Abordagem endoscópica comparada à cirúrgica no tratamento do Câncer Gástrico Precoce

INTRODUÇÃO

O câncer gástrico precoce (CGP) é definido, atualmente, como o adenocarcinoma que está restrito à camada mucosa ou submucosa da parede gástrica, independentemente de haver ou não acometimento linfonodal metastático locorregional ou à distância. A incidência de metástases linfonodais, de modo geral, no CGP estádio clínico T1 varia de 0% a 15%.

Pacientes com diagnóstico ou alta probabilidade clínica ou radiológica de metástases linfonodais não são candidatos apropriados para a abordagem endoscópica. A gastrectomia com linfadenectomia é o tratamento de escolha nestas situações.

 

INDICAÇÕES DO TRATAMENTO ENDOSCÓPICO

A ressecção endoscópica é considerada procedimento tanto de estadiamento quanto de tratamento para o CGP. A ressecção em bloco permite avaliar o estádio T da lesão e pode indicar subsequente gastrectomia com linfadenectomia se a ressecção for incompleta ou existirem achados histopatológicos desfavoráveis.

De acordo com as diretrizes atuais, as indicações absolutas (ou standard) para o tratamento endoscópico do CGP são definidas para o adenocarcinoma intramucoso bem ou moderadamente diferenciado que é elevado e tem até 2 cm de diâmetro, ou aquele que é deprimido e mede até 1 cm, sem ulceração. Importante ressaltar que estas lesões devem apresentar uma alta probabilidade de ressecção en bloc e não haver indícios de invasão linfovascular.

Critérios de indicação expandidos para a ressecção endoscópica foram sugeridos: (a) câncer intramucoso sem ulceração, independentemente do seu tamanho; (b) câncer intramucoso ≤ 3 cm de diâmetro com ulceração; (c) câncer invasivo com mínima (≤ 500 μm da camada muscularis mucosae) invasão submucosa e tamanho ≤ 3 cm; e (d) câncer intramucoso, indiferenciado e ≤ 2 cm.

As indicações gerais da gastrectomia com linfadenectomia incluem, basicamente, lesões com baixa possibilidade de ressecção en bloc, subtipo histológico difuso, tumores ulcerados ou com invasão submucosa maciça, evidência de acometimento linfovascular ou linfonodal.

 

Imagem cortesia do Dr Gustavo Luis Rodela Silva

 

ENDOSCOPIA x CIRURGIA –  QUAL A MELHOR OPÇÃO?

Para comparar os resultados do tratamento endoscópico com o tratamento cirúrgico do câncer gástrico precoce foi realizada no Serviço de Endoscopia Gastrointestinal do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo uma revisão sistemática com metanálise. Foram analisados 19 estudos de coorte retrospectivos (nível de evidência 2b de Oxford), totalizando 6421 pacientes. As ressecções endoscópicas incluíram pacientes com critérios absolutos e expandidos e o follow-up variou de 17,6 a 88 meses.

Este estudo chegou às seguintes conclusões:

  • As taxas de sobrevivência de 3, 5 e 10 anos e a mortalidade são semelhantes.
  • As taxas de complicações são mais baixas em pacientes submetidos à abordagem endoscópica.
  • As taxas de ressecção completa são maiores em pacientes submetidos a tratamento cirúrgico (as opções de reabordagem em caso de ressecções incompletas, geralmente, não alteram as taxas de cura).
  • As taxas de recidiva são mais elevadas em pacientes submetidos a tratamento endoscópico, principalmente quando a indicação expandida é considerada.

Assim, a ressecção endoscópica pode ser proposta como forma de tratamento inicial de pacientes selecionados com CGP.

Apesar da existência das diretrizes de tratamento, é importante que pacientes com o diagnóstico de CGP sejam tratados em centros de referência, habituados procedimentos de alta complexidade e sede de profissionais especializados nas diferentes áreas envolvidas. Desta forma, a generalização a instituições não especializadas requer discernimento e prudência, objetivando aprimorar os resultados.

Para acessar o artigo completo clique aqui

 

RECOMENDAÇÕES ATUAIS – JGCA GUIDELINES (VER.4)

Pontos de interesse do artigo, recentemente publicado na revista Gastric Cancer (janeiro de 2017) são brevemente abordados abaixo.

1) ESD em pacientes com indicação expandida ainda é considerado tratamento experimental (a ser realizado sob protocolo de estudo).

2) As indicações de tratamento endoscópico continuam as mesmas da última diretriz e foram descritas acima.

3) Curabilidade das ressecções endoscópicas (possibilidade de seguimento sem cirurgia) considera, além dos critérios descritos (absolutos e expandidos), que a ressecção tenha sido em bloco, que não haja invasão vascular ou linfática, e que as margens verticais e laterais sejam negativas.

 

REFERÊNCIAS

Kondo A, de Moura EG, Bernardo WM, Yagi OK, de Moura DT, de Moura ET, Bravo JG, Yamazaki K, Sakai P. Endoscopy vs surgery in the treatment of early gastric cancer: Systematic review. World J Gastroenterol. 2015 Dec 14;21(46):13177-87. doi: 10.3748/wjg.v21.i46.13177. Review. PubMed PMID: 26675093; PubMed Central PMCID: PMC4674737.

Japanese Gastric Cancer Association. Japanese gastric cancer treatment guidelines 2014 (ver. 4). Gastric Cancer. 2017 Jan;20(1):1-19. doi:10.1007/s10120-016-0622-4. Epub 2016 Jun 24. PubMed PMID: 27342689; PubMed Central PMCID: PMC5215069.

 




CPRE em pacientes submetidos a Bypass Gástrico

 
É sabido que a obesidade é um grave problema de saúde pública e que a cirurgia bariátrica constitui arma poderosa no arsenal terapêutico contra essa enfermidade. Sabe-se, também, que a rápida perda de peso relacionada ao BYPASS GÁSTRICO EM Y DE ROUX (BGYR) é fator de risco para colelitíase e suas complicações como coledocolitíase e pancreatite biliar. Sendo assim, a colecistectomia e a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) são frequentemente indicadas neste grupo de pacientes.
Entretanto, o acesso à via biliar após BGYR constitui um desafio para o endoscopista, visto que este acesso somente é obtido via enteroscopia ou via estômago excluso, através de confecção de gastrotomia para introdução do duodenoscópio.
 

Técnicas endoscópicas para acesso à papila:

1. CPRE via enteroscopia:  a CPRE por enteroscopia é  bem descrita mas parece estar associada a resultados modestos. Entre as limitações, pode-se citar a dificuldade de canulação pela visão tangencial da papila, instabilidade do aparelho, ausência de elevador, dificuldade de utilização dos acessórios devido ao pequeno diâmetro do canal de trabalho e o trajeto tortuoso que o aparelho pode fazer.
Kuga et al publicaram em 2008 uma série de 6 casos de pacientes com anatomia em Y de Roux e submetidos a CPRE em que foi obtido um índice de sucesso em 83,3%1.
A dificuldade de disponibilidade de materiais é o grande limitante desta opção. Uma alternativa publicada pelo grupo do ICESP 5 consiste no uso da enteroscopia para acessar a papila; retirada do enteroscópio; secção do overtube (tomando-se cuidade de clampear o canal de ar com um Kelly) e inserção de um gastroscópio, cujo canal de trabalho comporta a maioria dos acessórios de CPRE.
2. CPRE- transgástrica (CPRE-TG): realizada introduzindo-se o duodenoscópio através de uma gastrotomia no estômago excluso, tem se mostrado uma alternativa viável e, aparentemente, com bons índices de sucesso. Existem duas possibilidades técnicas para acesso ao estômago excluso (ambas com auxílio da laparoscopia):

  1. Realização de gastrotomia na parede anterior do estômago excluso e colocação de um trocater de 15 a 18 mm no quadrante superior esquerdo, por onde passará o duodenoscópio. Geralmente o trocater permanece no estômago em direção a grande curvatura o que permite direcionar o aparelho para o piloro. A conversão para cirurgia aberta raramente é realizada ;
  2. Maturação temporária de um gastrostoma na pele, com acesso direto do duodenoscópio (sem auxílo de trocarter);

.

Veja no vídeo a seguir um exemplo de CPRE-TG para tratamento de coledocolitíase:

Revisão da literatura

Uma revisão sistemática publicada em 2017 analisou 26 estudos, que compilaram 509 CPRE-TG, publicados entre 2007 e 2016 2;

  • 6 estudos foram prospectivos e 20 foram retrospectivos. Não houve estudo controlado e randomizado.
  • Taxa de sucesso em CPRE-TG foi maior que 95%, o que é comparado com CPRE em anatomia padrão e superior aos 60-70% alcançados com CPRE via enteroscopia.
  • Taxa de complicações de 14%, a maioria considerada leve e tratada de forma conservadora, como infecção e sangramento do sítio da gastrotomia, porém houve complicações mais graves relacionadas à própria técnica como pneumotórax hipertensivo, perfurações que necessitaram de tratamento cirúrgico e hérnias incisionais. Com relação a CPRE propriamente, a principal complicação é pancreatite pós-CPRE, seguida de perfuração e sangramento.

 
Um estudo retrospectivo, com 85 CPRE-TG realizadas entre 2004 e 2014, observou uma taxa de complicação de 19%, sendo 88% relacionados à via de acesso e não à CPRE propriamente, a maioria leve. Não houve mortes ou pancreatite grave. Intervenções adicionais, incluindo reparo por laceração na parede posterior do estômago e transfusão sanguínea ocorreram em 4,7% dos casos. Outras complicações que necessitaram de abordagem cirúrgica foram perfuração duodenal e drenagem de abscesso de parede abdominal3.
No Brasil, Falcão et al publicaram estudo com 20 pacientes submetidos a CPRE transgástrica laparoscópica , com sucesso na papilotomia em todos os casos, sem intercorrências maiores4.

CPRE por enteroscopia: A) identificação da papila duodenal maior (seta); B) radioscopia; C) dilatação abalonada da papila; D) retirada do cálculo


CPRE-TG assistida por trocarter

Conclusão

Portanto, a CPRE-TG parece ser um método seguro e altamente efetivo na abordagem dos pacientes com BGYR, sendo imprescindível uma ótima interação entre as equipes cirúrgica e endoscópica.
A CPRE via enteroscopia, embora com resultados mais modestos, pode ser favorecida quando uma intervenção de urgência é indicada (em alças não tão longas).
 

Referências:
  1. Kuga R., Furuya Jr. C.K., Hondo F.Y., Ide E., Ishioka S., Sakai P. ERCP Using Double-Balloon Enteroscopy in Patients with Roux-en-Y Anatomy. Dig Dis 2008; 26(4): 330-5.
  2. Banerjee N., Parepally M., Byrne T.K., PullatT R.C., Coté G.A., Elmunzer B.J. Systematic review of transgastric ERCP in Roux-en-Y Bypass Transgastric patients. Surg Oes Relat Dis 2017; 13(7): 1236-1242.
  3. Grimes K.L, Maciel V.H, Mata W., Arevalo G., Singh K., Arregui M.E. Complications of Laparoscopic Transgastric ERCP in patients with Roux-en-Y Gastric Bypass. Surg Endosc 2015; 29 (7): 1743-9.
  4. Falcao M., Campos J.M., Galvao-Neto M., Ramos A., Secchi T., Alves E., Franca E., Maluf-Filho, Ferraz A. Transgastric Endoscopic Retrograde Cholangiopancreatography for the Management of Biliary Tract Disease after Roux-en-Y Gastric Bypass Treatment of Obesity. Obes Surg 2012; 22 (6): 872-876.
  5. Franco MC, Safatle-Ribeiro AV, Gusmon CC, Ribeiro MS, Maluf-Filho F. ERCP with balloon-overtube-assisted enteroscopy in postsurgical anatomy. Gastrointest Endosc. 2016 Feb;83(2):462-3.



Técnica modificada para realização da gastro-jejunostomia endoscópica percutânea

Modified technique for percutaneous endoscopic gastrojejunostomy placement

Rev. Col. Bras. Cir. 2017; 44(4): 413-415

 

INTRODUÇÃO

A realização da gastrostomia endoscópica percutânea (PEG) proporciona nutrição enteral segura e a longo prazo em pacientes com disfagia ou ingestão oral insuficiente(1).

No entanto, as complicações relacionadas à nutrição gástrica, como pneumonia por aspiração e vazamento periostomal grave, podem impedir o uso da PEG. A nutrição jejunal pode superar essas complicações com o fornecimento de dieta após o piloro(2) .

A alimentação jejunal é comumente obtida colocando-se uma extensão jejunal através de um tubo de PEG existente. Este procedimento é referido como gastrojejunostomia endoscópica percutânea (PEG-J). A PEG-J tem algumas indicações frequentes como (3):

  • gastroparesia grave
  • obstrução pilórica
  • pacientes com gastrostomia, mas com refluxo gastroesofágico grave, e aspirações pulmonares de repetição

 

Diversas técnicas para realização da PEG-J já foram relatadas na literatura, com significativas variações técnicas entre elas e diferentes impactos na taxa de sucesso do procedimento. Neste artigo sugerimos modificações à técnica inicialmente descrita por Sibille et al. 4 , para minimizar o risco de uma de suas principais complicações: a migração da extensão jejunal de volta para o estômago.

 

RELATO TÉCNICO

A técnica modificada que estamos sugerindo deve ser realizada por um endoscopista juntamente com outro médico ou um auxiliar. Após a realização da gastrostomia endoscópica percutânea (PEG) como descrito por Gauderer, Ponsky e Izant com uma sonda de 24 Fr, o gastroscópio deve ser reintroduzido no estômago e posicionado logo abaixo da junção gastroesofágica (Figura 1). O estômago deve ser mantido insuflado enquanto o auxiliar avança o anteparo interno da sonda de gastrostomia em direção ao piloro. Eventualmente pode ser necessário usar a ponta do endoscópio para guiar a direção correta do anteparo e, se esta manobra falhar, um pinça de corpo estranho pode ser usada para carregar o anteparo interno da sonda em direção ao piloro, conforme descrito por Sibille et al. 4. Uma vez que o anteparo interno estiver posicionado na região pré-pilórica, a sonda de gastrostomia deve ter seu lúmen bem lubrificado com gel. Em seguida, o auxiliar avança suavemente a extensão jejunal através do lúmen da sonda de gastrostomia para passar o piloro em direção ao intestino delgado (a extensão jejunal atravessará diretamente o piloro sem o uso de um fio-guia). Neste ponto, o auxiliar puxa ligeiramente de volta a sonda de gastrostomia apenas para permitir que o endoscopista possa apreender a extensão jejunal com uma pinça de corpo estranho. Esta manobra irá assegurar a posição da extensão jejunal até o final do procedimento. Sob controle da visão endoscópica, o auxiliar novamente puxa a sonda de gastrostomia de volta em direção à parede gástrica até sentir resistência, o que indica que o anteparo interno está em contato novamente com a parede gástrica. Finalmente, a extremidade proximal da extensão jejunal deve ser conectada à sonda de gastrostomia e tanto a pinça como o gastroscópio são então removidos.

DISCUSSÃO

Os pacientes em condições críticas e geriátricos frequentemente necessitam de nutrição enteral, que é preferível à parenteral. No entanto, o esvaziamento gástrico é comumente prejudicado por gastroparesia, particularmente em pacientes com diabetes ou com comorbidades graves(4,6). Para permitir um fluxo adequado da dieta enteral para o intestino delgado e diminuir a regurgitação ou aspiração, a dieta deve ser fornecida após o ângulo de Treitz. Assim, a PEG-J ainda é a melhor opção para esses pacientes. Além disso, a PEG-J possibilita a sucção gástrica para reduzir a regurgitação.

O procedimento de colocação de uma PEG-J, entretanto, é muitas vezes um desafio técnico. Neste artigo demonstramos uma técnica modificada para a colocação da PEG-J com objetivo de evitar a principal dificuldade do procedimento: formação de alça na extensão jejunal dentro do estômago.

Fluoroscopia e fio-guia não são necessários com o uso desta técnica. Na verdade, o fio-guia em si não impede a possibilidade de formação de alça enquanto se avança a extensão jejunal. E a visão endoscópica após o posicionamento da extensão jejunal no intestino delgado torna a fluoroscopia desnecessária.

Além disso, não foi adotada a técnica de passagem inicial de um fio-guia, conforme descrito por DeLegge et al. (7), pois em alguns casos esta abordagem tornou a extensão jejunal mais rígida, e impediu a passagem da extensão do bulbo para o segunda porção duodenal.

CONCLUSÕES

O passo chave na nossa técnica modificada é o posicionamento da sonda de gastrostomia junto ao piloro enquanto a extensão jejunal é avançada através do duodeno. Esta simples manobra, realizada sob controle visual, evitou a formação de alça dentro do estômago na extensão jejunal, que muitas vezes pode complicar o procedimento e torná-lo mais demorado.

Após a realização de diversos casos, tive dificuldade em posicionar alguns anteparos na região pré-pilórica devido à desvios do piloro, fato que por vezes impediu o sucesso do procedimento. Portanto, comecei “intubar” o piloro com anteparo interno posicioná-lo no bulbo duodenal (sempre com auxílio de uma pinça; de corpo estranho se possível). Veja foto abaixo. Com essa manobra observei que a taxa de sucesso aumentou consideravelmente.

E você ? Também já sofreu para passar uma sonda dessas ? Relate sua experiência para nós. Assim todos poderemos aprender juntos !

REFERÊNCIAS

1. Toh Yoon EW, Yoneda K, Nakamura S, Nishihara K. Percutaneous endoscopic transgastric jejunostomy (PEG- -J): a retrospective analysis on its utility in maintaining enteral nutrition after unsuccessful gastric feeding. BMJ open Gastroenterol. 2016;3(1):e000098. Erratum in: BMJ Open Gastroenterol. 2016;3(1):e000098corr1.

2. Zhang Z, Xu X, Ding J, Ni H. Comparison of postpyloric tube feeding and gastric tube feeding in intensive care unit patients: a meta-analysis. Nutr Clin Pract. 2013;28(3):371-80.

3. DiSario JA. Endoscopic approaches to enteral nutritional support. Best Pract Res Clin Gastroenterol. 2006;20(3):605-30.

4. Sibille A, Glorieux D, Fauville JP, Warzée P. An easier method for percutaneous endoscopic gastrojejunostomy tube placement. Gastrointest Endosc. 1998;48(5):514-7.

5. Gauderer MW, Ponsky JL, Izant RJ Jr. Gastrostomy without laparotomy: a percutaneous endoscopic technique. J Pediatr Surg. 1980;15(6):872-5. 6. Heyland D, Cook DJ, Winder B, Brylowski L, Van deMark H, Guyatt G. Enteral nutrition in the critically ill patient: a prospective survey. Crit Care Med. 1995;23(6):1055-60. 7. DeLegge MH, Patrick P, Gibbs R. Percutaneous endoscopic gastrojejunostomy with a tapered tip, nonweighted jejunal feeding tube: improved placement success. Am J Gastroenterol. 1996;91(6):1130-4

 




Manitol e explosão do cólon: teoria versus prática.

O preparo de cólon deve idealmente ser efetivo, barato, seguro, de fácil administração e bem tolerado pelo paciente. O manitol atende a todos esses quesitos, e talvez por isso, seja a droga mais comumente utilizada no preparo de cólon para colonoscopia no nosso e em outros países.

O efeito laxativo do manitol se baseia na sua não absorção e na promoção de diarreia osmótica, com excelente qualidade de preparo, necessidade de ingesta de volumes relativamente pequenos, quando comparado a outras alternativas, como o polietilenoglicol (PEG).

Curiosamente, este monossacarídeo é ignorado há décadas nos Estados Unidos e Europa para esse propósito. A razão do criticismo é a associação do manitol a episódios de explosão do cólon em relatos remotos.

Na luz do cólon, cinco principais gases são encontrados: nitrogênio (N2, 23–80%), oxigênio (O2, 0,1–2,3%), hidrogênio (H2, 0,06-47%), metano (CH4, 0-26%) e dióxido de carbono (CO2, 5,1-29%). Para que ocorra explosão do cólon é necessária a combinação de três elementos: presença de gases combustíveis como CH4 ou H2, com concentrações maiores que 5 e 4%, respectivamente; presença de um gás comburente (O2), com pelo menos 5%; e uma fonte de calor (eletrocautério ou plasma de argônio).

Uma vez não absorvido, o manitol intra-luminal serviria de substrato para colônias de bactérias produtoras de H2 e CH4 (especialmente E. coli), com potencial explosivo durante o uso de eletrocautério, na presença de O2 (ar ambiente como meio de insuflação), especialmente em preparos de baixa qualidade, com certa quantidade de resíduos fecais. Alguns autores acreditam que a insuflação com CO2 possa reduzir o risco de explosão por ser um gás inerte e por suprimir o percentual de O2 na luz de cólon.

Ora, a utilização de CO2 como meio de insuflação ainda é rara em nosso país. Por outro lado, o manitol segue sendo amplamente usado no preparo para o exame do cólon e suas intervenções terapêuticas. E onde estão os relatos de explosão do cólon em nosso meio? Ainda que existam, são pontuais e desproporcionais à utilização da droga.

Essa baixa associação na prática pode ser explicada por alguns fatores. Acredita-se que a troca gasosa promovida pela insuflação e aspiração durante o exame ofereça proteção, pois traria uma rarefação dos gases com potencial explosivo. Na tentativa de demonstrar tal efeito, um estudo nacional recente, dosou as concentrações de CH4 ao longo de 250 colonoscopias preparadas com manitol (n=50) ou fosfato de sódio (n=200). Os autores esperavam encontrar altos níveis de CH4 no início dos exames do grupo manitol e o decréscimo progressivo do gás ao longo do exame. Curiosamente, em nenhum dos pacientes do grupo manitol houve detecção de metano, o que ocorreu em sete pacientes (3,5%) do grupo fosfato de sódio. Nestes, foi sim observada a queda nas dosagens do gás ao longo do procedimento.

Recentemente, a produção de metano no cólon tem sido associada a um trânsito intestinal lentificado. A aceleração do trânsito promovida pelo manitol, bem como por outros laxativos, poderia explicar a baixa produção de metano observada no estudo, bem como a maior presença do gás em pacientes com preparo ruim. Parece ainda haver variação individual na produção de metano, sendo que no ocidente, 65% dos indivíduos podem ser classificados como não produtores de metano.

No início dos anos 80, o manitol era um agente amplamente utilizado em todo o mundo. Relatos de explosão do cólon motivaram estudos sobre a concentração de gases após preparos com polissacarídeos não absorvíveis. Esses estudos demonstraram maiores concentrações destes gases quando comparados a outros agentes de preparo utilizados na época. Estes trabalhos cristalizaram a idéia da associação entre manitol e risco de explosão do cólon.

Uma revisão identificou, de 1956 a 2006, 9 casos de explosão de cólon em colonoscopias na literatura médica em língua inglesa, e outros 11 observados durante cirurgias. Das 9 colonoscopias, 6 cursaram com perfuração do cólon. A revisão não deixa claro quantas delas haviam sido preparadas com manitol. Em cinco a fonte de calor foi a utilização de argônio. Os autores ainda descrevem um caso próprio de explosão sem perfuração, utilizando argônio, após preparo com enema.

Embora dados da literatura destaquem o risco do uso do manitol para o preparo de cólon, a ponto de proscrever uma medicação de baixo custo e que atende a todos os outros quesitos desejáveis, a ampla utilização da droga em diversos países e a baixa incidência global de relatos de explosão de cólon nos permitem suspeitar que ainda não conhecemos a total verdade dos fatos sobre este assunto.

Características individuais na produção de gases combustíveis, variações na flora bacteriana do cólon, qualidade do preparo e técnica do exame com maior troca gasosa e a fonte de calor utilizada são apenas alguns fatores que podem explicar a baixa ocorrência de acidentes ligados ao manitol no mundo, apesar de sua ampla utilização.

E na sua rotina? Qual preparo você utiliza ? Já observou alguma intercorrência com o manitol ou outro tipo de preparo ? Participe dando sua opinião no campo de comentários, ou em nosso mural !

 

Referencias

  1. Macedo EP, Ferrari AP. COMPARATIVE STUDY AMONG THREE METHODS FOR ORAL COLONOSCOPY PREPARATION: MANITOL, POLYETHYLENE GLYCOL and ORAL SODIUM PHOSPHATE ENEMA. Dig Endosc [Internet]. 2003 Jan;15(1):43–7. Available from: http://doi.wiley.com/10.1046/j.1443-1661.2003.00209.
  2. Habr-Gama A, Bringel RW, Nahas SC, Araújo SE, Souza Junior AH, Calache JE, et al. Bowel preparation for colonoscopy: comparison of mannitol and sodium phosphate. Results of a prospective randomized study. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo [Internet]. 54(6):187–92. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10881066
  3. Belsey J, Epstein O, Heresbach D. Systematic review: oral bowel preparation for colonoscopy. Aliment Pharmacol Ther [Internet]. 2007 Feb 15;25(4):373–84. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17269992
  4. Johnson DA, Barkun AN, Cohen LB, Dominitz JA, Kaltenbach T, Martel M, et al. Optimizing adequacy of bowel cleansing for colonoscopy: recommendations from the U.S. Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer. Gastrointest Endosc [Internet]. 2014 Oct;80(4):543–62. Available from : http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0016510714020719
  5. Ladas SD. Colonic gas explosion during therapeutic colonoscopy with electrocautery. World J Gastroenterol [Internet]. 2007;13(40):5295. Available from: http://www.wjgnet.com/1007-9327/13/5295.asp
  6. PAULO GA de, MARTINS FPB, MACEDO EP de, GONÇALVES MEP, FERRARI AP. SAFETY OF MANNITOL USE IN BOWEL PREPARATION: a prospective assessment of intestinal methane (CH4) levels during colonoscopy after mannitol and sodium phosphate (NaP) bowel cleansing. Arq Gastroenterol [Internet]. 2016 Sep;53(3):196–202. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-28032016000300196&lng=en&tlng=en

 

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DRGE é fácil de ser diagnosticada?

 

A discussão sobre doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é ampla e envolve fatores de prevalência (ambientais, genéticos, culturais), fisiopatológicos (relaxamento do EEI, hipotonia do EEI), sintomatologia (típicos, atípicos), apresentação (erosiva, não erosiva), tipo de refluxato (ácido, não ácido, gasoso), tratamento (clínico,cirúrgico,endoscópico).

O objetivo deste post é dar um enfoque ao diagnóstico da DRGE. Atualmente para o diagnóstico é necessário que além da sintomatologia, deve-se ter alteração ao menos em um método diagnóstico. O conceito anterior que bastava ter sintomatologia mais de 2 vezes por semana por mais de 4-8 semanas não é suficiente, pois gera uma certeza diagnóstica de apenas 40%.

A doença do refluxo gastroesofageano (DRGE) tem uma prevalência de cerca de 12- 20% em nosso meio. Pode ser classificada pelas suas manifestações como:

  • Típica: pirose e regurgitação
  • Atípica: epigastralgia, distensão abdominal, eructação, empachamento, otalgia, laringite, tosse crônica, asma, erosão dentária

 

Apesar de comum e com tratamento relativamente fácil na maioria dos casos, o diagnóstico de DRGE não é tão simples. Isto porque não existe método diagnóstico com 100% de acurácia.

 

MÉTODOS DIAGNÓSTICOS:

 

  • Teste terapêutico com IBP

 

Realizado geralmente através do uso de IBP em dose plena para DRGE por 4 semanas (não existe uma boa padronização nos estudos sobre dose e tempo a ser utilizado). Possui uma sensibilidade diagnóstica de cerca de 70% e pode ser realizado em pacientes com sintomas típicos e que não possuem sinais de alarme, porém tem baixa especificidade.

Deve-se lembrar que alguns pacientes com pirose funcional respondem ao uso de IBP através de efeito placebo, o que gera um falso positivo ao teste terapêutico, e também influencia no resultado do teste diagnóstico.

Problemas relacionados ao próprio medicamento também devem ser considerados (paciente com DRGE resistente ao IBP, falha na adesão, medicamento de baixa qualidade).

 

 

  • Endoscopia digestiva alta

 

Geralmente é o primeiro método diagnóstico utilizado para diagnosticar DRGE. A endoscopia deve ser realizada preferencialmente antes do inicio do IBP, pois assim a classificação entre DRGE erosiva e não erosiva pode ser realizada de forma mais fidedigna.

A endoscopia digestiva além de avaliar a presença de esofagite erosiva, achado de alta especificidade para DRGE, pode também observar suas eventuais complicações (ex: úlceras, estenoses, Barrett).

Porém a sensibilidade diagnóstica da EDA é baixa, cerca de 40-50% nos pacientes com sintomas típicos e apenas 20-30% nos pacientes com sintomas atípicos.

Observa-se assim que a maioria dos pacientes com DRGE não apresentam alterações na endoscopia digestiva alta

 

https://endoscopiaterapeutica.net/pt/esofagite-erosiva-por-doenca-do-refluxo/

 

  • Manometria esofágica

 

A manometria na DRGE é fundamental para definir o posicionamento do cateter do exame de pHmetria, que deve ficar 5cm acima do esfíncter esofágico inferior. Medidas fixas ou cálculos baseados na altura do paciente não são fidedignos para a realização da pHmetria.

Também tem como objetivo fazer o diagnóstico diferencial com outras patologias como acalásia e distúrbios motores do esôfago que podem gerar sintomas semelhantes de DRGE. A manometria de alta resolução possui vantagens diagnósticas e de conforto ao paciente em relação a manometria convencional porém tem um custo muito superior em nosso meio.

 

Manometria esofágica de alta resolução: principais vantagens em relação à convencional e uma breve interpretação da classificação de Chicago

 

  • pHmetria convencional de 24hs

 

Indicado para diagnosticar pacientes que apresentam sintomatologia de DRGE que não possuem alterações na endoscopia. É um método examinador dependente e só tem validade se a colocação da sonda tiver sido orientada pelo exame de manometria esofágica.

Através deste método pode-se estudar melhor o paciente, avaliando a posição onde ocorrem os refluxos (supino x ortostático), o alcance do refluxato ácido (proximal x distal) e a relação dos refluxos com a sintomatologia do paciente (índices como IS e PAS).

A phmetria convencional de 24hs possui uma sensibilidade diagnóstica de cerca de 90% nos pacientes com sintomas típico de DRGE.

Pacientes com sintomas típicos e sem erosão na endoscopia (que são os que mais realizarão a phmetria sem uso de IBP)  apresentam na phmetria convencional sensibilidade e especificidade de cerca de 90% para o diagnóstico de DRGE por refluxos ácidos.

 

Para pacientes com sintomas atípicos, a sensibilidade é de cerca de 30-40% e a especificidade de cerca de 20-30% mesmos com uso de sonda de dois canais (sendo o proximal localizado na faringe). Importante salientar que a maioria (70%) dos sintomas atípicos ocorrem independentemente dos refluxos.

 

pHmetria convencional de 24hs

Traçado azul: sensor proximal, localizado junto ao esfíncter esofágico superior. Traçado verde: sensor distal, localizado 5cm acima do esfíncter esofágico inferior. Área em branco: posição ortostática. Área em amarelo: posição supino. Área em azul: período de alimentação. Linha tracejada: horário que ocorreu algum sintoma.

 

A pHmetria convencional tem pouco valor diagnóstico na vigência de IBP, pois nesta situação os refluxos que ocorrem são não acido e não podem ser mensurados, fazendo com que o exame seja normal em mais de 90% dos casos.

Quando a pHmetria convencional realizada na vigência de IBP tem um resultado positivo para refluxo isto mostra uma supressão ácida ineficaz onde deve-se considerar aderência ao tratamento, a dose utilizada e até mesmo a qualidade do medicamento usado.

 

Ausência de refluxo gastroesofágico ácido proximal e distal

Ausência de refluxo gastroesofágico ácido proximal e distal

 

 

  • pHmetria por cápsula

 

Colocada via endoscopia a 6 cm acima da transição esofagogástrica. Pelo maior conforto permite a avaliação por 48hs. Por ser mais discreta possibilita que o paciente mantenha a sua rotina normal de trabalho e atividades sem se preocupar com a sonda nasal do exame tradicional. Possui uma acurácia diagnóstica semelhante a pHmetria convencional com sensibilidade maior de 90% nos pacientes com DRGE erosiva e de 60% nos pacientes com DRGE não erosiva.  Apesar de algumas vantagens possui alto custo que praticamente inviabiliza seu uso em nosso meio.

 

 

  • Impedâncio pHmetria

 

Tem a vantagem de avaliar a presença de refluxo ácido e não ácido (liquido ou gasoso),  por isto atualmente é considerada como Gold Standard para o diagnóstico de DRGE.

Indicado para pacientes com sintomas de DRGE mas que não apresentam alterações na EDA e na pHmetria convencional, onde possui uma sensibilidade e especificidade de cerca de mais de 90% em pacientes com sintomas típicos, onde há predominância de refluxos ácidos. A presença patológica de refluxos, principalmente se houver associação dos sintomas, é um preditor positivo de resposta ao uso de IBP.

Outra indicação é avaliação de refluxo em pacientes em tratamento com IBP mas que não respondem adequadamente aos mesmos. A impedâncio realizada na vigência de IBP mostra a presença de refluxo não ácido em cerca de 40% e de refluxo ácido (escape ácido) em 10% dos pacientes. Nestes casos a positividade no exame é um fator preditivo de boa resposta ao tratamento cirúrgico.

 

Cerca de 30% dos pacientes com DRGE continuam com sintomas típicos mesmo fazendo uso de IBP adequadamente

 

Em pacientes com sintomas atípicos a impedanciophmetria tem uma sensibilidade diagnóstica de cerca de 70%, sendo um bom método diagnóstico para esta investigação ao contrário da pHmetria convencional. Esta sensibilidade é maior pois os sintomas atípicos estão mais relacionados com refluxos não ácidos que não podem ser visualizados na pHmetria convencional.

Em pacientes com refluxo faringolaringeo a impedancioPHmetria tem valor preditivo de resposta ao IBP. Os pacientes que apresentam alteração no exame respondem bem ao tratamento com IBP.

 

1- Refluxo não ácido. 2- Refluxo ácido. Observar a queda do pH no sensor da pHmetria (pH1).

1- Refluxo não ácido. 2- Refluxo ácido. Observar a queda do pH no sensor da pHmetria (pH1).

 

Refluxo ácido. Ascensão retrógrada com queda do pH.

Refluxo ácido. Ascensão retrógrada com queda do pH.

 

Refluxo levemente ácido. Observe a queda do pH porém não abaixo de 4.

Refluxo levemente ácido. Observe a queda do pH porém não abaixo de 4.

 

 

Segue abaixo um fluxograma simples para investigação e tratamento de DRGE:

fluxograma simples para investigação e tratamento de DRGE:

 

Se toda a investigação diagnóstica for negativa exclui-se o diagnóstico de DRGE e o tratamento com IBP deve ser suspenso. A investigação deve ser continuada para os diagnósticos diferencias como esofagite eosinofílica, acalásia, gastroparesia, síndrome de ruminação. Se esta investigação também for negativa deve-se atribuir os sintomas a um quadro funcional onde podem ser utilizados antidepressivos tricíclicos ou ISRS.

 

Referências:

  1. Ates F, Francis DO, Vaezi MF. Refractory gastroesophageal reflux disease: advances and treatment. Expert Rev Gastroenterol Hepatol. 2014;8(6):657–67.
  2. Scarpellini E, Ang D, Pauwels A, De Santis A, Vanuytsel T, Tack J. Management of refractory typical GERD symptoms. Nat Rev Gastroenterol Hepatol [Internet]. 2016;13(5):281–94. Available from: http://www.nature.com/doifinder/10.1038/nrgastro.2016.50
  3. Nennstiel S, Andrea M, Abdelhafez M, Haller B, Schmid RM, Bajbouj M, et al. pH/multichannel impedance monitoring in patients with laryngo-pharyngeal reflux symptoms ? Prediction of therapy response in long-term follow-up. Arab J Gastroenterol [Internet]. Pan-Arab Association of Gastroenterology; 2016;17(3):8–11. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajg.2016.08.007
  4. Endoscopia D De, Brasileira M. Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva. 2011;(11):1–6.
  5. Villa N, Vela MF. Impedance-pH Testing. Gastroenterol Clin North Am [Internet]. Elsevier Inc; 2013;42(1):17–26. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.gtc.2012.11.003
  6. Frazzoni M, de Bortoli N, Frazzoni L, Tolone S, Savarino V, Savarino E. Impedance-pH Monitoring for Diagnosis of Reflux Disease: New Perspectives. Dig Dis Sci. Springer US; 2017;1–9.
  7. de Bortoli N, Ottonello A, Zerbib F, Sifrim D, Gyawali CP, Savarino E. Between GERD and NERD: the relevance of weakly acidic reflux. Ann N Y Acad Sci. 2016;1380(1):218–29.
  8. Vela MF. Diagnostic Work-Up of GERD. Gastrointest Endosc Clin N Am [Internet]. Elsevier Inc; 2014;24(4):655–66. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.giec.2014.07.002

 




Manejo do linfoma MALT

 

LINFOMA MALT

Os linfomas gástricos são neoplasias raras e que correspondem a apenas 5% das neoplasias que acometem o estômago. Cerca de 50% dos casos são linfomas da zona marginal dos folículos linfóides (MALT) sendo que estes estão associados com a infecção pelo Helicobacter Pylori em mais de 90% dos casos. Os outros linfomas gástricos geralmente são do tipo difuso de grandes células B ou mais raramente o linfoma de Burkit ou do manto, que costumam ter uma pior evolução.

A infecção pelo H. pylori tem papel fundamental no desenvolvimento do linfoma MALT. O linfoma de tecido linfoide associado à mucosa se origina à partir da zona marginal de células B, geralmente causado pela infecção crônica pelo H. pylori, que promove um estímulo antigênico local.

O tratamento do linfoma MALT é determinado, dessa maneira, de acordo com o estadiamento clínico e a presença da infecção pelo H. pylori. A erradicação do H. pylori induz a remissão completa em 75 a 85% dos pacientes e é considerada o tratamento inicial.

O aspecto macroscópico dos linfomas MALT pode variar. Diversos autores têm proposto classificações baseadas em apresentações macroscópicas (ulcerativo, exofítico, hipertrófico, hemorrágico, infiltrativo, dentre outros). Muitas vezes as alterações se distribuem de forma desigual e em um mesmo paciente podemos encontrar várias formas macroscópicas.

Há uma desorganização estrutural das glândulas que se traduz em desestruturação macroscópica. Com a erradicação do H. pylori ocorre uma regeneração e temos uma melhora microscópica e macroscópica. O aspecto da mucosa se correlaciona com sucesso ou fracasso do tratamento. Em caso de remissão da doença há uma regeneração muitas vezes completa das lesões na mucosa. Por outro lado, a persistência de lesões  se correlaciona fortemente com falha de tratamento. A erradicação é recomendada mesmo em caso de teste negativo para H. pylori, independente do estadiamento.

Classificação de Sano

O diagnóstico endoscópico do linfoma MALT é difícil pela escassez de aspectos macroscópicos característicos. Diversos autores têm mostrado, no entanto, algumas alterações comuns em pacientes portadores de linfoma MALT. Palidez e áreas semelhantes à atrofia, dilatação e destruição de criptas,  além de dilatação de microvasos são aspectos comuns no linfoma MALT.

https://endoscopiaterapeutica.net/pt/linfoma-malt/

As alterações endoscópicas são destacadas por técnicas de cromoscopia como o NBI. A TLA ou  “Tree Like Appearance” é uma alteração descrita que consiste no achado de vasos anormais que se assemelham a galhos de árvore e traduzem perda da microestrutura tecidual. Há uma forte correlação diagnóstica do TLA visto durante NBI com diagnóstico, resposta ao tratamento e seguimento dos casos de linfoma MALT.

A erradicação do H. pylori é o tratamento inicial em casos de linfoma MALT independente do estadiamento e leva a uma resposta completa em cerca de 60 a 80% dos casos. A resposta, no entanto, nem sempre é imediata. A média para resposta completa pode variar de 1 a 14 meses, com uma média de 5 meses.

As diretrizes recomendam uma estratégia “watch and wait” com endoscopias seriadas a cada 3 a 6 meses pelo período de 1 ano. À partir de então, na persistência de lesões, está indicada radioterapia.

 

LINFOMA MALT NÃO ASSOCIADO AO H. PYLORI

Linfoma MALT gástrico não associado a infecção pelo Helicobacter Pylori

 

 

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QUIZ! Manejo do linfoma MALT

 

REFERÊNCIAS:

1.     Nonaka K, Ohata K, Matsuhashi N et al. Is Narrow-nad imaging useful for histological evaluation of gastric mucosa-associated ;ymphoid tissue lymphoma after treatment? Dig Endosc 2014; 26(3): 358-64.

2.     Mavrogenis G, Camboni A, Denis MA. Endoscopic features of lymphoproliferative diseases. Gastrointest Endosc 2015; 81(6): 1480-1.

3.     Isomoto H, Matsushima K, Hayashi T et al. Endocytoscopic findings of lymphomas of the stomach. BMC Gastroenterol 2013; 13: 174-8.

4.     Lee CM, Lee DH, Ahn BK et al. Correlation of endoscopic findings of gastric mucosa-associated lymphoid tissue lymphoma with recurrence after complete remission. Clin Endosc 2017; 50:51-57.

5.     Isomoto H, Shikuwa S, Yamaguchi N et al. Magnified endoscopic findings of gastric low-grade mucosa-associated  lymphoid tissue lymphoma. Endoscopy 2008; 40 (3): 225-8.




Estadiamento OLGA e OLGIM para atrofia gástrica

Na suspeita de câncer gástrico (CG), a endoscopia é principal ferramenta de diagnóstico. Também pode ser usado no rastreio do CG, porém,  para que possa haver equilíbrio entre custo/risco e benefício, este rastreio deve ser limitado aos pacientes com alto risco.

Com a evolução dos conhecimentos sobre o CG, tem-se demonstrado o papel da atrofia gástrica com principal preditor do CG do tipo intestinal. Porém, o risco de câncer difere nos diferentes achados de atrofia (apenas de antro, de corpo, ambos, associado a infecção com H. pylori …), dificultando o manejo dos pacientes com tais achados.

Assim, um grupo de estudo formado por patologistas e gastroenterologistas ( the Operative Link of Gastritis Assesment – OLGA), propôs um sistema, baseado em uma gradação do fenótipo da  gastrite atrófica encontrada, ao longo de uma escala evolutiva (estágios OLGA I a IV)  capaz de predizer o risco crescente de CG.

O estadiamento OLGA leva em conta a severidade da atrofia (gradação histológica) e a localização endoscópica (topografia) das amostras colhidas. O estadiamento também apresenta informações  sobre a possível etiologia da atrofia (autoimune, infecção por H. pylori, etc).

Os critérios utilizados para definir a atrofia gástrica e seu estadiamento podem ser avaliadas no quadro abaixo (figura 1)

Figura 1 : Classificação histológica para atrofia gástrica.

As biópsias  devem ser  realizadas no mínimo em cinco locais e separadas em 3 frascos. Existe uma controvérsia a respeito dos locais onde devem ser coletadas as amostras do corpo gástrico (pequena e grande curvatura ou parede anterior e parede posterior).

Uma discussão a respeito desse assunto você pode encontrar nesse outro artigo: onde coletar as biópsias para estadiamento OLGA?

Nossa recomendação é:

  • Pequena e grande curvatura de corpo (C1 e C2)
  • Incisura angularis (A3)
  • Pequena e grande curvatura de antro (A1 e A2)

Combinado os achados do estadiamento de atrofia nos diferentes locais anatômicos, criou-se o estadiamento OLGA (figura 2) :

FIGURA 2 – ESTADIAMENTO OLGA

Com base no estadiamento OLGA,  podemos nos deparar com os seguintes cenários :

Estagiamento OLGA 0 : Não há achado de atrofia . Deve-se atentar ao achado histológico de “indeterminado para atrofia”, que pode ocorrer em infecções ativas por H. pylori , estando o tratamento indicado, e novas biópsias posteriores.

Estagiamento OLGA I : Estágio de atrofia mais baixo, detectado em biópsias. E geral, podem estar associados a infecção ativa por H. pylori, ou dificuldade de análise do material por uso associado de inibidos de bomba de prótons . Deve ser mencionada no laudo histológico, a suspeita de infecção por H. pylori mesmo na ausência do achado.

Estagiamento OLGA II : Combinação de achado em geral de atrofia em diferentes locais de biópsias, mas em geral, a atrofia mais comum em região mucosecretora. Carrega um baixo risco de evolução para CG.

Estagiamento OLGA III :  Moderada atrofia nos dois compartimentos anatômicos, e mais comumente associado a metaplasia intestinal. Quando ocorre com atrofia 0 na área mucosecretora , em geral está associado a gastrite atrófica autoimune de corpo.  Não é achado comum em população de baixo risco, pode estar associado a neoplasia não invasiva  ou até avançada.

Estagiamento OLGA IV:  É o achado de atrofia em todos os compartimentos anatômicos. Raramente encontrado em áreas de baixa incidência de CG. Os dados demonstram que os programas de vigilância devem ser reservados so pacientes incluídos nos grupos OLGA IIIe IV.

Classificação OLGIM

Mais recentemente, alguns grupos propõe o uso de uma classificação diferenciada, onde histologicamente o achado mais importante seria o de metaplasia intestinal, e a porcentagem que esta metaplasia está presente nas biópsias (variação chamada de OLGIM , figura 3 ). Por fim, também se discute a não necessidade de realização de biópsias da Incisura angularis.

FIGURA 3 – ESTADIAMENTO OLGIM

Pessoalmente, entendo que o estadiamento OLGA é importante para definir o acompanhamento aos pacientes com atrofia, porém, há uma dependência grande do patalogista, que deve estar integrado a equipe de gastroenterologistas, o que pode ser problemático em muitas cidades brasileiras.

Você já teve experiência com o OLGA ? Acompanha algum paciente seguindo as condutas propostas ?

BIBLIOGRAFIA

1- Rugge M, Correa P, Di Mario F, El-Omar E, Fiocca R, Geboes K, Genta RM, Graham DY, Hattori T, Malfertheiner P, Nakajima S, Sipponen P, Sung J, Weinstein WVieth M. OLGA staging for gastritis: a tutorial. Dig Liver Dis. 2008 Aug;40(8):650-8.

2- Capelle LG, de Vries AC, Haringsma J, Ter Borg F, de Vries RA, Bruno MJ, van Dekken H, Meijer J, van Grieken NC, Kuipers EJ. The staging of gastritis with the OLGA system by using intestinal metaplasia as an accurate alternative for atrophic gastritis. Gastrointest Endosc. 2010 Jun;71(7):1150-8.

3- Zhou Y, Li HY, Zhang JJ, Chen XY, Ge ZZ, Li XB. Operative link on gastrites assessment stage is an appropriate predictor of early gastric cancer. World J Gastroenterol. 2016 Apr 7;22(13):3670-8.

4- Rugge M, Fassan M, Pizzi M, Farinati F, Sturniolo GC, Plebani M, Graham DY. Operative link for gastritis assessment vs operative link on intestinal metaplasia assessment. World J Gastroenterol. 2011 Nov 7;17(41):4596-601.




Classificação das neoplasias colorretais precoces segundo Workshop de Paris

Em 2002, um grupo internacional de endoscopistas, cirurgiões e patologistas se reuniram em Paris para discutir a utilidade e a relevância clínica da classificação endoscópica Japonesa de neoplasias superficiais do trato GI.

Desde então, a classificação de Paris tem sido adotada mundialmente como a classificação padrão-ouro para a descrição macroscópica das lesões do TGI.

Neste post, vamos resumir brevemente como aplicar a classificação de Paris para as lesões colorretais precoces.

Modelos do crescimento do tumor durante o desenvolvimento da neoplasia colorretal:

A progressão ocorre em 4 modelos distintos:

  1. como uma lesão de projeção polipoide, sentido ascendente
  2. como uma lesão não polipoide, crescendo para para baixo na profundidade da parede
  3. como uma lesão não polipoide que permanece plana ou plano-elevada
  4. como uma LST (lateral spreading tumor)

No esôfago, estômago e no cólon, o termo superficial foi adotado para descrever as lesões cuja aparência endoscópica sugiram uma lesão neoplásica não invasiva (displasia/adenoma) ou uma neoplasia invasiva confinada a mucosa/submucosa (T1).

Importante não confundir os termos neoplasia invasiva, com neoplasia avançada:

  • As neoplasias avançadas são aquelas que invadem a camada muscular própria (T2).
  • As lesões invasivas são aquelas que as células mitóticas extrapolam a região do epitélio glandular e começam a invadir a lâmina própria (T1a), muscular da mucosa e a submucosa (T1b).

Isso quer dizer que uma lesão pode ser invasiva e mesmo assim ser precoce (T1).

O termo “tipo 0” foi adotado para diferenciar as lesões superficiais das lesões avançadas descritas por Bormann (tipo 1-4).

CLASSIFICAÇÃO DE PARIS

O tipo 0 da classificação de Paris pode ser subdividido em POLIPOIDES vs NÃO POLIPOIDES (vide figura)

Especialmente no cólon, a subdivisão das lesões não polipoides entre lesões planas (0-IIa e 0-IIb) vs lesões deprimidas (0-IIc) tem um significado clínico extremamente importante, com implicação na conduta, visto que as lesões deprimidas carregam um risco muito maior de invasão da submucosa do que as lesões planas (vide abaixo).

TIPO Is

Nas lesões tipo I, a altura da lesão é maior do que a altura da pinça de biópsia fechada (2.5mm). As lesões podem ser sésseis Is (como na figura apresentada) ou pediculadas (Ip). O consenso de Paris não proíbe, mas desencoraja o termo subpediculado (Isp), visto que essas lesões são normalmente tratadas como lesões sésseis. m, mucosa; mm, muscularis mucosae; sm, submucosa

TIPO II

Nas lesões tipo II, a altura da lesão é menor do que a altura da pinça de biópsia fechada (2.5mm). Podem ser subdivididas em elevadas (IIa), completamente planas (IIb) e deprimidas (IIc). As lesões IIa e IIb são relativamente estáveis, com evolução lenta mas podem progredir para lesões polipoides ou para LST. As lesões deprimidas tem comportamento distinto (veja a seguir). m, mucosa; mm, muscularis mucosae; sm, submucosa

TIPO III

As lesões escavadas (ulceradas) são praticamente inexistentes no cólon.

LESÕES DEPRIMIDAS E TIPOS MISTOS

“No cólon, lesões tipo IIc, mesmo que de pequeno diâmetro, estão geralmente em um estágio mais avançado de neoplasia, com invasões mais profundas do que todos os outros tipos”  

Esta frase está entre aspas pois foi traduzida exatamente como no texto do consenso de Paris, e é autoexplicativa.

Conforme o crescimento em profundidades das lesões deprimidas, sua superfície começa a se elevar, bem como suas bordas, evoluindo para os tipos mistos (IIc + IIa e então IIa + IIc). Segue mais um trecho do consenso de Paris:

“As a rule, type IIa + IIc  lesions have a poorer prognosis, with a risk of large invasion in the submucosa than all other types of lesions”

Esse conceito é muito importante compreender, pois é muito comum o emprego da classificação IIa + IIc em lesões relativamente mais “inocentes” do tipo IIa.

Pólipo tipo IIa

Muitos argumentam: “mas existe uma pequena depressão no centro da lesão”. Existe mesmo. Mas infelizmente a classificação não é perfeita. Alguns endoscopistas orientais utilizam o termo IIa + dep (abrev de deprimido). Nesse caso, a lesão deveria ser classificada como IIa. Daí a importância do olho treinado do endoscopista. Veja abaixo o exemplo de uma lesão tipo IIa+IIc:

Lesão tipo IIa + IIc – cortesia Dr. Fabio Kawaguti

Em resumo, a mensagem mais importante desta classificação é saber diferenciar entre lesões polipoides x lesões não polipoides x lesões deprimidas, pois isso tem grande implicação clínica como descrito no tópico a seguir.

Importância da Classificação

Apesar de muitos endoscopistas criticarem as classificações Japonesa e de Paris, alegando que não passa de um exercício de botânica, existe uma correlação importante entre a forma da lesão e o risco de abrigar lesões mais avançadas, com invasão de submucosa.

A tabela abaixo resume a experiência de dois serviços de referência no Japão, demonstrando um risco muito elevado de invasão da submucosa em lesões tipo IIc tão pequena quanto 6-10 mm (44%!!!)

correlação entre tipo macroscópico vs tamanho e o risco de invasão da submucosa.

Referências:

  1. O consenso de Paris pode ser acessado pelo site da WEO: http://www.worldendo.org/wp-content/uploads/2016/03/ParisClassification2000.pdf
  2. Nonpolypoid neoplastic lesions of the colorectal mucosa. Kudo SE, et al. Gastrointest Endosc. 2008 Oct;68(4 Suppl):S3-47.

Como citar esse artigo

Martins BC. Classificação das neoplasias colorretais precoces segundo Workshop de Paris. Em Endoscopia Terapêutica, 2017, vol I. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/classificacao-das-neoplasias-colorretais-precoces-segundo-workshop-de-paris




Manometria esofágica de alta resolução: principais vantagens em relação à convencional e uma breve interpretação da classificação de Chicago

Recentemente, a manometria de alta resolução (MAR) tornou-se disponível para a avaliação da motilidade esofágica. O cateter da MAR é composto por vários sensores de pressão estreitamente espaçados (≤1 cm de intervalo nas regiões do esfíncter e 1 a 2 cm de intervalo nas regiões do corpo esofágico), registrando a pressão esofágica sem lacunas significativas dos dados ao longo do comprimento de todo o esôfago. As pressões obtidas são representadas graficamente e depois transformadas em imagens espaço-temporais das pressões esofágicas codificadas por cores (“Clouse plots”) (Fig. 1). A MAR aumentou substancialmente a resolução espacial comparada à manometria convencional com 8 sensores de pressão. Além disso, a apresentação dos dados manométricos através das “Clouse plots” revela a anatomia funcional da junção esofagogástrica (JEG) de maneira visualmente intuitiva (Fig. 2).

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Figura 1. À esquerda, observa-se a disposição do cateter de MAR ao longo do comprimento do esôfago. No centro, nota-se a representação gráfica das curvas pressão x tempo. À direita, nota-se a representação espaço-temporal dos traçados da manometria de alta resolução codificada por cores (“Clouse plots”)

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Figura 2. Identificação dos marcos anatômicos através da MAR: esfíncter superior do esôfago (ESE), ponto de inversão da pressão (PIP) e esfíncter inferior do esôfago (EEI)

As principais vantagens da MAR em relação à manometria convencional são:

–   Permite localização mais fácil e imediata de marcos anatômicos como os esfíncteres superior e inferior;

–   É possível aquisição simultânea de dados referentes ao esfíncter superior, corpo esofágico e esfíncter inferior do esôfago;

–   Proporciona maior conforto ao paciente devido ao tempo reduzido de exame e pela ausência de necessidade de tração do cateter a cada centímetro;

–   Não sofre influência de artefatos de movimento.

–  Identificação de fenótipos clinicamente relevantes, como os subtipos de acalásia, que possuem respostas terapêuticas distintas. (Fig. 3)

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Figura 3. Subtipos de acalásia. Em A, tipo I, com ausência de contratilidade; em B, tipo II, com panpressurização esofágica e, em C, tipo III, com contrações prematuras. Nos três casos, observa-se prejuízo do relaxamento da JEG.

A avaliação da peristalse esofágica e do relaxamento do esfíncter inferior do esôfago (EIE) é feita através da identificação de diferentes variáveis, conforme proposto pela Classificação de Chicago. Este sistema foi desenvolvido para facilitar a interpretação dos estudos de alta resolução, concomitante à adoção generalizada desta tecnologia para prática clínica. No último ano, o Grupo de Trabalho  Internacional em MAR publicou a terceira versão da classificação (CC v.3.0). As principais medidas consideradas são demonstradas a seguir (Tab. 1).

Tabela 1. Medidas utilizadas na Classificação de Chicago v. 3.0

De acordo com os achados manométricos, são inferidos os distúrbios funcionais e os respectivos diagnósticos clínicos. Esta etapa deve obedecer a um fluxograma hierárquico, que classifica as desordens sequencialmente por ordem de prioridade, a saber (Fig. 4):

1) Desordens que obstruem o fluxo da JEG: caracterizadas por IRP acima do limite superior de normalidade. Dividem-se entre os subtipos de acalásia (I, II e III) e obstrução da via de saída da JEG.

2) Desordens maiores da peristalse: nunca encontradas em indivíduos sadios. Compreendem peristalse ausente, espasmo esofageano distal e Jackhammer esophagus.

3) Desordens menores da peristalse: caracterizadas por prejuízo da depuração esofágica. Incluem a motilidade esofágica ineficaz e a peristalse fragmentada.

Figura 4. Análise hierárquica da motilidade esofágica: CC v 3.0. As desordens que obstruem o fluxo da JEG estão representadas em vermelho, as desordens maiores da peristalse em laranja e as desordens menores da peristalse em amarelo.

Referências

  1. Fox MR, Bredenoord AJ. Oesophageal high-resolution manometry: moving from research into clinical practice. Gut. 2008;57(3):405-23.
  2. Kahrilas PJ, Bredenoord AJ, Fox M, Gyawali CP, Roman S, Smout AJ, Pandolfino JE; International High Resolution Manometry Working Group. The Chicago Classification of esophageal motility disorders, v3.0. Neurogastroenterol Motil. 2015;27(2):160-74.
  3. Bredenoord AJ, Fox M, Kahrilas PJ, Pandolfino JE, Schwizer W, Smout AJ; International High Resolution Manometry Working Group. Chicago classification criteria of esophageal motility disorders defined in high resolution esophageal pressure topography. Neurogastroenterol Motil. 2012;24 Suppl 1:57-65.
  4. Kahrilas PJ, Ghosh SK, Pandolfino JE. Esophageal motility disorders in terms of pressure topography: the Chicago Classification. J Clin Gastroenterol. 2008;42(5):627-35.

 

 

 




Manejo endoscópico da Síndrome de Mallory Weiss

A síndrome de Mallory-Weiss (SMW) é caracterizada por hemorragia digestiva alta (HDA) associada a presença de laceração mucosa na região da junção esofagogástrica (laceração de Mallory-Weiss). Usualmente associada a vômitos repetidos, SMW é uma causa comum de sangramento digestivo, podendo representar até 15% do total de casos de HDA.

Figura 1. Laceração de Mallory-Weiss em transição esofagogástrica com prolongamento em pequena curvatura

A patogênese da síndrome de Mallory-Weiss não é completamente entendida, tendo sido proposto que o aumento súbito de pressão intra-abdominal possa levar a formação de lacerações na transição esofagogástrica e lesão do plexo venoso e/ou arterial local.

Entre algumas das situações comumente associadas a SMW, cita-se: abuso de álcool, vômitos de repetição, tosse intensa, convulsões, trauma abdominal fechado, prática esportiva de levantamento de peso, passagem de sonda nasogástrica e realização de procedimentos de endoscopia digestiva alta.

Casos de laceração de Mallory Weiss iatrogênicos durante endoscopia digestiva alta tem sido relatados com incidência estimada entre 0.007 % a 0.49 % do total de procedimentos.

A manifestação clínica mais comum é hematêmese,  que pode ser acompanhada por dor epigástrica. Na maioria dos casos, há relato de náuseas com esforço de vômito, episódios eméticos sem sangue associado ou tosse intensa antecedendo o quadro.

O manejo inicial se dá com a estabilização clínica do paciente, suporte, reposição volêmica quando necessária, e introdução de inibidor de bomba de próton venoso, duas vezes ao dia.

O estabelecimento diagnóstico da SMW se dá com a realização de endoscopia digestiva alta com evidência de laceração localizada na junção esofagogástrica. As lacerações de Mallory-Weiss são usualmente únicas e longitudinais, contudo, lacerações múltiplas são descritas em até 27% dos casos.

Figura 2. Apresentação de laceração de Mallory-Weiss em seu local mais comum (parede lateral direita).

Na endoscopia, a laceração aparece como uma lesão longitudinal avermelhada na mucosa, algumas vezes estendendo-se até a muscular da mucosa. Presença de coágulos, ou mesmo sangramento ativo, podem ser evidenciados.

Tratamento endoscópico Síndrome de Mallory Weiss:

A terapia endoscópica é indicada no tratamento de sangramento ativo das lacerações de Mallory-Weiss. Entre os recursos potencialmente utilizados cita-se: injeção endoscópica, coagulação térmica, hemoclipes e ligadura com banda elástica. A utilização de pós hemostáticos  (Hemospray) é descrita com sucesso na SMW em séries de caso.

  • Injeção endoscópica

A terapêutica por injeção é simples, facilmente aplicável e relativamente barata como primeira linha. A adrenalina é a solução mais comumente usada e melhora os resultados em termos de taxa de ressangramento, tempo de hospitalização e necessidade de transfusão, quando comparada a realização de medidas de suporte isoladas. Possui efeito hemostático por induzir vasoconstricção, por compressão vascular associado ao volume de injeção, e por induzir agregação plaquetária.

O efeito hemostático da adrenalina como terapia de injeção isolada na SMW é controverso. Alguns estudos têm demonstrado que a injeção de adrenalina, em casos de sangramento ativo, pode levar a um aumento das taxas de ressangramento quando comparada a hemostasia mecânica ou terapia combinada.

  • Eletrocoagulação

A eletrocoagulação promove controle hemostático pela aplicação de calor e pressão por contato ao sítio de sangramento de forma simultânea. Contudo, em vigência de sangramento ativo, a dissipação rápida do calor no sangue pode levar a maior dificuldade técnica. A eletrocoagulação multipolar parece melhorar a hemostasia de modo significativo, reduzindo risco de cirurgia em pacientes com SMW.  O uso de coagulação agrega risco, no entanto, associado a possibilidade lesão térmica transmural e perfuração do órgão.

O plasma de argônio também tem seu uso descrito em SMW, com a vantagem de ter bom poder hemostático associado com menor dano térmico e consequentemente menor risco de perfuração.

  • Hemoclipe

A aplicação de hemoclipes é um procedimento simples para tratar lesões em tecido não fibrótico como na SMW e nas lesões de Dieulafoy. Contudo, a aplicação de hemoclipes na transição esofagogástrica agrega dificuldade técnica.  Em um estudo japonês com uso de hemoclipes metálicos para SMW iatrogênica, e de outras naturezas, foi demonstrada hemostasia inicial de 100% e baixas taxas de ressangramento (Shimoda et al, 2009).

Figura 3. Aplicação de hemoclipe em laceração de Mallory-Weiss.

  • Ligadura elástica

A principal vantagem da ligadura elástica por banda é a facilidade técnica comparada com outros procedimentos endoscópicos hemostáticos. O uso do cap de ligadura propicia uma boa visualização tangencial da lesão e, ao tocar e realizar leve compressão da laceração, leva a imobilização, permitindo uma adequada terapêutica.

Figura 4. Realização de ligadura elástica em laceração de Mallory-Weiss.

Poucos estudos realizam comprações diretas entre as técnicas hemostáticas. Um dos trabalhos de maior representatividade, realizada de forma retrospectiva em 168 pacientes com laceração de Mallory-Weiss, a terapia baseada em hemoclipes e a ligadura elástica apresentaram maior taxa de sucesso na prevenção do ressangramento comparado com a terapia por injeção isolada (96, 89 e 71%, respectivamente)(Lee et al, 2016).

Considerações finais:

SMW é uma importante causa de sangramento digestivo alto, com boa parte do casos cessando de forma espontânea. Nos pacientes com sangramento ativo, as técnicas endoscópicas mais frequentes são: injeção de adrenalina, coagulação com plasma de argônio, hemoclipes e banda elástica.  A seleção da melhor estratégia hemostática depende da habilidade do executor do procedimento e do contexto clínico apresentado. A realização de terapia injetora isolada deve ser evitada.

A maioria dos pacientes com sangramento ativo durante a endoscopia podem ser controlados endoscopicamente com taxa de ressangramento de até 7%. Diante do ressangramento, nova endoscopia com hemostasia pode ser tentada. Caso haja falha endoscópica, o uso da arteriografia com embolização ou mesmo a abordagem cirúrgica podem ser opcões técnicas.

Referências:

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