Esôfago negro

Esôfago proximal

Esôfago proximal/médio

Esôfago médio

Esôfago distal

Esôfago distal

INTRODUÇÃO

A necrose esofágica aguda (NEA), também conhecida como esôfago negro ou esofagite necrotizante, é uma síndrome rara caracterizada por uma aparência escurecida da mucosa, com comprometimento circunferencial difuso, que afeta principalmente os dois terços distais interrompendo-se abruptamente na junção gastroesofágica (a mucosa gástrica mantém-se normal).

EPIDEMIOLOGIA

A necrose esofágica aguda é uma condição rara com uma prevalência estimada de até 0,2 % em séries de autópsia. Em algumas séries de endoscopia, a prevalência da NEA variou de 0,001 a 0,2% dos casos. A incidência parece ser mais do que quatro vezes maior nos homens em comparação com as mulheres e os pacientes têm uma idade média de 68 anos no diagnóstico.

ETIOLOGIA E PATOGÊNESE

A etiologia da necrose esofágica aguda não é clara, mas a isquemia e a obstrução da saída gástrica podem ser eventos desencadeantes. Em alguns relatos tem sido associada ao uso de antibióticos de amplo espectro, infecções (por exemplo, candida albicans, citomegalovírus, vírus do herpes e klebsiella pneumoniae), volvo gástrico, hérnia paraesofágica, hiperglicemia, cetoacidose diabética, síndrome de Stevens-Johnson, vômitos intensos e prolongados, hepatite alcoólica, acidose lática e até dissecção aórtica. Ou seja, em geral são pacientes com quadro clínico bastante debilitado e com risco de comprometimento circulatório.

Outra hipótese para sua etiologia seria a presença de dois eventos associados, onde o inicial, um estado vascular de baixo fluxo, predisporia a mucosa à uma lesão intensa e o segundo causaria uma obstrução da saída gástrica levando à um acúmulo de líquido no estômago, o que promoveria um refluxo gastresofágico, resultando em lesão direta, e por fim, necrose. O que fortalece tal hipótese é que a redução temporária do fluxo sanguíneo esofágico pode resultar em necrose esofágica extensa que se resolve rapidamente quando o fluxo é reestabelecido. Além disso, a necrose esofágica aguda tende a ocorrer no terço distal do esôfago, que é relativamente hipovascularizado em comparação com outros segmentos esofágicos. A necrose da mucosa esofágica e submucosa, com trombose microscópica e recuperação rápida após o reestabelecimento do fluxo são eventos semelhantes aos ocorridos na colite isquêmica.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Aproximadamente 70% dos pacientes com necrose esofágica aguda apresentam hemorragia digestiva alta com hematêmese e melena. Os sintomas podem aparecer rapidamente após um evento desencadeante. Outros sintomas gastrointestinais incluem: disfagia, dor epigástrica e dor torácica. Os pacientes também podem ter sintomas relacionados à  patologia subjacente a qual predispôs ao evento desencadeante inicial e apresentarem-se com sinais de sepse, incluindo taquicardia e hipotensão.

ACHADOS LABORATORIAIS

Os achados laboratoriais não são específicos e frequentemente são devidos à doença subjacente. Eles incluem: acidose lática, hipoalbuminemia, anemia, insuficiência renal e hiperglicemia.

DIAGNÓTICO

A necrose esofágica aguda é habitualmente diagnosticada incidentalmente em pacientes submetidos à endoscopia digestiva alta para avaliação de sangramento gastrointestinal. Embora a aparência endoscópica seja sugestiva, são necessárias biópsias esofágicas para excluir outras etiologias e estabelecer o diagnóstico.

Endoscopia e biópsia – Na endoscopia, é caracterizada por descoloração periférica circunferencial com tecido hemorrágico friável subjacente associado a diminutos pontos enegrecidos, e também por uma delimitação precisa entre a mucosa esofágica e a gástrica, a qual tem aparência normal distalmente à junção gastroesofágica.

Geralmente envolve o terço distal do esôfago, embora o envolvimento proximal tenha sido descrito. À medida que a doença progride, o esôfago pode ficar parcialmente coberto com exsudatos brancos espessos que são descolados facilmente revelando um tecido de granulação rosa. Esses exsudatos provavelmente representam células mucosas espalhadas.

As biópsias servem para diferenciar a necrose de outras condições nas quais a mucosa também pode estar escurecida e também para descartar causas infecciosas, como por exemplo, candida albicans, citomegalovírus, vírus herpes simples e klebsiella pneumoniae.

Na histologia, há necrose extensa comprometendo a mucosa e a submucosa. Inflamação e destruição parcial de fibras musculares adjacentes podem ocasionalmente ser observadas, e os vasos sanguíneos às vezes são trombosados e/ou ocluídos.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial inclui outras condições em que a mucosa esofágica também pode estar escurecida. A necrose esofágica aguda pode ser diferenciada destas condições pela história clínica e pela biópsia.

  • Melanose – melanose esofágica tem sido descrita em pacientes com esofagite crônica subjacente. É mais comumente observada no esôfago distal. Em contraste com a necrose esofágica aguda, a descoloração é frequentemente focal. As biópsias revelam melanócitos com características de coloração de pigmento semelhantes à melanina.
  • Pseudomelanose – A pseudomelanose é devida à deposição de tecido de pseudomelanina, um pigmento derivado da degradação lisossômica. Na histologia, um pigmento marrom composto por lipofuscina e melanina pode ser visualizado dentro dos macrófagos.
  • Melanoma – O melanoma primário do esôfago é raro. Geralmente se origina no esôfago médio e distal e tem uma aparência polipoide. O diagnóstico é feito pela presença de atividade melanocítica juncional na avaliação histológica da mucosa esofágica.
  • Acantose nigricans – é caracterizada por placas de aspecto aveludado, verrucoso e hiperpigmentado. Embora possa ser benigno, também pode ser um fenômeno paraneoplásico comumente associado a neoplasias malignas intra-abdominais.
  • Resíduo de carvão – O pó de carvão ou o carbono é o pigmento exógeno mais comum a ser depositado nos tecidos do corpo humano. O mecanismo pelo qual o pó de carvão é depositado no esôfago não está claro.
  • Ingestão cáustica – O dano esofágico grave causado pela ingestão de agentes corrosivos pode provocar desprendimento da mucosa e uma pigmentação preta da parede esofágica. Tais pacientes podem apresentar um histórico de ingestão cáustica e podem ter queimaduras orofaríngeas associadas.
  • Esofagite Pseudomembranosa – geralmente é relatada em associação com graves doenças sistêmicas. Uma membrana concêntrica, fina, amarela ou preta, recobre os terços distais e, menos comumente, o esôfago inteiro. Pode ser desalojada da parede, revelando uma mucosa subjacente friável. Na histologia, a pseudomembrana não tem membrana basal e é composta por exsudato fibrinoso e células inflamatórias misturadas.

TRATAMENTO

Existem dados limitados para orientar o manejo da necrose esofágica aguda, e o gerenciamento de tal condição é amplamente baseado na experiência clínica.

A terapêutica inicial consiste em expansão de volume com fluidos intravenosos e tratamento da doença de base. A supressão do acidez gástrica com inibidores de bomba de prótons deve ser adotada para reduzir a lesão péptica adicional. A ingestão oral deve ser evitada por pelo menos 24 horas. O uso da suspensão de sucralfato deve ser considerado pelo seu papel na prevenção de lesão esofágica péptica associada.

As sondas nasogástricas ou nasoenterais devem ser evitadas, a menos que sejam usadas afim de descomprimir uma obstrução da saída gástrica ou se houver vômito persistente. Uma decisão sobre o uso de antimicrobiano e/ou antifúngico deve ser feita individualmente, especialmente na configuração de pacientes que estão criticamente doentes ou parecem estar sépticos.

HISTÓRIA NATURAL

Com cuidados de suporte, a resolução dos achados endoscópicos ocorre na maioria dos pacientes. No entanto, as taxas de mortalidade em pacientes com necrose esofágica aguda variam de 13 a 35%. A mortalidade é em grande parte devido à doença de base, sendo que apenas 6% das mortes são diretamente atribuíveis à complicações da NEA.

COMPLICAÇÕES

  • Perfuração esofágica – A perfuração esofágica é uma complicação aguda da necrose esofágica que ocorre em menos de 7% dos pacientes, mas requer intervenção urgente dada a alta mortalidade associada. A presença de dor retroesternal ou lombar severa persistente pode indicar seu aparecimento. Pacientes com perfuração esofágica podem ter crepitação à palpação da parede torácica devido à presença de enfisema subcutâneo.
  • Estenose esofágica – As estenoses esofágicas são complicações à longo prazo da necrose esofágica aguda e ocorrem em 25 a 40 % dos pacientes. Os pacientes com estenoses geralmente apresentam disfagia gradualmente progressiva e habitualmente requerem dilatação endoscópica.

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Confira também: Esofagite por cândida – Kodsi

Bibliografia

1. Worrell SG, Oh DS, Greene CL, et al. Acute esophageal necrosis: A cases series and long term follow-upAnn Thorac Surg. 2014;98(1):341–2. [PubMed]
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3. Gurvitis GE, Cherian K, Shami MN, et al. Black esophagus: New insights and multicenter international experience in 2014Dig Dis Sci. 2015;60(2):444–453. [PubMed]
4. Altenburger DL, Wagner AS, Li S, Garavaglia J. A case of black esophagus with histopathologic description and characterizationArch Pathol Lab Med. 2011;135(6):797–8. [PubMed]
5. Grudell AB, Mueller PS, Viggiano TR. Black esophagus: Report of six cases and review of the literature, 1963–2003Dis Esophagus. 2006;19(2):105–110. [PubMed]
6. Gurvitis GE, Shapsis A, Lau N, et al. Acute esophageal necrosis: A rare syndromeJ Gastroenterol. 2007;42(1):29–38. [PubMed]
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8. Akkinepally S, Poreddy V, Moreno A. Black esophagusCleve Clin J Med. 2009;76(7):400. [PubMed]



Quando devemos associar betabloqueador à nossa ligadura elástica?

 

Hemorragia digestiva alta (HDA) por varizes esofágicas (VE) é uma grave complicação da hipertensão portal, sobretudo em pacientes com cirrose hepática e outra descompensação da doença, como ascite, encefalopatia ou icterícia (1).

O risco de sangramento em pacientes com cirrose em seguimento por 1 ano é estimado em cerca de 12%, com mortalidade de até 30%. Por outro lado, a chance de ressangramento nos pacientes sem tratamento pode atingir 70%, com mortalidade semelhante à do primeiro episódio (1,2). Dessa forma, a prevenção adequada da HDA varicosa constitui um dos principais objetivos na abordagem da hipertensão portal desde o surgimento das primeiras estratégias de tratamento (2).

Os betabloqueadores não seletivos (BBNS) são muito eficazes nos diferentes estágios da cirrose hepática. Dados recentes sugerem que, em pacientes com cirrose compensada, podem reduzir a incidência de complicações clínicas (3). Em pacientes com VE de alto risco para sangramento (médio ou grosso calibre ou finas com sinais da cor vermelha e/ou Child B ou C), reduzem significativamente a incidência do primeiro sangramento. Naqueles com HDA varicosa prévia, previnem a recorrência do sangramento, em associação à ligadura elástica (LE), sendo que o mais importante componente dessa associação é a terapia farmacológica (3).

Com relação à profilaxia primária, as recomendações mais recentes mantem o uso de BBNS ou ligadura elástica (LE) como primeira opção. A escolha, nesse caso, baseia-se nos recursos disponíveis, na experiência do centro de tratamento e na preferência e características do paciente (4,5,6). Por outro lado, alguns estudos avaliaram o benefício da associação de BBNS à ligadura elástica na prevenção do primeiro sangramento em comparação à ligadura elástica isolada.

  • O primeiro, publicado por Sarin e col. em 2005, incluiu 144 pacientes, sendo 72 para LE e 72 para LE associada ao propranolol. Não houve diferença na redução do sangramento ou da mortalidade entre os grupos, porém a recidiva das VE foi menor entre os pacientes que receberam a terapia combinada (7).
  • Outro estudo, mais recente, incluiu 66 pacientes, 32 para LE e 34 para LE associada ao propranolol, com resultados semelhantes (8).
  • Apesar desses e outros trabalhos mostrarem algum benefício, não está indicada, até o momento, a associação de BBNS à LE para os pacientes que nunca apresentaram HDA varicosa.

 

No que diz respeito à profilaxia secundária, não há dúvidas quanto à recomendação de associar-se BBNS à LE (4,5,6). A pergunta é: devemos fazê-lo em todos os pacientes?

  • Reconhecidamente, alguns pacientes (cerca de 15% dos cirróticos) apresentam contraindicação ao uso da medicação.
  • São consideradas contraindicações: Asma ou DPOC, doença vascular periférica, bloqueios cardíacos, insuficiência cardíaca descompensada, diabetes insulinodependente (com episódios de hipoglicemia) e alergia.
  • Além disso, outros 15% dos pacientes com cirrose apresentam intolerância até mesmo a doses mínimas da medicação devido eventos adversos, tais como: broncoespasmo, fadiga, disfunção sexual e dispneia (3).

 

A grande discussão nos últimos anos, envolve o risco do uso de BBNS em pacientes com cirrose e doença hepática avançada. O racional seria o fato dos BBNS reduzirem o débito cardíaco. Pacientes com cirrose e ascite refratária são muito dependentes do débito cardíaco para manter uma pressão arterial média (PAM) adequada. Dessa forma, BBNS poderiam ocasionar piora da perfusão renal e síndrome hepatorrenal, uma condição de alta mortalidade (3).

Inicialmente, Sersté e col. observaram aumento da mortalidade associada ao uso de BBNS em pacientes com ascite refratária, o que levantou essa discussão (9). Um estudo subsequente não confirmou esses resultados, mas mostrou maior mortalidade associada ao uso de BBNS em pacientes com peritonite bacteriana espontânea (PBE) (10). Notadamente, em ambos, os pacientes em uso de BBNS apresentavam PAM significativamente mais baixa que os demais.

Contudo, diversos outros estudos desde então não repetiram esses resultados.  Uma metanálise concluiu que o uso de BBNS não está associado ao aumento na mortalidade de pacientes com cirrose e ascite ou ascite refratária. Além disso, observou-se que, nos trabalhos que apresentaram efeitos deletérios significativos dos BBNS, havia diferença relevante na PAM entre os que usavam ou não a medicação (3, 11).

Portanto, a tendência é evitar associação de BBNS à LE em pacientes com cirrose hepática e pressão arterial baixa (PAS < 90 mmHg), principalmente na presença de ascite volumosa, ascite refratária ou PBE prévia. Esses achados refletem-se nas últimas recomendações quanto às doses da medicação:

  • pacientes sem ascite – dose máxima de propranolol 320 mg/dia e de nadolol 160 mg/dia;
  • pacientes com ascite – dose máxima de propranolol 160 mg/dia e de nadolol 80 mg/dia (4,5,6).

 

Em resumo:

  • não devemos associar BBNS à LE em pacientes com cirrose para profilaxia primária do sangramento varicoso.
  • No caso da profilaxia secundária, a medicação é fundamental e aparece como o mais importante componente dessa associação, porém não deve ser usada em pacientes com contraindicação ou intolerância.
  • Atenção deve ser dada à monitorização dos parâmetros hemodinâmicos do paciente, em especial, aqueles com ascite volumosa, ascite refratária ou PBE prévia. Nesses pacientes, o uso da medicação deve ser visto com cautela e em doses mais baixas.
  • Pressão arterial baixa (PAS < 90 mmHg) está associada a complicações, como síndrome hepatorrenal e, nesse caso, a medicação deve ser descontinuada.

 

REFERÊNCIAS:

  1. Garcia-Tsao G, Bosch J. Management of varices and variceal hemorrhage in cirrhosis. N Engl J Med 2010;362:823-32.
  2. Baiges A et al. Pharmacologic prevention of variceal bleeding and rebleeding. Hepatol Int. 2017.
  3. Garcia-Tsao G. The Use of nonselective betablockers for treatment of portal hypertension. Gastroenterol Hepatol. 2017;13(10):617-619.
  4. de Franchis R; Baveno V Faculty. Expanding consensus in portal hypertension. Report of the Baveno VI Consensus Workshop: stratifying risk and individualizing care for portal hypertension. J Hepatol. 2015;63:743-52.
  5. Garcia-Tsao G, Abraldes JG, Berzigotti A, Bosch J. Portal hypertensive bleeding in cirrhosis: Risk stratification, diagnosis, and management: 2016 practice guidance by the American Association for the study of liver diseases. 2017;65:310-35.
  6. Bittencourt PL et al. Variceal Bleeding: Update of Recomendations from the Brazilian Association of Hepatology. Arq Gastroenterol 2017;54(4):349-355.
  7. Sarin et al. Endoscopic variceal ligation plus propranolol versus endoscopic variceal ligation alone in primary prophylaxis of varicela bleeding. Am J Gastroenterol 2005;100:797-804.
  8. Bonilha DQ et al. Propranolol associated with endoscopic band ligation reduces recurrence of esophageal varices for primary prophylaxis of variceal bleeding: a randomized-controlled trial. Eur J Gastroenterol Hepatol 2015;27(1):84-90.
  9. Sersté et al. Deleterious effects of beta-blockers on survival in patients with cirrhosis and refractory ascites. Hepatology 2010;52(3):1017-22.
  10. Mandorfer M et al. Nonselective β blockers increase risk for hepatorenal syndrome and death in patients with cirrhosis and spontaneous bacterial peritonitis. Gastroenterology 2014; 146(7):1680-90.
  11. Chirapongsathorn, S. et al. Nonselective β-Blockers and Survival in Patients With Cirrhosis and Ascites: A Systematic Review and Meta-analysis. Clin Gastroenterol Hepatol 2016;14(8):1096-1104.



Estenose biliar pós transplante hepático

  

As complicações biliares pós-transplante hepático podem ocorrer em 6-40% dos pacientes, sendo mais frequentes após o transplante intervivos.

Elas podem ser precoces, ocorrendo nas primeiras 4 a 6 semanas (fístulas, biloma, estenoses  e deiscência por necrose da anastomose biliar); ou tardias (fístulas, estenoses, colangite, coledocolitíase, cálculos, cast syndrome, disfunção do esfíncter de Oddi, mucocele, doença biliar recidivante).

As estenoses biliares pós-transplante hepático podem ainda ser classificadas em anastomóticas (Figura 1) e não anastomóticas (Figura 2). Suas características estão descritas na Tabela 1.

Figura 1 – Aspecto colangiográfico de estenose anastomótica após transplante hepático de doador cadáver.

Figura 2 – Aspecto fluoroscópico de estenose não anastomótica (doador cadáver), acometendo o hilo hepático, associada à fístula biliar

Tabela 1: Características das estenoses biliares anastomóticas e não anastomóticas pós transplante hepático.

Estenoses anastomóticas Estenoses não anastomóticas
Incidência

 

Doador cadáver: 5 – 15%

Intervivos (Figura 3): 19 – 40%

5 -15%
Característica Isoladas

Curtas em extensão

Múltiplas, longas

Ductos intra-hepáticos

Ducto do doador

Apresentação 1o ano após transplante

(5 a 8 meses)

Etiologia isquêmica: 3-6 meses

Etiologia imunológica: > 1 ano

Fatores de risco Questões técnicas

 

Fístula biliar

Lesões isquêmicas: trombose da artéria hepática, parada cardíaca, isquemia (quente ou fria), condições de preservação ou lesão de reperfusão

 

Lesões imunológicas: rejeição ductopênica, incompatibilidade ABO, polimorfismo de genes, doenças imunomediadas pré-existentes no receptor

 

Outros: infecção CMV e recidiva viral (HBV ou HCV)

Quadro clínico Assintomáticos (alterações laboratoriais)

 

Sintomas inespecíficos: prurido, anorexia, icterícia e febre

 

Dor ausente (imunossupressão e denervação hepática)

Assintomáticos (alterações laboratoriais)

 

Sintomas inespecíficos: prurido, anorexia, icterícia e febre

 

Dor ausente

 

Maior acúmulo de barro biliar: episódios recorrentes de colangite e formação de casts*

Diagnóstico Exames laboratoriais: AST, ALT, bilirrubinas, FAL e  δGT Exames laboratoriais: AST, ALT, bilirrubinas, FAL e  δGT
USG abdominal com Doppler: exame inicial (sensibilidade 38 a 66%) USG abdominal com Doppler: exame inicial (sensibilidade 38 a 66%)
CPRM: acurácia de 95% CPRM: acurácia de 95%

Aspecto radiológico remete à colangite esclerosante primária devido à presença de estenoses múltiplas e extensas

Biópsia hepática Excluir rejeição se alterações dos exames de bioquímica, sem dilatação comprovada da via biliar

* casts: descamação epitelial em molde, CPRM: colangiopancreato ressonância magnética

 

Figura 3 – Paciente transplantado hepático (doador vivo), com estenose complexa, anastomótica e não anastomótica, com lesões acometendo difusamente a via biliar intra-hepática.

 

A estenose biliar também é descrita no doador vivo, com incidência de 0,4% e 6%. É mais frequente quando o lobo hepático direito é utilizado. Os fatores de risco incluem a fístula biliar, idade avançada e o calibre do ducto biliar (< 4 mm). O quadro clínico é inespecífico, podendo haver colestase.

 

TRATAMENTO

Na última década, medidas não operatórias se tornaram a opção terapêutica de primeira linha para as complicações biliares pós transplante hepático. Nos pacientes com anastomose ducto-ducto a colangiografia retrógrada endoscópica (CRE) é a escolha inicial.

O tratamento endoscópico pode ser realizado por meio da dilatação com balão hidrostático ou dilatadores de passagem, seguida da colocação de uma ou mais próteses plásticas, ou ainda, mais recentemente, da prótese metálica autoexpansível totalmente coberta (PMAEC). Na presença de lesões da artéria hepática (insuficiência ou obstrução), estas devem ser abordadas durante o curso do tratamento.

A terapêutica com próteses plásticas múltiplas consiste na dilatação hidrostática da estenose seguida da colocação do maior número de próteses plásticas possível. Os pacientes devem ser submetidos à sessões repetidas, no prazo médio de três meses, para prevenção da oclusão, colangite e formação de cálculos. Todas as próteses devem ser retiradas, a estenose deve ser dilatada e um número progressivamente maior de próteses (Figura 4A e B) deve ser utilizado a cada troca, com objetivo de alcançar o maior diâmetro possível. O tratamento é completado em um ano e a maioria dos pacientes deve precisar de quatro a cinco procedimentos nesse período.

A terapia com prótese metálica totalmente coberta consiste na colocação de uma única PMAEC (Figura 5) após esfincterotomia biliar, sem necessidade de dilatação na maioria das vezes. O tempo de permanência ideal da prótese metálica ainda não está completamente definido. Os resultados do tratamento são favoráveis quando ela é mantida por período superior à 3 meses, não havendo comprovação à respeito do benefício da sua permanência por mais de 6 meses.

Figura 4 – Aspecto radiológico (A) e endoscópico (B) da estenose anastomótica (doador cadáver) tratada com dilatação hidrostática e colocação de próteses plásticas múltiplas.

Figura 5 – Aspecto colangiográfico da PMAE totalmente coberta liberada evidenciando discreta compressão (seta), que corresponde ao ponto da estenose anastomótica.

 

Tabela 2: Comparação do tratamento com próteses plásticas múltiplas e prótese metálica auto-expansível totalmente coberta no tratamento das estenoses biliares pós transplante hepático.

  Próteses plásticas múltiplas PMAEC
Tempo de tratamento 12 meses ± 6 meses
Número de procedimentos 4 a 5 2
Taxa de sucesso

Estenose anastomótica

 

 

Doador cadáver: 82 a 98%

 

Doador vivo: 60 a 75%

 

87,5 a 100%
Taxa de sucesso

Estenose não anastomótica

 

Doador cadáver: 50 a 75%

 

Doador vivo: 25 a 33%

 

Não está indicada.
Taxa de complicações 4 a 16% 14,5 a 18%
Migração 5 a 33,3% 4 a 46,7%
Recidiva 0 a 34% 4,5 47,4%
Custo (6) US$ 16.095 US$ 6.903

PMAEC: prótese metálica auto-expansível totalmente coberta

 

Nos pacientes com estenose grave da anastomose direta ducto-ducto e falha no acesso profundo retrógrado à via biliar é possível a realização do procedimento combinado, com punção biliar percutânea ou guiada por EUS, seguida da terapia endoscópica rendez-vous. A colangioscopia direta também é uma ferramenta disponível para a transposição da estenose em caso de insucesso, com custo inferior ao das duas opções citadas anteriormente (Figura 6).

O tratamento cirúrgico fica reservado para os casos de insucesso da intervenção endoscópica ou radiológica e consiste na conversão da reconstrução para derivação biliar ou em casos extremos, o re-transplante.

Figura 6 – Aspecto colangioscópico da passagem do fio guia pelo orifício da estenose da anastomose biliar.

 

Referências Bibliográficas

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  4. Coté GA, Slivka A, Tarnasky P, Mullady DK, Elmunzer BJ, Elta G et al. Effect of Covered Metallic Stents Compared With Plastic Stents on Benign Biliary Stricture Resolution: A Randomized Clinical Trial. JAMA. 2016;315:1250-1257.10.1001/jama.2016.2619.27002446.
  5. Martins FP, Ferrari AP. Cholangioscopy-assisted guidewire placement in post-liver transplant anastomotic biliary stricture. Endoscopy 2018;49:E283-E284. 10.1055/s-0043-117940
  6. Martins FP, De Paulo GA, Contini MLC, Ferrari AP. Metal versus plastic stents for anastomotic biliary strictures after liver transplantation: a randomized controlled trial. Gastrointest Endosc. 2018;87:131e1-131e13. 10.1016/j.gie.2017.04.013.
…………………………………………………………………………………………………………..
Como citar esse artigo:

Martins FP. Estenose biliar pós transplante hepático. Endoscopia Terapêutica; 2018. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/estenose-biliar-transplante-hepatico/

 




Mucosa gástrica ectópica em esôfago proximal

 

mucosa gástrica ectópica em esôfago proximal à luz branca e com cromoscopia FICE

 

Muitas vezes nos deparamos com ectopia de mucosa gástrica no esôfago proximal, especialmente durante a retirada cuidadosa do aparelho. Apesar da certa irrelevância desse achado na nossa rotina (que muitas vezes nem é descrito no laudo), alguns autores atribuem a esta condição, sintomas extraesofágicos do RGE como globus, pigarro ou rouquidão .

Neste post revisaremos brevemente do que se trata esse epitélio e lançaremos uma pequena polêmica a respeito do assunto.

Para fazer esta revisão, me baseei principalmente no artigo publicado em dez 2016 na GIE por Meining A. e Bajbouj M.: link aqui

Apresentação

  • Mucosa Gástrica Ectópica (MGE) são ilhas de epitélio colunar gástrico heterotópico no esôfago proximal (cervical), com prevalência estimada de 1-12%
  • A apresentação histológica pode variar. Na maioria dos casos, a MGE assemelha-se a mucosa do tipo cárdico, sendo menos comum a mucosa oxíntica do corpo. Ou seja, na maioria dos casos essa mucosa secreta muco, mas não secreta ácido.
  • Existe mais de uma teoria para explicar sua etiologia. A mais aceita é relacionada com processo embrionário, visto que na 4a semana de gestação, o estômago está localizado na região cervical. Outras teorias sugerem origem de células pluripotenciais nesta região, ou ainda cistos de retenção esofágicos que eclodem e se transformam em epitélio colunar.
  • Interessante que existe uma correlação entre MGE e Esôfago de Barrett.

 

Mucosa gástrica ectópica tem algum significado clínico?

Visto que até 10% das pessoas são portadoras de MGE, fica claro que a grande maioria dos portadores não apresentam sintomas.

No entanto, alguns pacientes com epitélio produtor de ácido podem apresentar erosões, ulcerações e até mesmo estenose local.

A grande questão é se a MGE pode ou não estar relacionada com sintomas como globus, bolo na garganta, tosse crônica, rouquidão, odinofagia ou laringite, visto que esses sintomas geralmente são atribuídos a manifestações extraesofágicas da DRGE.

A investigação de globus portanto, fica mais complicada:

  • Manifestação não somática (distúrbio de ansiedade, etc)?
  • DRGE?
  • Mucosa gástrica ectópica?

 

Nesse caso, não apenas os pacientes com epitélio secretor apresentariam o sintoma, mas aqueles produtores de muco também poderiam cursar com sensação de globus ou pigarro na garganta. Nesses casos, IBP seriam ineficazes e a melhor abordagem seria ablação deste epitélio (!!!?).

 

Que casos deveriam ser tratados?

Em um artigo publicado na GIE de dezembro 2016, Dunn et al trataram 10 pacientes portadores de MGE que apresentavam sintomas como globus ou dor. Após média de 2 sessões de radiofrequência, 8 pacientes tiveram remissão completa deste epitélio, dos quais 7 relataram resolução completa dos sintomas.

Embora o número de pacientes tratados neste estudo tenha sido pequeno, os achados estão alinhados com outros relatos mostrando que pacientes com sintomas orofaríngeos e MGE talvez se beneficiem da ablação endoscópica:

 

Estudo N Pacientes Follow-up (m) Método Resposta
Dunn et al

10

14 RFA 9/10
Di Nardo et al

12

36 APC 12/12

Frieling et al

14

1 APC

8/11

Klare et al

31

27 APC 23/31

Bajbouj et al

17 17 APC

13/17

Meining et al

10

2 APC 10/10

Alberty et al

5 3 APC

5/5

Todos

99

80/99 (80.8%)

 

 

Vale ressaltar, que os pacientes incluídos nestes estudos foram submetidos a terapia endoscópica somente após falha de outros métodos como psicoterapia, IBP, procinéticos, medidas comportamentais, etc, e dentro de protocolo institucionais bem estabelecidos.

Outro aspecto importante é que, apesar de não haver descrição de complicações nestes estudos, a aplicação de argônio no esôfago pode levar ao risco de estenose. Nesse sentido, a radiofrequência e o cateter híbrido de argônio (Hybrid-APC, Wilson-Cook) apresentam vantagens em relação ao argônio tradicional.

 

Seria interessante agora uma discussão sobre como encaramos esse achado na nossa rotina:

  • Ignora completamente?
  • Documenta somente na foto?
  • Descreve no corpo do laudo?
  • Descreve na conclusão?
  • Depende do caso?

 

Na minha rotina costumo fotografar e descrever no corpo do laudo, especialmente em pacientes com sintomas extraesofágicos como globus faríngeo. Ou seja: não concluo e nem descrevo em todos os casos.

 

Referências:

Meining A, Bajbouj M. Gastric inlet patches in the cervical esophagus: what they are, what they cause, and how they can be treated. Gastrointest Endosc. 2016 Dec;84(6):1027-1029.

Dunn JM, Sui G, Anggiansah A, et al. Radiofrequency ablation of symptomatic cervical inlet patch using a through-the-scope device: a pilot study. Gastrointest Endosc 2016;84:1022-6.

 




Prevenção de câncer colorretal em pacientes com doença inflamatória intestinal: estamos fazendo a coisa certa?

Introdução

Recentemente, os benefícios da colonoscopia na prevenção e redução da mortalidade por câncer colorretal (CCR) têm sido reafirmados e hoje encontram-se sedimentados na literatura.

No entanto, uma população, na qual esta proteção é especialmente necessária, talvez não esteja recebendo de forma adequada na prática. Estou falando dos pacientes portadores de doença inflamatória intestinal (IBD).

Acredita-se que a maioria dos CCRs associados a colites são originários de áreas de displasia e as Sociedades têm recomendado a vigilância colonoscópica para identificação de áreas de displasia nos pacientes diagnosticados há 8 a 10 anos, e já no diagnóstico, nos casos associados a colangite esclerosante primária. A recomendação se apoia na redução aproximadamente pela metade, na incidência e na mortalidade por CCR nessa população, quando submetida à vigilância colonoscópica. Apesar disso, estima-se nestes pacientes uma incidência de câncer de intervalo cerca de 3 vezes maior que a observada em não portadores de IBD, o que aponta para a necessidade de maiores esforços na detecção de displasia.

Estratégias para detecção de displasia

Ao longo da década passada o protocolo recomendado na intenção de aumentar a detecção de áreas de displasia incluía a realização de biópsias por quadrante, a cada 10 cm de cólon, com obtenção de ao menos 33 fragmentos. Um procedimento trabalhoso e de pouca aceitação prática. As evidências que suportavam esta recomendação eram da década de 90, quando, muito em função da qualidade das imagens endoscópicas, acreditava-se que as áreas de displasia eram indetectáveis ao exame e seriam diagnosticadas principalmente na avaliação histológica.

Ainda nos anos 2000, no entanto, a melhor qualidade das imagens endoscópicas tornou possível a detecção de áreas displásicas através da colonoscopia com luz branca, com ou sem alta definição, ou ainda com uso da cromoscopia, e as biópsias dirigidas começaram a ganhar força e suporte na literatura.

Embora o uso da cromoscopia possa ser limitado na presença de estenoses e pseudopólipos, múltiplos estudos apontaram a superioridade das biópsias dirigidas por cromoscopia, quando comparado às biópsias realizadas randomicamente.

Em 2015, o consenso internacional denominado SCENIC marcou a mudança desse paradigma. O sumário de evidências do consenso mostrou que o uso de cromoscopia trouxe um incremento de 15% na detecção global de displasia, e de 51% na detecção de displasia endoscopicamente visível, quando comparado à colonoscopia com luz branca. Quando comparado à colonoscopia de alta definição o ganho na detecção foi de 12%. O consenso então recomendou a adoção de biópsias dirigidas por cromoscopia como a técnica ideal para a detecção de displasia em pacientes com IBD.

Veja também: DIRETRIZES – SCENIC – Consenso internacional sobre o rastreamento e manejo de displasia na doença inflamatória intestinal

Embora o consenso tenha sido publicado em 2015, a literatura consolidada para o SCENIC incluiu artigos publicados até 2013. E o que surgiu na literatura desde então?

Novas evidências

Segundo uma recente revisão de literatura, vários estudos foram publicados abordando a mesma comparação entre as duas estratégias. Dos seis artigos listados pela revisão apenas um não apontou para superioridade da biópsia guiada por cromoscopia.

Ainda que a recomendação das biópsias guiadas possam parecer um ganho prático quando comparado às intermináveis biópsias aleatórias, a pancromoscopia também é considerada por muitos pouco prática e demorada, o que torna natural confrontar seu desempenho com o de outras modalidades endoscópicas, atualmente disponíveis. Em uma meta-análise recente incluindo 10 estudos, a cromoscopia identificou mais áreas de displasia quando comparada à colonoscopia com luz branca em definição standard, colonoscopia com alta definição, e NBI. No entanto, na análise por subgrupo, a cromoscopia superou somente a colonoscopia convencional.

Veja também: Como realizar cromoscopia no rastreamento de displasia em casos de doença inflamatória intestinal?

Um estudo multicêntrico randomizado, prospectivo e controlado recente comparou NBI em alta definição com cromoscopia (azul de metileno). Não foi observada diferença significativa entre os dois métodos nas taxas de detecção de displasia, o que pode mostrar um potencial do NBI como alternativa mais prática, bem como de outras modalidades de melhoramento de imagem.

A colonoscopia de espectro ampliado apresentou menores taxas de perda de displasia quando comparada à colonoscopia convencional em um estudo cruzado, ambas seguidas de cromoscopia. Apesar disso, em mais da metade dos casos  as áreas de displasia só foram identificadas após a cromoscopia.

Mas os desafios para a detecção de displasia e real prevenção do CCR vai além de conhecer a melhor e mais acurada tecnologia para o rastreamento e seguimento nestes pacientes. Muito provavelmente, muitos serviços de endoscopia ignoram as recomendações da literatura para uma adequada prevenção nessa população, ou têm grandes dificuldades práticas para a sua implementação, desde a adequação da agenda para procedimentos de maior duração, até a não remuneração de um procedimento especial como a pancromoscopia, ou mesmo as biópsias por quadrante, anteriormente recomendadas. Talvez caiba uma discussão franca em nosso meio sobre como pôr em prática, o melhor que as evidências científicas têm a oferecer a estes pacientes.

Referências:
  1. Kaltenbach T, Sandborn WJ. Endoscopy in inflammatory bowel disease: advances in dysplasia detection and management. Gastrointest Endosc. 2017;86(6):962–71.
  2. Laine L, Kaltenbach T, Barkun A, McQuaid KR, Subramanian V, Soetikno R. SCENIC international consensus statement on surveillance and management of dysplasia in inflammatory bowel disease. Gastrointest Endosc. 2015;81(3):489–501.
  3. Shergill AK, Farraye FA. Toward a consensus on endoscopic surveillance of patients with colonic inflammatory bowel disease. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2014;24(3):469–81.
  4. Sanduleanu S, Rutter MD. Interval colorectal cancers in inflammatory bowel disease: The grim statistics and true stories. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2014;24(3):337–48.

 




Biópsias seriadas em colonoscopia: quando e como fazer?

Nos últimos anos o número de solicitações de biópsias seriadas em colonoscopia vem aumentando exponencialmente. Como endoscopista sempre surge o questionamento: Será que há indicação? Como proceder?

Após revisão da literatura listamos abaixo as situações em que as biópsias seriadas estão bem indicadas:

Colites microscópicas

Consistem na principal indicação de biópsias colônicas seriadas.

Compreendem as colites colágena e linfocítica. Cursam com diarreia crônica e geralmente sem alteração macroscópica na colonoscopia. O diagnóstico se dá pela identificação de bandas colágenas subepiteliais (colite colágena) ou maior densidade de linfócitos intraepiteliais (colite linfocítica). A colite linfocítica tem forte associação com a doença celíaca.

A colonoscopia é superior à retossigmoidoscopia, pois os achados microscópicos são mais evidentes em cólon direito.

A conduta preferível é:

  • Realização de colonoscopia com no mínimo 2 biópsias em: cólon ascendente, transverso, descendente e sigmoide.

Ou

  • Colonoscopia com 3 – 4 Fragmentos de cólon direito e esquerdo (frascos separados).
Diarréias agudas

Em imunocompetentes a retossigmoidoscopia/colonoscopia está indicada nos casos de forte suspeita de colite pseudomembranosa.  A depender das condições clínicas do paciente pode-se realizar a retossigmoidoscopia com biópsias de sigmoide e reto (frascos separados). Caso resultado seja inconclusivo, realizar a colonoscopia com biópsias de cólon direito e esquerdo.

Em imunodeprimidos a retossigmoidoscopia/colonoscopia está indicada quando a diarreia é persistente e a pesquisa de agentes infecciosos nas fezes é negativa. Nesta situação a principal causa é infecção por Citomegalovírus (CMV) e o interessante é que as técnicas não invasivas de detecção, tais como PCR e sorologias nem sempre indicam doença invasiva. Daí a necessidade da realização de colonoscopia com biópsias de cólon direito e esquerdo para pesquisa de agentes infecciosos e necessidade de identificação viral por imuno-histoquímica.

Doença Inflamatória Intestinal

Há 2 situações distintas: a primeira é a avaliação de atividade de doença e a segunda é a vigilância para displasia.

Nas colites ulcerativas e nas colites de doença de Crohn devem ser feitas biópsias de quaisquer alterações macroscópicas. Em mucosa de aspecto cicatricial (quiescente) a avaliação de atividade de doença é feita através de biópsias de íleo, cólon direito, cólon esquerdo e reto com no mínimo 2 fragmentos por segmento e em frascos separados.

Outra situação distinta que geralmente confunde o endoscopista é como realizar as biópsias na vigilância endoscópica para displasias. Uma conduta cada vez menos aplicada atualmente é a realização de biópsias aleatórias a cada 10cm nos 4 quadrantes gerando o mínimo de 32 fragmentos. Há casos bem selecionados em que tal prática ainda é útil (presença de inúmeros pseudopólipos que dificultam a visualização adequada de todo o cólon, ausência de aparelhos com alta definição e de corantes como índigo Carmim ou azul de metileno). Atualmente, baseado no SCENIC (Consenso Internacional de Vigilância e Manejo de Displasia na Doença Inflamatória Intestinal) é preferível, em um cólon de padrão quiescente, a realização de biópsias dirigidas de áreas suspeitas realçadas pela cromoscopia.

Pouchitis (bolsite)

Até 60% dos pacientes portadores de colite ulcerativa submetidos a colectomia subtotal com confecção de bolsa ileal vão apresentar pelo menos um episódio de bolsite. A retossigmoidoscopia está indicada nos pacientes sintomáticos e devem ser realizadas biópsias do pouch e da alça aferente (frascos separados) em busca de agentes infecciosos e diagnóstico diferencial com a doença de Crohn.

Doença do enxerto versus hospedeiro (GVHD)

É uma complicação do transplante alogênico de medula óssea (TMO) que ocorre geralmente nos primeiros 3 meses pós transplante. Os achados endoscópicos são relacionados com o estágio da doença, apresentando desde mucosa normal até alterações como edema, enantema, erosões e/ou úlceras. Biópsias endoscópicas seriadas são necessárias pelo fato de não haver correlação direta entre os achados endoscópicos e histológicos.

Na GVHD não há uma conduta definida. Sabe-se que os locais mais frequentemente acometidos são cólon distal e reto, até mesmo nos pacientes que tem sintomas sugestivos de envolvimento do trato gastrintestinal superior.

Desta maneira 2 abordagens são aceitas:

  • Retossigmoidoscopia flexível com biópsias de cólon descendente (4 fragmentos) e cólon sigmoide/reto (4 fragmentos).

Ou

  • Colonoscopia com no mínimo 4 fragmentos de íleo terminal, 4 de cólon ascendente, 4 de cólon transverso, 4 de cólon descendente e 4 de cólon sigmoide/reto.

 

Tabela com resumo das indicações de biópsias seriadas:
DOENÇA PROCEDIMENTO
Colites microscópicas Colonoscopia com no mínimo 2 biópsias em: cólon ascendente, transverso, descendente, sigmoide

Ou

Colonoscopia com 3 – 4 Fragmentos de cólon direito e esquerdo (frascos separados)

 

Diarreia aguda Imunocompetentes

·      Retossigmoidoscopia com biópsias de sigmoide/reto

·      Colonoscopia com biópsias de cólon direito e esquerdo

 

Imunodeprimidos

·      Colonoscopia com biópsias de cólon direito e esquerdo

Doença inflamatória intestinal Avaliação de atividade

·      Colonoscopia com biópsias de íleo, cólon direito, esquerdo e reto

 

Vigilância

·      Colonoscopia com biópsias dirigidas de lesões suspeitas

Ou

·      Biópsias a cada 10cm nos 4 quadrantes (mínimo de 32 fragmentos)

Pouchitis  

Biópsias do pouch e da alça aferente.

 

GVHD Retossigmoidoscopia flexível com biópsias de cólon descendente (4 fragmentos) e cólon sigmoide/reto (4 fragmentos).

Ou

Colonoscopia com no mínimo 4 fragmentos de íleo terminal, 4 de cólon ascendente, 4 de cólon transverso, 4 de cólon descendente e 4 de cólon sigmoide/reto.

 

Referências:
  1. American Gastroenterological Association Medical Position Statement. Guidelines for the evaluation and management of chronic diarrhea. Gastroenterology. 1999; 6: 146-1463.
  2. Da Silva JG, De Brito T, Cintra Damião AO, et al. Histologic study of colonic mucosa in patients with chronic diarrhea and normal colonoscopic findings. J Clin Gastroenterol 2006; 40:44-8.
  3. Yen EF, Pardi DS. Review of the microscopic colitis. Curr Gastroenterol Rep 2011; 13:458-64.
  4. Shergill AK,Lightdale JR, Bruining DH et al. The role of endoscopy in inflammatory bowel disease. Gastrointest Endosc. 2015 May;81(5):1101-21. e1-13.
  5. Shen B, Khan K, Ikenberry SO et al. The roleof endoscopy in the management of patients with diarrhea. ASGE Standards of Practice Committee. Gastrointest Endosc. 2010 May;71(6):887-92
  6. Sharaf RN, Shergill AK, Odze RD et al. Endoscopic mucosal tissue sampling. Gastrointest Endosc. 2013 Aug;78(2):216-24.
  7. Peixoto A, Silva M, Pereira P, Macedo G. Biopsies in Gastrointestinal Endoscopy: When and How. GE Port J Gastroenterol. 2016;23(1):19-27.
  8. Terdiman JP, Linker CA, Ries CA, et al. The role of endoscopic evaluation in patients with suspected intestinal graft-versus-host disease after allogenic bone-marrow transplantation. Endoscopy 1996; 28:680-5. 83.
  9. Thompson B, Salzman D, Steinhauer J, et al. Prospective endoscopic evaluation for gastrointestinal graft-versus-host disease: determination of the best diagnostic approach. Bone Marrow Transplant 2006; 38:371-6.



Sete passos para anestesia segura em procedimentos endoscópicos

Nos últimos anos, o número de procedimentos endoscópicos diagnósticos e terapêuticos aumentou consideravelmente.


Tais procedimentos são, em sua maioria, realizados sob sedação, para conforto do paciente e redução das respostas hemodinâmicas, além de proporcionar ao endoscopista melhores condições para realização do exame.


A sedação pode ser leve, moderada ou profunda, dependendo da resposta do paciente a estímulos dolorosos, permeabilidade das vias aéras e estabilidade hemodinâmica. As drogas anestésicas mais comumente utilizadas para a sedação são os benzodiazepínicos e opióides, além do propofol.


Entre os BDZ, o midazolam é a droga mais utilizada. Sua meia vida mais curta (1 a 4 h) e propriedade de produzir algum grau de amnésia são fatores que influenciam sua escolha. Doses baixas (menores de 3 mg) dispensam o uso de antagonistas (flumazenil).


Nos últimos anos, o Propofol tem sido cada vez mais utilizado, por seu rápido início de ação e curta duração. Deve ser administrada com cuidado, podendo causar depressão respiratória e hipotensão, especialmente em pacientes idosos e desidratados (pelo preparo da colonoscopia). Cuidado especial também com o uso em pacientes cardiopatas. Por sua capacidade em produzir apnéia, deve ser utilizado com cautela e por médicos endoscopistas com treinamento no manejo das vias aéreas. A dor a injeção endovenosa do propofol pode ser reduzida através do uso de lidocaína ou  pequenas doses de opióides.


Para diminuir a dor e os reflexos autonomicos, as drogas utilizadas são os opioides (fentanil, meperidina, alfentanil ou morfina). Agem em receptores do SNC e podem apresentar como efeitos colaterias náuseas, prurido e depressão respiratória. Se usados em doses baixas, são consideradas seguras e não necessitam de antagonistas. Por esse motivo o sedativo da endoscopia é perigoso apenas quando ocorre a manipulação incorreta das doses.


Outras drogas que podem ser utilizadas durante o exame são os anticolinérgicos, como a atropina e escopolamina. Produzem aumento da frequencia cardiaca, relaxamento da musculatura lisa, broncodilatacão e diminuição da salivação.


A fim de reduzir os riscos relacionados ao preparo e a sedação, algumas considerações devem ser observadas:


1. Avaliação médica inicial:


a avaliação médica inicial, antes do preparo, é fundamental para identificar doenças associadas e estratificar os pacientes de acordo com os riscos anestésico-cirúrgicos, através dos critérios da American Society of Anesthesiology:


Classificação ASA/ Condição Física do Paciente


1: Normal, Saudável


2: Doença Sistêmica Compensada


3: Doença Sistêmica Descompensada (Não Incapacitante)


4: Doença Incapacitante/Risco de Vida


5: Moribundo/Risco de Morte ≤24hs


De acordo com a Resolução CFM 1886/2008, somente pacientes ASA 1 e 2 devem ser atendidos em ambiente ambulatorial. Os demais pacientes devem ser atendidos em regime hospitalar. É obrigatória a presença de acompanhante adulto para realização do procedimento sob sedação.


2. Monitorização:


É obrigatória a monitorização do paciente durante o exame, através de oximetria de pulso, cardioscopia e pressão arterial não invasiva (isso é lei!). Se for realizada anestesia geral, a capnografia deve ser incluida.


3. Pré-oxigenação:


a pré-oxigenação antes do início da sedação émuito importante para evitar hipoxemia. Mesmo que o paciente passe por um período de apneia após a indução, ele ainda tem uma “reserva”de oxigênio que pode evitar ou pelo menos, atenuar um episódio de hipoxemia.


4. Tenha calma!:


aguarde o tempo de ação dos sedativos. É comum ficarmos muito ansiosos e apressados na correria da nossa rotina, mas nunca devemos acelerar essa etapa durante a sedação. Aguarde o tempo de ação de cada anestésico, especialmente em pacientes idosos e cardiopatas, nos quais o débito cardíaco é menor e as drogas circulam mais lentamente.


 


5. Esteja atento às possíveis complicações:


as complicações decorrentes da sedação incluem: depressão respiratória, laringoespasmo, instabilidade hemodinâmicas, reações alérgicas e aspiracão de conteúdo gástrico.


– A depressão respiratória ocorre por ação das drogas anestésicas, e pode ser facilmente revertida através do uso da ventilação com pressão positiva (mascara-ambu).


Fatores como IMC> 26, ausência de dentes, presença de barba, história de roncos, apneia do sono e uso de CPAP podem ser indicativos de dificuldade a ventilacão.


– A obstrucão das vias aéreas ocorre por queda da língua no momento da sedação. O uso das cânulas de Guedel e manobras como “ jaw thrust” ou “ chin lift” são efetivas na manutençao da permeabilidade das vias aérea.


O sedativo da endoscopia é perigoso


procedimentos endoscópicos


–  O laringoespasmo ocorre por hiperreatividade das vias aéras, quando manipuladas em pacientes em plano anestésico superficial. Pode ocorrer queda rápida da saturação de oxigênio, estridores e dificuldade a ventilação. Para reversão do quadro, devemos proceder ao aprofundamento do plano anestésico (propofol) e ventilação com pressão positiva.


–  Em caso de reações alérgicas, identificar e suspender o agente desencadeante. Se necessário, oxigenoterapia, hidratação, corticóides e medicações de suporte estão indicadas.


– A aspiração de conteúdo gástrico ocorre com maior frequência em pacientes submetidos a colonoscopia. Não existe consenso em relação ao tempo de jejum após o manitol. Sendo assim, o endoscopista e o anestesista devem estar preparados para evitar a broncoaspiração, através de um sistema de sucção eficiente, além de evitar ventilação com pressão positiva. Pacientes obesos, gestantes, portadores de hérnia de hiato e doenças que levam a retardo do esvaziamento gástrico como diabetes e hipotireoidismo constituem maior risco a aspiração.


6. Avaliação pós-anestésica: 


após o procedimento, o paciente pode receber alta da unidade. Para tanto, alguns  critérios devem ser obedecidos:


–  orientação temporo-espacial


–  estabilidade dos sinais vitais por pelo menos 60 min


–  ausência de dificuldade respiratória


–  capacidade de ingerir líquidos


–  ausência de náuseas ou vômitos


–  ausência de dor ou sangramento


Lembrar que a avaliação pós-anestésica deve estar documentada no prontuário de todos os pacientes.


7. Orientação dos cuidados pós-alta:


é importante orientar os pacientes quanto aos cuidados pós-alta, de preferência, por escrito. Nas 24 h subsequentes ao procedimento, para segurança, orientamos não dirigir, operar máquinas e/ou ingerir bebidas alcoolicas.


NOTA: Um importante cuidado para os paciente que serão submetidos a colonoscopia é iniciar reposição volêmica precoce com soluções isotônicas ao plasma ( SF, ringer simples ou ringer lactato). Essa medida é fundamental para evitar instabilidade hemodinâmica e distúrbios hidroeletroliticos, como hipopotassemia. Atenção especial aos idosos e pacientes com doenças renais e cardiopatias.


Captura de Tela 2015-05-26 às 22.19.05



Pseudopólipos nas doenças inflamatórias intestinais

 

Definições e subtipos:

Os pseudopólipos são uma entidade bem descrita na evolução das doenças inflamatórias intestinais. Apesar de sua formação ainda não completamente entendida, são consideradas lesões não neoplasicas, originadas na mucosa em consequência de ciclos de inflamação e regeneração de epitélio ulcerado. Na literatura é possível distinguir três tipos principais:

  • Pseudopólipos: áreas de mucosa normal que entremeia área de inflamação grave
  • Pólipos inflamatórios : devido inflamação da submucosa há maior infiltração da muscular da mucosa por células inflamatórias gerando tecido de granulação e subsequente pólipo
  • Pólipos pós-inflamatórios : excessiva regeneração e reepitelização da área lesada (o que leva a formação do pólipo) associada a tração mecânica dessa região exercida pela passagem as fezes.

 

Morfologia :

Apesar de processos de formação diferentes, tais entidades são compreendidas como uma só, e a nomenclatura é intercambiável na literatura. O formato dos pólipos pode variar (séssil ou pediculado), podendo ocorrer em vários tamanhos e números. Quando maior que 15 mm é chamado de pólipo gigante.

Há um formato em especial descrito como vermiforme ou filiforme onde se nota um alongamento sem uma “cabeça” como em um pólipo pediculado tradicional.

Localização e prevalência :

A prevalência não pode ser avaliada com exatidão, porém tem uma incidência estimada de 10 a 20% dos casos, mais comumente em pacientes com Retocolite Ulcerativa que em Doença de Crohn, sendo mais afetado o  cólon transverso e esquerdo. Não há diferença entre os sexos, e o pico de idade é entre 30 e 40 anos. Há relatos de sítios extracolônicos, porém, são incomuns. Deve ser mencionada a possível presença desses pólipos no íleo terminal de paciente com retocolite ulcerativa, muito provavelmente pelo fenômeno de “ileite de refluxo”.

A presença dos pseudopólipos é um marcador de episódios anteriores de infamação importante, porém, não há como prever sua formação.

Risco de câncer e manejo :

A presença de pseudopólipos é considerado um fator de risco intermediário para o câncer colorretal, sendo indicada a vigilância endoscópica a cada três anos. Porém, a transformação de pseudopólipos para neoplasia é considerada evento raro, sendo que a possível explicação para o maior risco de neoplasia seja o fato de os pseudopólipos ocorrerem em paciente com episódios de colite intensa e extensa, esse, um fator já conhecido para neoplasia de cólon, associado também ao fato, de que a presença de inúmeros pseudopólipos podem dificultar a identificação dos verdadeiros adenomas.

Por fim, a conduta na presença dos pseudopólipos ainda não é consenso devido a falta de estudos sobre o assunto.

A principal preocupação frente ao achado de psudopólipos é a diferenciação desta com lesões displásicas (antigamente denominadas DALM). Tal diferenciação pode ser realizada com endoscópio de boa qualidade e endoscopista treinado:

  • os psedudopólipos em geral são numerosos, localizados dentro de áreas de colite, superficie lisa e pálida, podendo conter exsudato e bordas definidas;
  • as áreas de displasia podem ser múltiplas, mas em geral são únicas, podendo estar dentro ou fora da área de colite, normalmente têm bordas definidas e podem ser sésseis ou pediculadas.

Não é necessária a remoção ou biópsias dos pseudopólipos quando bem caracterizados à endoscopia. A cromoendoscopia pode ajudar, pois os pseudólipos, por serem não neoplásicos, apresentam padrão de criptas Kudo tipo II.  Nos casos de dúvida dignóstica, pólipos gigantes, dificuldade de avaliação devido à grande quantidade de pseudopólipos, a remoção está indicada, assim como biópsias das áreas adjacentes.

Bibliografia (textos abertos – free : clique para o texto completo )

Politis DS, Katsanos KH, Tsianos EV, Christodoulou DK. Pseudopolyps in inflammatory bowel diseases: Have we learned enough? World J Gastroenterol. 2017 
Mar 7;23(9):1541-1551. doi: 10.3748/wjg.v23.i9.1541

Papel da endoscopia na doença inflamatória intestinal.




ASPIRE

Por Cynthia Teixeira e Sérgio Barrichello

A obesidade é uma doença crônica que afeta milhares de pessoas consituindo um problema de saúde pública impactando na saúde de um terço da população adulta.1-3

Doenças relacionadas à obesidade, incluindo o tipo 2 diabetes, hipertensão e apneia obstrutiva do sono, aumentam a morbimortalidade dos pacientes acarretando um impacto negativo na qualidade de vida dos mesmos.

Várias opções terapêuticas estão disponíveis, embora a eficácia esteja correlacionada com maior invasividade. Modificações dietéticas e no estilo de vida têm um sucesso limitado e a curto prazo na perda de peso na maioria dos pacientes.4

A cirurgia bariátrica é o tratamento mais bem sucedido para pacientes obesos porém é um procedimento cirúrgico invasivo e que altera a anatomia do trato digestivo. 5

O AspireAssist permite a terapia de aspiração, em que o alimento é removido do estômago após a ingestão. Esse método foi aprovado pela FDA em 2016 para pacientes com IMC de 35-55 kg / m2 e consiste em uma gastrostomia endoscópica percutânea de 30Fr (chamado tubo de aspiração), uma porta externa na pele para aspiração e um dispositivo portátil que se conecta à porta para realizar a descarga e aspiração. O AspireAssist permite o consumo de uma refeição, infusão de água e, em seguida, aspiração de uma porção da refeição. O tubo de aspiração é inserido endoscopicamente pela técnica de tração.6

A aspiração do conteúdo gástrico é feita 20 minutos após o consumo de refeições e três vezes ao dia. A aspiração leva cerca de 10 minutos para executar e remove aproximadamente 30% das calorias ingeridas.

As imagens abaixo ilustram esse método:

Assim, visando entender melhor a segurança e a eficácia do método ASPIRE Sullivan e colaboradores desenvolveram o seguinte estudo piloto:

 

METODOLOGIA:

Dezoito adultos obesos (IMC entre 40,0 e 50,0 kg / m2 ou entre 35,0 e 39,9 kg / m2 com comorbidades) recrutados entre fevereiro e outubro de 2009 participaram deste estudo.

Os participantes foram randomizados em dois grupos sendo um grupo com a intervenção do ASPIRE mais a mudança do estilo de vida e o outro somente com a mudança do estilo de vida; acompanhados pelo período de 24meses.

 

RESULTADOS

Os autores relataram uma perda significativamente maior de excesso de peso com a terapia de aspiração em combinação com a intervenção do estilo de vida do que a intervenção do estilo de vida isolado nas primeiras 52semanas e que nenhuma alteração significativa na perda de peso ocorreu da semana a partir de então, como ilustra a figura abaixo.

A perda média de excesso de peso por protocolo foi de 54,4% aos 12 meses e 61,5% aos 24 meses.

Os autores também concluíram que a terapia por aspiração não induz a comportamentos alimentares adversos ou altera os escores de depressão basais.

A quantidade de tempo necessário para a aspiração (~ 10 minutos) não foi diferente quando os sujeitos aspiravam aos 20 ou 60 minutos após uma refeição de 450 ou 800 kcal. Aproximadamente 30% das calorias ingeridas foram removidas por aspiração 20 minutos após o consumo de uma refeição de 450 ou 800 kcal. Aspirar 20 ou 60 minutos depois de consumir a refeição de 800 kcal não afeta significativamente a porcentagem de calorias removidas por aspiração. No entanto, a porcentagem de calorias aspiradas foi maior aos 20 minutos do que 60 minutos após o consumo a refeição de 450 kcal.

A perda de peso não resultou em alterações significativas no perfil lipídico e/ou dos eletrólitos tais como magnésio e cálcio. Houve uma tendência para uma diminuição da concentração plasmática de alanina transaminase (ALT) no grupo da intervenção em comparação com o grupo sem a intervenção.

No grupo da intervenção, 4 indivíduos necessitaram de suplementação de ferro, 3 indivíduos necessitaram de suplementação de vitamina D, e um sujeito exigiu suplementação de vitamina B12. Com suplementação, a terapia por aspiração não resultou em diferença nas concentrações plasmáticas de ferro, 25-hidroxivitamina D ou vitamina B12 em comparação com o grupo sem intervenção.

 

EFEITOS ADVERSOS

Nenhum evento adverso grave ocorreu nos grupos. Os eventos adversos mais comuns incluíram dor peristomal nas primeiras 4 semanas após a colocação do dispositivo, irritação peristomal e constipação (Tabela 3).

 

DISCUSSÃO

Esse estudo piloto concluiu que sujeitos do grupo que sofreu a intervenção do ASPIRE apresentaram uma perda de peso maior que os do grupo que só tiveram a mudança do estilo de vida e essa perda ponderal alcançada em 1 ano foi mantida por dois anos.

O reganho de peso, que normalmente é observada após 1 ano de terapia intensiva de emagrecimento e de 1 a 10 anos da cirurgia bariátrica não foi observada neste estudo.

Além disso, não foi observado nenhuma complicação grave.  E não houve evidências de efeitos adversos sobre padrões alimentares, psicopatologia do transtorno alimentar ou fome no grupo da intervenção.

Estes dados mostram que a terapia de aspiração pode ser uma opção de tratamento de longo prazo segura e efetiva para pessoas com obesidade.7

Em outro estudo randomizado Thonson e colaboradores avaliaram em 52 semanas, 207 participantes com índice de massa corporal (IMC) de 35,0-55,0 kg / m 2 foram distribuídos aleatoriamente em uma proporção de 2:1 ao tratamento com AspireAssist e mudança do estilo de vida (n = 137; o IMC médio foi de 42,2 ± 5,1 kg / m 2) ou a mudança de estilo de vida isolada (n = 70; o IMC médio foi 40,9 ± 3,9 kg / m 2). E observaram que os participantes no grupo AspireAssist perderam uma média (± s.d.) de 31,5 ± 26,7% do seu excesso de peso corporal (12,1 ± 9,6% do peso corporal total), enquanto que aqueles no grupo mudança do estilo de vida isolada perderam uma média de 9,8 ± 15,5% do excesso de peso corporal.

Concluiram que o uso de AspireAssist causa considerável perda de peso e é mais eficaz do que a modificação intensiva do estilo de vida sozinha no tratamento da obesidade. O sistema foi projetado para o tratamento longo prazo da obesidade e necessita de monitoramento regular, ambos aspectos importantes para o tratamento de uma doença crônica. O procedimento de colocação é o mesmo que o utilizado para gastrostomia endoscópica percutânea e pode ser realizada a nivel ambulatorial. Também pode ser removido se posteriormente for decidido interromper a terapia e não causa alterações anatômicas que impediriam a futura cirurgia bariátrica. A eficácia da perda de peso e o perfil de segurança da AspireAssist sugerem esta abordagem de tratamento como ponte entre os tratamentos conservadores e os procedimentos cirúrgicos bariátricos estabelecidos para pessoas com obesidade Classe II e Classe III.8

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
  1. Allison DB, Downey M, Atkinson RL, et al. Obesity as a disease: a white paper on evidence and arguments commissioned by the council of the obesity society. Obesity (Silver Spring). 2008;16(6): 1161–1177.
  2. AMA. Report of the Council on Science and Public Health. Chicago, IL: AMA; 2013. Available from: http://www.ama-assn.org/assets/ meeting/2013a/a13-addendum-refcomm-d.pdf#page=19. Accessed December 14, 2016.
  3. Ward ZJ, Long MW, Resch SC, et al. Redrawing the US obesity landscape: bias-corrected estimates of state-specific adult obesity prevalence. PLoS One. 2016;11(3):e0150735.
  4. Turk MW, Yang K, Hravnak M, Sereika SM, Ewing LJ, Burke LE. Randomized clinical trials of weight-loss maintenance: a review. J Cardiovasc Nurs. 2009;24(1):58–80.
  5. Nguyen NT, Vu S, Kim E, Bodunova N, Phelan MJ. Trends in utilization of bariatric surgery, 2009–2012. Surg Endosc. 2016; 30(7): 2723–2727
  6. Kumar N, Sullivan S, Thompson CC. The role of endoscopic therapy in obesity management: intragastric balloons and aspiration therapy Diabetes Metab Syndr Obes. 2017; 10: 311–316. Published online 2017 Jul 6. doi: 10.2147/DMSO.S95118
  7. Sullivan S, Stein R, Jonnalagadda S, Mullady D, Edmundowicz S. Aspiration therapy leads to weight loss in obese subjects: a pilot study. Gastroenterology. 2013;145(6):1245–52.
  8. Thonson et al. Percutaneous Gastrostomy Device for the Treatment of Class II and Class III Obesity: Results of a Randomized Controlled Trial. Endoscopy Am J Gastroenterol 2017; 112:447–457; doi: 10.1038/ajg.2016.500; published online 6 December 2016

 

Autores

Cynthia Teixeira

Especialista em Gastroenterologia pela BP-SP
Especialista em Endoscopia pelo Hospital Estadual Mario Covas
Membro titular da FBG e SOBED
Medica Endoscopista do Hospital Albert Sabin SP




Síndrome de Mirizzi

Em 1948, o cirurgião argentino Pablo L. Mirizzi descreveu um paciente com obstrução parcial do hepatocolédoco secundário a cálculo biliar impactado no infundíbulo da vesícula biliar associado à resposta inflamatória envolvendo o ducto cístico e o ducto hepático comum. Essa apresentação tornou-se conhecida como Síndrome de Mirizzi (SM).

Pablo Luis Mirizzi

Pablo Luis Mirizzi (1893-1964)

Inicialmente, Mirizzi caracterizou a síndrome por associação dos seguintes fatores: ducto cístico com trajeto paralelo ao ducto hepático comum, cálculos impactados no ducto cístico ou no infundíbulo da vesícula biliar, obstrução mecânica do ducto hepático comum por cálculos ou secundário à inflamação, icterícia contínua ou intermitente e colangite recorrente.

Atualmente, ela compreende um espectro de apresentações que variam desde a compressão extrínseca do hepatocolédoco até a presença de fístula colecistobiliar.

É uma complicação relativamente rara, ocorrendo em 0,05% – 3,95% dos pacientes com colelitíase.

Possui maior prevalência em mulheres com idade entre 21 e 90 anos, provavelmente um reflexo da preponderância de litíase biliar nesse grupo.

Quadro clínico e laboratorial

O quadro clínico-laboratorial da SM não é específico. Na anamnese, normalmente o paciente relata colelitíase de longa data, episódios de icterícia obstrutiva e passado de colecistite aguda e/ou colangite.

Os sinais e sintomas referidos geralmente incluem:

  • dor abdominal em hipocôndrio direito e/ou epigástrio;
  • icterícia;
  • náuseas e vômitos;
  • colúria;
  • febre.

Quanto aos exames laboratoriais, as transaminases costumam estar elevadas, bem como a bilirrubina direta, a fosfatase alcalina e a gama- GT.

Cerca de 80% dos pacientes com SM apresentam icterícia, dor abdominal e alterações das provas de função hepática.

Exames de imagem

A ultrassonografia e a tomografia computadorizada de abdome podem sugerir o diagnóstico de SM ao revelar cálculo(s) fixo(s) na área do infundíbulo, próximo à junção do ducto cístico com o hepático comum, e dilatação das vias biliares acima do local da compressão.

A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) também pode revelar compressão ou estreitamento do hepatocolédoco.

colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE)

Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE)

A ecoendoscopia no diagnóstico da coledocolitíase, independentemente do tamanho do cálculo ou do diâmetro coledociano, é um teste diagnóstico mais acurado do que a CPRE para a detecção de cálculo na via biliar principal.

Para o diagnóstico da SM, a ecoendoscopia apresenta uma sensibilidade de 97% e especificidade de 100%.

A colangioressonância pode demonstrar com precisão a presença de dilatação biliar, o grau de obstrução, a localização intra ou extraluminal dos cálculos, podendo revelar ainda alterações anatômicas, como fístulas e malformações.

Classificação

A síndrome de Mirizzi, que antes era classificada em apenas quatro tipos, atualmente, inclui mais um, o tipo V, que compreende a fístula colecistoentérica.

Os tipos são:

I) compressão extrínseca do ducto hepacolédoco por cálculo no infundíbulo da vesícula ou no ducto cístico;

II) presença de fístula colecistobiliar com erosão de diâmetro inferior a 1/3 da circunferência do ducto hepacolédoco;

III) presença de fístula colecistobiliar com diâmetro superior a 2/3 da circunferência do ducto hepacolédoco;

IV) presença de fístula colecistobiliar que envolve toda a circunferência do ducto hepacolédoco;

V) qualquer tipo, mais fístula colecistoentérica (Va: sem íleo biliar e Vb: com íleo biliar).

tipos de classificação síndrome de Mirizzi

Classificação de Csendes para a síndrome de Mirizzi. Modificado de Lacerda PS, et al. Mirizzi syndrome: a surgical challenge. Arq Bras Cir Dig. 2014.

Tratamento

Os casos de Mirizzi tipo I, ou seja, sem fístula colecistobiliar, podem ser tratados pela colecistectomia clássica. Porém, em casos de extenso processo inflamatório, a colecistectomia subtotal com remoção dos cálculos pode ser mais adequada.

Mirizzi II/III (fístula colecistobiliar): abordagem dos pacientes com fístula colecistobiliar envolve colecistectomia subtotal fundo-cística. A vesícula biliar deve ser removida deixando um remanescente de parede medindo cerca de 5-10 mm ao redor da fístula colecistobiliar, a fim de permitir a coledocoplastia do ducto biliar destruído. A exploração do colédoco deve ser sempre realizada usando uma incisão distal à fístula e protegida por um tubo Kehr.

No tipo IV, devido à extensa destruição da via biliar, o tratamento consiste em anastomose bilioenterica.

No tipo V, deve ser realizada a sutura da víscera acometida.

A CPRE e a colangioscopia podem ser realizadas também como técnicas alternativas de tratamento em pacientes sem condições cirúrgicas.

Como citar este artigo

Ruiz RF, Martins B. Síndrome de Mirizzi. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/mirizzi/

Referências

  1. Safioleas M, et al. Mirizzi Syndrome: an unexpected problem of cholelithiasis. Our experience with 27 cases International Seminars in Surgical Oncology 2008;5:12.
  2. Waisberg J, et al. Benign Obstruction of the common hepatic duct (Mirizzi Syndrome): diagnosis and operative management. Arq Gastroenterol 2005;42(1).
  3. Beltran MA, Csendes A, Cruces Ks. The Relationship of Mirizzi Syndrome and Cholecystoenteric Fistula: Validation of a Modified Classification. World J Surg 2008; 32:2237-2243.
  4. Fonseca Neto OCL, Pedrosa MGL, Miranda Al. Surgical management of Mirizzi syndrome. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2008;21(2):51-4.
  5. Machado MAC, et al. Colecistectomia Videolaparoscópica em paciente com Síndrome de Mirizzi. Rev Hosp Clin Fac Med S Paulo 1997;52(6):324-327.

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