Estenose biliar indeterminada – importantes conceitos que você precisa conhecer

A apresentação clínica das estenoses biliares é ampla, variando de imagens incidentais e achados laboratoriais a sintomas de icterícia, dor abdominal, prurido e colangite, logo, uma história clínica detalhada pode fornecer importantes informações acerca da sua etiologia.

Considera-se estenose biliar um estreitamento da árvore biliar que pode ser causado por uma miríade de etiologias, algumas benignas, outras conferindo risco de vida. Existem três classes de estenoses biliares: benignas, malignas e indeterminadas. Infelizmente, apenas a minoria delas (15% a 24%) é benigna. A diferenciação entre benignas e malignas requer uma avaliação diagnóstica complexa, sendo a Endoscopia uma ferramenta imprescindível, especialmente por permitir amostragem de tecido.

Estenose Biliar Maligna:

  • A causa mais comum de estenose maligna do ducto biliar é o adenocarcinoma de pâncreas. Como o câncer pancreático é frequentemente diagnosticado em estágio avançado, 70% dos pacientes já apresentam estenose no momento do diagnóstico.
  • A segunda causa mais comum é o colangiocarcinoma, um tumor primário do próprio ducto biliar.

Quanto a topografia das estenoses no ducto biliar:

  • Distais – a neoplasia maligna do pâncreas deve sempre ser a consideração mais importante, independentemente de existir massa identificável em imagens transversais ou não.
  • Proximais – a suspeita de colangiocarcinoma deve ser a mais aventada.

Estenose Biliar Benigna:

  • A causa mais comum é lesão iatrogênica, sobretudo pós-colecistectomia ou pós-transplante hepático.
  • Várias condições inflamatórias também podem resultar em estenoses, principalmente a Colangite Esclerosante Primária e a Colangite Esclerosante relacionada a IgG4. No entanto, como a maioria das estenoses biliares se revela maligna ao cabo da investigação, é sempre essencial descartar malignidade nesses pacientes.

Estenose Biliar Indeterminada (EBI):

  • Conceito: na maioria das publicações postula-se que o termo se refere a uma estenose cuja etiologia não foi estabelecida por radiologia, seja Tomografia Computadorizada ou Ressonância Magnética (pelo fato de não possuir uma massa óbvia em imagens transversais) E a CPRE com biópsia transpapilar (guiada por fluoroscopia) e/ou escovado citológico também falhou em elucidar.
  • Observem que destacamos o “E” pois, apesar de ser o entendimento majoritário, há divergências no sentido de considerar que estas duas etapas seriam aditivas. Ou seja, a aparência imaginológica não conclusiva de malignidade conferiria o status de indeterminada, dispensando a realização da CPRE, visto que a acurácia diagnóstica dos procedimentos descritos acima não é boa.

  • É fato, contudo, que a CPRE com biópsia transpapilar (guiada por fluoroscopia) e/ou escovado continua sendo o procedimento padrão em muitos serviços nesses casos, sobretudo pela indisponibilidade da Colangioscopia. Porém, diante dos resultados atualmente publicados e muito promissores com as biópsias diretas guiadas pela Colangioscopia, é possível que haja mudança nesta sequência propedêutica.

EBI continuam a apresentar um desafio diagnóstico para os médicos e representam 20% de todas as estenoses biliares após a avaliação inicial. Muito embora a maioria das estenoses biliares seja considerada maligna, até 20% das peças cirúrgicas são descobertas como benignas, desta forma, o diagnóstico incorreto pode levar a cirurgias desnecessárias ou atrasos no tratamento (quando efetivamente malignas).

Um breve panorama das tecnologias mais acessíveis que podem ajudar a estabelecer a etiologia das estenoses indeterminadas

CPRE com escovado citológico e/ou biópsia transpapilar guiada por fluoroscopia:

  • continua sendo a abordagem inicial para avaliação, no entanto o rendimento diagnóstico é muitas vezes decepcionante
  • Navaneethan et al. realizaram uma metanálise demonstrando que a sensibilidade do escovado citológico é de 45%, com uma especificidade de 99% para o diagnóstico de estenoses malignas, enquanto a sensibilidade da biópsia foi de 48,1% e a sensibilidade foi de 99,2%. A combinação dos dois métodos aumenta a sensibilidade apenas para 59,4%. Da mesma forma, estudos prospectivos recentes mostraram uma sensibilidade de 46-56% e especificidade de 100% com biópsias e escovado associados. Isto sugere que tanto o escovado quanto a biópsia resultam em precisão semelhante, e a combinação das estratégias aumenta apenas modestamente a sensibilidade.

Colangioscopia:

  • O sistema de Colangioscopia direta foi introduzido em 2007, sendo desenvolvido para exame com operador único. Atualmente, existem colangioscópios com melhor resolução de imagem, maior nitidez, melhor manuseabilidade e versatilidade no uso de acessórios.
  • Um recente estudo controlado randomizado (Gerges et al.) de 57 pacientes comparou o uso da colangioscopia digital de operador único com biópsias diretas à CPRE com escovado em pacientes com EBI. A sensibilidade da Colangioscopia foi de 68,2% vs. 21,4% para CPRE com escovado (p < 0,01). Da mesma forma, uma metanálise de Navaneethan et al. de 10 estudos (456 pacientes) calculou uma sensibilidade combinada de 60,1% e especificidade de 98% com biópsias guiadas por Colangioscopia.

Ultrassonografia Endoscópica (USE)

  • Ao contrário das outras modalidades endoscópicas, a USE também oferece a oportunidade de avaliação do parênquima pancreático e da linfadenopatia regional para potencial FNA. Ela tem sido frequentemente utilizada para a avaliação de doenças da árvore biliar e suas estruturas circundantes.
  • Em duas revisões sistemáticas, a sensibilidade da aspiração com agulha fina guiada por USE após uma CPRE não diagnóstica foi de 77% e 89%, com especificidade de 100%. Uma metanálise de Chiang et al. de 10 estudos (1.162 pacientes) mostrou um incremento de 14% após uma CPRE não diagnóstica. O rendimento diagnóstico USE depende em parte da localização da estenose. Uma meta-análise de 2016 de 13 estudos relatou uma sensibilidade combinada de 83% para aspiração por agulha fina de estenoses biliares distais em comparação com a sensibilidade combinada de 76% para estenoses biliares proximais.

Apesar da tecnologia atual ajudar na definição da etiologia das EBI em muitos casos, ainda existem alguns outros considerados “negativos” durante a investigação, mas que persistem com suspeita de malignidade e terminam por realizar cirurgia. Assim, espera-se das novas tecnologias não somente alta precisão diagnóstica, como também alto valor preditivo negativo, justamente a fim de  evitar cirurgias desnecessárias. Isto é especialmente válido para a Colangioscopia, cujos critérios endoscópicos ainda não estão totalmente estabelecidos e há falta de consenso sobre terminologia e descrição dos achados, razão pela qual a histologia continua sendo o padrão-ouro para o diagnóstico.

Referências Bibliográficas

  1. Nichol S. Martinez et al. Determining the Indeterminate Biliary Stricture: Cholangioscopy and Beyond. Current Gastroenterology Reports (2020) 22:58.
  2. Robert Dorrell et al. The Diagnostic Dilemma of Malignant Biliary Strictures. Diagnostics 2020, 10, 337.
  3. Chencheng Xie et al. Indeterminate biliary strictures: a simplified approach. Expert Review Of Gastroenterology & Hepatology, 2018.
  4. Petko Karagyozov et al. Role of digital single-operator cholangioscopy in the diagnosis and treatment of biliary disorders. World J Gastrointest Endosc 2019 January 16; 11(1): 31-40. DOI: 10.4253/wjge.v11.i1.31.

Como citar esse artigo

Brasil, G. Estenose biliar indeterminada – importantes conceitos que você precisa conhecer. Endoscopia Terapêutica 2022, vol II. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/estenose-biliar-indeterminada-importantes-conceitos-que-voce-precisa-conhecer




Assuntos Gerais: Estenose Péptica de Esôfago

As estenoses pépticas são as estenoses benignas mais comuns do esôfago, porém, seu diagnóstico tem diminuído muito ao longo dos anos, principalmente devido ao uso dos inibidores de bomba de próton (IBP).

A avaliação endoscópica inicial da estenose é fundamental, e deve ser sempre voltada a descartar malignidade, com realização de múltiplas biópsias. Estenose que não permitem a passagem do aparelho, podem ser avaliada com endoscópios finos, se o serviço tiver tal aparelho. Estenoses não ultrapassadas pelo aparelho, devem ser avaliadas com exame de imagem contrastado, como um esofagograma com bário.

As estenoses pépticas em geral são simples, ou seja, curtas (menores que 2 cm – foto 1), retilíneas, e localizadas no terço distal do esôfago, e em geral apresentam boa resposta ao tratamento endoscópico.  Tais estenoses podem estar associadas a outras complicações de refluxo crônico, como esôfago de Barret por exemplo (foto 2).  Deve-se lembrar de outras causas de estenose, como a esofagite eosinofílica, novamente, mostrando a importância das biópsias da área estenosada.

Foto 1 : Estenose distal.
Foto 2 : Estenose com Barret associado.

TRATAMENTO

Clínico

 É de fundamental importância o tratamento com IBP (seja dose simples ou dobrada), visando o controle do Refluxo Gastresofágico, visando o controle da esofagite e a recidiva da estenose, ou pelo menos aumentando o tempo entre as dilatações em casos refratários

Endoscópico

A escolha da terapia endoscópica se baseia no tipo de estenose, extensão e experiência do endoscopista.

A primeira escolha é o tratamento com dilatação, tanto com balão, quanto por sondas dilatadoras, não havendo diferença entre elas nos estudos realizados, sendo a escolha baseada na preferência do endoscopista. As dilatações com sonda tem a vantagem de exercerem forca radial e longitudinal, enquanto os balões apenas radial, mas estes tem a vantagem de serem facilmente acompanhados por fluoroscopia. Os balões são preferidos em estenoses muito “justas” ou anguladas, em geral são do tipo TTS (pelo canal do aparelho) e estagiados, com tamanho máximo de 20mm.

O uso das sondas dilatadoras (as mais comuns são as do tipo Savary-Gilliard) é baseado na sensibilidade tátil do endoscopista. Em geral, se aplica a “regra dos 3”. De forma arbitrária se escolhe a sonda de tamanho estimado da estenose, ou a primeira sonda que oferecer resistência a passagem (esta a importância da experiência do endoscopista), e a partir desta, se dilata com três sondas subsequentes, com aumentos de 1mm cada na mesma sessão (foto 3).

Foto 3 : Aspecto após dilatação com sonda.

Não há consenso sobre o calibre ideal a se atingir com as dilatações, mas em geral 15-16 mm é o objetivo inicial, pois em geral apresentam remissão mais durável.

Após as dilatações, deve-se avaliar o trajeto dilatado, investigando por complicações (sangramentos importante, lacerações profundas ou perfurações evidentes- videos 1 e 2).

Video 1 : Aspecto final após dilatação com sonda de 12mm (paciente 1)

Video 2 : Aspecto final após dilatação com sonda de 12mm (paciente 2)

O uso de fluoroscopia é indicado, principalmente em estenoses mais complexas. O uso de fio guia associado também é importante, sendo a fluoroscopia fundamental quando necessária a passagem de próteses.

Estenose refratária e recidivante (ou recorrente)

Estenose refratária é aquela em que não se consegue atingir o calibre almejado (15-16 mm) em 4-5 sessões

Estenose recidivante (ou recorrente) é aquela que não se mantém mesmo após ter atingido o calibre almejado inicialmente

  • A injeção de esteroides pode ser utilizada em casos onde ocorram recidivas. O mais utilizado é a triancinolona (40mg diluídos em 4 ml, sendo aplicada 1 ml em cada quadrante da estenose), sendo utilizada no máximo em três sessões.
  • Ainda em estenoses refratárias, ou onde não se consegue uma dilatação adequada, pode-se utilizar stents metálicos totalmente recobertos, com taxas de até 45% de sucesso, mas com complicações em torno de 25% como eventos adversos e principalmente migração.
  • Por fim, a cirurgia e reservada para pacientes onde todas as tentativas endoscópicas falharam, na presença de complicações (fístulas por exemplo). Felizmente poucos casos evoluem com necessidade de cirurgia.

Assim, terapia com IBP associado a terapia endoscópica é o tratamento principal para a estenose péptica de esôfago, mesmo em casos refratários, onde se pode lançar mão de injeção de corticoide e uso de próteses esofágicas.

A seguir, se propõe em algoritmo de tratamento para a estenose péptica de esôfago.

Bibliografia

  1. Desai M, Hamade N, Sharma P. Management of Peptic Strictures. Am J Gastroenterol. 2020 Jul;115(7):967-970. doi: 10.14309/ajg.0000000000000655. PMID: 32618639.



Diverticulose do cólon – Classificação DICA – “Diverticular Inflammation and Complication Assessment” – porque usar na rotina?

A diverticulose do cólon é uma deformidade adquirida que pode afetar até cerca de 75% dos pacientes acima de 70 anos, sendo que até 20% desses podem apresentar-se de forma sintomática, configurando a chamada doença diverticular (DD).

Existem várias classificações descritas na caracterização da DD, principalmente baseadas em imagem, entre elas a Hinchey modificada é a mais conhecida. Em sua maioria, as classificações se focam na gravidade e complicações da DD, ao invés de estratificarem a doença em seu espectro global, oferecendo um cenário de previsibilidade de risco. 

Em 2015, através de um estudo de um grupo italiano, foi proposta uma classificação eminentemente endoscópica chamada DICA – “Diverticular Inflammation and Complication Assessment”. Os principais pontos que justificaram a criação dessa classificação são:

  • aumento significativo na realização de colonoscopia nos últimos anos com base no cenário de rastreamento colorretal; 
  • achado frequente em exames de rotina de sinais de atividade inflamatória diverticular sem qualquer suspeita de diverticulite (até 1% dos casos);
  • extensão da diverticulose no cólon é um fator de risco para recorrência da diverticulite; 
  • detecção de inflamação endoscópica persistente após um quadro de diverticulite aguda é uma fator de risco para recorrência da doença;

Considerando todos os aspecto anteriormente elencados, é esperado que pacientes com divertículos esparsos em cólon tenham evolução clínica diferente daqueles com diverticulose difusa e alterações inflamatórias ou mesmo fibróticas associadas;

Figura 1. Divertículos esparsos em cólon 

Figura 2. Diverticulose difusa

Figura 3. Sinais de complicação diverticular (pus)

Figura 4. Sinais de complicação diverticular (sangramento/ aplicação de hemoclipe)

A Classificação DICA

Os principais pontos envolvidos na classificação são:

  • Extensão da diverticulose 

    • Cólon esquerdo (2 pontos)
    • Cólon direito (1 ponto)

  • Números de divertículos em cada segmento

    • ≤ 15: grau I (0 pontos)
    • > 15: grau II (1 ponto)

  • Presença de inflamação 

    • Edema ou hiperemia (1 ponto)
    • Erosões (2 pontos)
    • Colite segmentar associada a diverticulose (3 pontos)

  • Presença de complicações (4 pontos cada)

    • Rigidez
    • Estenose
    • Pus
    • Sangramento

  • Escore numérico final (somatório dos pontos anteriores) / Classificação

    • 1 – 3 pontos – DICA 1
    • 4 – 7 pontos – DICA 2
    • > 7 pontos – DICA 3

A elaboração da classificação no seu artigo original sofreu validação interna com boa concordância interobservador entre os principais pontos citados. Foi observada significativa correlação entre os níveis séricos de proteína C reativa (PCR), velocidade de hemossedimentação (VHS), calprotectina fecal e escala de dor com os escores de DICA mais elevados. 

Posteriormente a classificação ainda foi validada em estudos multicêntricos internacionais e em séries retrospectivas e prospectivas. As séries demonstram interessantes dados sobre a capacidade preditiva da classificação em relação a recorrência de diverticulite e necessidade de cirurgia

Risco de diverticulite em 3 anos 

  • DICA 1 – 3,3%   
  • DICA 2 – 11,6%
  • DICA 3 – 22%   

Risco de cirurgia em 3 anos 

  • DICA 1 – 0,15%   
  • DICA 2 – 3%  
  • DICA 3 – 11%   

Em um dos estudos, de modo interessante, ainda foi observado que pacientes DICA 2 quando submetidos a terapia baseada em mesalazina apresentaram redução do risco de diverticulite aguda – HR = 0.2103 (95% CI 0.122–0.364); e risco de cirurgia – HR= 0.459 (95% CI 0.258–0.818)

Por fim, fica claro o interessante papel potencial da classificação DICA na classificação da diverticulose e doença diverticular do cólon. A classificação usa dados simples e corriqueiros do exame endoscópico, com boa reprodutibilidade nos trabalhos apresentados. Indubitavelmente, ao promover a parametrização da DD, a classificação DICA permite ainda a realização mais fidedigna de estudos clínicos que possam alterar desfechos dessa doença. 

E vocês, já vem utilizando essa classificação em sua rotina? 

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Referências:

  1. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, et al. Development and validation of an endoscopic classification of diverticular disease of the colon: the DICA classification. Dig Dis. 2015;33:68–76. 
  2. Tursi A. Diverticulosis today: unfashionable and still under-researched. Ther Adv Gastroenterol. 2016;9:213–28.
  3. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020;6:20.
  4. Peery AF, Crockett SD, Murphy CC, et al. Burden and cost of gastrointestinal, liver, and pancreatic diseases in the United States: update 2018. Gastroenterology. 2019;156:254–72. 
  5. Ghorai S, Ulbright TM, Rex DK. Endoscopic findings of diverticular inflammation in colonoscopy patients without clinical acute diverticulitis: prevalence and endoscopic spectrum. Am J Gastroenterol. 2003;98:802–6. 
  6. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, et al. International Consensus on Diverticulosis and Diverticular Disease. Statements from the 3rd International Symposium on Diverticular Disease. J Gastrointestin Liver Dis. 2019;28(suppl. 4):57–66. 18. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, et al. DICA Italian group. The “DICA” endoscopic classification for diverticular disease of the colon shows a significant interobserver agreement among community endoscopists. J Gastrointestin Liver Dis. 2019;28:23–7. 
  7. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, et al. The DICA endoscopic classification for diverticular disease of the colon shows a significant interobserver agreement among community endoscopists: an International Study. J Gastrointestin Liver Dis. 2019;28(suppl. 4):39–44. 20. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, et al. Predictive value of the Diverticular Inflammation and Complication Assessment (DICA) endoscopic classification on the outcome of diverticular disease of the colon: an international study. United European Gastroenterol J. 2016;4:604–13. 
  8. Tursi A, Violi A, Cambie’ G, et al. Risk factors for endoscopic severity of diverticular disease of the colon and its outcome: a real-life case-control study. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2020;32:1123–9.
  9. Tursi A, Brandimarte G, Di Mario F, Elisei W, Picchio M, Allegretta L, Annunziata ML, Bafutto M, Bassotti G, Bianco MA, Colucci R, Conigliaro R, Dumitrascu D, Escalante R, Ferrini L, Forti G, Franceschi M, Graziani MG, Lammert F, Latella G, Maconi G, Nardone G, Camara de Castro Oliveira L, Chaves Oliveira E, Papa A, Papagrigoriadis S, Pietrzak A, Pontone S, Poskus T, Pranzo G, Reichert MC, Rodinò S, Regula J, Scaccianoce G, Scaldaferri F, Vassallo R, Zampaletta C, Zullo A, Piovani D, Bonovas S, Danese S; DICA International Group. Prognostic performance of the ‘DICA’ endoscopic classification and the ‘CODA’ score in predicting clinical outcomes of diverticular disease: an international, multicentre, prospective cohort study. Gut. 2022 Jul;71(7):1350-1358.



Critérios de Fukuoka para IPMN

O consenso de Fukuoka, também conhecido como critérios de Fukuoka ou guideline de Fukuoka, fornece as diretrizes para diagnóstico, seguimento e tratamento da neoplasia mucinosa papilar intraductal (IPMN) do pâncreas.

Tumores císticos no pâncreas estão sendo cada vez mais diagnosticado e muitas vezes é difícil saber se estamos diante de uma lesão neoplásica ou não.

A neoplasia mucinosa papilar intraductal (IPMN) merece atenção especial não só pela sua frequência, mas também pelo potencial de malignidade, sendo consideradas lesões pré-malignas. Por conta disso, existe intensa discussão de condutas que variam desde a vigilância periódica até a ressecção cirúrgica limitada até a pancreatectomia total.

Antigamente, grande parte dessas lesões eram ressecadas, tendo em vista seu potencial maligno. Após a publicação dos critérios de Sendai (2006) e Fukuoka (2012), uma conduta conservadora tem sido adotada na maioria das lesões. Atualmente, a diretriz revisada de Fukuoka (2017) é o guideline mais utilizado para diagnóstico e tratamento desses tumores [2].

1. Classificação

Os IPMNs podem ser classificados em três tipos:

  • IPMN de ducto priuncipal (MD-IPMN)
  • IPMN de ducto secundário (BD-IPMN)
  • tipo misto.

MD-IPMN é caracterizado por dilatação segmentar ou difusa do ducto pancreático principal (MPD) > 5 mm sem outras causas de obstrução. Cistos pancreáticos > 5 mm de diâmetro que se comunicam com o MPD devem ser considerados como BD-IPMN (pseudocisto é o diagnóstico diferencial para pacientes com história prévia de pancreatite). Os pacientes do tipo misto possuem critérios tanto para MD-IPMN quanto para BD-IPMN.

2. Investigação

De acordo com essa diretriz, os IPMN podem ser classificados como Fukuoka-positivos com estigmas de alto risco, lesões com características preocupantes ou Fukuoka-negativos

2.1 IPMN Fukuoka-positivos

IPMN Fukuoka-positivos são aqueles que têm estigmas de alto risco para malignidade:

  • Lesões na cabeça do pâncreas cursando com icterícia obstrutiva
  • Nódulos murais > 5 mm e hipercaptantes
  • Dilatação do ducto pancreático principal > 10 mm (IPMN de duto principal)

2.2 IPMNs com “características preocupantes”

Os IPMNs com “características preocupantes” são aqueles com:

  • Lesões císticas > 3 cm
  • Paredes císticas espessadas ou hipercaptantes
  • Dilatação do ducto pancreático principal entre 5–9 mm
  • Mudanças abruptas no diâmetro do ducto pancreático e atrofia distal
  • Evidência de linfonodos
  • Elevação sérica de CA 19-9
  • Crescimento cístico de pelo menos 5 mm em 2 anos
  • Sinais clínicos de pancreatite

2.3 IPMN Fukuoka-negativos

IPMNs Fukuoka-negativos são aqueles sem estigmas de alto risco e sem as “características preocupantes” descritas acima.

Nota: o melhor exame de imagem para se avaliar lesões de 5 mm é o ultrassom endoscópico. Na indisponibilidade desse método a ressonância magnética (RNM) pode ser utilizada, mas apresenta acurácia inferior.

3. Conduta

As diretrizes também incluem recomendações sobre a abordagem terapêutica:

  • IPMNs positivos para Fukuoka devem ser tratados cirurgicamente, desde que paciente tenha condições clínicas
  • Na presença de “características preocupantes” e evidências no EUS de nódulos murais > 5 mm, alterações no ducto principal ou presença de citologia maligna ou suspeita de malignidade, a ressecção cirúrgica também deve ser considerada.
  • Na ausência dessas alterações, acompanhamento com TC/RNM ou EUS devem ser realizados em intervalos específicos, dependendo do tamanho do IPMN (ver figura 1)

Uma abordagem baseada nessas diretrizes mostrou que o risco de tratamento excessivo de IPMN “inofensivos” devido a cirurgia injustificada e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de tumores malignos a partir de IPMNs aparentemente “inofensivos” é extremamente baixo.

Um estudo incluindo mais de 1.100 pacientes com IPMN mostrou que [3]:

  • a taxa de malignidade em 5 anos em IPMN Fukuoka-negativos foi inferior a 2%
  • Na presença de “características preocupantes”, o risco de carcinoma em IPMN não operados foi de aproximadamente 4%
  • em pacientes Fukuoka-positivos, a incidência de câncer de pâncreas em 5 anos foi de 49%

Importante: pacientes com IPMN sob vigilância apresentam risco aumentado de neoplasias pancreáticas independentemente das lesões císticas. Portanto, a vigilância deve sempre incluir todo o pâncreas. [4]

Figura 1: Algoritmo para o gerenciamento de suspeita de BD-IPMN. *A pancreatite pode ser uma indicação cirúrgica para alívio dos sintomas. &amp;amp;. O diagnóstico diferencial inclui mucina. A mucina pode se mover com a mudança na posição do paciente, pode ser deslocada com a lavagem do cisto e não tem fluxo Doppler. As características do nódulo tumoral verdadeiro incluem falta de mobilidade, presença de fluxo Doppler e PAAF do nódulo mostrando tecido tumoral. @. A presença de paredes espessadas, mucina intraductal ou nódulos murais é sugestiva de envolvimento do ducto principal. Na sua ausência, o envolvimento do ducto principal é inconclusivo. Abreviaturas: BD-IPMN, neoplasia mucinosa papilar intraductal do ducto secundário; PAAF, aspiração por agulha fina. Adaptado de Tanaka M, et al. Pancreatology 2017

Referências

  1. IMPN: Fukuoka Classification (guidelines). Siegbert Faiss. Disponível em: https://www.endoscopy-campus.com/en/classifications/impn-fukuoka-classification-guidelines/
  2. Tanaka M, Fernandez-del Castillo C, Kamisawa T, Jang JY, Levy P, Ohtsuka T, et al. ‘Revisions of international consensus Fukuoka guidelines for the management of IPMN of the pancreas’, Pancreatology 2017; 17 :738–53.
  3. Mukewar S, de Pretis N, Aryal-Khanal A, Ahmed A, Sah R, Enders F, Larson JJ, et al. ‘Fukuoka criteria accurately predict risk for adverse outcomes during follow-up of pancreatic cysts presumed to be intraductal papillary mucinous neoplasms’, Gut 2017 Oct; 66(10): 1811–17.
  4. Yamaguchi K, Kanemitsu S, Hatori T, Maguchi H, Shimizu Y, Tada M, et al.

Como citar esse artigo

Martins BC. Critérios de Fukuoka para IPMN. Endoscopia Terapêutica 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/criterios-de-fukuoka-para-ipmn




Você conhece as principais contraindicações à confecção da gastrostomia endoscópica?

O acesso enteral é a criação de uma via artificial através de um tubo apropriado para fornecer nutrição, medicações específicas ou até mesmo realizar descompressão. Essa comunicação com o trato gastrointestinal pode ser percutânea ou por meio de orifícios naturais.

A gastrostomia percutânea é o estabelecimento de acesso ao estômago através da parede abdominal, que pode ser realizada cirurgicamente (gastrostomia cirúrgica percutânea [PSG]), endoscopicamente (gastrostomia endoscópica percutânea [PEG]) ou até mesmo com orientação radiológica (ultrassom ou fluoroscópica – gastrostomia de inserção radiológica [RIG]).

A confecção da PEG figura entre os procedimentos endoscópicos mais comuns, sobretudo no âmbito dos serviços hospitalares, portanto, para além de conhecer as indicações, que usualmente competem aos respectivos Médicos Assistentes, cabe ao Endoscopista dominar minuciosamente as condições que contraindicam a sua realização.

Na maioria das vezes a indicação é clássica, decorrente da impossibilidade de ingesta oral, usualmente por desordens neurológicas (AVE, Parkinson, TCE, Demência, etc) ou obstrução (tumores do esôfago, orofaringe e cabeça/pescoço) e o cenário clínico favorável, fazendo com que o sucesso técnico possua cifras bastante elevadas.

No entanto, em algumas situações o cenário de realização é desafiador e apresenta riscos mais aumentados, porém, sem configurar uma contraindicação ABSOLUTA, onde a indicação merece ser discutida de maneira individualizada com a equipe médica e familiares, ponderando a relação risco-benefício, são as chamadas contraindicações RELATIVAS.

CONTRAINDICAÇÕES ABSOLUTAS à realização da PEG:

  • Obstrução mecânica do trato gastrointestinal – localizada além do tubo enteral, exceto se o próprio procedimento seja para proceder a descompressão
  • Peritonite ativa
  • Coagulopatia incorrigível
  • Isquemia intestinal em curso

Principais CONTRAINDICAÇÕES RELATIVAS à realização da PEG:

  1. HDA recente com risco de ressangramento
  2. Ascite
  3. Derivação ventriculoperitoneal
  4. Cirurgias prévias
  1. Sangramento gastrointestinal recente por úlcera péptica com vaso visível (Forrest IIA) ou por varizes esofágicas está associado a uma alta taxa de ressangramento, portanto, a decisão de obter acesso e iniciar nutrição enteral deve ser adiada por 72h. Pacientes com sangramentos de angiodisplasia e lesões agudas de mucosa gastroduodenal têm menos risco de ressangramento, logo não requerem atraso na confecção do acesso enteral.
  2. A confecção de PEG na presença de ascite é desafiadora, visto que pode prejudicar a maturação do trato estomal e aumentar o risco de peritonite bacteriana. Um estudo recente de 583 pacientes com cirrose não mostrou nenhuma diferença significativa para sangramento, infecção ou mortalidade em pacientes com ascite. Preferencialmente o procedimento deve ser feito após paracentese, tentando-se evitar a recrudescência da ascite por um período de 7 a 10 dias após a inserção do tubo, a fim de permitir melhor maturação do trato. Dispositivos de gastropexia podem ser usados para fixar o estômago à parede abdominal anterior e mitigar o risco com a eventual reacumulação de liquido.
  3. Em relação confecção de PEG e derivações ventriculoperitoneais (DVP), uma revisão sistemática recente de 208 pacientes concluiu que as taxas globais de infecção e mau funcionamento da DVP foram de 12,5% e 4,4%, respectivamente. As infecções ocorreram com mais frequência entre os pacientes que primeiro fizeram PEG e subsequente a DVP (21,8%) e nos pacientes que tiveram colocação simultânea da PEG e DVP (50%). Portanto, a PEG deve ser preferencialmente realizada após a DVP.
  4. Finalmente, defeitos da parede abdominal, como presença de “ostomias” ou drenos, cicatrizes cirúrgicas e presença de aderências podem aumentar o risco do procedimento, portanto, um planejamento mais cauteloso da escolha do local de colocação da PEG deve ser adotado, sempre respeitando a “janela” endoscópica. Manter uma distância de pelo menos 2 cm de qualquer cicatriz cirúrgica abdominal é recomendável e pode reduzir risco adicional evitando  qualquer alça intestinal intercalada, potencialmente presa em tecido cicatricial e aderências entre a parede abdominal e a superfície externa do estômago/jejuno.

Por fim, em termos de potencial risco hemorrágico, o acesso percutâneo (PEG) é considerado um procedimento de alto risco. A avaliação pré-procedimento deve incorporar investigações laboratoriais, incluindo hemograma completo (com atenção especial à contagem de plaquetas) e testes de coagulação; os limites recomendados são uma contagem de plaquetas > 50.000/μL e um INR < 1,5. Quanto ao uso concomitante de antiagregantes e anticoagulantes, os mesmos devem ser suspensos conforme recomendações específicas que figuram em guidelines e consensos internacionais.

O conhecimento das principais ressalvas ao procedimento de gastrostosmia endoscópica percutânea é obrigatório a todo endoscopista a fim de reduzir os riscos de complicações, bem como selecionar a técnica que melhor se aplique ao caso em questão.

Referências bibliográficas

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  2.  Endoscopic management of enteral tubes in adult patients – Part 2: Peri- and post-procedural management. European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Guideline. Endoscopy. 2021 Feb;53(2):178-195.  doi: 10.1055/a-1331-8080.  Epub 2020 Dec 21.

Como citar este artigo

Ribeiro MSL, Você conhece as principais contraindicações à confecção da gastrostomia endoscópica?  Endoscopia Terapeutica 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/?p=14111&preview=truehttps://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/voce-conhece-as-principais-contraindicacoes-a-confeccao-da-gastrostomia-endoscopica/ 




Você sabe configurar seu bisturi elétrico?

O bisturi elétrico utiliza de corrente elétrica de alta frequência num tecido biológico, com intuito de conseguir efeitos médicos pela liberação de calor local. Os efeitos mais importantes para cirurgia de alta frequência são a coagulação e o corte.

  • A coagulação ocorre entre 60ºC e 100 ºC levando à evaporação dos líquidos, dessa forma o tecido seca e se contrai.
  • O corte, que ocorre a 100ºC ,causa a vaporização de líquido tecidual de forma muito rápida, culminando com o rompimento das membranas celulares, e consequente corte do tecido.

A aplicação dessa energia pode ser a partir da técnica monopolar, em que a corrente flui entre um eletrodo ativo com superfície de contato pequena (bisturi) para outro eletrodo neutro, com superfície de contato grande (placa). Outra forma é através da técnica bipolar em que os dois eletrodos estão integrados no mesmo instrumento, dessa forma a corrente flui entre uma área muito limitada de tecido entre esses dois eletrodos.

Figura 1A: circuito de corrente monopolar
Figura 1B: circuito de corrente bipolar

Cuidados

Tendo em vista que no campo operatório deve haver uma concentração de corrente para obtermos o resultado esperado, fora dele se houver um estrangulamento da corrente podem ocorrer queimaduras. Desta forma o percurso da corrente no corpo deve ser o mais curto possível e com grande seção transversal.

Evitar transmissão da corrente em áreas de articulações e especialmente não colocar a placa em tecidos cicatrizados, protuberâncias ósseas, implantes metálicos e regiões do corpo ricas em gordura. Sempre limpar a pele para retirada de gordura, sem utilizar álcool, colocar a placa na região já seca e sem a presença de pelos. Ficar atento com correntes de fuga (contato com maca ou outros objetos metálicos), conferir se o paciente não está molhado e colocar o eletrodo neutro (placa) com boa área de contato com a pele do paciente e o mais próximo possível do campo operatório.

Unidades eletrocirúrgicas mais modernas são conectadas a placas de duas partes associado a uma superfície anelar que distribui melhor a corrente por todo o acessório evitando aquecimento de apenas um lado. Além disso verificam continuamente se essa placa está conectada corretamente e com toda a sua superfície em contato, comparando permanentemente as correntes das duas superfícies do eletrodo neutro. A ativação é interrompida com um sinal de advertência no caso de discrepâncias grandes, evitando complicações. Assim sempre que possível deve ser optado por esse modelo.

Figura 2A: Alta densidade de corrente (aquecimento) na extremidade voltada para o procedimento cirúrgico em caso de eletrodo neutro convencional mal posicionado
Figura 2B: Distribuição de corrente sem aquecimento parcial com placa bipartida associado a anel, que pode ser posicionado independentemente do sentido
Figura 3: termografia comparando a placa bipartida com e sem anel

Alguns adornos pouco perceptíveis devem ser observados como cílios postiços e apliques (uso associado de colas, nylons ou metais) que podem interferir com a transmissão decorrente causando queimaduras.

A corrente alternada também pode interferir nos aparelhos eletroeletrônicos implantáveis como marca-passos, devendo sempre entrar em contato com a empresa responsável pelo aparelho antes do procedimento.

Com relação a gravidez não são conhecidos eventos adversos no embrião provocados por correntes cirúrgicas monopolares, mas deve-se evitar o percurso da corrente pelo feto e quando possível recomenda-se a utilização do bipolar.

Conceitos

Falaremos abaixo sobre os conceitos mais utilizados na endoscopia apresentados na unidade eletrocirúrgica.

Efeito: se relaciona com o efeito hemostático e é proporcional à voltagem. Quanto maior o efeito maior a hemostasia (I a IV). Deve ser escolhido de acordo com a espessura da parede do órgão.

  • Efeito I:  ceco, cólon direito
  • Efeito II:  duodeno, pólipos > 5 – 10 mm
  • Efeito III:  esôfago, estômago, pólipos 10 –15 mm
  • Efeito IV:  reto, pólipos pediculados, pólipos >15 mm, tumores grandes

No nível I não ocorre nenhuma coagulação entre cada ciclo de corte, trata-se de uma corrente de corte. O nível de efeito 1 é vantajoso para a remoção de pólipos em estruturas de paredes finas e que corram particular risco, pois, neste caso, um dano térmico devido a uma coagulação demasiado forte pode provocar uma perfuração.

 
Figura 4: relação entre efeito e borda de coagulação (adaptada à partir de material de divulgação de acesso aberto, ERBE)

Duração de corte: também apresenta quatro ajustes e tem relação direta com a profundidade do corte.

Figura 5: relação entre duração do corte e profundidade

Intervalo de corte: é o tempo de intervalo entre um corte e outro. Intervalos baixos levarão a cortes mais rápidos com baixa coagulação e intervalos altos cortes mais lentos e controlados. É configurado de 1 a 10.

Modos de corte:

  • AUTO CUT: corte puro. Utilizado na drenagem de pseudocisto
  • DRY CUT: boa hemostasia primária com desenvolvimento mínimo de fumaça. Utilizado na dissecção endoscópica da submucosa em incisões iniciais e circulares e na dissecção.
  • ENDO CUT: faz um acionamento em fases distintas entre corte e coagulação, com leitura da impedância tecidual e ajuste pelo efeito hemostático.
Figura 6: ciclo do endocut

ENDO CUT I: tem reduzida tensão de pico que proporciona efeito zíper menor e menor dispersão de energia no tecido, indicado para papilotomia.

Em comparação com a tecnologia sem ENDO CUT, o controle do corte no ENDO CUT I já não é feito pressionando o interruptor de pedal em intervalos de 1-2 segundos. Com a ajuda do modo de corte fracionado ENDO CUT I, é possível efetuar automaticamente um corte controlado e suficientemente lento com o interruptor de pedal pressionado, reduzindo-se, assim, o risco de corte descontrolado.

Nos casos de sangramento persistentes pós-polipectomia, é possível obter uma hemostasia através do papilótomo, ativando por instantes, o interruptor de pedal azul (coagulação) com o modo FORCED COAG em 60 watts, efeito 2.

Figura 7: recomendações de ajuste ENDO CUT I

ENDO CUT Q: modo utilizado para polipectomias e mucosectomias.

Figura 8: recomendações de ajuste para polipectomias
Figura 9: recomendações de ajuste para mucosectomias
Figura 10: recomendações de ajuste para ESD
Figura 11: recomendação de ajuste para POEM

Nota: essas são apenas recomendações do fabricante visto a experiência reunida de alguns serviços, porém podem variar de acordo com a opção pessoal.

Uma particularidade sobre as alças é que as monofilamentares têm menor área de contato com o tecido, em comparação com as multifilamentares (vários fios) com o mesmo diâmetro, o que resulta em uma coagulação reduzida.

O diâmetro do fio também influencia o grau de coagulação. Um diâmetro pequeno produz um efeito de coagulação reduzido e, ao mesmo tempo, um efeito de corte superior. As alças monofilamentares são mecanicamente mais rígidas do que as alças multifilamentares, entregando maior facilidade na apreensão do tecido.

Modos de coagulação

  • SOFT COAG: modo mais suave, mais profundo e mais brando. Indicado, por exemplo, para a coagulação de hemorragias menores com um tempo de aplicação máximo entre 1 e 2 segundos.
  • FORCED COAG: modo mais intenso e mais superficial. Utilizado como pré-coagulação em pólipos pediculados grandes ou na hemorragia pós-papilotomia.
  • SWIFT COAG: boa dissecção com mínimo desenvolvimento de fumaça. Muito utilizado na tunelização submucosa (POEM).
  • SPRAY COAG: eficiente coagulação superficial com profundidade de penetração limitada.
Figura 12: comparação de modos de coagulação

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Referências

Agradecimentos

Agradecimentos a Lucas Salgado de Salles Oliveira (Especialista Clínico ERBE) e Luis Roberto Tribst (Gerente Nacional ERBE) em nome da ERBE do Brasil pelo uso das imagens e referências técnicas.

Como citar este artigo

Oliveira JF. Você sabe configurar seu bisturi elétrico? Endoscopia Terapêutica 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/voce-sabe-configurar-seu-bisturi-eletrico/




Ingestão de cáusticos e endoscopia – quando podemos realmente ajudar no quadro agudo?

A ingestão de cáusticos representa problema relevante tanto pelos danos agudos como crônicos, envolvendo pacientes de todas as faixas etárias. Na população pediátrica está habitualmente associada a ingestão acidental principalmente de produtos de limpeza armazenados de forma incorreta e reaproveitamento de embalagens.  Nas outras faixas etárias, tentativas de suicídio através da ingesta intencional de cáusticos são causa relevante, senão a mais frequente e grave.

Os agentes cáusticos podem sem ácidos (ácido muriático, ácido sulfúrico, ácido fórmico -“formol”) ou álcalis (bases), dos quais os principais representantes em nosso meio são o hipoclorito de sódio (água sanitária) e hidróxido de sódio (soda cáustica). O potencial de dano relevante está associado a dois fatores principais, o pH do produto (maior risco com pH<2 ou >11) e o volume ingerido.

A ingestão de cáusticos alcalinos está associada a dano por necrose por liquefação onde há saponificação dos lipídeos, desnaturação de proteínas e trombose capilar com potencial de danos mais profundos e perfuração. O dano secundário à ingestão de ácidos está associado por sua vez à necrose por coagulação. Há uma evolução natural no processo de dano e cicatrização da mucosa que pode ser dividido em três fases principais:

  • Fase aguda (até 10 dias) – necrose aguda (liquefação ou coagulação), trombose e ativação de cascata inflamatória; início da deposição de colágeno e re-epitelização.
  • Fase sub-aguda (10 dias – 6 a 8 semanas) – maior atividade dos mecanismos de reparação, aumento de colágeno e reepitelização o que pode conferir melhora sintomática inicial, com potencial de retorno à dieta oral. Considerada uma fase “traiçoeira” pois os sintomas melhoram enquanto o esôfago se reepiteliza e forma possíveis estenoses.
  • Fase crônica (>6 a 8 semanas) – fase de cicatrização e estenoses. Há recrudescimento de sintomas de odinofagia, disfagia e vômitos pelo estabelecimento de estenoses cicatriciais no esôfago.

Manejo inicial

O manejo inicial visa oferecer suporte, com avaliação de possíveis danos às vias áreas, hidratação, dieta zero e realização de exames complementares. Os laboratoriais incluem hemograma, ureia, creatinina, enzimas hepáticas, enquanto os exames de imagem podem incluir radiografia simples (avaliar pneumoperitônio, pneumotórax ou pneumomediastino) e endoscopia. A tomografia tem capacidade de avaliar a profundidade do dano ao trato digestivo (não avaliada pela endoscopia), sendo utilizada em diversos centros, porém não é utilizada rotineiramente em nosso meio.

Endoscopia

A endoscopia digestiva alta possui papel importante no tratamento dos pacientes com ingestão cáustica através da classificação das lesões e consequente identificação do grupo de pacientes com maior risco para desenvolvimento de estenoses, os quais devem ser incluídos em um programa de dilatação.  A classificação utilizada é a Classificação de Zargar, sendo bastante simples:

  • Grau 1 – edema e enantema;
  • Grau 2 a – Friabilidade, erosões, eritema, exsudato inflamatório difuso;
  • Grau 2 b – úlceras superficiais ou profundas, confluentes ou não;
  • Grau 3 a – áreas de necrose;
  • Grau 3 b – necrose extensa.

A endoscopia deve ser realizada o quanto antes, preferencialmente nas primeiras 24h da ingesta e no máximo até 48h após. Após esse período, o risco de agravamento de lesões é maior e a endoscopia deve ser suspensa, podendo ser realizada após 3 semanas da ingestão, momento onde podem ser iniciadas as sessões de dilatação nos pacientes de risco para desenvolvimento de estenoses (Zargar 2b ou 3). Alguns estudos sugerem a realização de estudo contrastado para confirmar a presença de estenose antes da dilatação, o que também pode ser realizado nos pacientes que não conseguiram fazer endoscopia nas primeiras 48h. A presença de necrose esofágica pode estar associada a perfuração sendo importante avaliar a profundidade da lesão com tomografia. Quadros de necrose extensa habitualmente são cirúrgicos. 

É importante considerar que a ingestão de cáusticos pode desencadear uma série de alterações sistêmicas como acidose metabólica, distúrbios eletrolíticos, insuficiência renal e também danos (ou hiperatividade) das vias aéreas (principalmente os mais voláteis) requerendo cuidado adicional na sedação destes pacientes.

Mensagens principais:

  • A endoscopia deve ser realizada precocemente (máximo 48h);
  • Não induzir vômitos pelo risco de refluxo ao esôfago e agravamento dos danos;
  • Zargar 1 e 2a – baixo risco de desenvolvimento de estenoses;
  • Zargar 3a e 3b – risco de perfuração;
  • Risco aumentado de estenose e perfuração – pH <2 ou >11;
  • Danos às vias aéreas com cáusticos voláteis;

É importante avaliar que em muitas ocasiões não temos informações fidedignas relacionadas ao produto ingerido por diversos motivos:

  • Crianças ou responsáveis podem desconhecer o produto ingerido ou não darem informações verdadeiras por temor de possíveis repercussões;
  • Pacientes com tentativa de suicídio estão atravessando momento de grande pesar e instabilidade emocional, desconhecida pelo emergencista e podem maximizar ou minimizar dados relevantes;
  • Produtos formulados, manipulados, diluídos podem conter substâncias desconhecidas ou causarem reações químicas incertas;
  • Ingestão de produtos cáusticos em ambientes de trabalho, escolas, creches, fazendas, casa de terceiros etc – o temor de repercussões negativas e responsabilização por danos podem influenciar funcionários e familiares. 

Quer saber mais sobre esofagites cáusticas ou tratamento de estenoses? Entre em contato conosco!

Referências

  1. Methasate A, Lohsiriwat V. Role of endoscopy in caustic injury of the esophagus. World J Gastrointest Endosc. 2018 Oct 16;10(10):274-282. doi: 10.4253/wjge.v10.i10.274. PMID: 30364838; PMCID: PMC6198306.
  2. ASGE Standards of Practice Committee, Lightdale JR, Acosta R, Shergill AK, Chandrasekhara V, Chathadi K, Early D, Evans JA, Fanelli RD, Fisher DA, Fonkalsrud L, Hwang JH, Kashab M, Muthusamy VR, Pasha S, Saltzman JR, Cash BD; American Society for Gastrointestinal Endoscopy. Modifications in endoscopic practice for pediatric patients. Gastrointest Endosc. 2014
  3. Chirica M, Kelly MD, Siboni S, Aiolfi A, Riva CG, Asti E, Ferrari D, Leppäniemi A, Ten Broek RPG, Brichon PY, Kluger Y, Fraga GP, Frey G, Andreollo NA, Coccolini F, Frattini C, Moore EE, Chiara O, Di Saverio S, Sartelli M, Weber D, Ansaloni L, Biffl W, Corte H, Wani I, Baiocchi G, Cattan P, Catena F, Bonavina L. Esophageal emergencies: WSES guidelines. World J Emerg Surg. 2019
  4. Tosca J, Villagrasa R, Sanahuja A, Sanchez A, Trejo GA, Herreros B, Pascual I, Mas P, Peña A, Minguez M. Caustic ingestion: development and validation of a prognostic score. Endoscopy. 2021 Aug;53(8):784-791. doi: 10.1055/a-1297-0333. Epub 2021 Jan 18. PMID: 33096569.

Como citar este artigo

Ferreira F. Ingestão de cáusticos e endoscopia – quando podemos realmente ajudar no quadro agudo? Endoscopia Terapêutica 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/ingestao-de-causticos-e-endoscopia–quando-podemos-realmente-ajudar-no-quadro-agudo/




ACHADOS ENDOSCÓPICOS RELACIONADOS À INFECÇÃO PELO H. PYLORI

O H pylori

O Helicobacter pylori é uma bactéria gram-negativa que induz reações celulares e químicas no estômago, sendo considerada carcinógeno humano. Seu diagnóstico e tratamento têm importante papel na prevenção de doenças associadas, como câncer gástrico, úlceras, linfoma MALT e pólipos hiperplásicos. (Para saber mais sobre H. PYLORI, acesse esse post 1 e esse post 2)

Sabemos que existem vários testes diagnósticos, desde não invasivos (sorologia, teste respiratório e antígeno fecal) até os invasivos (urease, cultura e histologia). Os métodos não invasivos possuem alta acurácia, porém não avaliam as alterações da mucosa gástrica. Para saber mais sobre os testes diagnósticos acesse esse post.

Devido ao caráter focal da colonização bacteriana, a acurácia dos métodos invasivos, por sua vez, depende do local, número e tamanho das biópsias. Estas, quando mal direcionadas, podem resultar em falsos-negativos.  Dessa forma, é importante avaliarmos os preditores endoscópicos da presença ou ausência do H. pylori a fim de direcionar biópsias para áreas de maior probabilidade de infecção, assim como até evitá-las quando o valor preditivo positivo for alto.

Estudos demonstraram que, apesar de não serem patognomônicos, alguns achados endoscópicos estão associados à presença do H. pylori. Recentemente, novas tecnologias de cromoscopia e magnificação permitiram a análise da microestrutura da mucosa gástrica e, consequentemente, maior acurácia na determinação do status de infecção (ausência, infecção ativa e pós-erradicação).

O objetivo deste artigo é auxiliar os endoscopistas na avaliação dos achados endoscópicos relacionados ao H. pylori tanto à luz branca, quanto à cromoscopia e magnificação.

Então vamos lá!

2. Achados do estômago não infectado

2.1 À luz branca

O estômago normal apresenta coloração rósea-avermelhada e brilhante e o pregueado mucoso está presente de maneira uniforme. O muco deve ser hialino e frequentemente formando pequeno lago.  No corpo e fundo, as pregas estão mais concentradas na grande curvatura, em forma de tenda e que tendem a desaparecer com a insuflação. Já o antro é plano, com tonalidade clara.

2.2 À cromoscopia e magnificação

Para entendermos as alterações visualizadas na magnificação endoscópica, precisamos primeiro saber a histomorfologia da mucosa normal do estômago.

Para saber mais sobre a histologia normal do estômago Clique aqui

Resumidamente, a mucosa do corpo gástrico é composta por orifício críptico (OC), epitélio marginal da cripta (MCE), rede de capilar subepitelial (SECN), vasos coletores e espaços intervenientes (entre as criptas), conforme esquema a seguir:

No estômago não infectado pelo H. pylori, a rede capilar subepitelial está presente, de forma regular em todo o corpo, denominada de RAC (regular arrangement of collecting venules). O valor preditivo-negativo deste achado é maior que 90%, o que significa que sua presença na pequena curvatura de corpo distal e incisura está fortemente associada à condição de não infecção pelo H. pylori.

Podemos observar, também, que tanto o orifício da cripta quanto o epitélio marginal são ovais, regulares e simétricos. A rede capilar subepitelial (SECN) é regular e fina, em formato de favo de mel.

Figura 1: Achados endoscópicos de estômago não infectado pelo H. pylori. (a) A mucosa é lisa, brilhante, com pregas uniformemente distribuídas.  (b) Vênulas coletoras com distribuição regular (RAC). (c) RAC em detalhe com luz branca e sem magnificação. (d) Magnificação demonstrando padrão vascular dos capilares subepiteliais em “favo de mel”, orifícios redondos das criptas (amarronzados) e epitélio marginal da cripta de forma oval e regular. O RAC apresenta coloração azulada (ciano).
 
 

3. Achados do estômago infectado

3.1- À luz branca

À luz branca, os achados endoscópicos mais associados à infecção pelo H. pylori são: hiperemia difusa, enantema petequial (“salpicado”) de fundo e corpo proximal, pregas espessadas e tortuosas, edema da mucosa, exsudato fibrinoso no corpo e nodularidade antral. Com a persistência da infecção, ocorre diminuição das pregas e os vasos submucosos ficam mais visíveis, achados da gastrite atrófica.

Em estudo prospectivo multicêntrico, a sensibilidade e especificidade dos achados endoscópicos descritos acima foram de 94,3% e 62,8% (KATO,2013). A hiperemia difusa foi considerado característica mais confiável pelos endoscopistas experientes.

Sabemos que essa infecção se inicia no antro e progride para o corpo. Todavia, no antro, a acurácia diagnóstica é menor, pois os vasos estão localizados mais profundamente, prejudicando sua visualização. Portanto, devemos primeiro avaliar a presença ou ausência da hiperemia no corpo. Quando essa avaliação é difícil, devemos prestar atenção no enantema petequial, no edema, nas pregas e no exsudato fibrinoso.

Como descrito anteriormente, a ausência do padrão regular das vênulas coletoras (RAC negativo) pode estar associado à infecção ativa pelo H. pylori, mas a especificidade deste achado é baixa. Em estudo brasileiro (Fiuza F, Martins BC, 2021), a ausência de RAC esteve associada apenas a 50,6% de positividade do H. pylori. Em outras palavras, a ausência de RAC tem alta acurácia para presença da bactéria, mas nem sempre a infecção é que causa sua perda.

Importante lembrar que, na infecção pelo H. pylori, o RAC desaparece inicialmente na pequena curvatura de corpo distal e incisura, sendo esses locais os mais específicos para serem analisados. Entretanto, nas gastrites crônicas, quando a atrofia antral se estende justamente pela incisura e pequena curvatura de corpo distal, pode ocorrer desaparecimento ou deformidade do RAC, mesmo em pacientes erradicados, dificultando sua análise. Nesses casos, precisamos procurar o RAC na mucosa de corpo distal longe da atrofia.

Outro dado importante é que a última região em que o RAC fica preservado é no corpo proximal e fundo gástrico, locais que não são recomendados para avaliação da infecção bacteriana.

Figura 2: Achados endoscópicos de um estômago infectado pelo H. pylori. (a) enantema difuso, (b) enantema petequial e edema, (c) ingurgitamento de pregas, (d) exsudato fibrinoso no corpo, (e) nodularidade antral, (f) edema da mucosa e ausência do RAC, (g) atrofia.

3.2- À magnificação

Histomorfologicamente, com a infecção pelo H. pylori, as criptas tornam-se maiores e irregulares, envoltas por eritema e sulcos. Já não conseguimos ver a rede de capilares subepiteliais, pois células inflamatórias, edema, epitélio degenerado, e rompimento da rede microvascular impedem sua adequada visualização. Os orifícios das criptas ficam assimétricos e brancos devido ao depósito de conteúdo inflamatório no seu interior das glândulas. Conforme a atrofia vai se expandindo, o epitélio marginal das criptas fica aumentado e possui forma irregular e alongada/curva. É o que chamamos de “antralização” do corpo gástrico.

Em estudo brasileiro (Fiuza F, Martins BC, 2021), verificou-se que é possível identificar essas alterações da mucosa gástrica (especialmente a presença ou ausência de RAC) utilizando a tecnologia de near focus, visto que os gastroscópios com magnificação ainda não são amplamente disponíveis em nosso meio.

Figura 3: Magnificação endoscópica de estômago infectado pelo H. pylori: mucosa edemaciada, com enantema e diminuição do pregueado mucoso. Houve perda da rede capilar subepitelial normal e das vênulas coletoras. As criptas tornam-se mais alongadas e de aspecto reticular (“antralização”), com eritema e dilatação dos vasos subepiteliais.

4. Achados do estômago tratado (pós-erradicação)

Ainda permanece controverso se o tratamento do H. pylori pode reverter a gastrite atrófica e a metaplasia intestinal. Além disso, pode levar até 10-15 anos para a mucosa se recuperar e voltar ao normal.

Após a erradicação, as áreas não atróficas dissipam a inflamação e as áreas atróficas tornam-se relativamente avermelhadas quando comparadas à mucosa adjacente. Isso confere o padrão em “mapa”. Esse padrão pode estar associado ao desenvolvimento de câncer gástrico tanto primário quando metacrônico mesmo após tratamento efetivo do H. pylori.

Outra característica descrita é o padrão “rachado” (cracked pattern, em inglês), onde aparecem sulcos na mucosa antral, indicando mucosa reparativa. 

Estudos demonstraram que a terapia de erradicação pode alterar as características do estômago reparado, causando dificuldade no diagnóstico de câncer gástrico precoce. Por isso que o status pós-erradicação deve ser distinguido da negatividade do H. pylori

 Figura 4: Padrão tipo “mapa”: lesões avermelhadas planas ou superficialmente deprimidas de vários formatos, tamanhos e densidades de enantema. Acredita-se que o mecanismo da aparência em mapa seja o fortalecimento do contraste entre a mucosa não atrófica e a mucosa atrófica após o desaparecimento do enantema difuso. Esse achado não está sempre presente, porém, quando observado, é indicativo de mucosa gástrica pós erradicação.
Figura 5: Padrão de atrofia com “rachaduras” (Cracked pattern, em inglês). Esse achado não indica presença de H. pylori, mas pode representar evidência de reparação da gastrite após sua erradicação.

Referências

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Yao K. The endoscopic diagnosis of early gastric cancer. Ann Gastroenterol. 2013;26(1):11-22. 

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Kato T, Yagi N, Kamada T, Shimbo T, Watanabe H, Ida K; Study Group for Establishing Endoscopic Diagnosis of Chronic Gastritis. Diagnosis of Helicobacter pylori infection in gastric mucosa by endoscopic features: a multicenter prospective study. Dig Endosc. 2013 Sep;25(5):508-18.

Fiuza F, Maluf-Filho F, Ide E, Furuya CK Jr, Fylyk SN, Ruas JN, Stabach L, Araujo GA, Matuguma SE, Uemura RS, Sakai CM, Yamazaki K, Ueda SS, Sakai P, Martins BC. Association between mucosal surface pattern under near focus technology and Helicobacter pylori infection. World J Gastrointest Endosc. 2021 Oct 16;13(10):518-528.

Como citar este artigo

Nobre R, Baba E, Achados endoscópicos relacionados à infecção pelo H. Pylori, Endoscopia Terapêutica; 2022. Dísponivel em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/achados-endoscopicos-relacionados-a-infeccao-pelo-h-pylori




Atualizações nos Critérios Diagnósticos da Esofagite Eosinofílica (EEo)

CASO CLÍNICO

Homem, 30 anos, previamente hígido e sem comorbidades, foi submetido à Endoscopia Digestiva Alta como propedêutica de leve disfagia recorrente, principalmente com alguns alimentos, além de episódios esporádicos de sensação de entalo, há cerca de 3 meses.

É possível constatar a presença de edema, sulcos longitudinais, exsudato e anéis, todos achados endoscópicos contextualizados à Esofagite Eosinofílica, que juntamente com a história clínica e perfil epidemiológico do paciente tornam esta hipótese diagnóstica provável.

Os aspectos endoscópicos, classificações e forma correta de realizar as biópsias serão abordados numa publicação futura, dentro da segunda parte das atualizações nos critérios diagnósticos.

Por ora, vamos focar na forma mais atualizada de como concluir um diagnóstico de EEo.

Neste caso em tela, qual seria sua conduta, após receber as biópsias realizadas que evidenciaram acentuada eosinofilia esofágica?

  1. Realizar teste terapêutico com inibidores de bomba protônica, reavaliar resposta clínica e repetir EDA com biópsias (constatar regressão da eosinofilia) para saber se o diagnóstico é aplicável ou não.
  2. Diante do resultado das biópsias, já confirmar o diagnóstico e iniciar o tratamento.

Pois bem, para você que ainda considera o teste com IBP parte integrante e imprescindível da formulação do diagnóstico de EEo, trago algumas atualizações que podem modificar sua compreensão da doença. Boa leitura!

MUDANÇAS NOS CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

As primeiras diretrizes diagnósticas sobre Esofagite Eosinofílica (EEo) foram publicadas em 2007 e atualizadas em 2011. Ela foi definida como uma condição clínico-patológica imuno-mediada, caracterizada clinicamente por sintomas de disfunção esofágica e histologicamente por 15 ou mais eosinófilos por campo de grande aumento, com consenso de especialistas determinando que a melhor abordagem para descartar inflamação relacionada à doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) seria com uso de inibidor de bomba de prótons (IBP) em altas doses por 8 semanas ou através do monitoramento de pH (pHmetria). Naquela época, EEo e DRGE eram consideradas mutuamente excludentes.

Durante a década seguinte, pesquisas e experiências clínicas adicionais forneceram novos insights sobre a resposta aos IBP’s. Vários investigadores observaram que uma grande proporção de pacientes com sintomas e eosinofilia esofágica (≥15 eos/cga) responderam ao tratamento com IBP, mas não tinham apresentação clínica consistente com DRGE. Por causa disso, as diretrizes diagnósticas publicadas em 2011, 2013 e 2014 definiram uma nova condição denominada Eosinofilia Esofágica Responsiva ao IBP (PPI-REE). Pacientes com PPI-REE tinham sintomas de disfunção esofágica e ≥15 eos/cga na biópsia, mas obtiveram melhora ou resolução dos sintomas e da eosinofilia após um ciclo de IBP em altas doses. Nessas diretrizes, a PPI-REE não foi bem compreendida, mas EEo e DRGE ainda eram consideradas duas condições distintas.

No entanto, uma gama de outras pesquisas em andamento sugeriu que EEo e DRGE não eram necessariamente condições excludentes e, em vez disso, compartilhavam uma relação complexa:

  • Elas podem coexistir;
  • EEo pode levar a refluxo secundário devido à diminuição da complacência esofágica ou dismotilidade;
  • DRGE pode levar à diminuição da integridade da barreira epitelial , permitindo exposição a antígeno e subsequente eosinofilia.

Além disso, uma série de estudos examinou as características clínicas, endoscópicas e histológicas iniciais (antes do ciclo de IBP), tanto da EEo como da PPI-REE, não encontrando fatores conclusivos que pudessem distinguir as duas.

Condições atópicas concomitantes eram comuns em EEo e PPI-REE, fatores alérgicos e inflamatórios foram encontrados elevados em ambos e os perfis de expressão de RNA foram muito semelhantes entre as duas condições (e distintas da DRGE), com normalização após tratamento com esteróides tópicos ou restrição dietética, embora existissem algumas diferenças.

Finalmente, vários mecanismos não-ácido mediados potenciais foram descritos que poderiam explicar a resposta ao IBP na PPI-REE (inibição de funções inflamatórias – oxidação, fagocitose, migração celular; bloqueio de IL-13 e IL-14;  inibição de molécula-1 de adesão intercelular, etc). Assim, PPI-REE emergiu como um subtipo de EEo em alguns pacientes, e uma grande controvérsia se desenvolveu:

  • EEo e PPI-REE são de fato a mesma condição?
  • PPI-REE seria uma doença associada a alergia alimentar?
  • IBP’s devem ser considerados tratamento de primeira linha na EEo?
  • O ciclo de IBP deveria ser removido das diretrizes diagnósticas?

De fato, quando avaliados em conjunto, esses novos avanços das pesquisas forneceram um forte embasamento para a consideração da remoção do ciclo de IBP do algoritmo diagnóstico da EEo.

  • A favor da manutenção do ciclo de IBP nos critérios diagnósticos pesavam o potencial em reduzir o número de endoscopias necessárias; a ajuda em tratar a DRGE concomitante e fornecer uma abordagem em etapas para o diagnóstico de EEo.
  • A favor da eliminação do ciclo de IBP pesavam permitir a capacidade de discutir uma gama de terapias (por exemplo, algumas usadas para EEo clássica) sem comprometer os pacientes com um IBP desde o início; ajudar a conseguir um recrutamento mais amplo em ensaios clínicos e permitir o tratamento da eosinofilia esofágica com o próprio IBP independentemente da causa subjacente, removendo a resposta à medicação como critério diagnóstico.

Um enorme progresso foi feito na compreensão da EEo nas últimas duas décadas, abrangendo apresentação clínica, epidemiologia, genética, patogênese, tratamento e resultados. Com uma evolução tão rápida do conhecimento, os critérios diagnósticos também tiveram que evoluir. Essa instigante mudança de paradigma acerca da doença findou com a realização da Conferência AGREE (A working Group on ppi-REE) em 6 de maio de 2017 (Chicago-IL, USA), que culminou com a seguinte atualização:

  1. PPI-REE é indistinguível da EoE e portanto estão no mesmo espectro
  2. IBP’s são melhor classificados como um tratamento primário para eosinofilia esofágica decorrente da EEo do que como um critério diagnóstico

À medida que o campo continue a se desenvolver e novas questões identificadas por pesquisas clínicas durante esse processo sejam respondidas, os critérios diagnósticos certamente irão evoluir outra vez.

NOVO CRITÉRIO DIAGNÓSTICO PROPOSTO

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Referências Bibliográficas

  1. Evan S. Dellon,  Chris A. Liacouras, Javier Molina-Infante, Glenn T. Furuta et al.Updated International Consensus Diagnostic Criteria for Eosinophilic Esophagitis: Proceedings of the AGREE Conference. Gastroenterology 2018;155:1022–1033.
  2. Andrés Gómez-Aldana, Mario Jaramillo-Santos, Andrés Delgado, Carlos Jaramillo, Adán Lúquez-Mindiola. Eosinophilic esophagitis: Current concepts in diagnosis and treatment. World J Gastroenterol 2019 August 28; 25(32): 4598-4613.
  3. Lucendo et al.  Guidelines on eosinophilic esophagitis: evidence-based statements and recommendations for diagnosis and management in children and adults. United European Gastroenterology Journal 2017, Vol. 5(3) 335–358.
  4. Hirano et al. Endoscopic assessment of the oesophageal features of eosinophilic oesophagitis: validation of a novel classification and grading system. Gut 2013;62:489–495.

Como citar esse artigo

Brasil G, Atualizações nos Critérios Diagnóstico da Esofagite Eosinofílica (EEo) – parte 1. Endoscopia Terapeutica; 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/atualizacoes-nos-criterios-diagnostico-da-esofagite-eosinofilica-eeo-parte-1




Dica Rápida e Simples que Salva Vidas: Identifique Precocemente o Carcinoma de Células Escamosas (CEC) no Esôfago

Os endoscopistas ocidentais falham em diagnosticar 12% das neoplasias do trado digestivo superior.(1) Isso também te procupa? Saber que falhamos em diagnosticar uma fatia significativa de doenças letais deixa qualquer endoscopista apreensivo. Para o CEC de esôfago, um pequeno ajuste na sistematização de seu exame pode dobrar sua capacidade diagnóstica sem aumentar o tempo de seu exame. Salve vidas lendo o rápido texto abaixo↓↓.

Introdução

O CEC precoce de esôfago se apresenta como lesões sutis da mucosa que são dificilmente percebidas na endoscopia de rotina. A sensibilidade diagnóstica da luz branca é de preocupantes 50%.(2) Isso mesmo, deixamos de identificar metade dos casos de uma doença altamente letal em uma fase facilmente curável.

A displasia escamosa e o carcinoma intramucoso possuem alterações mínimas de relevo. O aspecto endoscópico consiste principalmente na deformação progressiva do padrão microvascular da mucosa: os “intra papilar capillary loops” (IPCLs). Usando um endoscópio de alta definição, vemos os IPCLs como pontos vermelhos à luz branca. Em um exame mais detalhado, usando magnificação, podemos ver a alça capilar adjacente à membrana basal. Por ser tão superficial, os IPCLs refletem precocemente as alterações epiteliais e se observados atentamente, permitem um diagnóstico precoce do CEC.(3)

A observação destas alterações é um desafio já que há um contraste pobre entre a mucosa subjacente de coloração rósea e a cor vermelha do IPCL. Como veremos mais adiante, a cromoscopia óptica ou digital apresenta um papel fundamental ao realçar o contraste dos vasos transformando em chamativas alterações discretas.(3)

Imagem 1 – Displasia de alto grau sob luz branca e NBI. 

Rastreio:

No rastreio para CEC, a cromoscopia com lugol sempre foi um método chave nos pacientes de alto risco. Sua sensibilidade chega a 90% permitindo um diagnóstico eficaz. Contudo, o lugol apresenta uma baixa especificidade além de necessitar da disponibilidade de seu antídoto (tiosulfato ou hipossulfito). Outras complicações como hiperssensibilidade ao iodo, laringite, pneumonite e dor retrosternal também estão associadas ao procedimento.(2) 

Imagem 2 – Luz branca + Lugol 2% em CEC intramucoso + displasia de alto grau semicircunferencial. 

Com o surgimento das tecnologias de cromoscopia integradas aos sistemas de endoscopias, foi possível solucionar vários dos incovenientes do Lugol. Tecnologias patenteadas por seus respectivos fabricantes como o NBI, o BLI e o i-Scan proporcionaram a capacidade de executar a cromoscopia com apenas um toque no aparelho, não havendo qualquer necessidade de acessório. O NBI é a ferramenta com maior nível de evidência e será abordado mais diretamente neste texto. 

O NBI subtrai alguns espectros da luz branca, deixando a vasculatura mais contrastada. Quando há alterações dos IPCLs uma mancha amarronzada fica bastante evidente ao lado da mucosa normal com tom esverdeado. Mesmo sem magnificação este aspecto endoscópico dobra a sensibilidade diagnóstica do exame.(4)  

E agora, a dica !

Com apenas um clique o endoscopista multiplica sua sensibilidade diagnóstica para o CEC de esôfago. Um salto de 50% para 90% de diagnósticos identificados! Sistematize da seguinte forma seu exame: Lavagem e aspiração do esôfago; Introdução do aparelho com luz branca; ao encerrar o procedimento, retire o aparelho com NBI ou similar ligado, inspecionando detalhadamente o esôfago na retirada. Tal é simples e certamente vai te ajudar a salvar vidas!

Referencias

1.         Menon S, Trudgill N. How commonly is upper gastrointestinal cancer missed at endoscopy? A meta-analysis. Endosc Int Open. 2014;02(02):E46–50.

2.        Morita FHA, Bernardo WM, Ide E, Rocha RSP, Aquino JCM, Minata MK, et al. Narrow band imaging versus lugol chromoendoscopy to diagnose squamous cell carcinoma of the esophagus: A systematic review and meta-analysis. BMC Cancer [Internet]. 2017;17(1):1–14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s12885-016-3011-9

3.        Inoue H, Kaga M, Ikeda H, Sato C, Sato H, Minami H, et al. Magnification endoscopy in esophageal squamous cell carcinoma: A review of the intrapapillary capillary loop classification. Ann Gastroenterol. 2015;28(1):41–8.

4.        Ide E, Maluf-Filho F, Chaves DM, Matuguma SE, Sakai P. Narrow-band imaging without magnifcation for detecting early esophageal squamous cell carcinoma. World J Gastroenterol. 2011;17(39):4408–13.

Como citar este artigo

Pontual JP, Dica Rápida e Simples que Salva Vidas: Identifique Precocemente o Carcinoma de Células Escamosas (CEC) no Esôfago, Endoscopia Terapeutica; 2022. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/dica-rapida-e-simples-que-salva-vidas-identifique-precocemente-o-carcinoma-de-celulas-escamosas-cec-no-esofago/