Assuntos Gerais – Tuberculose Intestinal

A tuberculose intestinal (TBI) perfaz cerca de 2% dos casos totais de tuberculose. Por se tratar de uma doença endêmica no Brasil, o gastroenterologista e/ou endoscopista irá se deparar com a TBI em algum momento de sua prática médica.

O grande dilema da TBI é a dificuldade diagnóstica, uma vez que os sintomas são inespecíficos e podem mimetizar outras patologias tais como doença de Crohn e malignidades. Mesmo em locais endêmicos as taxas de erro diagnóstico são bem elevadas (em torno de 50 a 70%). Desta maneira, pacientes com TBI tem um atraso no diagnóstico e no início do tratamento específico, e ainda pode ser pior quando a terapia imunossupressora é erroneamente instituída no casos “Crohn-like”.

Na TBI o segmento mais frequentemente acometido é a região ileocecal, e isto é atribuído à maior abundância de tecido linfoide nesta região, além de ter uma maior estase de material fecal propiciando maior absorção e contato do bacilo com a mucosa intestinal. O cólon direito é o segundo local mais acometido e pode ser explicado pelo fato de o trânsito ser mais lento em relação ao delgado e com isso há uma maior exposição dos bacilos à mucosa colônica.

Os achados tomográficos que podem suspeitar de TBI são: espessamento de parede intestinal, linfadenopatia abdominal com necrose central, coleções intra-abdominais e inflamação peritoneal. A ressonância do abdome é útil para delimitar melhor a inflamação peritoneal. O USG pode ser utilizado para detectar estenoses de delgado, inflamações no omento e ascite.

O PPD e o quantiferon possuem baixa sensibilidade e especificidade. A histopatologia pode ser positiva em 54% dos casos e a confirmação microbiológica varia entre 18 a 50%.

A EDA não é útil para os casos de TBI. A colonoscopia é imprescindível com visualização direta da mucosa, avaliação de estenoses e/ou fístulas além de permitir realização de biópsias para histologia e cultura. Achados como ileíte ulcerada (ver imagem abaixo), úlceras transversais (ver imagem abaixo), acometimento da válvula ileocecal, pseudodivertículos levam a suspeição de TBI. O acometimento do cólon esquerdo, presença de úlceras longitudinais, úlceras aftosas e lesões salteadas falam mais a favor de doença de Crohn.

Tuberculose intestinal. À esquerda: Úlcera profunda circunferencial em íleo terminal. À direita: Úlcera transversal em cólon ascendente

 

A laparoscopia algumas vezes deve ser feita. É segura, efetiva e com sensibilidade de mais de 92% para o diagnóstico de TB com envolvimento peritoneal.

Algumas dicas para tentar diferenciar a TBI de uma DII são:

TB INTESTINAL D. CROHN
QUADRO CLÍNICO Comum ter febre baixa, sudorese noturna. Sintomas gerais menos comuns.

Hematoquezia é mais frequente

RADIOLOGIA Linfonodomegalia abdominal, ascite “Sinal do pente”: ingurgitamento vascular do mesentério
COLONOSCOPIA Úlceras circulares ou transversais, maior número de granulomas no anatomopatológico Úlceras predominantemente longitudinais e padrão de pedra de calçamento é mais típico

 

A TBI responde rapidamente à terapia antituberculosa e com isso pode prevenir complicações cirúrgicas. A obstrução intestinal é a complicação mais comum.  Estenoses < 12cm podem ser tratadas conservadoramente. Em até 11% dos casos pode ocorrer perfuração e com alta morbi-mortalidade.

O médico endoscopista precisa conhecer a tuberculose intestinal e ter noção das alterações endoscópicas sugestivas de TBI.  As lesões devem sempre ser biopsiadas com a finalidade de conseguir o diagnóstico pela anatomopatologia e/ou cultura.

Referências Bibliográficas

  • Kentley J et al. Trop Med Int Health. 2017 Aug;22(8):994-999
  • Limsrivilai Jet al. Am J Gastroenterol. 2017 Mar;112(3):415-427
  • Jia Yi MA. Journal of Digestive Diseases 2016; 17; 155–161
  • Pratapi Mouli V et al. Aliment Pharmacol Ther. 2017 Jan;45(1):27-36

 

 




O tratamento com os inibidores de bomba de prótons é seguro?

 

Não seria exagero dizer que os inibidores da bomba de prótons (IBP`s) revolucionaram a gastroenterologia a partir do início dos anos 90.

Muito mais eficientes que os antiácidos ou os antagonistas dos receptores H2, eles tornaram-se a droga de escolha no tratamento das condições relacionadas ao efeito lesivo da secreção gástrica ácida, principalmente a doença do refluxo gastro-esofágico (DRGE) e a úlcera péptica.

Em virtude disto, os “prazóis” passaram a ser utilizados em larga escala e são uma das classes de medicamentos mais prescritos ao redor do mundo (1). Contribui para este fato, o fácil acesso a tais medicamentos, sua ótima tolerância e eficiência, mesmo a longo prazo. Assim, não é incomum encontrarmos pacientes que utilizam a droga por muitos anos, de forma contínua, embora em muitos casos a indicação para isto nem seja apropriada.

Particularmente na DRGE, uma das principais indicações terapêuticas, há excesso na prescrição destes fármacos em pacientes que não necessitam deles, como por exemplo em supostas manifestações extraesofágicas da doença, sem documentação do refluxo patológico (2).

Paralelo a esta popularidade, são crescentes os relatos de efeitos adversos decorrentes do uso prolongado destes medicamentos. Acompanhamos, recentemente, relatos desta natureza na mídia leiga e redes sociais, com grande repercussão. Isto trouxe um grande impacto na rotina dos gastroenterologistas, cujos pacientes passaram a questionar a indicação dos IBP´s. Médicos de outras especialidades passaram a condenar o uso destes medicamentos.

Neste contexto, as informações são conflitantes e há dificuldades de separar o que é fato e o que é ficção.

Assim, o nosso objetivo é responder, à luz da medicina baseada em evidências, às seguintes perguntas:

  • Quais os eventos adversos decorrentes do uso dos IBP´s?
  • Qual o posicionamento das principais sociedades de especialidades médicas envolvidas?
  • Estes medicamentos podem ser utilizados com segurança para o tratamento de quais condições?

 

1. Possíveis eventos adversos relacionados aos IBP´s

Eventos com relação causal estabelecida com IBP´s
Evento Mecanismo proposto Estimativa de risco/evidência Relevância Clínica
Nefrite Intersticial aguda Reação idiossincrásica Moderado (RR  3,61) – metanálise de estudos observacionais Rara , mas enfatiza necessidade de indicação correta
Pólipos de glândulas fúndicas Hipergastrinemia OR 2,45 – metanálise Sem maior relevância clínica
Hipomagnesemia Idiossincrásica,

↓ absorção (?)

Baixo (RR< 1,5) – metanálise de estudos observacionais Risco potencial;  Dosar periodicamente;
Deficiência de ferro Hipocloridria

( ↓absorção)

Baixo (OR 2,49) – observacional Baixa; tratável e reversível
Supercrescimento bacteriano int. delgado Hipocloridria Baixo (OR 2,28) – metanálise Baixa; tratável e reversível
Deficiência de Vit B12 Hipocloridria (↓absorção) Baixo (HR 1,83) – metanálise Mínima; tratável e reversível
Colite Colagenosa indefinido (HR 4.5) Diarreia; reversível

 

Eventos com fraca associação com IBP´s 
Evento Mecanismo proposto Estimativa de risco Relevância Clínica
Fraturas Hipocloridria,

↓ absorção Cálcio

Baixo (OR 2,65) – estudos observacionais, resultados conflitantes Mínima

Evidência fraca

Doença renal crônica Não estabelecido Baixo (HR 1.5) – observacionais (caso-controle) Evidência fraca
Diarreia por Clostridium difficile Hipocloridria Baixo (RR 1.69) – metanálise Pequena, porém enfatiza indicação correta
PBE em cirróticos Alterações na microbiota Baixo (HR 1.4 a 5.0) Avaliar risco-benefício
Encefalopatia em cirróticos Alterações na microbiota, hipomagnesemia, def. Vit B12 OR 1.41 a 3.01 Avaliar risco-benefício
Câncer gástrico (5) Hipocloridria, hipergastrinemia Variável entre estudos Indeterminada (requer mais estudos)

 

Eventos não relacionados ao uso dos IBP`s
Evento Mecanismo proposto Estimativa de risco Relevância Clínica
Pneumonia Hipocloridria, comprometimento esterilidade gástrica Sem risco, metanálise de estudos prospectivos Nenhuma – evidência fraca
Eventos cardiovasculares agudos Interação com metabolismo hepático do Clopidogrel Risco não observado (HR 0.99) – trial randomizado controlado Sem evidência de associação
Demência Deposição de beta amilóide Estudos conflitantes, maioria sem associação Nenhuma, evidência muito fraca

 

2. Posicionamento das Sociedades Médicas de especialidades

  • American Gastroenterological Association (AGA): Quando a indicação dos IBP´s é apropriada, os benefícios superam os riscos (2017). O posicionamento é claro no site da sociedade, onde há ainda recomendações de uso racional destes medicamentos, baseadas na opinião de experts e em publicações relevantes.
  • Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG):Há um posicionamento da sociedade em relação ao uso crônico dos IBP´s e aumento do risco de câncer gástrico após erradicação do H pylori, apontado em estudo recente de Hong-Kong (6), considerando que os dados não são conclusivos e que a droga é segura se bem indicada, na dose mínima e pelo tempo necessário, de acordo com a indicação. No site não há um posicionamento geral, aberto ao público.
  • British Society of Gastroenterology: Posiciona-se em relação ao mesmo estudo, considerando que a associação com o câncer gástrico é plausível em certas populações, mas que o risco individual é baixo. Ainda assim, sugere uso preferencial dos antagonistas H2 nesta população (pacientes com H pylori erradicado), com orientação dos pacientes quanto aos riscos.
  • World Gastroenterlogy Organisation / Japanese Gastroenterological Association: Não localizamos posicionamento oficial das sociedades em seus respectivos sites.
  • American College of Gastroenterology (ACG): Comenta o assunto em um blog da presidência da sociedade, resumindo os riscos e fornecendo recomendações práticas, como reconhecer que algumas das associações podem ser verdadeiras e que as indicações devem ser cuidadosamente revisadas e a literatura médica acompanhada de perto.

 

 

3. Indicações para uso prolongado dos IBP´s

 

Uso apropriado Uso com benefício incerto
Cicatrização e terapia de manutenção em pacientes com esofagite erosiva graus C e D DRGE não responsiva a IBP`s
DRGE responsiva a IBP’s, que requer controle sintomático de longo prazo DRGE extraesofágica
Esôfago de Barrett, mesmo assintomático Dispepsia funcional
Esofagite eosinofílica responsiva a IBP´s Pirose funcional
Prevenção de úlceras e sangramento digestivo nos pacientes de risco, em tratamento crônico com anti-inflamatórios não hormonais/aspirina (idosos, histórico de úlceras e HDA)

 

* Pacientes com esofagite erosiva de baixo grau (graus A e B de Los Angeles) e com DRGE não erosiva (NERD): recomenda-se, quando possível, a utilização intermitente ou sob demanda dos IBPs

* Não há evidência científica que recomende uso de probióticos, aumento da ingestão de vitamina B12, cálcio ou magnésio ou uso específico de determinado inibidor de bomba para reduzir os riscos.

 

Em conclusão:

  • Ainda que baixos, os riscos do uso prolongado dos IBP´s devem ser considerados no momento da sua prescrição.
  • Recomenda-se utilizar tratamento intermitente ou sob demanda quando possível e, nos casos com indicação de uso contínuo, optar pela menor dose efetiva.
  • Destaca-se também a importância de uma adequada avaliação clínica, com exames objetivos quando indicado, a fim de se selecionar corretamente os pacientes com indicação da terapia prolongada com estas drogas.
Referências Bibliográficas:

1) LANAS A. We are using too many PPI´s, and we need to stop: a european perspective. Am J Gastroenterol 2016; 111:1085-1086.

2) KAHRILAS P et al . Emerging dilemmas in the diagnosis and management of gastroesophageal reflux disease F1000R 2017; 6: 1748

3) VAEZI M F. Complications of Proton Pump Inhibitor Therapy. Gastroenterology 2017; 153: 35–48

4)KINOSHITA Y, ISHIMURA N, ISHIHARA S. Advantages and Disadvantages of long-term proton pump inhibitor use. J neurogastroenterol Motil 2018; 24 (2): 182-196.

5) SCARPIGNATO C et al. Effective and safe proton pump inhibitor therapy in acid-related diseases – A position paper addressing benefits and potential harms of acid suppression. BMC med; 2016; 14:179

6) CHEUNG K S et al. Long-term proton pump inhibitors and risk of gastric cancer development after treatment for Helicobacter pylori: a population-based study. GUT 2018;67:28–35.

 

 




Ética Médica nas Mídias Sociais: O que pode e o que não pode!

O uso das Mídias Sociais estão crescendo exponencialmente nos últimos anos e revolucionaram a prática médica, mudando a forma como estes profissionais de saúde se comunicam, sejam entre si ou com os pacientes, e compartilham experiências.

Cada plataforma de Mídia Social possui recursos específicos para interação entre os usuários. O Facebook é a mais amplamente utilizada com aproximadamente 1,9 bilhão de usuários ativos mensais. Ela permite criar um perfil pessoal, bem como profissional/institucional, que pode carregar informações, comentários e compartilhar materiais. Já o Twitter, outra plataforma também bastante utilizada para fins médicos, tem sido cada vez mais usada em todo o mundo. Nela os usuários podem compartilhar frases com “seguidores” que não excedam 140 caracteres, links diversos, além de fotos e vídeos curtos.

As finalidades mais habituais consistem em oportunidade de visibilidade das realizações, interação com pacientes, transmissão de credibilidade e confiança aos demais usuários, além de geração de tráfego para site de uma possível instituição vinculada.

Outro propósito que ganha cada vez mais adeptos é a atualização dos conhecimentos, visto serem as mídias sociais uma ferramenta rápida e direta, além de lúdica, que permite acesso à informação médica de qualidade. É neste contexto que os veículos produtores/disseminadores de evidência científica, como as revistas médicas internacionais, sites de conteúdo médico e as sociedades de especialidade, podem incrementar de maneira muito significativa o alcance de suas informações e a penetração de suas publicações no meio médico.

Diante de tantas formas de exposição nas mais variadas plataformas de Mídias Sociais, o ético exercício da medicina exige conhecimento e respeito aos limites da propaganda e da publicidade médica. Muitos profissionais ignoram este último ponto e, por vezes, se colocam em situações delicadas de afronta aos critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

O CFM possui duas resoluções – nº 1.974/11 e nº 2.126/15 – que delineiam claramente o que pode e o que não pode ser feito nessa área, estabelecendo os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo e a autopromoção. Além destas resoluções, existe a Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (CODAME) do CFM, a qual é resposável por novas proposições/atualizações de resolução acerca do tema, caso necessário, e possui um manual próprio onde estão compiladas todas as informações.

A Resolução nº 2.126 faz uma atualização da 1.974, tratando da ética médica nas redes sociais e na internet. Temas como distribuição de selfies (autorretratos), anúncio de técnicas não validadas cientificamente e a forma adequada de interação dos profissionais em mídias sociais foram abordados nesse documento.

Essa norma explica que os selfies não podem ser feitos em situações de trabalho e atendimento, orienta que nas mídias sociais (sites, blogs, Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, WhatsApp e similares), como já havia sido determinado, continua vedado ao médico anunciar especialidade/área de atuação não reconhecida ou para a qual não esteja qualificado e registrado junto aos Conselhos de Medicina, além de desaconselhar expressamente a publicação de imagens do tipo “antes” e “depois”, de compromissos com êxito em um procedimento e a adjetivação excessiva (“o melhor”, “o mais completo”, “o único”, “o mais moderno”), tão naturais em ambiente de competição puramente comercial. A regra em questão também veda ao médico consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa ou a distância, assim como expor a figura de paciente em divulgação de técnica, método ou resultado de tratamento. Além disso, orienta que nas peças publicitárias sempre constem dados como o CRM e o Registro de Qualificação de Especialista (RQE). No caso de estabelecimentos de saúde, deve ser indicado o nome do diretor-técnico-clínico (com suas informações cadastrais visíveis).

O RQE é um número fornecido, quando do registro (obrigatório) do título de especialista nos Conselhos Regionais de Medicina, a todos os médicos que sejam especialistas em áreas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina. Para obtenção do Título de Especialista, faz-se necessário realização de Residência Médica na especialidade pleiteada ou ser aprovado na Prova de Título de Especialista realizada pela sociedade da especialidade médica (AMB/CFM). Se você atua na especialidade e faz divulgação da mesma, deve fazer o seu RQE o quanto antes, pois desde 2011, publicidade sem o mesmo é infração ética.

Clique aqui e acesse as Resoluções CFM nº 1.974/11 e nº 2.126/15 na íntegra.

Compilamos as principais recomendações do CFM concernentes a prática ética da publicidade na medicina, sobretudo nas mídias sociais, para auxilar num exercício profissional sem incorrer em infrações éticas:

 




Pancreatite Autoimune

 

A Pancreatite Autoimune (PAI) é uma das possíveis causas de pancreatite crônica, que cursa com infiltrado inflamatório na glândula e fibrose progressiva, podendo levar à insuficiência pancreática (1).

 

A observação do quadro clínico nos permite classificar a PAI em 2 subtipos (2,3):

  • Pancreatite Autoimune tipo 1: o envolvimento pancreático é parte de uma condição sistêmica, que acomete diversos órgãos, relacionada a infiltração por células imunes ricas em IgG4 (uma sub-fração da IgG). A principal característica é o inflitrado linfo-plasmocitário no pâncreas, com mais de 10 células / CGA positivas para IgG4, a fibrose estoriforme e a ausência de lesões granulocíticas.

 

  • Pancreatite Autoimune tipo 2: é uma doença exclusivamente pancreática, que pode cursar com episódios de Pancreatite Aguda Recorrente, e que tem como característica o infiltrado granulocítico no pâncreas e a ausência de células positivas para IgG4. O diagnóstico de PAI tipo 2 só pode ser confirmado com a histologia pancreática. Apesar de ser uma doença restrita ao pâncreas, tem associação com outras condições autoimunes, como as Doenças Inflamatórias Intestinais (especialmente RCUI).

 

Quadro clínico
  • O quadro clínico típico da PAI (em qualquer um dos subtipos) é a dor abdominal, icterícia obstrutiva e elevação de enzimas pancreáticas e canaliculares no sangue. É comum também o emagrecimento associado.
  • Em alguns casos pode-se encontrar massas pancreáticas ou biliares, que necessitam diagnóstico diferencial com neoplasias.
  • Menos comum é a ocorrência de pancreatites agudas de repetição, especialmente na PAI tipo 2 (4, 5).
  • A dosagem de IgG4 > 140 mg/dl, a hipergamaglobulinemia e o FAN + podem ser marcadores secundários da doença sistêmica (PAI tipo 1).

 

Achados Radiológicos

Associado ao quadro clínico, os achados radiológicos podem corroborar o diagnóstico. Cerca de 85% dos pacientes com PAI têm alterações radiológicas compatíveis. O achado mais típico é o edema e o aumento pancreático (pâncreas “em salsicha”) e a perda de lobulações, frequentemente associado a um halo hipoatenuante na tomografia ou na ressonância de abdome com contraste em 15-40% dos casos (6,7).

 

                                                                      * Imagens de arquivo próprio

 

Menos frequente é o acometimento focal, com presença de nodulações na glândula, podendo mimetizar neoplasia. Essa forma é mais comum na PAI tipo 2 (35-80% de incidência) e o essencial é fazer o diagnóstico diferencial com processos mitóticos. (7) Nesse contexto, o uso de exames como o Ultrassom Endoscópico ou a Colangiopancreatografia  Retrógrada Endoscópica podem ser úteis na tentativa de afastar o diagnóstico de processos neoplásicos, já que permitem a obtenção de material para avaliação histopatológica. (8)

 

 

Tratamento

O tratamento inicial é com corticoterapia, e ambas as formas da doença tem boa resposta ao curso de corticoide. O tratamento está indicado nos casos que se apresentam com icterícia obstrutiva e dor abdominal, forma nodular (massas pancreáticas ou biliares) ,  quadros simulando colangite esclerosante ou doença extra-pancreática.  A dose inicial pode ser fixa de 40mg/dia de prednisona (ou em torno de 0,6 mg/kg/dia) pelo período de 4 semanas. Após esse período é recomendada uma reavaliação clínica, laboratorial e de imagem. No caso de melhora, está indicada a redução da dose de 5mg por semana até a completa suspensão da medicação. (5, 9)

No paciente que tenha contra-indicação ao uso de corticoide (especialmente os paciente com diabetes mellitus descompensado) o Rituximab (anti CD-20) também pode ser usado como agente de primeira linha para indução de remissão.  (9, 10)

Apesar de apresentar uma boa resposta ao tratamento com corticoesteróides, a taxa de recorrência  dos sintomas é de aproximadamente 30%. Os preditores para reicidiva do quadro são: altos níveis de IgG4 ao diagnóstico e acometimento de outros órgãos, especialmente árvore biliar. Nesses casos ainda não está claro se é necessário um tratamento adjuvante com imunomoduladores (Ciclosporina, Azatioprina, Rituximab) ou se é necessário um tempo maior de terapia com corticoesteróides. (1, 2, 5, 9).

 

  Tipo 1 Tipo 2
IgG4 Relacionada a IgG4 Não relacionada a IgG4
Idade > 60 anos > 40 anos
Sex Masc > Fem Masc = Fem
IgG4 sérica Elevada Normal
Histologia Células IgG4 + Lesões epiteliais granulocíticas
Taxa de remissão Alta Baixa
Extra-pancreático Doenças relacionadas a  IgG4 DII (30%)

 

Para saber mais sobre este tema e outros relacionados, acesse o site Gastropedia clicando aqui !

 

Referências bibliográficas

  • Mahdani, K. Farrel, J. Management of Autoimmune Pancreatitis. Gastrointest Endoscopy Clin N Am 28, 2018, 493–519
  • Shimosegawa, T. et al. International Consensus Diagnostic Criteria for Autoimmune Pancreatitis Guidelines of the International Association of Pancreatology. Pancreas 2011; 40: 352-358
  • Sah, R.P., Chari, S.T. Autoimmune Pancreatitis: An Update on Classification, Diagnosis, Natural History and Management. Curr Gastroenterol Rep, 2012 14:95–105
  • Hart, P.A. et al. Recent Advances in Autoimmune Pancreatitis. Gastroenterology 2015;149:39–51
  • Nagpal, S.J.S. et al. Autoimmune Pancreatitis. Am J Gastroenterol (2018) 113:1301–1309
  • Raina A, Yadav D, Krasinskas AM, et al. Evaluation and management of autoimmune pancreatitis: experience at a large US center. Am J Gastroenterol 2009; 104(9):2295–306.
  • Sandrasegaran, K. Menias, C.O. Imaging in Autoimmune Pancreatitis and Immunoglobulin G4–Related Disease of the Abdomen. Gastroenterol Clin N Am 47 (2018) 603–619
  • Fujii-Lau, L.L.. Levy, M.J. The Role of Endoscopic Ultrasound in the Diagnosis of Autoimmune Pancreatitis. Gastrointest Endoscopy Clin N Am, 2017.
  • Kamisawa, T. et al. Advances in IgG4-related pancreatobiliary diseases. Lancet Gastroenterol Hepatol, 2018; 3: 575–85
  • Okazaki, K. Uchida, K. Current perspectives on autoimmune pancreatitis and IgG4-related disease. Jpn. Acad., Ser. B 94 (2018) 412-427.




TRANSPLANTE DE MICROBIOTA FECAL

O transplante de microbiota fecal (TMF) ou transplante fecal consiste na infusão de fezes de um doador saudável no trato gastrointestinal de um paciente que possua alguma doença relacionada a alteração da flora intestinal.

Os primeiros relatos de TMF são de 1700 anos atrás em que um médico chinês administrava suspensões de fezes humanas por via oral a pacientes com intoxicação alimentar e/ou diarreia grave. Em 2013 foi publicado na New England Journal of Medicine o primeiro estudo bem desenhado sobre o sucesso do TMF em infeções por Clostridium difficile e que a partir daí tem motivado inúmeros outros trabalhos relacionados ao tema.

A indicação formal do TMF atualmente é nas infecções recorrentes por Clostridium difficile com uma taxa de cura de até 90%.

Há estudos em andamento de TMF em outras doenças gastrintestinais (doença inflamatória intestinal, síndrome do intestino irritável) assim como em doenças endócrinas (obesidade, síndrome metabólica), neurológicas (Parkinson, esclerose múltipla), hematológicas (PTI, GVHD) e psiquiátricas (autismo).

Para o bom andamento do TMF é necessário uma equipe multidisciplinar (médico assistente quer seja o clínico, gastroclínico ou geriatra, infectologista e o endoscopista) alinhada e com protocolo bem estabelecido no serviço.

ETAPAS DO PROCEDIMENTO

  1. ESCOLHA DO DOADOR

O doador pode ser aparentado ou não. Este deverá passar por um screening infeccioso rigoroso e um questionário quanto a presença de outras doenças que possam inviabilizar a doação.

  1. COLETA, PREPARO E ADMINISTRAÇÃO DO MATERIAL

O doador deve chegar no laboratório do dia do procedimento e o tempo ideal entre a coleta das fezes e a infusão do material é de 6 horas. O peso fecal deve ser no mínimo de 50g e o volume total da suspensão é de 100 a 200ml, que será infundido a depender da rota escolhida. Há opção também de congelar o material mas é preferível a utilização de fezes frescas (vide imagem abaixo).

  1. ROTA DE ADMINISTRAÇÃO

Segundo os artigos publicados até o momento todas as 5 rotas estudadas apresentam resultados semelhantes. Desta maneira o TMF pode ser realizado por:

  • Endoscopia digestiva alta com sonda nasogástrica/nasoenteral
  • Enteroscopia anterógrada
  • Colonoscopia
  • Retosigmoidoscopia
  • Enema

O que vai determinar a escolha do método será a condição clínica do paciente e experiência do endoscopista. Na via alta é sugerido infundir no intestino delgado até 100ml lentamente através da sonda nasoenteral ou pelo próprio canal de acessório ou por um cateter spray. Na rota baixa sugere-se infundir a maior quantidade possível do material (média de 200ml) no íleo terminal e cólon direito.

  1. CUIDADOS PRÉ, PERI E PÓS TMF

O preparo do exame é o jejum adequado e nos casos de a rota escolhida ser baixa pode ser realizado preparo intestinal com solução de manitol ou polietilenoglicol.

Alguns cuidados podem ser tomados, no entanto ainda nada consensual, tais como:

  • Uso de inibidores de bomba de prótons
  • Uso de procinéticos
  • Uso de antidiarreicos (loperamida)

É preconizada a infusão de cerca de 100ml do material fecal de forma lenta quando utilizada a via alta ao passo que quando o TMF é feito por via baixa utilizam volumes pouco maiores (cerca de 200ml).

  1. EVENTOS ADVERSOS

Os eventos adversos podem ocorrer em até 30% dos casos sendo geralmente nas primeiras 48 horas pós procedimento e tratados conservadoramente. Os mais comuns são febre, diarreia, cólicas abdominais e eructações. Já foram descritos casos raros de óbito por regurgitação com broncoaspiração do material fecal e perfuração por megacolon tóxico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até o momento a única indicação do TMF com evidência científica comprovada é nas infecções graves por Clostridium difficile. Por conta do aumento na incidência e morbimortalidade relacionada a infecção pelos C difficile o transplante de microbiota fecal tem sido um boa opção terapêutica nos casos selecionados. No Brasil ainda não há um regimento bem definido para o procedimento e são poucos centros que tem feito o TMF. No entanto com as descobertas recentes da influência da microbiota intestinal na resposta imune, pode ser que no futuro novas indicações surjam e o TMF seja um procedimento largamente utilizado no nosso país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Bennet JD, et al. Lancet. 1989 Jan 21;1(8630):164.
  2. Zhang F, et al. Am J Gastroenterol. 2012 Nov;107(11):1755
  3. Van Nood E, et al. N Engl J Med. 2013 Jan 31;368(5):407-15
  4. Cammarota G, et al. Gut 2017;66:569–580
  5. Mullish BH, et al. Gut 2018;0:1–22
  6. Choi HH, et al. Clin Endosc. 2016 May;49(3):257-65



SANGRAMENTO TARDIO PÓS-MUCOSECTOMIA DE CÓLON. SERÁ QUE PODEMOS EVITAR ESSE DRAMA?

Introdução

A mucosectomia é um procedimento endoscópico amplamente realizado em todo o mundo para o tratamento de lesões superficiais do TGI.  Consiste basicamente na injeção submucosa de fluidos para elevação da lesão, seguida do corte e consequente remoção da mesma usando alças diatérmicas.

A grande maioria desses procedimentos é realizada de forma ambulatorial, com altas taxas de sucesso e baixa incidência de complicações imediatas e tardias. As complicações mais comuns são o sangramento, perfuração e a síndrome pós-polipectomia, de injúria térmica dos tecidos.

Sangramento

O sangramento é o evento adverso tardio mais comum associado ao procedimento de mucosectomia de cólon, com uma incidência que varia entre 2 e  10%. Na maioria das vezes ocorre até 7 dias após  a mucosectomia, com alguns autores descrevendo sangramento até 30 dias após o procedimento.

Os sangramentos tardios geralmente são de grande monta e podem acarretar consequências clínicas importantes como choque hipovolêmico e instabilidade hemodinâmica, com necessidade de admissão hospitalar, hemotransfusões, reintervenções endoscópicas e, por vezes, intervenção radiológica ou cirúrgica.

Um fato interessante em relação aos sangramentos tardios, é que não há nenhum tipo de profilaxia com eficácia comprovada, para sua prevenção. Será que existem meios para prever os quadros de sangramento pós mucosectomia  e, dessa maneira, evitar esses eventos?

Fatores de risco para sangramento

Vários autores em diferentes países vêm fazendo esses mesmos questionamentos e vamos fazer aqui uma compilação dos estudos mais recentes.

No passado, vários fatores foram relacionados aos quadros de sangramento tardio, como por exemplo, ocorrência de sangramento imediato, tamanho e localização das lesões, uso de antitrombóticos, experiência do endoscopista, técnica de mucosectomia utilizada, dentre outros.

Nos últimos anos, no entanto, diferentes grupos que se dedicam ao estudo de desfechos pós ressecções endoscópicas têm observado que o aspecto do leito de ressecção imediatamente após o procedimento é, talvez, o fator mais importante associado aos quadros de sangramento tardio.

A aparência dos leitos de ressecção pode variar bastante. Podemos ter leitos aparentemente “limpos” aonde é possível observar somente o aspecto das fibras submucosas, orientadas obliquamente, com aspecto areolar, que se cruzam no leito de ressecção. Essas fibras podem, por vezes, exibir corantes azuis (índigo carmine e azul de metileno) como mostrado na Figura 1.

Podemos, contudo, observar leitos de ressecção com inúmeras alterações como vasos visíveis, exibindo diferentes calibres, vasos seccionados, áreas de fibrose, exposição e lesões da camada muscular, além de estigmas de coagulação (Figura 2).

Kim e colaboradores mostraram em um estudo publicado em 2017, que envolveu 505 pacientes, que o aspecto alterado do leito de ressecção teve forte associação com episódios de sangramento tardio (que ocorreu em 2,7% dos casos do estudo). Os autores identificaram duas situações distintas, que mereceram destaque:

  • presença de estigmas ou injúrias por coagulação – graduadas em leve (sem estigmas), moderada (pequena quantidade de debris brancos no leito de ressecção) e acentuadas (debris brancos cobrindo o leito de ressecção)
  • presença de vasos visíveis e seccionados.

 

Lesões por coagulação acentuadas (OR 16,79 95% CI 1,82-145,55) e presença de vasos seccionados (OR 18,91 95% CI 3,10-115,18) foram as variáveis que associaram-se de forma independente a episódios de sangramento tardio.

Timothy Elliot e colaboradores, conduziram um estudo interessante que foi publicado em 2018 na Endoscopy, para investigar fatores envolvidos com sangramento tardio pós-mucosectomias. O estudo envolveu 330 pacientes, com uma taxa de sangramentos tardios de 6,7% (necessidade de internação hospitalar), sendo que metade dos pacientes internados precisaram de hemotransfusões.

Os autores destacaram que nenhuma variável clínica (gênero, idade, presença de comorbidades, uso de anti-trombóticos), ou associada à lesão (tamanho, localização, técnica utilizada para mucosectomia) teve associação com sangramento tardio. As variáveis que tiveram associação foram as alterações do leito de ressecção, como presença de fibras musculares expostas (p = 0,03) e presença de hematomas na submucosa (chamados pelos autores de “red spots” – p = 0,05). Essas duas alterações, de acordo com os autores, estão associadas a lesões térmicas  e mecânicas de vasos submucosos, o que eleva o risco de sangramento tardio.

Na edição de Março de 2019 da revista Gastrointestinal Endoscopy, foi publicado um artigo original do serviço de endoscopia do grupo de New South Wales de Sydney na Austrália, dedicado a descrever quais alterações observadas nos leitos de ressecção pós-mucosectomias, estariam relacionadas ao sangramento tardio.

O grupo, com grande experiência em mucosectomias colorretais, conduziu um estudo prospectivo que envolveu 501 lesões ressecadas em 501 pacientes, com uma taxa de sangramento tardio de 6% (30 casos).

Foi observada que a presença de três ou mais vasos visíveis no leito de ressecção, independente do calibre dos mesmos, foi um forte preditor de sangramento tardio (p=0,016) e que nenhuma outra característica do leito de ressecção (herniação de vasos, calibre, presença de fibrose, dentre outras) se correlacionou com sangramento tardio. Vasos submucosos visíveis foram mais frequentes em lesões de cólon esquerdo e, nessa localização os vasos eram mais calibrosos, numerosos e herniados, em relação a lesões ressecadas em cólon direito.

Como resultado dos procedimentos habituais de mucosectomia, temos a formação de um leito de ressecção que se assemelha a uma úlcera. A inspeção cuidadosa dessas úlceras artificiais, ou seja, desses leitos de ressecção, não faz parte das rotinas da maioria dos serviços e parece trazer informações preciosas em relação ao risco de sangramento tardio. Não há, até o momento, nenhuma recomendação estabelecida em relação a cuidados com leito de ressecção pós mucosectomias, diferente do que ocorre com ESD (dissecção submucosa).

A avaliação das alterações nos leitos de ressecção (presença de vasos, aspecto e quantidade de vasos, além da presença de estigmas de coagulação), pode ser extremamente útil para guiar medidas preventivas de sangramento instituindo rotinas para o uso racional de clipes endoscópicos, de coagulação com plasma de argônio, dentre outros. A adoção da prática de inspeção detalhada dos leitos de ressecção pode, ainda, melhorar um aspecto pouco valorizado no Ocidente: a documentação fotográfica sistemática e adequada dos procedimentos realizados.

Essas medidas têm potencial para reduzir o impacto do sangramento tardio, tanto em termos de repercussões clínicas para os pacientes, quanto em termos de custos para o sistema de saúde.

REFERÊNCIAS:

Gwang-Un Kim, Myeongsook Seo, Eun Mi Song, et al. Association between the ulcer status and the risk of delayed bleeding after the endoscopic mucosal resection of colon J Gastroenterol Hepatol.2017 32(11):1846-1851.

Timothy R. Elliott, Zacharias P. Tsiamoulos, Siwan Thomas-Gibson et al. Factors associated with delayed bleeding after resection of large nonpedunculated colorectal polyps. Endoscopy 2018 50(8): 790-99.

Lobke Desomer, David J. Tate, Farzan F. Bahin et al. A systematic description of the post-EMR defect to identify risk factors for clinically significant post-EMR bleeding in the colon. Gastrointest Endosc 2019 89(3): 614-24.

 

Fotos para discussão

 

EMR 1

EMR 2

 




Manejo Endoscópico da Síndrome de Boerhaave

Tratamento Endoscópico da Síndrome de Boerhaave

A Síndrome de Boerhaave (SB) é uma rara condição definida como perfuração esofágica espontânea de esôfago normal, não relacionada a corpos estranhos, instrumentação prévia, cirurgia ou trauma.

Após sua descrição inicial em 1724, a SB passou a ser considerada a perfuração gastrintestinal mais letal, com mortalidade próxima a 100%, se não diagnosticada ou se nenhum tratamento for instituído, e 20 – 40% de mortalidade global. A SB pode ser difícil de ser reconhecida na urgência, com possibilidade de um diagnóstico equivocado na apresentação em quase metade dos casos relatados. É mais comum em homens, por volta dos 60 anos de idade, estando a ruptura localizada na maioria dos casos na parede lateral esquerda do terço inferior, com diâmetro médio de 2cm.

Os sintomas mais comuns da SB incluem vômitos (84%), dor torácica (79%), dispneia (53%), dor epigástrica (47%) e disfagia (21%). A tríade de Mackler (dor torácica, vômitos e enfisema) é altamente sugestiva, porém encontrada em apenas um terço dos casos. O exame físico pode revelar enfisema subcutâneo e sinais relacionados ao desenvolvimento de hidropneumotórax.

A radiografia pode evidenciar pneumomediastino, derrame pleural, hidropneumotórax e presença de ar subdiafragmático, no entanto, pode ser normal em cerca de 12% dos pacientes. A tomografia computadorizada com contraste oral é capaz de identificar uma perfuração e o processo inflamatório circundante (por exemplo, mediastinite) – Figura 1. A maioria dos autores recomenda a endoscopia digestiva alta para confirmar a SB, com sensibilidade e especificidade de 100% e 83%, respectivamente – Figura 2. Há, contudo, preocupação quanto ao aumento do tamanho da perfuração existente.

    Figura 1 – Tomografia computadorizada mostrando pneumomediastino (setas) na parte inferior do esôfago no local da perfuração – corte Axial (a) e Coronal (b).

Figura 2 – Imagens endoscópicas mostrando perfuração esofágica (setas) em pacientes com SB.

Até recentemente a intervenção cirúrgica figurava como base do tratamento, no entanto, cirurgias em apresentações agudas carregam um alto nível de complicações. Com os avanços na endoscopia, tem havido um interesse crescente no uso de terapias endoluminais, incluindo sutura (OverStitch, Apollo EndosurgeryInc., Austin, TX, United States), clipes through-the-scope (TTS) e over-the-scope (OTSC, OvescoInc., Tubingen, Germany), além da derivação através de stents esofágicos autoexpansíveis.

O manejo atual da SB inclui tratamentos conservadores, endoscópicos e cirúrgicos. As taxas de sobrevivência para cada tratamento são de 75%, 100% e 81%, respectivamente. Nos casos de diagnóstico precoce e apresentação clínica com sepse, o tratamento cirúrgico é favorecido. O cenário ideal para abordagem endoscópica acontece quando o diagnóstico ocorre dentro das primeiras 48h e não existe sinais de sepse ou contaminação grosseira. O manejo conservador pode ser proposto apenas para pacientes com diagnóstico tardio, sem sepse e boa tolerância à contaminação pleural – quando há falha nesta abordagem geralmente é reconsiderado o tratamento cirúrgico.

O tratamento endoscópico visa principalmente evitar a contaminação séptica e guiar a reepitelização da mucosa esofágica, seja com o stent esofágico ou através da sutura endoscópica.

Os stents foram amplamente avaliados para uso em casos de fístulas esofágicas / perfuração, incluindo pacientes com SB. De fato, seu uso em associação com drenagem torácica tubular ajudou a evitar a cirurgia em 60% dos pacientes na primeira série de casos publicada e apresentou 100% de sucesso clínico em um estudo recente. A principal desvantagem do uso dos stents nesta situação é a migração, que pode ocorrer em até 31% dos pacientes, sendo necessário reposicionamento freqüente e eventualmente colocação de um novo. No que tange o tipo de stent utilizado, os metálicos auto-expansíveis parcialmente cobertos apresentam menor taxa de migração, mantendo boa facilidade de remoção. Com o intuito de mitigar as chances desta complicação faz-se necessário uso de fixação, que pode ser externa (técnica de Shim) ou através de endoclipes, preferencialmente do tipo over-the-scope – Figura 3.

Figura 3 – Uso de stent esofágico metálico autoexpansível totalmente recoberto com fixação externa através de sonda (técnica de Shim).

Endoclipes over-the-scope e dispositivos de sutura endoscópica têm sido utilizados com sucesso na SB, sejam em monoterapia ou eventualmente associados a outras modalidades endoscópicas, como derivação através de stens. Infelizmente no Brasil ainda possuem baixíssima disponibilidade nos centros hospitalares, o que limita consideravelmente suas aplicações – Figura 4.

Figura 4 – Posicionamento do OTSC para fechamento da perfuração sob supervisão fluoroscópica e endoscópica.

Assim, com base no exposto, sugerimos a seguinte abordagem endoscópica: para pacientes com apresentação precoce (<24h) e perfuração ≤1cm, fechamento direto com endoclipe ou sutura endoscópica. Na presença de extravasamento de contraste do esôfago, derrame pleural, empiema ou contaminação mediastinal, a drenagem adjuvante é mandatória, seja por radiologia intervencionista ou cirurgia (cirurgia torácica vídeoassistida ou toracotomia). Para aqueles pacientes com perfuração ≥1cm, o fechamento endoluminal primário pode ser tentado por derivação através da colocação de stent, associada a drenagem pleural, conforme necessário.

Idealmente, faz-se necessário um estudo prospectivo para fortalecer as recomendações apresentadas na literatura médica, bem como padronizar as indicações, o tempo e as características anatômicas para todas as modalidades de tratamento utilizadas.

Referências Bibliográficas

1. Dickinson KJ et al. Endoscopic therapy in the management of Boerhaave syndrome. Endoscopy International Open 2016; 04: E1146–E1150.

2. Tellechea JI et al. Role of Endoscopy in the Management of Boerhaave Syndrome. Clin Endosc 2018;51:186-191

3. Aloreidi Khalil et al. Non-surgical management of Boerhavaave´s syndrome: a case series study and review of the literature. Endoscopy International Open 2018; 06: E92–E97.




CÂNCER GÁSTRICO PRECOCE COM ULCERAÇÃO: SERÁ QUE É FÁCIL CARACTERIZAR?

 

A definição de Câncer gástrico precoce inclui lesões que acometem as camadas mucosa e submucosa independente do acometimento linfático. Alguns problemas surgem à partir daí:

  • A definição de câncer gástrico precoce leva em conta a possibilidade de metástase linfática;
  • O tratamento endoscópico está indicado para lesões com risco zero ou risco negligenciável de metástases linfáticas (Figura 1);
  • Vários autores sugerem uma espécie de “redefinição” do conceito de câncer gástrico precoce levando em consideração as crescentes indicações de tratamento endoscópico;
  • Sabe-se que a presença de ulceras é um dos fatores que impacta nas taxas de metástases linfáticas e, portanto, nas indicações de tratamento endoscópico para o câncer gástrico precoce;
  • Será que é fácil diagnosticar e caracterizar ulcerações nas lesões gástricas precoces?

FIGURA 1. INDICAÇÕES CLÁSSICAS E EXPANDIDAS PARA O TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DO CÂNCER GÁSTRICO PRECOCE

 

De acordo com as diretrizes japonesas existem quatro fatores que impactam nas indicações de tratamento endoscópico para o câncer gástrico precoce: tamanho, diferenciação, profundidade e presença de ulcerações (FIGURA 1).  Três desses fatores (tamanho, profundidade e presença de ulceração) são usualmente determinados durante o exame endoscópico.

No estudo original de Gotoda, no ano 2000, as ulcerações foram definidas com base na avaliação patológica de espécimes cirúrgicos de acordo com a presença de convergência de pregas, fibrose na submucosa ou deformidade de camada muscular própria, e não em alterações descritas durante o exame endoscópico das lesões.

Nas rotinas de avaliação dos pacientes portadores de lesões gástricas precoces, a definição da presença ou não de ulceração é feita durante o exame de endoscopia que antecede o tratamento do paciente, seja ele endoscópico ou cirúrgico. Fica a dúvida se a caracterização inadequada dessas ulcerações poderia conduzir os pacientes a tratamentos mais agressivos e, por vezes, desnecessários.

Sung Park e colaboradores conduziram um estudo muito interessante, publicado no periódico Clinical Endoscopy no ano de 2017,  para avaliar se os endoscopistas eram capazes de diagnosticar a presença de ulceração durante a caracterização de uma lesão gástrica precoce. Endoscopistas receberam um questionário via e-mail com sete imagens endoscópicas de lesões bem diferenciadas tratadas cirurgicamente (FIGURA 2). Em quatro delas (imagens A, B, E e G) havia ulceração descrita durante a análise histopatológica (fibrose em camada submucosa ou muscular própria).

A conclusão dos autores foi que a definição da presença ou não de ulceração variou bastante entre os endoscopistas, principalmente para as lesões que não apresentavam ruptura da integridade mucosa e nem convergência de pregas (FIGURA 3).  A presença de ulceração foi superestimada nos grupos com menor experiência endoscópica, o que levaria esse grupo a indicar tratamentos mais “agressivos” para um grupo de pacientes que poderia se beneficiar do tratamento endoscópico.

FIGURA 3. RESUMO DAS RESPOSTAS AOS QUESTIONÁRIOS (Adaptada do artigo original de Park, SM et al. Clinical Endoscopy 2017)

 

A maior parte dos endoscopistas ficou mais à vontade para diagnosticar ulcerações quando haviam depressões e rupturas da integridade da mucosa (nas figuras A,B,C e G). A presença de convergência de pregas não foi valorizada como um aspecto associado à presença de ulcerações. Cerca de 64% dos endoscopistas diagnosticaram a lesão E como sem ulceração, quando na verdade a presença de convergência de pregas traduz a presença de fibrose em submucosa ou em camadas mais profundas, ou seja, significa ulceração.

Os autores deixam a mensagem que o diagnóstico de ulceração no câncer gástrico precoce ainda envolve muitos questionamentos e dificuldades e que treinamento e experiência do endoscopista  são fundamentais para melhorar as indicações de tratamento endoscópico.

Um ponto interessante levantado por esse estudo foi que toda a fundamentação das indicações de tratamento endoscópico foi feita há cerca de 20 anos com base em espécimes cirúrgicos e com base na definição histopatológica da presença de ulcerações, e não com base em aspectos endoscópicos. Os equipamentos endoscópicos evoluíram bastante nesse período e hoje a maior parte dos serviços dispõe de equipamentos com alta definição de imagem e recursos de cromoscopia. Estudos que reforçam as indicações de tratamento endoscópico com base em critérios endoscópicos que sejam de fácil reconhecimento para o endoscopista se fazem necessários.

Além disso, uma informação prática e de grande importância para os endoscopistas, é que a presença de ruptura da integridade da mucosa e a convergência de pregas são aspectos importantes que definem a presença de ulcerações nas lesões gástricas precoces.

REFERÊNCIAS:

  1. Park SM, Kim BW, Kim JS et al. Can EndoscopicUlcerationsin Early Gastric Cancer Be Clearly Defined before EndoscopicResection? A Survey among Endoscopists. Clin Endosc. 2017 Sep;50(5):473-478.
  2. Barreto SG, Windsor JA. Redefining earlygastric cancer. Surg Endosc. 2016 Jan;30(1):24-37.
  3. Lee HL. Identificationof Ulcerationin Early Gastric Cancer before Resection is Not Easy: Need for a New Guideline for Endoscopic Submucosal Dissection Indication Based on Endoscopic Image. Clin Endosc. 2017 Sep;50(5):410-411.
  4. Gotoda T, Yanagisawa A, Sasako M et al. Incidence of lymph node metastasis from early gastric cancer: estimation with a large number of cases at two large centers. Gastric Cancer. 2000Dec;3(4):219-225.



EUS-guided ethanol ablation for pancreatic cystic lesions

 
(Ablação de cisto de pâncreas com álcool guiada por EUS)
 
For the management of pancreatic cystic lesions (PCLs), the traditional approach is watch and see, or resection based on the risk of malignancy. However, there is unmet need due to the indolent behavior of pancreatic cystic lesions. Currently, EUS-guided ethanol ablation therapy (EUS-EA) has been considered to solve the unmet need for management of pancreatic cystic lesions.
 
EUS-EA for PCLs was accomplished using the following protocol (Video).

  1. The longest diameter was measured
  2. 80% of the cystic fluid was aspirated, after which 99% ethanol was injected and stored in the cyst for 1 min
  3. Step number 2 was repeated twice, but retention time was prolonged to 3~5min
  4. All injected ethanol and remnant cystic fluid was aspirated

 
 

 
 
Although many studies about EUS-guided ablation therapy recently reported certain level of complete response (CR) rate 9-85%) and epithelial ablation (0-100%) (1-3), there are some limitations in this therapy as following: existence of Non-responder; existence of severe complications; difficulty in the confirmation of histological CR via imaging study; difficulty in imaging surveillance of malignancy; uneven effect in the ablation of epithelium; difficulty in operation after failure.
 
In our single-center retrospective study, we compared the clinical outcomes of EUS-guided ethanol ablation with those of the natural course of PCLs. Between 84 matched pairs of both groups, there were no significant differences in overall survival (194.12 ± 5.60 vs 247.54 ± 12.70 months, p = 0.235) (4). The surgical resection rate (4.8% versus 26.2%, p < 0.001) was significantly lower in the EUS-EA group. CR was observed only in the EUS-EA group and the CR rate was 32.1%. Although EUS-EA for PCLs with low risk of malignancy might not obtain a survival benefit, expect the better quality of life through the avoidance of unnecessary surgical resection and the lower surveillance cost by certain level of CR rate.
 
In conclusion, roles of EUS-EA are avoidance of unnecessary surgery or surgical complications and reduction of imaging follow-up as surveillance. EUS-EA could be considered a useful treatment option, but careful application is needed because of the limited effects in some type of PCLs.
Therefore, tentative candidates can be suggested as followings:

  • cystic lesion without high risk stigmata,
  • uni- or oligolocular cystic lesion,
  • cyst larger than 2cm in size,
  • slowly growing cyst,
  • reluctant or high-risk surgical patients.

 
 

Reference
  1. Bartel MJ, Raimondo M. Endoscopic Management of Pancreatic Cysts. Dig Dis Sci. 2017;62(7):1808-15.
  2. Caillol F, Poincloux L, Bories E, Cruzille E, Pesenti C, Darcha C, et al. Ethanol lavage of 14 mucinous cysts of the pancreas: A retrospective study in two tertiary centers. Endosc Ultrasound. 2012;1(1):48-52.
  3. Gomez V, Takahashi N, Levy MJ, McGee KP, Jones A, Huang Y, et al. EUS-guided ethanol lavage does not reliably ablate pancreatic cystic neoplasms (with video). Gastrointestinal endoscopy. 2016;83(5):914-20.
  4. Choi JH, Lee SH, Choi YH, Kang J, Paik WH, Ahn D-W, et al. Clinical outcomes of endoscopic ultrasound-guided ethanol ablation for pancreatic cystic lesions compared with the natural course: a propensity score matching analysis. Therapeutic Advances in Gastroenterology. 2018;11:1756284818759929.



Divertículo de Meckel na enteroscopia

 

O divertículo de Meckel (DM) é um divertículo congênito verdadeiro que se desenvolve a partir de um ducto onfalomesentérico patente. O seu revestimento é por mucosa ileal, e pode conter tecido heterotópico em 30 a 40% das vezes: tecido gástrico, duodenal ou colônico, além de resquícios pancreáticos, originados de células multipotentes dentro da parede do ducto onfalomesentérico. Estima-se que afeta 1 a 2 % da população geral, com um risco de 4 a 6% de evolução com sintomas durante a vida1. Embora o DM represente um achado clinicamente silencioso de uma anomalia congênita em até 85% dos casos, quando os sintomas ocorrem, usualmente incluem melena e/ou hematoquezia provenientes de um vaso sangrante ou dor abdominal decorrente de intussuscepção ou aderências. A confirmação do diagnóstico recai sobre a identificação de um divertículo verdadeiro, geralmente localizado dentro de 100 cm proximalmente a partir da válvula ileocecal. Qualquer paciente adulto jovem que se apresente com sangramento documentado no trato gastrointestinal inferior, associado a achados negativos em endoscopia digestiva alta e colonoscopia, deve ter o diagnóstico de DM sintomático aventado.

 

CASUÍSTICA DO SERVIÇO

Entre janeiro de 2007 e Agosto de 2018, 144 pacientes realizaram enteroscopia por duplo balão (EDB) no Hospital Nossa Senhora das Graças (Curitiba, Brasil). A suspeita clínica de DM foi aven-tada em pacientes jovens com história de sangramento digestivo obscuro e investigação imaginoló-gica preliminar negativa, incluindo cintilografia com tecnésio marcado e/ou cápsula endoscópica. O diagnóstico foi confirmado em 6 pacientes, incluindo 5 com sangramento retal, hematoquezia e 1 com dor abdominal, com idade variando entre 16 e 38 anos. O diagnóstico foi feito por EDB por via retrógrada (via retal) em todos os pacientes. O achado endoscópico típico de DM nestes casos con-sistiu na precisa identificação do óstio diverticular e da luz ileal ao lado.

Divertículo de Meckel

 

Divertículo de Meckel

Imagem do divertículo de Meckel a aprox. 90 cm da válvula íleo cecal, por enteroscopica de duplo balão, em paciente de 29 anos com quadro de enterorragia recorrente desde os 15 anos de idade.

 

 

Diverticulo de Meckel a aprox. 90 cm da valvula ileo cecal, por enteroscopia de duplo balão, com lesão ulcerada na sua extremidade proximal, possível causa do sangramento.

 

Todas as formações diverticulares foram observadas aprox. entre 70 e 90 cm da válvula ileocecal. Em todos os casos, foi realizada injeção submucosa de tinha nanquim (tatuagem) na região peridi-verticular, no intuito de facilitar a sua identificação transoperatória.

 

Todos os pacientes foram submetidos ao tratamento cirúrgico, com ressecção do diverticulo por via laparoscópica.

Imagem de diverticulo de Meckel durante laparoscopia

 

DISCUSSÃO SOBRE O DIVERTÍCULO DE MECKEL NA ENTEROSCOPIA

O DM é de diagnóstico difícil e permanece como grande desafio na pratica médica. A maioria dos exames complementares evidencia alterações decorrentes das complicações como, diverticulite, obstrução da luz intestinal, hemorragia ou perfuração. Uma observação de Charles Mayo 2 , apesar de antiga, ainda se torna atual nos dias atuais: o DM é frequentemente suspeitado, frequentemente procurado e raramente encontrado.

Paciente com quadro de abdome agudo, dor fossa ilíaca direita. Ultrassonografia evidenciou aspectos compatíveis com diverticulite. Paciente foi submetido a cirurgia o qual confirmou diagnóstico (Foto gentilmente cedida pelo Dr. Marcus Trippia).

 

A cintilografia com tecnésio 99 (T99) é o método mais utilizado para diagnóstico de DM, sendo um teste não invasivo valioso, no qual o marcador radioativo é utilizado para localizar tecido gástrico ectópico funcionante.

Área de hiperconcetração do radiotraçador sugestiva de Divertículo de Meckel

Cintilografia com pertecnetato de sódio -99m Tc demonstrando área de hiperconcentração do radiotraçador na projeção da fossa ilíaca direita, de aparecimento simultâneo ao da mucosa gástrica, e com grau de captação crescente no decorrer do estudo, compatível com divertículo de Meckel. Observa-se também atividade na bexiga devido a eliminação por via urinária do radiotraçador. Fotos gentilmente cedidas pelo CERMEN.

 

O exame tem sensibilidade de 90% em pacientes pediátricos. Porém na faixa etária de adultos, apresenta sensibilidade menor, cerca de 60%, e acurárica de 46%, devido a reduzida frequência de mucosa gástrica diverticular heterotópico nesse grupo.

De  uma maneira geral os exames radiológicos ajudam pouco no diagnóstico, com baixas taxas de sensibilidade, sendo útil no diagnóstico de suas complicações, como: abscesso intra-abdominal, obstrução, perfuração e  tumores. Mais recentemente, novos métodos de tomografia, como a enterotomografia, com ingestão de grande quantidade de contraste oral, tem melhorado a sensibilidade3 .

A angiografia mesentérica é uma outra modalidade diagnóstica disponível. No entanto, tem utilidade somente em casos de sangramento ativo, quando há contraindicação para a cintilografia. A taxa de sangramento mínima usualmente necessária para o diagnóstico é de 0,5 ml por minuto, embora sangramentos menores possam ser detectados quando a técnica de subtração digital é aplicada. O procedimento possibilita o tratamento de vasos sangrantes via embolização, requerendo, neste caso, cateterização superseletiva das artérias ileais mais distais.

Em relação a  videocápsula endoscópica,  tem sido relatado somente relato de casos de diagnostico de DM, com valor preditivo positivo incerto. Mais recentemente, Krstic e colaboradores demonstraram melhores resultados com valor preditivo positivo de 84,6%, o que é superior a todos os outros métodos descritos. Porém, existe risco de retenção da cápsula dentro da formação diverticular. Dessa forma, há uma tendência de não utilizar essa ferramenta de forma rotineira no diagnóstico do DM 4. A enteroscopia de duplo balão (EDB), tem sido utilizado para o diagnóstico do DM.  Até recentemente, inúmeros relatos da literatura tem demonstrado diagnóstico por este método, porém em séries com pequena quantidade de pacientes5,6,7 . Entretanto, em estudo recente com maior número de pacientes, He e colaboradores encontraram acurácia diagnóstica do DM com EDB de 86%. Os resultados foram comparados com a capsula endoscópica, que demonstrou taxa de diagnóstico de 7,7%. Este é o maior estudo de DBE e diagnóstico de DM, com 74 pacientes 8. Fukushima e colaboradores9, baseados em sua experiência com 10 pacientes, recomendam que a enterotomografia seguida pela EDB retrógrada sejam aplicadas para pacientes estáveis como manejo diagnóstico inicial na suspeita de DM. A EDB pode, ainda, representar um método minimamente invasivo de tratamento do DM sintomático. Casos bem-sucedidos de polipectomia intradiverticular e  ressecção de DM invertido, já foram relatados10.

 

CONCLUSÃO

Apesar dos resultados ainda baseados em dados limitados, a EDB pode estar indicada como modalidade diagnóstica em pacientes adultos jovens, com suspeita de DM e avaliação imaginológica previamente negativa.

 

AUTORES:

Rafael W Noda
Eduardo A Bonin
Eduardo Carboni

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Soltero MJ, Bill AH. The natural history of Meckel´s Diverticulum and its relation to incidental removal. A study of 202 cases of diseased Meckel´s Diverticulum found in King Country, Washington, over a fifteen year periodo. Am J Surg 1976; 132: 168-173.
  2. Kussumoto H, Yoshida M, Takahashi I, Anai H, Maehara Y, Sugimachi K. Complications and diagnosis of Meckel’s diverticulum in 776 patients. Am J Sur. 1992;164:382-3.
  3. Paulsen SR, Huprich JE, Fletcher JG, et al. CT enterography as a diagnostic tool in evaluating small bowel disorders: review of clinical experience with over 700 cases. RadioGraphics 2006; 26:641–657
  4. Capsule endoscopy is useful diagnostic tool for diagnosing Meckel’s diverticulum. Kristin, SN, Martinov JB, et. al. Eurojgh 2016;28:702-707.
  5. Sumer A, Kemik O, Olmez A, et.al. Small Bowel Obstruction due to Mesodiverticular Band of Mecke’l Diverticulum: A Case Report
  6. Fukushima M, Kawanami C, Inoue S, Okada A, Imai Y, InokumaT. A case series of Meckel’s diverticulum: usefulness of double balloon enteroscopy for diagnosis. BMC Gastroenterol 2014; 14:155.
  7. Gomes GF, Bonin EA, Noda, RW et. al. Ballon-assisted enteroscopy for suspected Meckel’s diverticulum and indefinite diagnostic imaging. WJGE 2016;16 8(18):679-683.
  8. He Q, Zhang YL, Xiao B, Jiang B, Bai Y, Zhi FC, Double-balloon enteroscopy for diagnosis of Meckel´s diverticulum: comparison with operative findings and capsule endoscopy. Surgery 2013; 153: 549-554.
  9. Fukushima M, Kawanami C, Inoue S, Okada A, Imai Y, Inokuma T. A casa series of Meckel´s diverticulum: usefulness of double-balloon enteroscopy for diagnosis. BMC Gastroenterol 2014; 14: 155.
  10. Konomatsu K, Kuwai T, Yamaguchi T, Imagawa H, Yamaguchi A, Kouno H, Kohno H. Endoscopic full-thickness resection for inverted Meckel´s diverticulum using double-balloon enteroscopy. Endoscopy 2017; 49: 66-67.