cólon. O aspecto morfológico do pólipo gástrico na SPJ assemelha-se a um padrão viloso proliferação epitelial hiperplásica sendo difícil distinguir do pólipo juvenil e hiperplásico.

Displasia é raramente detectada nos pólipos mas indivíduos com SPJ tem 29% risco de desenvolver CG principalmente do tipo intestinal.

Rastreamento deve ser iniciado precocemente na infância com endoscopia inicial com periodicidade dependendo dos achados. A partir dos 50 anos, o risco de CG aumenta e a periodicidade deve ser mais frequente entre 1 a 2 anos.

Sequência de imagem mostrando pólipo em região de corpo gástrico em paciente com Síndrome de Peutz-Jeghers, imagens inferiores com magnificação de imagem.

1.3 SÍNDROME DA POLIPOSE JUVENIL

Síndrome autossômica dominante que leva ao desenvolvimento de pólipos em todo trato gastrointestinal principalmente no cólon e reto.

Critérios para suspeita clínica da síndrome incluem mais de 5 pólipos juvenis colorretais, pólipos juvenis ao longo do trato gastrointestinal ou mais de 1 pólipo juvenil com história familiar positiva. O diagnóstico definitivo é realizado de um dos critérios de suspeita clínica na presença dos genes BMPR1A e SMAD4 no teste genético.

Os pólipos juvenis são pólipos hamartomatosos que se desenvolvem a partir de um tecido normal do trato gastrointestinal. O aspecto endoscópico habitualmente é de um pólipo pediculado, multilobado, macio variando desde pequenos pólipos até pólipos gigantes. Em até 75% dos casos existem outros tipos de pólipos em conjunto.  Polipose gástrica severa pode ocorrer causando anemia, hematêmese, enteropatia com perda proteica e sintomas obstrutivos. Progressão para CG ocorre em até 21% dos casos com média de idade de 58 anos.

Rastreamento endoscópico é recomendado a partir da adolescência com endoscopias anuais.

Saiba mais sobre a polipose juvenil clicando neste post

Imagens superiores mostram pólipo juvenil hamartomatoso em região da cárdia em paciente com polipose juvenil. Imagens inferiores mostram os diferentes aspectos e tamanho dos pólipos encontrados na síndrome.

1.4 POLIPOSE ASSOCIADA AO MUTYH (MAP)

MAP é uma síndrome rara, autossômica recessiva, associada com mutação no gene MUTYH que participa de processos de reparo de DNA. Pacientes com MAP tem predisposição para o CCR, mama e ovário.

Pólipos gástricos são detectados em cerca de 10 a 33% dos casos e a maioria adenomas e PGF.

O risco de CG é baixo (2%) mas ocorre em pacientes mais jovens (mediana de 38 anos). Por outro lado, o risco de câncer duodenal é alto podendo ocorrer em 17% dos casos.

1.5 ADENOCARCINOMA GÁSTRICO COM POLIPOSE PROXIMAL (GAPPS)

Essa síndrome é caracterizada pelo desenvolvimento de uma polipose gástrica proximal incluindo o fundo e corpo formando um tapete de pequenos pólipos usualmente menores que 1 cm. O tipo histológico dos pólipos é variado podendo ser PGF, hiperplásico, adenomas e mistos.

Os critérios para diagnóstico clínico incluem detecção de mais de 100 pólipos ou mais de 30 pólipos com história familiar positiva em parente de primeiro grau, pólipos restritos ao corpo e fundo sem a presença de pólipos colorretais, morfologia de PGF com áreas de displasia ou carcinoma, exclusão de outras síndromes e uso de inibidor de bomba de prótons.

Série de casos relataram incidência de 12,7% de CG, todos do tipo intestinal.

Seguimento endoscópico deve ser realizado, mas em casos com múltiplos pólipos a avaliação de pólipos com sinais de degeneração pode ficar prejudicada sendo indicada a gastrectomia total.

Imagens de GAPPS evidenciando acometimento de corpo e fundo com diminuição progressiva no número de pólipos no estômago distal.
Tabela com resumo das principais características das síndromes genéticas relacionadas com o câncer gástrico hereditário, dividindo-as em associadas e não associadas a polipose do trato gastrointestinal.

Para saber mais sobre este tema e outros relacionados, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Referências

  1. Clauditz TS, Moore M, Setia N, et al. Syndromic gastric polyposis and hereditary gastric cancers. Diagnostic Histopathologic 2019; 26(1):39-46.
  2. Mahon SM. Hereditary Polyposis Syndromes. Gentics and Genomics 2018; 22(2): 151-6
  3. Cardoso DM. Síndromes de polipose colorretal. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindromes-de-polipose-colorretal/

Como citar este artigo

Kodama, MFKP e Simoes IBP. Câncer gástrico hereditário. Gastropedia 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/cancer-gastrico-hereditario




MAFLD versus NAFLD: implicações da mudança de nomenclatura

O termo doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA; non-alcoholic fatty liver disease, NAFLD) surgiu em 1980 para caracterizar uma doença semelhante à doença hepática gordurosa alcoólica, mas em pacientes sem consumo etílico significativo. Este conceito engloba dois espectros da doença: esteatose simples e esteato-hepatite não alcoólica (EHNA; non-alcoholic steatohepatitis, NASH), sendo o último sob o risco de progressão de fibrose hepática e evolução para cirrose e carcinoma hepatocelular.

A DHGNA é a causa mais comum de doença hepática crônica afetando um quarto da população global adulta, entretanto o seu conceito não contempla quadros metabólicos e recebe críticas por ter critérios de exclusão para a sua definição: é fundamental a exclusão de etilismo significativo (>20g/ dia em mulheres e >30g/dia em homens), outras hepatopatias crônicas (virais, autoimunes, entre outras) e uso de medicações esteatogênicas.

Em 2020, um painel de especialistas propôs uma nova definição e critérios para a DHGNA como doença hepática gordurosa metabólica (DHGM; metabolic-associated fatty liver disease, MAFLD), com o intuito de simplificar o diagnóstico através de critérios positivos e de forma independente do consumo de álcool ou de outras doenças hepáticas concomitantes.

Assim, a definição MAFLD baseia-se na evidência de esteatose hepática em adição a um ou mais de três critérios: sobrepeso/obesidade, diabetes mellitus tipo 2 ou evidência de desequilíbrio metabólico (Figura1).

Figura 1. Fluxograma com critérios para doença hepática gordurosa metabólica (DHGM). Adaptado de Eslam M, Newsome PN, Anstee QM et al.

Apesar do posicionamento favorável de diferentes sociedades de Hepatologia em adotar a nova terminologia e critérios, um amplo debate cresce no meio científico sobre o prognóstico e aplicabilidade da definição MAFLD.

Seria DHGM (MAFLD) uma melhor definição para a doença?

A adoção do novo termo envolve não somente a mudança de nome, mas também da definição da doença. Como resultado, alguns pacientes que eram previamente classificados como “lean NAFLD” (índice de massa corporal normal) podem não preencher os critérios para DHGM.

Por outro lado, paciente com esteatose hepática que previamente não eram classificados como DHGNA devido o consumo etílico significativo, outras doenças hepáticas ou causas secundárias de esteatose hepática podem ser diagnosticados como DHGM.

Tais modificações tem implicações na interpretação da doença, dos pacientes e nas pesquisas científicas.

O que os estudos mostram?

Os estudos mostram que a grande maioria dos pacientes preenche os critérios para ambos DHGNA e DHGM, entretanto, cerca de 10-25% podem preencher somente os critérios de uma das condições.

Comparando-se a acurácia da definição DHGM versus DHGNA, os estudos indicam uma maior sensibilidade para DHGM na identificação de pacientes com fibrose hepática significativa (93,9% vs 73%; valor preditivo negativo 95,5% vs 86,2%) e com maior risco cardiovascular (HR 1,43 vs 1,09).

O estudo de Kim e colaboradores demonstrou que dentre 2.702 pacientes adultos com esteatose hepática identificada por ultrassonografia abdominal, 2.044 (75,6%) preencheram os critérios de ambas as definições DHGNA e DHGM, 212 (7,8%) somente para MAFLD, 394 (14,6%) somente para DHGNA e 52 (1,9%) não preencheram critérios para nenhuma das definições. Observou-se ainda uma maior taxa de mortalidade nos pacientes com DHGM (HRa 1,66; 95% IC 1,19-2,32) e maior mortalidade por câncer (HRa 1,95; 95% IC 1,05-3,62).

DHGM (MAFLD): visão crítica

Apesar de os estudos indicarem que o grupo DHGM apresenta maior risco de complicações, esta definição falha na identificação dos potenciais pacientes com risco de desfechos desfavoráveis, em especial, nos pacientes com DHGNA, sem DHGM (Figura2).

Figura 2. Definições da doença como doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e doença hepática gordurosa metabólica (DHGM) e implicações prognósticas. Adaptado de Wong VW e Lazarus JV.

Apesar de alguns autores criticarem a aplicabilidade dos critérios para DHGM, em especial, em estudos retrospectivos, pela indisponibilidade de PCR ou HOMA-IR de todos os pacientes, recentes estudos encorajam a difundir o conceito e critérios da DHGM na avaliação dos pacientes com doença hepática gordurosa, em especial, nos pacientes que preenchem critérios para DHGM, mas não preenchem para DHGNA. Existe, assim, um grande esforço científico na proposta de modificação da terminologia e critérios da doença, no sentido de se alcançar uma melhor definição que otimize a identificação dos pacientes com esteatose hepática entre especialistas e não-especialistas na prática clínica e permita uma uniformização de terminologia nos estudos.

Referências

  1. Eslam M, Newsome PN, Sarin SK, Anstee QM, Targher G, Romero-Gomez M, Zelber-Sagi S, Wai-Sun Wong V, Dufour JF, Schattenberg JM, Kawaguchi T, Arrese M, Valenti L, Shiha G, Tiribelli C, Yki-Järvinen H, Fan JG, Grønbæk H, Yilmaz Y, Cortez-Pinto H, Oliveira CP, Bedossa P, Adams LA, Zheng MH, Fouad Y, Chan WK, Mendez-Sanchez N, Ahn SH, Castera L, Bugianesi E, Ratziu V, George J. A new definition for metabolic dysfunction-associated fatty liver disease: An international expert consensus statement. J Hepatol. 2020 Jul;73(1):202-209. doi: 10.1016/j.jhep.2020.03.039. Epub 2020 Apr 8. PMID: 32278004.
  2. Yamamura S, Eslam M, Kawaguchi T, Tsutsumi T, Nakano D, Yoshinaga S, Takahashi H, Anzai K, George J, Torimura T. MAFLD identifies patients with significant hepatic fibrosis better than NAFLD. Liver Int. 2020 Dec;40(12):3018-3030. doi: 10.1111/liv.14675. PMID: 32997882.
  3. Lee H, Lee YH, Kim SU, Kim HC. Metabolic Dysfunction-Associated Fatty Liver Disease and Incident Cardiovascular Disease Risk: A Nationwide Cohort Study. Clin Gastroenterol Hepatol. 2021 Oct;19(10):2138-2147.e10. doi: 10.1016/j.cgh.2020.12.022. Epub 2020 Dec 22. PMID: 33348045.
  4. Kim D, Konyn P, Sandhu KK, Dennis BB, Cheung AC, Ahmed A. Metabolic dysfunction-associated fatty liver disease is associated with increased all-cause mortality in the United States. J Hepatol. 2021 Dec;75(6):1284-1291. doi: 10.1016/j.jhep.2021.07.035. Epub 2021 Aug 8. PMID: 34380057.
  5. Wong VW, Lazarus JV. Prognosis of MAFLD vs. NAFLD and implications for a nomenclature change. J Hepatol. 2021 Dec;75(6):1267-1270. doi: 10.1016/j.jhep.2021.08.020. Epub 2021 Aug 28. PMID: 34464658.
  6. van Kleef LA, Ayada I, Alferink LJM, Pan Q, de Knegt RJ. Metabolic dysfunction–associated fatty liver disease improves detection of high liver stiffness: The Rotterdam Study. Hepatology. 2022;75:419–429. https://doi.org/10.1002/hep.32131



Doença do refluxo gastroesofágico no paciente com obesidade

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é bastante comum na população geral, com prevalência de 10 a 20%. Nos pacientes com obesidade essa prevalência chega a ser o dobro.

Os mecanismos envolvidos no aumento do risco de DRGE na obesidade são devidos ao aumento da pressão abdominal, levando a:

  • Aumento do relaxamento transitório do esfíncter inferior do esôfago
  • Hérnia de hiato
  • Diminuição do clearence esofágico

A prevalência da DRGE está diretamente relacionada à gravidade da obesidade e ao IMC (Índice de Massa Corpórea). Pacientes com obesidade (IMC > 30) têm mais episódios de refluxo e pior escore de DeMeester do que aqueles com sobrepeso (IMC > 25). Em candidatos à cirurgia bariátrica, aqueles com IMC > 50 têm esofagite erosiva com maior prevalência aos com IMC > 40 e assim sucessivamente. Apesar disso, é incomum o achado de esofagite grave (C/D) ou até mesmo o diagnóstico de Esôfago de Barrett.

Como deve ser a investigação da DRGE no pré-operatório da cirurgia bariátrica?

Apesar de ser rotina na maioria dos serviços de bariátrica no Brasil, até recente havia grande controvérsia na literatura internacional em relação à Endoscopia Digestiva Alta (EDA) no preparo para a cirurgia bariátrica.

A recomendação atual conforme consenso de sociedade internacional é o seguinte:

  • EDA deve ser considerada para todos os pacientes com sintomas gastrointestinais que planejam realizar cirurgia bariátrica devido à frequência de achados que podem mudar conduta
  • EDA deve ser considerada também para aqueles sem sintomas devido à chance de 25% de achados endoscópicos incidentais que podem mudar conduta ou até contraindicar a cirurgia bariátrica

Como a presença de DRGE influencia na escolha técnica da bariátrica?

Atualmente a Gastrectomia Vertical (GV) é a cirurgia bariátrica mais realizada no mundo. Entretanto, com seguimento a longo prazo, temos visto com maior frequência casos com DRGE no pós-operatório. Em algumas situações, muito sintomático e refratário à tratamento clínico, com necessidade de cirurgia revisional para conversão ao Bypass Gástrico em Y-de-Roux (BGYR).

Não há conduto, evidências fortes em relação a fatores de risco no pré-operatório que possam prever quais pacientes vão evoluir com refluxo de novo. Sabemos somente que aqueles com DRGE patológica, conforme critérios de Lyon, tendem a piorar após a GV.

Por tudo isso, a presença de DRGE deve ser ponderada na decisão conjunta com o paciente entre GV ou Bypass. De modo geral, mas não obrigatoriamente, devemos favorecer Bypass Gástrico em caso de:

  • Esofagite Erosiva graus C ou D de Los Angeles
  • Esôfago de Barrett
  • Hérnia de hiato
  • Alterações motoras do esôfago

Para saber mais sobre este tema e outros relacionados, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Referencias:

  1. Ayazi S, Hagen JA, Chan LS, DeMeester SR, Lin MW, Ayazi A, Leers JM, Oezcelik A, Banki F, Lipham JC, DeMeester TR, Crookes PF. Obesity and gastroesophageal reflux: quantifying the association between body mass index, esophageal acid exposure, and lower esophageal sphincter status in a large series of patients with reflux symptoms. J Gastrointest Surg. 2009 Aug;13(8):1440-7.
  2. Derakhshan MH, Robertson EV, Fletcher J, Jones GR, Lee YY, Wirz AA, McColl KE. Mechanism of association between BMI and dysfunction of the gastro-oesophageal barrier in patients with normal endoscopy. Gut. 2012 Mar;61(3):337-43.
  3. Brown WA, Johari Halim Shah Y, Balalis G, Bashir A, Ramos A, Kow L, Herrera M, Shikora S, Campos GM, Himpens J, Higa K. IFSO Position Statement on the Role of Esophago-Gastro-Duodenal Endoscopy Prior to and after Bariatric and Metabolic Surgery Procedures. Obes Surg. 2020 Aug;30(8):3135-3153. doi: 10.1007/s11695-020-04720-z. PMID: 32472360.
  4. Bolckmans, R., Roriz-Silva, R., Mazzini, G.S. et al. Long-Term Implications of GERD After Sleeve Gastrectomy. Curr Surg Rep 9, 7 (2021).
  5. Sebastianelli L, Benois M, Vanbiervliet G, Bailly L, Robert M, Turrin N, Gizard E, Foletto M, Bisello M, Albanese A, Santonicola A, Iovino P, Piche T, Angrisani L, Turchi L, Schiavo L, Iannelli A. Systematic Endoscopy 5 Years After Sleeve Gastrectomy Results in a High Rate of Barrett’s Esophagus: Results of a Multicenter Study. Obes Surg. 2019 May;29(5):1462-1469.

Como citar este artigo

Dantas, A. Doença do refluxo gastroesofágico no paciente com obesidade. Gastropedia; 2022 Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/?p=13468




Tratamento do Volvo de Cólon e da Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie)

As obstruções de cólon podem ser mecânicas ou não mecânicas e constituem cerca de 25% de todas as obstruções intestinais. Entre as causas mecânicas, as mais comuns são:

  1. tumor obstrutivo no cólon ou reto (60%);
  2. estenose cicatricial por diverticulites prévias (10%);
  3. volvo do cólon (15 a 20%).

O volvo do cólon é a torção de um segmento redundante do cólon em seu mesentério que pode levar à oclusão luminal do segmento torcido e isquemia por rotação do mesocólon e, consequentemente, à perfuração.

Embora o volvo do cólon possa ocorrer em qualquer segmento redundante, envolve mais comumente o sigmóide (60%–75% de todos os casos) e ceco (25%–40% de todos os casos).

O volvo de sigmóide ocorre principalmente durante a 6ª a 8ª décadas de vida, sendo mais comum em homens, pacientes institucionalizados, pacientes com constipação crônica, comprometimento neuropsicológico ou comorbidades descompensadas. Por outro lado, o volvo de ceco, geralmente se apresenta em pacientes mais jovens e tem predominância do sexo feminino.

Já a pseudo-obstrução aguda do cólon, ou síndrome de Ogilvie, é uma causa funcional não mecânica de obstrução que se acredita ser uma consequência da desregulação dos impulsos autônomos da inervação do cólon. Há grande distensão do cólon sem fator obstrutivo, mas que também pode evoluir para isquemia e perfuração. As apresentações clínicas variam de acordo com o grau de distensão, se a válvula ileocecal é competente ou não e a condição clínica do paciente. Mais comumente, a síndrome de Ogilvie afeta pacientes idosos ou pacientes internados por motivos não relacionados, incluindo cirurgia eletiva, trauma ou tratamento de uma condição médica aguda.

Aqui apresentamos algumas recomendações das diretrizes da Sociedade Americana de Cirurgia Colorretal para a condução desses casos.

Volvo de Cólon

  • Avaliação inicial com história, exame físico e exames laboratoriais básicos. Os sintomas podem incluir cólicas, náuseas, vômitos, desconforto abdominal. O volvo de sigmóide geralmente tem apresentação mais indolente, enquanto o volvo de ceco costuma ter apresentação mais aguda. No exame físico, em geral há distensão abdominal com diferentes graus de dor à palpação, até peritonite. O toque retal revela uma ampola retal vazia. Apresentação na emergência com peritonite e sinais de choque acontecem em 25 a 35% dos casos.
  • Em pacientes hemodinamicamente estáveis, uma radiografia de abdome auxilia na avaliação inicial (achado de “grão de café” e, em pacientes com válvula ileocecal incompetente, distensão de delgado). Tomografia é usada para confirmar o diagnóstico.
RX de abdomen mostrando o sinal do “grão de café”, indicativo de volvo de cólon

Volvo de Sigmóide

  • Pacientes hemodinamicamente estáveis, sem sinais de peritonite ou evidência de perfuração devem ser submetidos a retossigmoidoscopia para avaliar a viabilidade do sigmoide, desfazer a torção e descomprimir o cólon, terapia efetiva em 60 a 95% dos casos. É possível manter uma sonda para descompressão após a retossigmoidoscopia. A taxa de recorrência é de 43 a 75% nos casos que não são submetidos a intervenção cirúrgica posterior.
  • Sigmoidectomia de urgência é indicada quando a distorção endoscópica não é bem-sucedida e nos casos de sofrimento do cólon ou perfuração, assim como em pacientes com sinais de peritonite ou choque séptico. Após a ressecção do segmento torcido, a decisão de realizar uma anastomose primária, colostomia terminal ou anastomose com derivação deve ser individualizada considerando o contexto clínico do paciente no momento da cirurgia, as condições do cólon remanescente e as comorbidades.
  • Pacientes submetidos à distorção endoscópica bem-sucedida são candidatos à colectomia segmentar durante a mesma internação hospitalar para evitar volvo recorrente e suas complicações. As operações sem ressecção, incluindo apenas distorção, sigmoidopexia e mesosigmoidoplastia, são inferiores à colectomia para a prevenção de volvo recorrente.
  • A fixação endoscópica do sigmóide pode ser considerada em pacientes selecionados nos quais a intervenção cirúrgica tem risco proibitivo.

Volvo de Ceco

  • Tentativas de redução endoscópica do volvo de ceco não são recomendadas.
  • Ressecção segmentar é o tratamento de escolha para pacientes com volvo de ceco. Ceco inviável ou isquêmico está presente em 18% a 44% dos pacientes com volvo de ceco e está associado a uma taxa de mortalidade significativa.
  • No caso de volvo de ceco com intestino viável, o uso de procedimentos cirúrgicos sem ressecção deve ser limitado a pacientes sem condições clínicas para ressecção.

Pseudo-Obstrução Aguda do Cólon (Síndrome de Ogilvie)

  • A avaliação inicial deve incluir história e exame físico, exames laboratoriais e diagnóstico por imagem.
    Na ausência de febre, leucocitose, peritonite, pneumoperitôneo ou diâmetro do ceco > 12 cm, a terapia inicial consiste na correção de distúrbios hidroeletrolíticos, reposição volêmica, evitar ou minimizar uso de opióides, evitar medicamentos anticolinérgicos e identificar e tratar infecções concomitantes. Também é recomendável deambulação, jejum, manobras de posicionamento (genu-peitoral ou prona) para promover a motilidade intestinal e descompressão com sondas nasogástricas e retais. Laxantes osmóticos orais devem ser evitados porque podem piorar a dilatação do cólon. Radiografias de abdome fazem parte da avaliação diária, acompanhado do exame físico.
  • O tratamento inicial é de suporte clínico e inclui a exclusão ou correção de condições que predispõem os pacientes ao quadro ou prolongam seu curso.
  • O tratamento farmacológico com neostigmina é indicado quando o quadro não se resolve com terapia de suporte.
  • A descompressão endoscópica do cólon deve ser considerada em pacientes com Ogilvie nos quais a terapia com neostigmina é contraindicada ou ineficaz.
  • O tratamento cirúrgico é recomendado nos casos complicados por isquemia ou perfuração do cólon ou refratários a terapias farmacológicas e endoscópicas.



Teste seus conhecimentos respondendo esses QUIZ!

Referências:

  1. Alavi K, Poylin V, Davids JS, Patel SV, Felder S, Valente MA, Paquette IM, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Management of Colonic Volvulus and Acute Colonic Pseudo-Obstruction. Dis Colon Rectum. 2021 Sep 1;64(9):1046-1057. doi: 10.1097/DCR.0000000000002159. PMID: 34016826.
  2. Yeo HL, Lee SW. Colorectal emergencies: review and controversies in the management of large bowel obstruction. J Gastrointest Surg. 2013;17:2007–2012.
  3. Bauman ZM, Evans CH. Volvulus. Surg Clin North Am. 2018;98:973–993.
  4. Quénéhervé L, Dagouat C, Le Rhun M, et al. Outcomes of first-line endoscopic management for patients with sigmoid volvulus. Dig Liver Dis. 2019;51:386–390.



METAPLASIA INTESTINAL EM ENDOSCOPIA DE ROTINA: Tem importância? Preciso seguir?

O câncer gástrico é a terceira maior causa de morte por câncer no mundo.

O seu subtipo mais comum é o câncer gástrico não cárdico do tipo intestinal, que passaremos a chamar aqui genericamente de câncer gástrico (CG). Tem como principal fator de risco a infecção crônica pelo H. pylori, respondendo por cerca de 80% da incidência global de câncer gástrico. 

Este subtipo de câncer gástrico emerge a partir de alterações histopatológicas progressivas na mucosa gástrica, conhecidas como sequência ou cascata de Pelayo Correa, que tem na infecção pelo H. pylori o seu principal gatilho. Essa sequência se inicia com a mucosa normal, passa pela gastrite não atrófica crônica, gastrite atrófica crônica, metaplasia intestinal, displasia e finalmente chega à transformação maligna. 

A metaplasia intestinal gástrica (MIG) é encontrada frequentemente em exames de rotina e diversas incertezas e desconhecimentos sobre sua importância, aliados à pobre informação sobre o risco individual de câncer gástrico do paciente, geram múltiplas abordagens no manejo desse achado, mesmo entre especialistas atentos ao assunto. 

Recentemente, a American Gastroenterological Association (AGA) publicou recomendações baseadas em evidências com o intuito de guiar o manejo da metaplasia intestinal na ausência de neoplasia gástrica (câncer ou displasia). O que fazer em casos de MIG?  

A publicação traz as seguintes perguntas chave: 

  • Pesquisar e tratar H. pylori alteram desfechos importantes em pacientes com MIG
  • Em paciente com MIG e classificados como de baixo risco, o seguimento endoscópico altera desfechos importantes versus nenhum seguimento? 
  • E em pacientes de alto risco? 
  • Em pacientes sem displasia, o seguimento precoce (< 1 ano) com biópsias para determinar a extensão da MIG altera desfechos relevantes? 

Desfechos relevantes bons: 

  • Detecção precoce de CG 
  • Redução de morbi/mortalidade 

Desfechos relevantes ruins: 

  • Potenciais complicações da endoscopia 
  • Efeitos psicológicos ligados à ansiedade gerada pelo seguimento 
  • Consumo de recursos 

Pesquisar e tratar H. pylori alteram desfechos importantes em pacientes com MIG

Recomendação 1: Em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA recomenda pesquisa de H. pylori seguida de erradicação. Recomendação forte, qualidade de evidência moderada.

A erradicação de H. pylori em paciente com ou sem MIG foi associada a redução de 32% no risco relativo de incidência de CG e 33% no risco relativo de mortalidade por CG, quando comparada a placebo. Os dados não foram suficientes para avaliar o impacto da erradicação de H. pylori na mortalidade por CG em pacientes com MIG confirmada. A confirmação da erradicação após o tratamento é recomendada, pela a possibilidade de falha terapêutica, mas o documento não aborda a melhor estratégia de confirmação a ser empregada. 

Em paciente com MIG, classificados como de baixo risco, o seguimento endoscópico altera desfechos importantes versus nenhum seguimento? 

Recomendação 2: Em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA se posiciona contrária ao seguimento endoscópico de rotina. Recomendação condicional, evidência de muito baixa qualidade. 

Comentário: pacientes com metaplasia intestinal com risco aumentado de CG que acreditem numa redução na mortalidade pelo câncer (incerta) e não valorizem eventuais riscos de exames recorrentes podem aderir ao seguimento endoscópico.

Pacientes com risco aumentado incluem: 

  • MIG incompleta; 
  • MIG extensa (que acometa corpo gástrico); 
  • Minorias étnicas; 
  • Imigrantes de áreas de alta incidência.

Recomendação 3: em pacientes com metaplasia intestinal gástrica, a AGA se posiciona contrária à endoscopia precoce (< 1 ano) para estratificação de risco. Recomendação condicional, evidência de muito baixa qualidade. 

Sobre a não recomendação de seguimento endoscópico em pacientes com MIG, pesaram alguns pontos. A prevalência estimada de MIG é de 4,8%, fazendo com que qualquer recomendação de seguimento endoscópico traga grande impacto a uma grande proporção de pacientes. Além disso, a taxa anual de progressão para CG em indivíduos com MIG é de 0,16%, número inferior aos 0,33% ao ano estimados na progressão para adenocarcinoma esofágico em pacientes com esôfago de Barrett. 

O estudo não encontrou ensaios randomizados controlados, estudos de cohort ou caso-controle avaliando o impacto do seguimento endoscópico sobre os riscos de CG em pacientes com MIG. Em razão disso, a AGA recomenda a decisão compartilhada quanto à adesão ou não a seguimento endoscópico. 

Pacientes com MIG considerados com risco aumentado para CG incluem aqueles com metaplasia intestinal incompleta (3,3 x RR versus MIG completa, evidência de baixa qualidade); história familiar de CG (4,5 x RR, evidência de muito baixa qualidade) e MIG extensa (corpo gástrico + antro ou incisura) versus MIG limitada – antro e ou incisura- (2,1 x RR, com evidência de muito baixa qualidade). 

O artigo menciona que, nos Estados Unidos, raramente os laudos histológicos relatam se a MIG é completa ou incompleta e o mesmo ocorre em boa parte no nosso meio. Isso limitaria a viabilidade da adoção desse critério na definição do seguimento. O entendimento da extensão da MIG depende da prática de obtenção de amostras em frascos separados nos diferentes seguimentos gástricos, outra prática pouco comum. 

Pacientes com MIG com risco comum ou de alto risco, que apostem na redução do risco de CG, (mesmo na ausência de evidências diretas que a suportem) e minimizem potenciais riscos do seguimento endoscópico podem optar por aderir ao seguimento na tomada de decisão. 

Não existem dados suficientes para definir o intervalo ideal entre exames no seguimento endoscópico. Com base em evidências indiretas, considerando risco cumulativo de CG em pacientes com MIG, a avaliação endoscópica pode ser feita a cada 3 a 5 anos, com estudo cuidadoso da mucosa, incluindo biópsias do corpo e antro, além de qualquer lesão suspeita. 

Pacientes com risco aumentado que optem pelo seguimento endoscópico poderiam ser elegíveis para uma endoscopia precoce (< 1 ano) com o intuito de assegurar maior qualidade na endoscopia índice, revendo a extensão da MIG, obtendo amostras separadas, ou identificando outras áreas suspeitas. No entanto, a revisão técnica não encontrou evidências que suportem essa conduta. 

De maneira geral, as recomendações da AGA estão alinhadas e diferem pouco das previamente publicadas pela ASGE e ESGE em pacientes com MIG. A ASGE, no entanto, recomenda o seguimento para pacientes de risco aumentado por etnia ou história familiar. Recomenda ainda a suspensão do seguimento caso haja dois exames consecutivos sem displasia. A ESGE recomenda seguimento endoscópico a cada 3 anos em pacientes com gastrite atrófica avançada ou que tenham MIG em antro e corpo, e/ou OLGA III/IV. Sugere ainda àqueles que tenham história familiar associada a esses achados que considerem redução do intervalo para 1 ou 2 anos (recomendação fraca, evidências de baixa qualidade). 

Como se vê, as recomendações atuais nesse tema são muitas vezes imprecisas e dependem de fatores que dificultam a aplicação de regras uniformes e que tenham fortes evidências que as suportem. Nesse cenário, a visão individualizada e o exame cuidadoso ganham importância ainda maior na seleção dos pacientes que merecem cuidados especiais. Estar atento a dados clínicos, como a história familiar, e achados endoscópicos muitas vezes não valorizados em exames de rotina pode fazer a diferença na vida desses pacientes. 

Referências

  1. AGA Clinical Practice Guidelines on Management of Gastric Intestinal Metaplasia. Samir Gupta, Dan Li, Hashem B. El Serag, Perica Davitkov, Osama Altayar, Shahnaz Sultan, Yngve Falck-Ytter, Reem A. Mustafa. Gastroenterology. 2020 Feb; 158(3): 693–702. doi: 10.1053/j.gastro.2019.12.003
  2. Gastric Cancer: overview. Correa, P. Gastroenterol Clin N Am 42 (2013) 211–217. doi: 10.1016/j.gtc.2013.01.002

Leitura associada




Highlights sobre diagnóstico de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) – novo guideline do American College of Gastroenterology (ACG)  2022

A lot has changed, much remains the same”. Com essa premissa, o American College of Gastroenterology (ACG) publicou o seu mais novo Guideline para diagnóstico e conduta em Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) no início de 2022, atualizando as suas recomendações gerais neste tema após quase 10 anos.

Sabemos que o diagnóstico de certeza de DRGE pode ser desafiador. Não há um padrão-ouro e, portanto, por vezes é necessário que montemos um quebra-cabeça com manifestações clínicas, resposta à terapia, achados endoscópicos e monitorização prolongada do refluxo. A Tabela 1 resume as principais recomendações dessa diretriz, ao passo que o Fluxograma 1 sugere a abordagem sugerida para diagnóstico de DRGE.

Tabela 1: Recomendações diagnosticas

Abordagem diagnóstica Comentários Recomendação ACG 2022
Diagnóstico clínico (sintomas + terapia empírica) – Pirose e regurgitação são os principais sintomas típicos- Manifestações extra-esofágicas incluem rouquidão, pigarro, tosse crônica, globus, laringite, faringite, fibrose pulmonar e exacerbação de asma. A avaliação deles é desafiadora: mesmo em pacientes com diagnóstico estabelecido de DRGE, pode ser difícil estabelecer que a DRGE é realmente a causa desses problemas – Para pacientes com sintomas típicos sem sinais de alarme*: prescrever terapia empírica com IBP 1x/dia (em jejum) por 8 semanas
– Em pacientes com dor torácica não cardíaca sem pirose: recomendado teste objetivo para DRGE** ao invés de terapia empírica
– Sintomas extraesofágicos isolados não são suficientes para diagnóstico de DRGE: é necessário realizar teste objetivo**
Esofagograma (EED) – Em um estudo prospectivo, apenas metade dos pacientes com refluxo anormal no exame baritado apresentavam alteração na pHmetria. – Não recomendado como teste diagnóstico em DRGE
Endoscopia digestiva alta (EDA) – Esofagite erosiva (EE) grau A de Los Angeles não é suficiente para diagnóstico
– EE grau B pode ser diagnóstica se presença de sintomas típicos e resposta ao IBP
– EE graus C e D ou Barrett longo (> 3 cm) confirmam o diagnóstico de DRGE
– Primeiro exame a ser realizado se presença de sinais de alarme* ou em pacientes com múltiplos fatores de risco para Esôfago de Barrett
– Realizar se ausência de resposta ao IBP empírico por 8 semanas
– Realizar se recidiva dos sintomas após suspensão do IBP 
– Exame diagnóstico deve ser realizado idealmente 2-4 semanas após suspensão de IBP
– Em pacientes com EE graus C e D, deve-se repetir a EDA após terapia para assegurar que houve cicatrização e para avaliar a presença de possível Esôfago de Barrett (que pode ser difícil de detectar em casos de esofagite grave)
Manometria esofágica – Pode avaliar alterações de motilidade associadas à DRGE (hipotonia da junção esofagogástrica e motilidade esofágica ineficaz), mas não são achados específicos – Não recomendada como teste diagnóstico em DRGE
– Necessária antes de exames de monitorização de refluxo para definir a posição da sonda
– Necessária antes de indicar procedimentos antirrefluxo, principalmente para descartar acalásia
Monitorização prolongada de refluxo (pHmetria e impedâncio-pHmetria) – A variável mais importante é o tempo total de exposição ácida
– O uso de sondas de pHmetria com dois canais para documentar o refluxo em esôfago proximal é questionável (resultados muito variáveis)
– Realizar SEM IBP por pelo menos 7 dias se endoscopia sem evidência objetiva de DRGE***
– Realizar EM USO DE IBP se já há evidência objetiva de DRGE*** para avaliar sintomas refratários (preferencialmente a impedâncio-pHmetria, pois permite a avaliação de refluxo não ácido)
*Sinais de alarme: Disfagia, perda de peso, sangramento, vômitos, anemia
**Teste objetivo para DRGE: EDA ou monitorização prolongada de refluxo
***Evidência objetiva de DRGE em endoscopia: Esofagite erosiva Los Angeles C ou D, Barrett longo (> 3 cm)

Fluxograma 1: Abordagem diagnóstica para Doença do Refluxo Gastroesofágico (American College of Gastroenterology, 2022)

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Referência

[1] Katz PO, Dunbar KB, Schnoll-Sussman FH, Greer KB, Yadlapati R, Spechler SJ. ACG Clinical Guideline for the Diagnosis and Management of Gastroesophageal Reflux Disease. Am J Gastroenterol 2022;117:27–56. doi:10.14309/ajg.0000000000001538.

Como citar este artigo

Lages, RB. Highlights Sobre Diagnóstico De Doença Do Refluxo Gastroesofágico (Drge) – Novo Guideline Do American College Of Gastroenterology (Acg)  2022. Endoscopia Terapêutica 2022, vol II. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/highlights-sobre-diagnostico-de-doenca-do-refluxo-gastroesofagico-drge-novo-guideline-do-american-college-of-gastroenterology-acg-2022




Microcálculos e barro biliar – Quais seus valores para a prática clínica?

A doença calculosa da vesícula biliar é responsável por grande volume das cirurgias eletivas dentro do nosso sistema de saúde e as complicações da doença biliar geram inúmeros atendimentos e internações de urgência: colecistite aguda, pancreatite aguda biliar, coledocolitíase e colangite aguda.

Nos Estados Unidos há dados que demonstram prevalência de colelitíase de 6% na população masculina e 9% em pacientes do sexo feminino. Há poucos estudos nacionais, cada um demonstrou prevalência variável, mas todos acima de 5% da população brasileira e com predominância no sexo feminino. 

Dentre as suas formas de apresentação, o barro biliar e a microlitíase são achados menos frequentes e discute-se se seriam um passo intermediário na formação dos cálculos biliares. Nesse artigo descreveremos seus conceitos e principais repercussões clínicas.

Barro Biliar

O barro biliar é mais comumente formada de cristais de colesterol a partir da estase biliar, mas sua composição pode variar de acordo com a etiologia2 (complexos de cálcio-ceftriaxone, por exemplo).

Frequentemente relatado em situações específicas que predispõem estase biliar ou formação de cristais como: nutrição parenteral, doentes críticos, uso de ceftriaxone e gestação como exemplos mais comuns. Nessas situações, o barro biliar possui potencial reversível e, caso paciente não apresente complicações da doença biliar, recomenda-se observação até a retirada do fator causal.

Descrito principalmente como um achado ultrassonográfico, a vesícula biliar apresenta um conteúdo hipoecogênico que se deposita formando nível em relação a bile mais fluída e sem formar sombra acústica posterior. O barro biliar muda de posição lentamente de acordo com o decúbito do paciente.

Figura 1 – Ultrassonografia transabdominal demonstrando barro biliar hipoecogênico formando nível conforme a gravidade, sem formação de sombra acústica posterior.

Em estudos observacionais apresenta evolução variável, podendo regredir espontaneamente em até 20% dos casos seguidos por 3 anos. Entretanto, em paciente elegíveis; recomenda-se o tratamento cirúrgico preferencialmente a colecistectomia videolaparoscópica quando há sintomas compatíveis com obstrução biliar ou se vigência de doença biliar complicada.

Microlitíase

É definida como presença de cálculos menores que 3 mm. Devido a suas dimensões possui difícil visualização via ultrassonografia transabdominal. Assim, situações clínicas de alta suspeita de litíase biliar com ultrassonografia transabdominal negativa podem ser melhor esclarecidas via ecoendoscopia (exame que pode chegar a sensibilidade de 95% para esse diagnóstico). 4

Figura 2 – Achado ecoendoscópico de microlitíase biliar – microcálculos hiperecogênicos em suspensão na vesícula biliar (aspecto de céu estrelado).

Como esse achado depende, muitas vezes, de um exame de alta complexidade e pouco disponível como a ecoendoscopia; a quase totalidade do casos de microlitíase são de pacientes com sintomas de cólica biliar ou após doença biliar complicada. Além disso, acredita-se que os microcálculos possuem um maior potencial de migração devido às suas dimensões. Por isso, recomenda-se o tratamento cirúrgico preferencialmente a colecistectomia videolaparoscópica

Por fim, é importante ressaltar que a literatura disponível para essas formas de apresentação da doença calculosa da vesícula biliar é focada em paciente sintomáticos ou em investigação etiológica de doença biliar complicada.  Dessa forma, onde se tem maior disponibilidade de exames no contexto de paciente assintomático, recomenda-se cautela frente a esses achados para não oferecermos procedimentos fúteis ao paciente.

Referências

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