Como realizar tatuagem endoscópica
A localização intraoperatória de lesões detectadas por métodos endoscópicos é sabidamente imprecisa quando se baseia somente em marcos anatômicos com até 14% dos tumores cólon, por exemplo, sendo identificados cirurgicamente em sítio diverso ao descrito na colonoscopia. Particularmente, a abordagem laparoscópica dificulta a identificação de lesões menores que poderiam ser palpadas em técnicas cirúrgicas abertas, levando em último caso, a não ressecção do segmento apropriado.
Uma outra situação que demanda adequada determinação do sítio de lesão, é o segmento endoscópico pós ressecção de lesões. Após a remoção, por exemplo, de uma lesão de cólon em mais de uma fragmento (“piecemeal”), para se assegurar da completa ressecção em exames de controle, se torna essencial saber a localização exata da lesão retirada.
Portanto, com intuito principal de localizar pré-operatoriamente uma lesão do trato gastrointestinal, ou mesmo definir uma área a ser acompanhada endoscopicamente, algumas técnicas foram desenvolvidas. Entre elas, a tatuagem endoscópica é a mais comumente utilizada e mais facilmente reprodutível e será detalhada no texto. Outras técnicas disponíveis podem ser citadas como:
- Medida de inserção: consiste na definição de quantos centímetros foram introduzidos do aparelho em tal órgão com base em algum ponto de referência (ex: arcada dentária superior, borda anal) com a finalidade de localizar melhor uma lesão. Pode ser utilizada em lesões de esôfago e de reto mas se mostra inadequada em lesões de outros órgãos pela formação de alças e imprecisão na medida.
- Referências anatômicas: pode ser útil em algumas situações específicas, como lesões de cárdia, ceco, válvula ileocecal. Em outros segmentos, principalmente quando consideramos o cólon, a determinação de lesões acaba apresentando-se bastante errática.
- Marcação com clipes metálicos: a aplicação de clipes metálicos na mucosa de qualquer localização do trato pode direcionar a localização intraoperatória com uso de radiografia e ultrassonografia. Uma grande desvantagem dessa técnica, é a imprecisão em relação ao período de fixação do clipe a mucosa, tendo o mesmo uma média de 10 dias, mas podendo variar de horas a anos. Caso ocorra uma queda precoce do clipe, o mesmo pode migrar para uma outra localização, causando transtorno da determinação do sítio de lesão.
- Localização intraoperatória: a utilização de endoscopia ou colonoscopia intraoperatória é uma boa forma de determinar o sítio da lesão, contudo a utilização de ar corrente pode levar a insuflação exagerada dos órgãos do trato gastrointestinal, levando a dificuldade técnica cirúrgica.
TATUAGEM ENDOSCÓPICA
Dentre todos os métodos, a tatuagem endoscópica se demonstra claramente como a principal técnica de marcação endoscópica de lesões. Cita-se como vantagens principais a facilidade de execução e a produção de uma marca que habitualmente é acessível ao cirurgião tanto em procedimentos laparoscópicos, quanto em técnicas cirúrgicas abertas. Para a realização da mesma, devem ser utilizados:
- Solução corante
Múltiplos corantes podem ser utilizados em endoscopia, contudo, em sua maioria, possuem altas taxas de absorção. Azul de metileno e índigo cármin, por exemplo, costumam ser absorvidas em até 24 h, não deixando marcas residuais. Dentre os corantes com maior durabilidade cita-se a tinta da India e a indocianina verde, sendo a tinta da India a mais comumente utilizada. A tinta da India consiste de uma solução de partículas de carbono e pode permanecer no tecido corado por tempo estimado de até 10 anos, permitindo a visualização de tumores marcados endoscopicamente em até 97% dos casos. Usualmente utilizada em soluções 1:50 – 1:100.
- Cateter injetor
Produto tradicionalmente disponível para a injeção de outras soluções como de adrenalina ou ethamolin. Introduzido pelo canal de trabalho do aparelho, tem calibre ideal entre 23 – 25 G, com ponta de 3 – 5 mm.
TÉCNICA DE TATUAGEM ENDOSCÓPICA
Após localização da área a ser tatuada, a agulha do cateter injetor é exposta e penetra a mucosa de forma angulada, de modo que a aplicação do conteúdo injetado acesse a submucosa. Quando da penetração de forma perpendicular, há maior chance da agulha atravessar completamente a parede do órgão e dispensar a solução injetada no peritônio.
Em relação ao modo de injeção, duas variações técnicas principais são propostas:
- Injeção direta
A tinta da índia é injetada diretamente no tecido em alíquotas de 0,5 – 1 ml
- Teste com solução salina
A técnica de teste com solução salina consiste da formação de uma bolha submucosa com 1 – 3 ml de solução salina previamente a injeção da tinta da índia, evitando assim, a penetração transmural da tinta. Após a injeção de cerca de 1 ml da tinta, 2 ml de solução salina é usada para dispensar o resíduo de tinta possivelmente retido no cateter. Quando comparada a técnica tradicional, o teste com solução salina parece ser mais efetiva, permitindo maior número de identificações intraoperatórias de lesões.
ONDE TATUAR
A realização da tatuagem, principalmente quando de fins pré-operatório, como comentado anteriormente, deve ser realizada em locais de difícil identificação cirúrgica. Lesões em válvula ileocecal, ceco, cólon ascendente proximal e em reto, de modo geral, não necessitam ser tatuadas.
Diversas são as técnicas propostas na literatura em relação ao número de tatuagens e sobre a marcação proximal, distal ou ambas em relação a lesão, principalmente no que se refere ao cólon. Como princípios essenciais utilizados na decisão da melhor forma de tatuar é importante salientar:
- Quanto mais circunferencial for a marcação, maior a chance de que se evite que a tatuagem se localize exclusivamente na borda mesentérica do órgão, o que portanto poderia levar a um difícil acesso cirúrgico.
- É essencial que o ponto de injeção se localize 2-3 cm distante a lesão para uma melhor definição de suas margens e evitando que a tatuagem junto ou abaixo da lesão provoque uma reação fibrótica, dificultando por exemplo, uma adequada remoção endoscópica posterior.
- Caso seja decidida pela tatuagem exclusivamente proximal ou distal ao sítio de lesão, é fundamental que isso fique bem claro na comunicação entre o endoscopista e equipe cirúrgica, evitando ressecções de segmentos inadequados.
Como sugerimos:
- Optar pela técnica com teste de solução salina e formação de bolha submucosa anterior a injeção da tinta
- Realizar a tatuagem em 2 – 3 pontos, atentando-se para a injeção de forma contra-lateral ou a cada 1/3 quando de tatuagens no cólon
- Tatuar cerca de 2 – 3 cm proximalmente e distalmente a lesão. Quando houver perspectiva de ressecção endoscópica, uma distância de até 5 cm da lesão deve ser respeitada.
- Evitar tatuagens muito próximas ou logo abaixo da lesão
SEGURANÇA DA TÉCNICA
Raras são as complicações descritas com a tatuagem endoscópica pela técnica de teste com solução salina. Entre as complicações descritas, principalmente com uso da técnica de injeção direta, cita-se:
- Formação de úlcera no sítio de injeção
- Abscessos
- Perfurações
- Necrose perivisceral e formação de pseudotumor inflamatório
É possível evitar boa parte das potenciais complicações utilizando-se sempre de tinta da índia estéril, realizando injeções em pequenas alíquotas e evitando injeções profundas.
Veja também: Vídeo sobre tatuagem endoscópica
Referências:
Pohl, J. Endoscopic Tattooing.Video Journal and Encyclopedia of GI Endoscopy , Volume 1 , Issue 2 , 355 – 356
ASGE Technology Committee, Kethu SR, Banerjee S, Desilets D, Diehl DL, Farraye FA, Kaul V, Kwon RS, Mamula P, Pedrosa MC, Rodriguez SA, Wong Kee Song LM, Tierney WM. Gastrointest Endosc. 2010 Oct;72(4):681-5.
Fu KI, Fujii T, Kato S, Sano Y, Koba I, Mera K, Saito H, Yoshino T, Sugito M, Yoshida S. A new endoscopic tattooing technique for identifying the location of colonic lesions during laparoscopic surgery: a comparison with the conventional technique. Endoscopy. 2001;33:687–691