Há uma idade limite para o rastreamento de câncer de cólon?

Atualmente, várias entidades médicas discutem em qual idade começar o screening colonoscópico para o câncer de cólon e suas lesões precursoras em pacientes sem risco de câncer ou síndromes genéticas. Para esses casos, aparentemente, a idade ideal de início do rastreio deva ser aos 45 anos, 5 anos antes do que se orientava anteriormente.

Mas quando parar? Existe uma idade limite, na qual não se orienta mais realizar o screening colonoscópico?

Nos guidelines de recomendações de screening da ASGE, conjunta com a U.S. Multy-Society task Force on Colorectal Cancer, diz que o screening é potencialmente benéfico para pacientes até cerca de 86 anos, que nunca fizeram colonoscopia antes, porém levando em conta a expectativa de vida e comorbidades. Caso o paciente possua exames de rastreios negativos nos últimos anos, em especial colonoscopias, o rastreio pode ser encerrado aos 75 anos. Uma variação dessa recomendação diz que, se a expectativa de vida (baseada nas comorbidades e estado atual de saúde do paciente) for de menos de dez anos , o screening pode ser encerrado.

Em seu site, a Clínica Mayo orienta que o screening, após os 75 anos, deve ser indicado a paciente com risco de câncer, como antecedente familiar, diagnóstico anterior de câncer ou colonoscopias prévias com pólipos adenomatosos.

O Center for Diseases Control and Prevention, em seu site para pacientes, orienta screening dos 45 aos 75 anos, porém não especifica se após essa idade há situações de indicação.

As recomendações do site de revisões UpToDate sobre screening de câncer colorretal também seguem as orientações da ASGE, discutindo, porém, que o momento de parada deve ser individualizada e envolve uma decisão conjunta do médico e paciente, levando em conta as comorbidades do paciente, sua expectativa de vida, resultados de exames anteriores e também suas expectativas com relação ao exame e sua vontade de realizá-lo.

Assim, orienta-se o screening até os 75 anos, se houver expectativa de vida maior de 10 anos, ou em até mais velhos, caso nunca tenham realizado uma colonoscopia. Entre os 76 e 85 anos, a decisão deve levar em conta a vontade do paciente, seu estado de saúde e resultados de testes anteriores.

Apesar das recomendações, nenhuma das anteriores indica uma idade limite. Apenas a American Cancer Society realmente coloca a idade de 85 anos para término do screening, sem exceções.

O American College of Gastroenterology não possui orientações para o término do rastreio, assim como o site do Inca (Instituto Nacional de Câncer) no Brasil.

Lembrando que o screening pode ser feito também com tomografia computadorizada, teste de sangue oculto, cápsula endoscópica e outros. Logicamente, a colonoscopia é a melhor opção, porém, mais invasiva. Assim, podemos, mesmo em pacientes mais idosos e debilitados, ainda oferecer algum exame de rastreio, já que, nessa idade, a cancerofobia é um importante fator limitador de qualidade de vida.

Em minha prática clínica, com relação à colonoscopia, a idade não é o limite, mas sim as comorbidades e a avaliação de risco cardiológico, e, principalmente, a vontade do paciente de ser submetido a um exame, seja ele qual for.

Também, nunca deixei de realizar exame solicitado por outro colega em pacientes idosos, desde que a avaliação de risco cardiológico e a situação clínica do paciente permitam o exame.

E você, como procede em sua clínica?

Como citar esse artigo:

Sauniti G. Há uma idade limite para o rastreamento de câncer de cólon? Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/aerossois-e-transmissibilidade-na-pratica-endoscopica-a-duvida-que-paira-no-ar/

Bibliografia

  1. ASGE GUIDELINES: Colorectal cancer screening: Recommendations for physicians and patients from the U.S. Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer.
  2. UpToDate 2020.
  3. CDC WEBSITE.
  4. American Cancer Society Guideline for Colorectal Cancer Screening.
  5. Appointments at Mayo Clinic: Colon Cancer screening: At what age can you stop?

 

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Achados Ecográficos na Pancreatite Crônica

As pancreatites crônicas (PC) se caracterizam, do ponto de vista anátomo-patológico, pela fibrose progressiva do parênquima glandular, inicialmente focal e, a seguir, difusa por todo o pâncreas. Do ponto de vista evolutivo, geralmente, há persistência das lesões, mesmo com a retirada do fator causal, determinando alterações pancreáticas residuais anatômicas e funcionais.

A ecoendoscopia tem um papel importante no diagnóstico dessa patologia, sobretudo das formas mais leves e iniciais da doença, que não são identificadas pelos métodos de imagem convencionais e para as quais os testes funcionais pancreáticos apresentam uma sensibilidade relativamente baixa.

O último consenso relativo aos critérios necessários para estabelecer o diagnóstico ultrassonográfico de pancreatite crônica foi designado de Critérios de Rosemont. Essa classificação baseou-se na experiência de autoridades na matéria. Foram estabelecidos critérios maiores (A e B) e menores.

Critérios maiores A:

  • Focos hiperecoicos com cone de sombra;
  • Cálculos do ducto pancreático principal.

Critério maior B:

  • Lobularidade contígua do parênquima.

Critérios menores:

  • Cistos;
  • Ducto pancreático principal com contorno irregular;
  • Ducto pancreático principal dilatado;
  • Ramos secundários dilatados;
  • Parede ductal hiperecoica;
  • Faixas hiperecoicas;
  • Focos hiperecoicos sem cone de sombra;
  • Lobularidade não contígua do parênquima.

Apesar dessa classificação ser muito complexa, ainda é a mais utilizada na prática. E para que o diagnóstico de pancreatite crônica seja estabelecido, os critérios ultrassonográficos são analisados da seguinte forma:

Diagnóstico de certeza:

  • presença de dois critérios maiores A;
  • presença de um critério maior A + um critério maior B;
  • presença de um critério maior A + pelo menos três critérios menores.

Os achados são sugestivos de PC quando há:

  • presença de, pelo menos, 5 critérios menores;
  • presença de um critério maior B + pelo menos 3 critérios menores;
  • presença de um critério maior A + menos três critérios menores.

Os achados são indeterminados para PC quando há pelo menos:

  • presença de 3 a 4 critérios menores e nenhum critério maior;
  • presença apenas de um critério maior B ou com menos três critérios menores.

Os achados são NEGATIVOS para PC quando há:

  • presença de apenas 2 critérios menores e nenhum critério maior.

O achados ultrassonográficos usualmente encontrados nos casos de PC são:

As imagens ultrassonográficas abaixo são de um paciente com pancreatite crônica. Nas imagens, notamos alguns critérios que corroboram com esse diagnóstico.

Ecoendoscopia setorial exibindo lobularidade difusa do corpo pancreático associada a estrias longitudinais hiperecoicas.

Ecoendoscopia setorial exibindo lobularidade difusa do corpo pancreático associada a estrias longitudinais hiperecoicas.

Mesmos achados da figura anterior, porém com range maior.

Focos hiperecoicos com sombra acústica posterior.

Lobularidade difusa do parênquima.

Clique nos links abaixo e assista aos vídeos de alguns pacientes com pancreatite crônica submetidos à EUS:

EUS Pancreatite crônica 1

EUS Pancreatite crônica 2

EUS Pancreatite crônica 3

Para saber mais sobre este tema e outros relacionados, acesse o site Gastropedia clicando aqui!




Prótese Metálica Autoexpansível no manejo da Fístula Esofagorespiratória Maligna – Quando é apropriado utilizar?!

O câncer de esôfago (CE) é a oitava neoplasia maligna mais frequente em todo o mundo, ocupando também a sexta posição em causa de mortes entre todos os tipos de câncer. No Brasil, de acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o CE está entre as dez neoplasias mais incidentes, sendo a sexta neoplasia mais frequente entre pessoas do sexo masculino e a décima terceira entre as do sexo feminino.

Os dois tipos histológicos principais do CE são o carcinoma epidermóide e o adenocarcinoma. Em nosso meio, o primeiro representa cerca de 96% das neoplasias esofágicas diagnosticadas. No entanto, a incidência do último vem aumentando progressivamente.

O diagnóstico definitivo do CE se dá através do exame de endoscopia digestiva alta com obtenção de biópsias da lesão e, muito frequentemente, é realizado já em fase avançada da doença, após o aparecimento dos primeiros sintomas disfágicos. Cerca de 50% dos pacientes apresentam doença locorregional avançada ou metastática ao momento do diagnóstico, com grave comprometimento nutricional e queda do estado geral, reduzindo a possibilidade de um tratamento curativo. Nestes, a paliação dos sintomas e o manejo das complicações ainda é a melhor opção, sendo a colocação de prótese metálica autoexpansível (PMAE) o método mais rápido com este propósito.

A fístula esofagorrespiratória (FER) é a temida complicação do câncer de esôfago. É definida como uma comunicação patológica entre o esôfago e a árvore respiratória, estando presente entre 5 a 15% dos indivíduos com neoplasia esofágica e em menos de 1% dos indivíduos com carcinoma broncogênico. Os sintomas típicos do paciente portador de FER são quadros de tosse associados à ingesta alimentar e pneumonias aspirativas de repetição, presentes em até 95% dos casos. Em média, a fístula se desenvolve cerca de oito meses após o diagnóstico do CE e, uma vez estabelecida sua presença, o tratamento deve ser prontamente instituído para evitar a contaminação contínua da via aérea e o óbito por sepse de foco pulmonar. Desta forma, o fechamento da FER e o restabelecimento da capacidade de ingesta alimentar por via oral são considerados tão importantes quanto o tratamento da doença subjacente.

A taxa de sucesso no fechamento da fístula com PMAE varia entre 70% a 100% e pode promover melhora instantânea da disfagia através da restauração da patência esofágica, evitando alimentação pelo uso de sonda nasoenteral ou por gastrostomia percutânea, além de melhorar a qualidade de vida e reduzir o número de  intervenções adicionais.

O CE complicado por FER leva à rápida deterioração do estado geral do paciente, seguida de morte num curto período de tempo, secundária às infecções respiratórias e à má nutrição. Não existem muitas opções terapêuticas disponíveis para o manejo da fístula maligna, haja vista a inoperabilidade da quase totalidade dos pacientes, sendo a PMAE método amplamente empregado nesses casos. No entanto, reconhece-se que existem eventos adversos relacionados ao método e, mais importante que isso, observa-se que parcela significativa dos pacientes que são submetidos à passagem da PMAE evoluem de forma desfavorável, com piora súbita do quadro clínico e pulmonar.

A: VISÃO ENDOSCÓPICA DA FÍSTULA ESOFÁGICA (SETA); B: VISÃO ENDOSCÓPICA DA PRÓTESE METÁLICA EXPANDIDA EM ESÔFAGO; C: INJEÇÃO DE MEIO DE CONTRASTE CONFIRMANDO A OCLUSÃO DA FÍSTULA PELA PRÓTESE (IMAGEM RADIOLÓGICA)

Quanto aos eventos adversos, a taxa total varia de 30% a 43%, sendo que a maior parte destes ocorrem tardiamente, ou seja, após 7 dias do procedimento. Os eventos adversos mais frequentes são, em ordem decrescente de prevalência: a migração, a obstrução da prótese por crescimento tumoral nas suas extremidadesa hematêmese e impactação alimentar.

VISÃO ENDOSCÓPICA DE EVENTOS ADVERSOS DAS PRÓTESES METÁLICAS: A: FÍSTULA ESOFÁGICA (SETA); B: OBSTRUÇÃO DA PRÓTESE POR CRESCIMENTO TUMORAL NA EXTREMIDADE PROXIMAL DA PRÓTESE; C: MIGRAÇÃO DISTAL DA PRÓTESE PARA O ESTÔMAGO

O ideal seria haver uma base mais racional na qual se possa identificar quais pacientes se beneficiariam da utilização da prótese e quais não teriam benefício ou até mesmo teriam piora clínica com o tratamento. Se isso for possível, outros métodos paliativos podem ser indicados, evitando procedimento algo invasivo e oneroso ao sistema de saúde.

É evidente a escassez de estudos que se dedicaram à essa questão e não se sabe qual a vantagem da prótese na sobrevida do paciente. A maioria das publicações são pequenos estudos de coorte, com curto tempo de seguimento e índices variáveis de sucesso e complicações. Recentemente houve uma importante publicação que avaliou os fatores preditivos associados à falha clínica do uso de PMAE para o tratamento da FER, com as seguintes conclusões:

– Pacientes com ECOG (Eastern Cooperative Oncology Group) 3 e 4, desenvolvimento da fístula durante o tratamento do câncer esofágico e diâmetro da fístula igual ou superior a 1 cm foram fatores preditivos de insucesso clínico do tratamento das fístulas esofagorrespiratórias com prótese metálica autoexpansível em pacientes com câncer esofágico.

– Pacientes com ECOG (Eastern Cooperative Oncology Group) 3 e 4, tratamento oncológico prévio com radioterapia, isolada ou associada à quimioterapia e doença pulmonar infecciosa em atividade no momento da passagem da prótese foram fatores que impactaram negativamente a sobrevida dos pacientes.

Referência Bibliográfica:

Ribeiro MSI et al. Self-expandable metal stent for malignant esophagorespiratory fistula: predictive factors associated with clinical failure. GIE. 2018 Feb;87(2):390-396. PMID: 2896474. DOI: 10.1016/j.gie.2017.09.020.

 

 




Endoluminal Functional Lumen Imaging Probe (EndoflipTM): conhecendo a tecnologia e seus potenciais usos

O EndoflipTM é uma técnica inovadora que utiliza a tecnologia de planimetria por impedância para avaliar a distensibilidade de órgãos gastrointestinais.

Apesar de desenvolvido em 2009, o seu uso ainda é restrito a ambientes de pesquisa devido ao custo elevado e à necessidade de maiores evidências para melhor padronização do método.

Consiste de um cateter que apresenta em sua extremidade distal um balão distensível de 8 ou 16 cm (Figuras 1 e 2). Neste balão, estão localizados 16 pares de sensores de planimetria por impedância, que são capazes de medir a área de secção transversal de um plano do órgão (planimetria) utilizando a resistência elétrica (impedância) do fluido existente no balão.

Na extremidade distal do cateter, está localizado ainda um transdutor de pressão, que é responsável por aferir a pressão dentro do balão. Desta forma, dividindo-se a área transversal pela pressão, podemos determinar o Índice de Distensibilidade em reposta à distensão controlada por volume.

Figura 1: Representação do monitor do EndoflipTM (Su B et al, 2020).

representacao-do-cateter-e-endofliptm.jpg

Figura 2: Representação do cateter EndoflipTM realizando medidas em esfíncter inferior do esôfago (Hirano et al, 2017).

A grande parte dos estudos com o EndoflipTM foi realizada para avaliação esofágica. Para tal, o cateter é introduzido com o paciente sedado, geralmente após a endoscopia digestiva alta.

Com a introdução do EndoflipTM 2.0 em 2017, foi associado ainda um sistema de topografia, que permite avaliar a motilidade esofágica (se ausência de ondas, se contrações anormais retrógradas ou contrações normais anterógradas) – Figura 3.

Figura 3: Exame sem alterações, apresentando junção esofagogástrica com distensibilidade normal e contrações normais anterógradas (Dorsey YC et al, 2020).

Figura 3: Exame sem alterações, apresentando junção esofagogástrica com distensibilidade normal e contrações normais anterógradas (Dorsey YC et al, 2020).

As potenciais aplicações do método são:

 

  1. Avaliação de disfagia e acalásia

  • Destaque naqueles pacientes com clínica suspeita de acalásia, mas dúvida diagnóstico devido relaxamento normal da junção esofagogástrica (JEG) em exame de manometria;
  • Utilidade em pacientes que não conseguem realizar a manometria por não tolerarem o desconforto da sonda (o EndoflipTM é realizado sedado);
  • Índice de distensibilidadeda JEG > 3 mm2/mmHg e contrações anterógradas sugerem normalidade (Figura 3);
  • Índice de distensibilidade£ 1.6 mm2/mmHg da JEG, bem como ausência de contrações (figura 4) ou contrações repetitivas retrógradas (figura 5) sugerem acalásia.
  • Nos casos de diagnóstico manométrico de obstrução ao fluxo da JEG, o Índice de Distensibilidade da JEG < 2 mm2/mmHg é associado a melhor resposta sintomática a terapias similares à da acalásia, enquanto valores > 3 mm2/mmHg são favoráveis ao seguimento conservador.

Figura 4: Junção esofagogástrica com distensibilidade reduzida e ausência de contrações, sugerindo Acalásia tipo I (Dorsey YC et al, 2020).

Figura 4: Junção esofagogástrica com distensibilidade reduzida e ausência de contrações, sugerindo Acalásia tipo I (Dorsey YC et al, 2020).

juncao-esofagogastrica-com-distensibilidade-reduzida-acalasia-tipo-3.jpg

Figura 5: Junção esofagogástrica com distensibilidade reduzida e contrações repetitivas retrógradas, sugerindo Acalásia tipo III (Dorsey YC et al, 2020).

2. Uso intra-operatório para guiar ajustes em miotomias e fundoplicaturas

  • Em miotomias, valores de Índice de Distensibilidade da JEG entre 4.5 e 8.5 mm2/mmHg sugerem melhores resultados (Figura 6);
  • Em fundoplicaturas, valores de Índice de Distensibilidade da JEG entre 2 e 3.5 mm2/mmHg foram associadas com menor índice de disfagia e de refluxo após procedimento.

Figura 6: Índice de distensibilidade da Junção esofagogástrica antes e após miotomia em paciente com acalásia (Su B et al, 2020)

Figura 6: Índice de distensibilidade da Junção esofagogástrica antes e após miotomia em paciente com acalásia (Su B et al, 2020)

3. Avaliação na esofagite eosinofílica

  • Identificar a distensibilidade esofágica, de modo a identificar estreitamentos fibroestenóticos que nem sempre são bem avaliados pela endoscopia.
  • Potencial benefício em pacientes que persistem com disfagia a despeito da remissão histológica, podendo guiar possíveis dilatações.

 

4. Outros potenciais usos

  • Avaliar distensibilidade do piloro em pacientes com suspeita de gastroparesia
  • Avaliar canal anal em pacientes com incontinência.

 

 

REFERÊNCIAS

[1]      Dorsey YC, Posner S, Patel A. Esophageal Functional Lumen Imaging Probe (FLIP): How Can FLIP Enhance Your Clinical Practice? Dig Dis Sci 2020. Online ahead of print. doi:10.1007/s10620-020-06443-8.

[2]      Hirano I, Pandolfino JE, Boeckxstaens GE. Functional Lumen Imaging Probe for the Management of Esophageal Disorders: Expert Review From the Clinical Practice Updates Committee of the AGA Institute. Clin Gastroenterol Hepatol 2017;15:325–34. doi:10.1016/j.cgh.2016.10.022.

[3]      Su B, Novak S, Callahan ZM, Kuchta K, Carbray JA, Ujiki MB. Using impedance planimetry (EndoFLIPTM) in the operating room to assess gastroesophageal junction distensibility and predict patient outcomes following fundoplication. Surg Endosc 2020;34:1761–8. doi:10.1007/s00464-019-06925-5.

[4]      Su B, Dunst C, Gould J, Jobe B, Severson P, Newhams K, et al. Experience-based expert consensus on the intra-operative usage of the endoflip impedance planimetry system. Surg Endosc 2020. doi:10.1007/s00464-020-07704-3.

 

 




Reações Alérgicas em Endoscopia

 

A sedação é um procedimento extremamente comum e necessário para realização dos procedimentos endoscópicos. Porém, sempre que administramos uma medicação ao paciente há o risco de uma complicação crítica: a anafilaxia.

Trata-se de uma reação alérgica que ocorre minutos ou até horas após a aplicação de medicamentos . Caso se agrave, pode levar a complicações e até ser fatal.

A incidência varia bastante de 1/500 até 1/5000 dependendo das drogas utilizadas.  Casos graves de anafilaxia podem ter taxas de mortalidade de até 6%.

 

Agravantes durante a Sedação em Endoscopia:
  • Vários fármacos sendo administrados ao mesmo tempo.
  • Desvio de atenção para outras ações.
  • Cobertura do corpo do paciente
  • Patologias associadas.
Fatores favorecedores: Histaminase e IgE
  • Idade: 30 e 50 anos.
  • Sexo feminino  – Bloqueador neuromuscular (alvejantes e cosméticos )
  • Ansiedade
  • Atopia ( asma infantil e rinite )
  • Alergia alimentar e medicamentosa.
  • Anestesias gerais repetidas.
  • ‘’Extrofia de bexiga e espinha bífida ‘’
  • Beta-bloqueadores e  bloqueadores h2
  • Tabaco ( hiper-reatividade brônquica)
  • Gravidez (Placenta é rica em  histaminases e IgE não atravessa placenta( feto sofre consequências das desordens hemodinâmicas e hipóxicas materna ) **Obs: IgG passa a placenta (reações as dextranas)
  • Prolapso de valva mitral – arritmias

 

 

MECANISMOS

Origem imunológica :

  • IgE (anafiláticas )
  • IgG e IgM  – ativando a via clássica do complemento ( anafilactóides )

 

Origem não imunológica:

  • Ativação da via alternativa do complemento
  • Histaminoliberação direta

 

**Obs: Não distinguíveis pelo quadro clínico

 

 

QUADRO CLÍNICO

Início em segundos ou até 30 minutos ou mais em contato por outras vias (látex 40 a 120 minutos )

 

**Obs: edema visível ( > 1mm) -generalizado em mucosas; subcutâneo e mucosas indica  perda de 1,5L pro extravascular e pode levar à queda brusca de pressão arterial (choque)

 

Substância Relativamente Seguras:

  • Etomidato, midalozam e cetamina
  • Opióides, exceto morfina e meperidina
  • Anestésicos locais amida – incidência rara ( conservantes ou antioxidantes geralmente)
  • Neurolépticos: inibem h-N-metil-transferase
  • O propofol normalmente não causa liberação histamínica, mas reações anafilactóides foram relatadas em pacientes com múltiplas alergias medicamentosas.

 

Antibióticos :

  • Penicilinas: Reações anafiláticas – 0,4 a 1,5: 10.000 exposições; Mortalidade – 0,4 a 1,5:1.1000.000;
  • Cefalosporinas : reação cruzada a penicilina em 20%
  • Sulfonamidas : reações anafilátivas graves
  • Vancomicina: Depressão miocárica direta e também pode haver histaminoliberação

 

Contrastes Radiológicos :

  • Incidência 5 a 8% quando administrados por via endovenosa.
  • Baixa incidência quando utilizados na via biliar.
  • Mortalidade: 2 a 6: 10.000

 

Alergia à Derivados de látex :

  • Incidência: 2,9 a 17%
  • Mediada por IgE – anafiláticas
  • Contato: cutâneo, mucoso ou inalatório
  • Clínica:  Alteração hemodinâmica e ou respiratória sem explicação
  • Fatores de risco: Profissionais da saúde, pessoas com múltiplas sondagens ou cirurgias repetidas.
  • 69% são atópicos e reação cruzada a frutas

 

 

TRATAMENTO

Profilaxia :

  • Paciente sem tratamento :  Difenidramina 50mg – 1h + Prednisona 50mg  8/8h
  • Com tratamento : acréscimo de efedrina 25mg VO 1h antes ou cimetidina 300mg VO 1h antes

Anti-H1:  Desloca a curva dose-resposta à histamina ( Difenidramina 50mg- 16/24h antes do procedimento )

Corticóides devem ser iniciados pelo menos 24h antes do procedimento

Tratamento Primário :

  • Suspensão imediata  da administração dos fármacos
  • Permeabilidade das vias aéreas : Fornecer 02 a 100%
  • Expansão Volêmica: 1 a 4L de cristalóides ( 10/15 min)
  • Posicionamento: Céfalo- declive ( trendelemburg)+ MMii elevados
  • Adrenalina : 0,2 a 0,5mg EV + bolus de 0,1 a 0,2 até  obtenção do efeito desejado
  • Salbutamol( spray)
  • Aminofilina: 5mg/kg
  • Lidocaína com adrenalina – na sonda de intubação

 

Tratamento secundário :

  • Corticóides: 500mg a 1g de metilprednisolona ou 500mg a 1g de hidrocortisona
  • Bicarbonato de sódio: Apenas em colapso persistente ou acidose metabólica
  • Dopamina, Noradrenalina, dobutamina, isoproterelol ( conforme indicação )
  • Controle: Durante 12h pelo menos

Reconhecer a ocorrência de uma reação anafilática em um paciente sedado é tarefa muitas vezes caracterizada como difícil e a sua suspeita sempre deve ser acompanhada de tratamento agressivo. Reposição volêmica vigorosa associada ao uso de epinefrina são os pilares do tratamento e essas medidas não devem ser postergadas. Apesar de raras, essas reações apresentam um alto índice de complicações. Assim, médicos endoscopistas devem estar preparados para instituir as condutas  iniciais e estabilizar o paciente até a chegada de ajuda no caso de anafilaxia.

 

 

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Não deixe de testar os conhecimentos aprendidos nesse post!

Referências

GarrisonJC-Histamina,Bradicinina,5-Hidroxitriptaminae Seus Antagonistas, em: Goodman LS, Gilman A- As Bases Farmacológicas da Terapêutica. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan,1990; 378-394. Pereira AMSA – Reações Anafiláticas e Anafilactóides, em: Gozzani JL e Rebuglio R -SAESP Curso de Atualização e Reciclagem.SãoPaulo,Atheneu,1991; 368-376

Bauman LA, Arnold WP- Health and Safety for Anesthesia Personnel, em: Morell RC, Eichhorn JH – Patient Safety in Anesthetic Practice. New York, Churchill Livingstone, 1997;475-477 Berry AJ, Katz JD- Hazards of Working in the Operating Room, em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK – Clinical Anesthesia, 3rd Ed, Philadelphia, Lippincott-Raven, 1997;73

Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB et al. Tratado de Anestesiologia SAESP. 7a Ed, 2011.

Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia. 7th Ed, 2013.




ENSINO E TREINAMENTO EM ENDOSCOPIA DURANTE A PANDEMIA – ESSA CURVA NÃO PODE SER ACHATADA!

 

A Pandemia por COVID-19 impactou a prática da Endoscopia Digestiva de forma dramática em todo o planeta. Os protocolos de distanciamento social, que são a base para o controle do contágio do SARS-CoV-2, têm trazido importante limitação nas atividades de ensino e treinamento da Endoscopia Digestiva.

Vários preceptores e trainees foram deslocados de suas funções para atender pacientes COVID, vários serviços foram redimensionados ou transformados para atender pacientes COVID com uma mudança sem precedentes nas agendas de endoscopia pelo mundo 1,2.  Estamos presenciando uma redução drástica no número de exames endoscópicos, inclusive no Brasil, com vários serviços fechados e mais de 85% trabalhando apenas com endoscopias de urgência/emergência3.

A pandemia tem exigido, ainda, medidas rigorosas em relação ao uso de EPI, para evitar o contágio das equipes, dos pacientes e mitigar a propagação da infecção.  Os serviços de endoscopia tiveram que incorporar rapidamente os conceitos de “equipe mínima”, “sala mínima” e inúmeras outras adaptações nos fluxos e rotinas.

Estudos recentes mostraram que metade das equipes de endoscopia dos EUA afastaram os trainees das atividades durante a Pandemia! Durante esse provável longo período de convívio com o SARS-CoV-2 que teremos, as equipes de endoscopia digestiva precisarão traçar estratégias de reestruturação, incluindo a reinvenção das atividades de ensino.

A Pandemia criou uma série de restrições que eram desconhecidas de todos nós. Para contornar essas dificuldades precisaremos de soluções criativas e implementação dessas soluções em tempo recorde 1,2,4. Vale a pena fazer um raciocínio simples e lembrar que para cada mês “parado” temos cerca de 10% de perda da aprendizagem do ano. Como correr atrás do prejuízo?

O ensino e treinamento em Endoscopia Digestiva inclui um conjunto de habilidades técnicas complexas, habilidades comportamentais e cognitivas.

Nesse contexto, o papel das sociedades de Endoscopia Digestiva é muito importante. As sociedades podem proporcionar oportunidades autônomas e diversificadas de ensino, tanto em relação ao comportamento da COVID-19 quanto da prática da endoscopia de forma segura durante a Pandemia. No Brasil A SOBED recentemente renovou seu portal diversificando suas atividades de informação e ensino à distância e melhorando os canais de comunicação com os associados, incluindo os trainees. Nos EUA e na Europa, as sociedades de Endoscopia Digestiva vêm trabalhando de forma intensa nesse sentido.

Em nível mundial, inúmeras personalidades e líderes da Endoscopia Digestiva têm participado de Webinars, hangouts, debates dentre outros, fomentando o aprendizado à distância. Alguns eventos tradicionais estão acontecendo pela primeira vez em formato web e já tivemos inclusive um congresso online de endoscopia com a realização de casos ao vivo em vários países.

Mídias sociais têm funcionado como verdadeiras plataformas de ensino ao redor do mundo, com a realização de bate-papos periódicos, discussão de casos e Quiz de assuntos específicos. Canais como Youtube tem promovido projetos educativos e em muitos países verdadeiras “livrarias virtuais” têm sido criadas.

O atendimento remoto ou teleatendimento, em suas múltiplas versões, é algo que provavelmente será realidade num futuro próximo, em diversos países, bem como o uso de simuladores para o ensino.

Nem tudo é prejuízo durante a pandemia! Nesse momento de grande redução de volume, os serviços de endoscopia envolvidos com ensino, podem se dedicar à pesquisa e a implantação de metodologia de aprendizagem individualizada e autônoma para os seus trainees. Alunos iniciantes podem aperfeiçoar competências cognitivas, enquanto que alunos de segundo e terceiro anos podem ajustar as agendas às suas necessidades e aperfeiçoar habilidades técnicas específicas ou sanar deficiências.

A tabela a seguir resume as recomendações e soluções apontadas pelos estudos mais recentes sobre ensino da Endoscopia Digestiva durante a Pandemia 1-5.

 

Soluções  para Ensino da Endoscopia Digestiva durante a Pandemia
Criação de “Livrarias Virtuais” Desenvolvimento e arquivamento de vídeos voltados para o ensino
Atendimento Remoto Teleatendimento
Mídias Sociais Grupos organizados de discussão de casos e temas específicos em Endoscopia Digestiva
Plataformas de Streaming Apresentação e discussão de casos ao vivo
Ensino Web Promoção de Webinars, Debates, Palestras com experts, Discussão de casos entre serviços
Papel das Sociedades de especialidade Apoio aos serviços formadores de especialistas, Estímulo da aprendizagem autônoma com portal de ensino, livraria virtual, atualização e discussão de casos
Simuladores Ensino baseado em modelos e simuladores
Estímulo à pesquisa Nesse momento de redução de volume de procedimentos voltar a atenção à pesquisa em endoscopia
Gestão das equipes Adaptação das equipes com formação de times
Gestão do ambiente Estimular um ambiente de bem estar

 

 

VISÃO DOS PRECEPTORES

Há um reconhecimento quase que universal que essa pausa nos atendimentos endoscópicos vai gerar vários problemas. Teremos uma demanda reprimida grande, um atraso no diagnóstico de neoplasias, que impactará de forma negativa no prognóstico dos pacientes, piora de doenças crônicas que ficarão sem acompanhamento, e várias doenças benignas não diagnosticadas ou tratadas 3.

O treinamento para distanciamento social e o uso correto dos EPI tem provocado adaptação das equipes, com flexibilização nas escalas de trabalho e formação de vários times dentro da mesma equipe.

Aos preceptores cabe, ainda, fazer a gestão de sua equipe, promovendo um balanço entre maximizar e abraçar as oportunidades de ensino e treinamento e fazer atendimento adequado aos pacientes, trabalhando com metas. A preocupação com resultados e eficiência é uma constante.

A gestão das equipes envolve questões mais desafiadoras, como a manutenção do bem estar no ambiente de trabalho. Preceptores e trainees estão lidando com uma carga emocional intensa, medo, perdas, adoecimento de colegas e familiares, expectativas perante a retomada, menores oportunidades de trabalho e de aprendizado, e um impacto econômico sem precedentes.

 

VISÃO DO TRAINEE

Estudo recentemente conduzido pela Italian Association of Young Gastroenterologista and Endoscopist (AGGEI) com 183 trainees em endoscopia digestiva (61,8% abaixo de 30 anos de idade) teve o objetivo de avaliar a perspectiva do trainee, no conhecimento e entendimento desse momento de pandemia. Cerca de 73,8% dos serviços reduziram as atividades atendendo somente endoscopias de urgência e o número de exames de endoscopia caiu drasticamente na Itália (91%).

Um total de 84,5% dos respondedores da pesquisa relataram que o ensino e aprendizagem foram bastante impactados por ocasião da Pandemia, 52% relataram que o preceptor estava menos disponível e 66,4% relataram que foram completamente afastados da realização de determinados procedimentos endoscópicos. Um dado preocupante foi que apenas 63,2% alegaram ter acesso a todos os EPI necessários nos serviços.

O estudo avaliou algumas percepções desse momento de Pandemia, usando uma escala graduada de 0 a 10 e os trainees relataram

  • medo de se infectar (graduado como 6)
  • medo de infectar a família e pacientes (graduado como 8)
  • sensação de estarem protegidos no ambiente hospitalar (graduado como 5)

 

Algumas propostas foram levantadas para contornar o prejuízo nos programas de treinamento:

  • 58,4% propuseram prolongar o período de treinamento
  • 22,7% propuseram aumentar as atividades hands-on
  • 10% propuseram ampliação de atividades teóricas.

 

 

CONCLUSÃO

A Pandemia está trazendo inúmeros desafios para o ensino e treinamento da Endoscopia Digestiva em todo o planeta. Apesar das grandes limitações que estamos enfrentando, temos uma oportunidade para reinventar o ensino e treinamento da Endoscopia Digestiva. Modelos baseados em volume e aprendizagem passiva se tornarão obsoletos. Discussões sobre carreira, liderança, criação de uma rede de auxílio e bem estar, melhora dos processos de comunicação, apoio das sociedades de endoscopia e criação de modelos disruptivos de ensino abraçando e adaptando as tecnologias, irão promover uma quebra de paradigmas na assistência, ensino e pesquisa em Endoscopia Digestiva.

 

 

REFERÊNCIAS:
  1. Keswani RN, Sethi A, Repici A, Messman H, Chiu P, How To Maximize Trainee Education During the COVID-19 Pandemic: Perspectives from Around the World. Gastroenterology (2020) https://doi.org/10.1053/j.gastro.2020.05.012.
  2. Repici A, Pace F, Gabbrandim R et al. Endoscopy Units and the COVID-19 Outbreak. Gastroenterology (2020) https://doi.org/10.1053/j.gastro.2020.04.003.
  3. Arantes VN, Martins BC, Segatto R, Milhomem-Cardoso DM, Franzini TP, Zuccaro AM et al. Impact of coronavirus pandemic crisis in endoscopic clinical practice: Results from a national survey in Brazil. End Int Open 2020 (18): E822-E829. https://doi.org/10.1055/a-1183-3324
  4. Forbes N, Smith ZL, Spitzer RL, Keswani RN, Wani SB, Elmunzer BJ, on behalf of the North American Alliance for the Study of Digestive Manifestations of COVID-19, Changes in Gastroenterology and Endoscopy Practices in Response to the COVID-19 Pandemic: Results from a North American Survey, Gastroenterology (2020) https://doi.org/10.1053/j.gastro.2020.04.071.
  5. Marasco, O.M. Nardone and M. Maida et al., Impact of COVID-19 outbreak on clinical practice and training of young gastroenterologists: A European survey, Digestive and Liver Disease (2020) https://doi.org/10.1016/j.dld.2020.05.023



Lesão de Dieulafoy: um desafio para o endoscopista

CASO 1

Paciente masculino de 65 anos em investigação de hepatopatia, apresentando episódios intermitentes de melena.  Já realizou 2 endoscopias e uma colonoscopia não evidenciando o foco do sangramento.   Hoje novo episódio de  melena e queda significativa da hemoglobina. Indicada nova endoscopia.

A endoscopia evidenciou um coágulo no ápice bulbar e após a sua remoção foi possível identificar um pequeno coto vascular com sangramento ativo. O coto foi tratado com injeção de solução de adrenalina seguida de aplicação de clipes.  O paciente não apresentou novos sangramentos.

CASO 2

Menino de 6 anos com início há 3 dias com quadros de enterorragias volumosas intermitentes. Admitido no hospital com Hb de 6,0.  Endoscopia digestiva alta normal.  Indicada colonoscopia.

Após o preparo o cólon estava limpo e não apresentava mais resíduos hemáticos.  No ceco foi identificado pequeno coágulo. Após a limpeza do ceco e  avaliação detalhada underwater foi observado que o coágulo estava aderido a um coto  vascular superficial com pequeno ponto de ruptura.  Foi realizada a aplicação de clipes e a criança não apresentou mais episódios de sangramento.

Lesão de Dieulafoy

A lesão de Dieulafoy foi descrita pelo cirurgião francês Paul Georges Dieulafoy em 1898 e é uma causa pouco frequente de hemorragia gastrointestinal, mas de relevância, pois geralmente se apresenta com sangramentos volumosos.  O grande desafio desta doença está no pequeno tamanho da lesão e na sua característica de sangramento intermitente com  uma  difícil localização endoscópica se o sangramento não estiver ativo.  Isso leva à sua clássica apresentação de hematêmese e melena com significativa queda de hemoglobina e um exame de endoscopia normal ou com achados que não explicam o sangramento.

Ficou curioso? Clique aqui https://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Georges_Dieulafoy

Patologia

As arteríolas normais da submucosa tem menos de 1 mm pois os vasos vão afilando progressivamente enquanto atravessam as camadas da parede do trato gastrointestinal.  A lesão de Dieulafoy é um desses vasos, mas que não afilou após atravessar a muscular e chega à camada submucosa com um calilbre de 1-3 mm. Este vaso corre tortuosamente na submucosa e protrui através da mucosa para a luz gástrica através de um pequeno defeito na mucosa de 2 a 5 mm geralmente sem sinais inflamatórios mas podendo apresentar uma pequena área de fibrina adjacente.

A) Arteríola aberrante dilatada na submucosa. B) Arteríola de calibre normal. C) Muscular própria

O estômago é o local mais comum, geralmente na pequena curvatura alta. Até 1/3  das lesões são extra-gástricas sendo o duodeno e o cólon os locais mais frequentes. Já foram descritas lesões de Dieulafoy no esôfago, intestino delgado, reto, canal anal e nos brônquios.

Etiologia

A lesão provavelmente é de origem congênita. Patologicamente o vaso é normal, reduzindo a probabilidade de causa aneuristmática. Também fortalece a teoria congênita os casos descritos de lesões de Dieulafoy em recém-nascidos.

Uma grande proporção dos pacientes com ruptura deste vaso está internado sugerindo que a lesão por estresse está envolvida no sangramento. A hemorragia pode ocorrer em qualquer faixa etária mas é mais frequente acima dos 60 anos e duas vezes mais frequente em homens do que em mulheres.  Comorbidades estão presentes em 90% dos pacientes sendo cardiopatias e insuficiência renal as mais comuns.  Drogas como anti inflamatórios, aspirina e warfarina também podem estar relacionadas com o aumento da incidência do sangramento.

Embora a patogenia exata do que leva ao sangramento de um vaso previamente assintomático não é completamente compreendida mas o consenso é de que alguma forma de lesão mucosa por erosão ou injúria isquêmica expõe o vaso e predispõe ao sangramento.

Apresentação Clínica e Diagnóstico

A lesão de Dieulafoy tipicamente se apresenta agudamente com hemorragia maciça que geralmente é recorrente.

A endoscopia digestiva alta é efetiva no diagnóstico em até 70% dos pacientes.  Porém, algumas vezes várias endoscopias podem ser necessárias  para se fazer o diagnóstico.  Até 6%  dos pacientes necessitam 3 ou mais exames endoscópicos para encontrar a lesão.  Entre os pacientes que o diagnóstico não foi feito na primeira endoscopia, 40% foi devido à presença de sangue acumulado impedindo a avaliação e 60% foi porque a lesão não pôde ser encontrada.

Existem relatos do uso de ecoendoscopia para identificar um vaso calibroso na submucosa mesmo na ausência de sangramento e também de seu uso para controle após tratamento endoscópico avaliando o desaparecimento do fluxo no vaso submucoso.

Características Endoscópicas da lesão de Dieulafoy

Os achados se dividem em 3 categorias:

  • Sangramento ativo que  pode ser em jato ou babação.
  • Coágulo aderido que após a lavagem evidencia  um mínimo defeito mucoso
  • Vaso visível isolado com mucosa normal adjacente ou com pequena quantidade de fibrina, menor que 5 mm, não associado à úlcera.

Da esquerda para a direita: Sangramento ativo em jato, sangramento ativo com vaso visível em babação, coágulo aderido, vaso visível com pequena quantidade de fibrina, menor que 5 mm.

Tratamento

O tratamento endoscópico é o método de escolha nas lesões acessíveis endoscopicamente.  O sucesso é reportado acima de 90%.  Podem ser utilizados métodos térmicos (heaterprobe, APC, coagrasper, eletrocoagulação com alça), injeção de agentes esclerosantes  e terapias mecânicas (ligadura elástica e clipes).    Cada técnica tem suas vantagens e desvantagens mas existe evidência na literatura de que as terapias mecânicas são mais efetivas.  Terapias combinadas também apresentam menores taxas de ressangramento quando comparadas com a monoterapia.

Tratamento endoscópico da lesão de Dieulafoy no duodeno. Superior da esquerda para a direita. a) coágulo aderido b)vaso visível com sangramento em babação após lavagem do coáugulo. c) escleroterapia com injeção de glicose e adrealina 1:10000. Inferior esquerda para a direita: d) aspecto após eslceroterapia. e)aplicação do primeiro clipe. e) aspecto após aplicação do segundo clipe.

A angiografia pode ser utilizada em casos que falham à terapia endoscópica. Nestes pacientes, a colocação de um clipe endoscópico próximo da lesão sangrante, quando possível, facilita bastante a localização da artéria a ser tratada. Esta técnica apresenta um risco considerável de isquemia na área da artéria obliterada que deve ser levado em conta no acompanhamento do paciente após o procedimento devido à possibilidade de perfuração tardia.

A angiografia é o método de escolha para lesões de Dieulafoy nos brônquios.

Angiografia demonstrando extravasamento de contraste em topografia gástrica. A seta demonstra a presença de um clipe endoscópico guiando o procedimento. Adaptado de Barbosa et. al 2016.

A cirurgia é reservada apenas para os  casos onde existe falha endoscópica e angiográfica.  O tratamento laparoscópico é possível e realizado através de ressecções em cunha ou gastrectomias parciais, mas depende da correta localização da lesão no  intra-operatório.  Por isso, nos pacientes que serão operados, a tatuagem endoscópica deve ser realizada para facilitar a identificação  da área a ser ressecada.

Pontos importantes

A lesão de Dieulafoy é um desafio diagnóstico e terapêutico.  Devemos sempre lembrar desta lesão nos casos de hemorragia obscura em todas as faixas etárias.

A repetição da endoscopia o mais precoce possível na recorrência da hemorragia permite a visualização do sangramento ativo facilitando muito a identificação da lesão.

O tratamento endoscópico é altamente efetivo e as terapias mecânicas são preferidas. Quando a posição da lesão não permitir a colocação de um clipe ou ligadura, terapias térmicas e injeção de agentes esclerosantes podem ser utilizados.

Referências

  1. Baxter M, Aly EH. Dieulafoy’s lesion: current trends in diagnosis and management. Ann R Coll Surg Engl. 2010;92(7):548‐554.
  2. Lee YT, Walmsley RS, Leong RW, Sung JJ. Dieulafoy’s lesion. Gastrointest Endosc. 2003;58:236–43.
  3. Clements J, Clements B, Loughrey M. Gastric Dieulafoy lesion: a rare cause of massive haematemesis in an elderly woman. Case Reports 2018;2018:bcr-2017-223615.
  4. Linda L. Manning-Dimmitt, Steven G. Dimmitt, and George R. Wilson, Am Fam Physician. 2005 Apr 1;71(7):1339-1346.
  5. Barosa, Rita et al. “Dieulafoy’s Lesion: The Role of Endoscopic Ultrasonography as a Roadmap.” GE – Portuguese Journal of Gastroenterology 24 (2016): 95 – 97.
  6. Ghazi Alshumrani, Angiographic findings and endovascular embolization in Dieulafoy disease: a case report and literature reviewDiagn Interv Radiol 2006; 12:151-154

Para saber mais:

Quiz – lesão de Dieulafoy
Lesão de Deiulafoy de Cárdia




Algoritmo diagnóstico simples para detecção de câncer gástrico precoce através da magnificação endoscópica (MESDA-G)

O primeiro passo para o diagnóstico do câncer gástrico precoce (CGP) é identificar uma lesão suspeita usando a luz branca convencional. Nesse método, é importante prestar atenção nas mudanças sutis de cor e morfologia da mucosa. As pistas são: alteração da cor (eritema ou palidez), mudanças morfológicas na superfície (protrusão, elevação ou depressão), pregas afinadas ou interrompidas, sangramento espontâneo, alteração abrupta no padrão vascular ou mucoso, perda de brilho na mucosa. No caso de componente ulceroso, uma lesão suspeita pode ser detectada como alterações sutis na mucosa ao redor da úlcera.

Preparação adequada e uso de técnica apropriada são extremamente importantes para detecção de CGP.

Após identificar uma lesão que potencialmente é uma neoplasia, o segundo passo é procurar uma linha demarcatória entre a lesão e a mucosa adjacente. Devemos sempre olhar de fora para o centro da lesão, da mucosa normal à mucosa alterada. Se não houver demarcação nítida, trata-se de uma lesão benigna. O uso de corantes como índigo-carmim e/ou a magnificação endoscópica melhora a visualização das características da mucosa e facilita a diferenciação entre a lesão cancerosa e a mucosa ao redor.

O terceiro passo é procurar alterações nos padrões de microvascularização e microssuperfície DENTRO da linha demarcatória (Classificação VS). Caso uma das duas esteja presente, o diagnóstico de neoplasia gástrica precoce pode ser feito, conforme o algoritmo abaixo:

Algoritmo diagnóstico simples de Magnificação endoscópica para câncer gástrico (MESDA-G). LD: linha demarcatória; IPMV: irregularidade do padrão microvascular; IPMS: irregularidade do padrão de microssuperfície

 

MAGNIFICAÇÃO ENDOSCÓPICA DA MUCOSA GÁSTRICA NORMAL

 

Para detectar uma lesão suspeita, é de extrema importância entender os achados endoscópicos da mucosa gástrica normal. Com isso, podemos identificar os fatores de alto risco (infecção por H. pylori, atrofia e metaplasia), distinguir lesões neoplásicas de não neoplásicas e determinar as margens do tumor.

 

MUCOSA DE GLÂNDULAS FÚNDICAS NORMAL

A mucosa fúndica normal está presente no corpo gástrico sem nenhuma alteração patológica como por exemplo inflamação ou atrofia secundária à infecção por H. pylori.

Neste padrão, os capilares formam uma rede de vasos em forma de favo de mel em volta das criptas e desembocam nas vênulas coletoras.

A cromoscopia com magnificação da mucosa fúndica normal é caracterizada por uma superfície epitelial onde a abertura das criptas é vista como oval ou redonda circundada por uma estrutura de coloração branca (epitélio marginal da cripta). As vênulas coletoras possuem distribuição regular (RAC, regular arrangement of collecting venules) e possuem coloração esverdeada (ciano), conforme demonstrado na figura 2

Figura 2: Magnificação endoscópica da mucosa do tipo fúndico.

 

MUCOSA DE GLÂNDULAS PILÓRICAS NORMAL

A mucosa pilórica normal está presente no antro gástrico sem nenhuma alteração patológica como por exemplo inflamação ou metaplasia secundária à infecção por H. pylori. Nesse caso, as glândulas desembocam obliquamente e não perpendicularmente como no padrão fúndico, dando um aspecto reticular com sulcos. Os capilares formam alças em espiral ou mola (figura 3).

 

Figura 3: Magnificação endoscópica da mucosa do tipo pilórico.

 

MUCOSA DE GASTRITE CRÔNICA ASSOCIADA A PYLORI

A infecção persistente do H. pylori causa inflamação, atrofia e metaplasia intestinal na mucosa gástrica.

A magnificação endoscópica na mucosa fúndica associada à inflamação crônica mostra distribuição anômala das aberturas de criptas, assim como aberturas elípticas ou em forma de sulcos com coloração branca. Os capilares podem ou não ser observados ao redor das aberturas de criptas.

Os achados da magnificação na mucosa atrófica consistem em formas vilosas ou granulares dilatadas, com capilares em espiral. A metaplasia intestinal está frequentemente associada à atrofia e envolve a formação das cristas azul clara (Light blue crest), conforme demonstrado nas figuras 4 e 5.

Figura 4: Magnificação de mucosa atrófica de corpo gástrico.

 

 

Figura 5: Light blue crest.

OBS: A distinção entre mucosa normal e gastrite crônica na mucosa pilórica ainda não está claramente elucidada.

 

METAPLASIA

A infecção crônica pelo H. pylori induz alterações biomoleculares na mucosa gástrica, fazendo com que ela se assemelhe ao fenótipo intestinal (metaplasia intestinal). A metaplasia intestinal é fator de risco para câncer gástrico.

Na endoscopia com luz branca, a metaplasia intestinal apresenta-se superficialmente elevada ou com áreas planas esbranquiçadas (figura 6). Também pode aparecer como placas da mesma cor da mucosa adjacente ou até áreas ligeiramente deprimidas e avermelhadas.

O NBI pode contrastar as diferenças de coloração entre a mucosa metaplásica e não-metaplásica. Com a magnificação, a estrutura da microssuperfície da mucosa gástrica normal tem o aspecto foveolar no corpo e reticular no antro, enquanto a microssuperfície da metaplasia intestinal geralmente apresenta um padrão viliforme ou em sulcos, mimetizando a mucosa antral normal ou mucosa intestinal (figura 7). Além disso, o epitélio da metaplasia intestinal é mais turvo quando comparado à mucosa não metaplásica

Uma fina linha de luz azul pode ser observada na crista ou giro da superfície epitelial, chamada de Light blue crest (LBC). O LBC é possivelmente originado pela reflexão da luz através da borda em escova presente na metaplasia intestinal (figura 5).

 

Figura 6: Metaplasia gástrica intestinal no antro: área esbranquiçada e ligeiramente elevada.

 

Figura 7: Magnificação endoscópica: a mucosa metaplásica apresenta um padrão de sulcos.

 

COMENTÁRIOS

O diagnóstico de câncer gástrico precoce é desafiador e requer conhecimento, prática e tempo. Este artigo propõe um algoritmo simplificado, de fácil aplicabilidade na prática clínica por endoscopistas não experientes.

O reconhecimento de uma lesão potencialmente maligna começa com a luz branca convencional. O foco deve ser nas alterações sutis da mucosa, como a cor e a superfície. Devemos sempre examinar de fora para o centro da lesão. Com o auxílio da cromoscopia e magnificação, pode-se avaliar as alterações do padrão microvascular e de microssuperfície. Para isso, é de extrema importância o conhecimento do aspecto endoscópico e anatômico da mucosa gástrica normal, das alterações inflamatórias secundárias à infecção pelo H. Pylori e das alterações precursoras (metaplasia intestinal, atrofia).

O critério simplificado proposto no MESDA-G classifica uma lesão como câncer quando a mesma é bem delimitada e com padrão irregular na cor (vascularização) e/ou superfície. A presença de uma linha demarcatória evidente entre a mucosa normal e a mucosa alterada está sempre presente nas lesões superficiais do estômago.

Nas lesões benignas (úlceras pépticas, gastrites erosivas), apesar de muitas vezes haver linha demarcatória, sua distribuição espacial é simétrica e a mucosa ao redor é regular.

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Muto M, Yao K, Kaise M, et al. Magnifying endoscopy simple diagnostic algorithm for early gastric cancer (MESDA-G). Dig Endosc. 2016;28(4):379‐393.




Papel da Colangioscopia na avaliação das Estenoses Biliares Indeterminadas

Homem, 45 anos, sem comorbidades, previamente hígido, passou a apresentar icterícia + colúria + acolia fecal há 30 dias, associada a desconforto em região do hipocôndrio direito, sem outros sintomas.
Durante investigação realizou RNM de ABD que evidenciou área de estenose imediatamente abaixo da confluência dos ductos hepáticos, todavia sem identificação de uma massa ou lesão óbvia. Apresentava bilirrubina total de  19mg/dL à custa de bilirrubina direta. Marcadores tumorais normais: CEA 0,5 ng/mL / CA 125 8,7 U/mL / CA 19-9 26,07 U/mL. Demais exames laboratoriais sem anormalidades significativas.
Referenciado ao nosso serviço de Endoscopia, foi optado pela realização de uma Colangioscopia com biópsia direta da estenose.
Realizada Colangioscopia digital através do sistema SpyGlass DS®, sendo identificada uma lesão polipoide com projeções papilares, friável, exibindo vasos aberrantes e conferindo signifivativa redução assimétrica da luz, localizada ao nível da confluência dos ductos hepáticos. Feitas biópsias sob visão direta (SpyBite®).




Havia patologista em sala para avaliação citológica, que constatou amostras significativas com o seguinte resultado:

Restante do material seguiu para análise histopatológica:

Procedida drenagem endoscópica bilateral com aposição de dois stents biliares plásticos, sendo um de 10Fr x 10cm na via biliar direita e outro de 7Fr x 10cm na via biliar esquerda:


PAPEL DA COLANGIOSCOPIA NA AVALIAÇÃO DAS ESTENOSES BILIARES INDETERMINADAS

A Colangioscopia Peroral foi descrita pela primeira vez na década de 1970 e até recentemente muitas limitações impediam que ela se tornasse um procedimento de rotina na prática diária da endoscopia. Dois endoscopistas experientes eram necessários para o sistema mãe-filha. Os endoscópios disponíveis eram frágeis, difíceis de montar, com capacidade de manobra limitada, de baixa qualidade de imagem e longo tempo de procedimento.
O sistema de Colangioscopia direta SpyGlass® (Boston Scientific, Marlborough, Massachusetts) foi introduzido em 2007, sendo desenvolvido para exame com um único operador. Utilizando uma sonda óptica acoplada a um cateter descartável, esse dispositivo de deflexão quadrilateral poderia ser inserido pelo canal de trabalho de um duodenoscópio e avançar através da papila. Apesar dos avanços significativos na usabilidade e melhora nas imagens, esse sistema ainda tinha várias limitações, incluindo qualidade de imagem abaixo do ideal e durabilidade da sonda.
Em 2015, foi lançado o novo SpyGlass DS®, primeiro sistema totalmente digital de colangioscopia com operador único. Isso proporcionou uma resolução de imagem mais alta, maior nitidez, melhor manuseabilidade e versatilidade no uso de acessórios, corrigindo as deficiências da geração anterior. Corrigindo muitas das limitações de seu antecessor, esse novo sistema consistia em um dispositivo descartável com configuração, ergonomia e qualidade de imagem notavelmente aprimoradas.
Como a maioria das estenoses biliares provém de uma causa maligna, um diagnóstico precoce e preciso é extremamente importante, especialmente no caso de uma neoplasia em estágio inicial, potencialmente curável. Uma repercussão igualmente significativa do diagnóstico incorreto da estenose indeterminada é a desnecessária intervenção cirúrgica em pacientes com estenose benigna.
Faz-se necessário definir o conceito de estenose biliar indeterminada. Na maioria das publicações postula-se que se refere a:

  • Estenose cuja etiologia não foi estabelecida por radiologia (não possui uma massa óbvia em imagens transversais)
  • A CPRE com biópsia transpapilar e/ou escovado falhou em elucidar.

 
Observem que destacamos o “E” pois, apesar de ser o entendimento majoritário, há divergências no sentido de considerar que estas duas condições seriam aditivas. Ou seja, a aparência radilógica não conclusiva de malignidade conferiria o status de indeterminada, dispensando a realização da CPRE.
É fato que a CPRE com biópsia transpapilar e/ou escovado continua sendo o procedimento padrão em muitos serviços nesses casos, sobretudo pela indisponibilidade da Colangioscopia. Porém, diante dos resultados atualmente publicados e muito promissores com as biópsias guiadas pela Colangioscopia, é possível que haja mudança nesta sequência propedêutica.
Foi demonstrado que o uso do SpyGlass® e biópsia direta (SpyBite®) altera as decisões de gerenciamento clínico em 64% dos pacientes. O sistema possui uma sensibilidade de 76,5% para diagnóstico de estenose biliar indeterminada, comparado com 29,4% e 5,9% de sensibilidade usando biópsia transpapilar às cegas ou escovado citológico, respectivamente.
Independentemente da instrumentação escolhida, as principais características macroscópicas usadas para determinar a malignidade das lesões do ducto biliar durante a Colangioscopia peroral são vasos dilatados e tortuosos, estenose infiltrativa (definida como margens irregulares com oclusão parcial do lúmen), superfície irregular e friabilidade (fácil sangramento); por outro lado, lesões benignas geralmente têm superfície lisa, sem vasos ou massa. No entanto, apesar dessas características bem definidas que distinguem lesões neoplásicas de não neoplásicas, muitos diagnósticos incorretos são feitos devido à falta de correlação entre esses aspectos macroscópicos e a histologia.
A oportunidade de visualização direta da árvore biliar levou a tentativas contínuas de classificação dos achados, a fim de estabelecer critérios padronizados e amplamente aceitos para o diagnóstico endoscópico / macroscópico.
Embora existam características colangioscópicas indicativas de malignidade, os critérios diagnósticos ainda são pouco uniformizados. Um estudo de Sethi et al, publicado em 2014, inspeciona a precisão visual da colangioscopia de operador único entre 9 especialistas que avaliaram 27 videoclipes de acordo com nove critérios. A concordância interobservador sobre todos os critérios foi de fraca a ruim. A fragilidade do estudo consiste no baixo número de videoclipes e na baixa qualidade dos vídeos.
O advento da Colangioscopia com imagem digital e um ângulo de visão mais amplo levou a novas pesquisas na avaliação visual e classificação de lesões biliares. Estudos publicados por Shah et al, Navaneethan et al, Turowski et al, entre outros, baseados na experiência com o SpyGlass DS ®, relatam uma alta sensibilidade da impressão visual do endoscopista, aproximando-se de 100%. Os procedimentos foram realizados por um único endoscopista experiente que tinha acesso prévio ao prontuário clínico do paciente, o que poderia ser considerado uma fraqueza desses estudos.
Uma proposta para um novo sistema de classificação dos achados colangioscópicos foi publicada em 2018 por Robles-Medranda et al.

  • Os autores propuseram dividir as lesões em 2 grupos: não neoplásicos e neoplásicos.
  • O estudo baseia-se em 305 pacientes submetidos a Colangioscopia de operador único com a primeira e a segunda geração do SpyGlass ®
  • Protocolo de dois estágios: retrospectivo para análise de imagem e preparação da classificação e prospectivo para validação da proposta.
  • Na segunda etapa, os resultados de sensibilidade, especificidade, VPP e VPN da imagem para lesão neoplásica foram os seguintes: 96,3%, 92,3%, 92,9% e 96%.
  • Houve boa concordância entre os observadores, maior com especialistas (κ> 80%) do que com não especialistas (κ 64,7% -81,9%).

 

Lesões Não Neoplásicas
Tipo 1 Padrão viloso A – Micronodular
B- Viloso sem vascularização
Tipo 2 Padrão polipóide A – Adenoma
B- Granular sem vascularização
Tipo 3 Padrão inflamatório Padrão fibroso e congestivo (regular ou irregular) com vascularização regular
 
Lesões Neoplásicas
Tipo 1 Padrão plano Superfície plana e lisa OU superfície irregular com vascularização irregular ou aracneiforme E sem ulceração
Tipo 2 Padrão polipóide Polipóide com fibrose e vascularização irregular ou aracneiforme
Tipo 3 Padrão ulcerado Padrão ulcerado e infiltrativo irregular, com ou sem fibrose, e com vascularização irregular ou aracneiforme
Tipo 4 Padrão em favo de mel Padrão fibroso alveolado com ou sem vascularização irregular ou aracneifome

 

Medranda-Robles et al. Endoscopy. 2018 Nov;50(11):1059-1070.


Medranda-Robles et al. Endoscopy. 2018 Nov;50(11):1059-1070.


 
Em Fevereiro deste ano (2020), Sethi et al propuseram 8 critérios visuais para as lesões biliares na Colangioscopia digital de operador único, intitulado de Classificação de Monaco:

  1. Presença de estenose, e se a estenose fosse assimétrica ou simétrico.
  2. Presença de lesão, e se a lesão tinha tamanho maior que um quarto (25%) do diâmetro do ducto ou um nódulo (tamanho menor que um quarto do diâmetro do ducto) ou tinha aparência polipóide.
  3. Características da mucosa, que eram lisas ou granulares.
  4. Projeções papilares, e se essas projeções eram como dedos (longos) ou curtas.
  5. Ulceração.
  6. Vasos anormais.
  7. Cicatrizes, e se as cicatrizes eram locais ou difusas.
  8. Pit pattern exuberante.

 

Sethi et al. J Clin Gastroenterol. 2020 Feb 7.


 

  • Usando estes critérios, a concordância interobservador e a acurácia diagnóstica foram melhores em comparação aos estudos anteriores.
  • Apesar dos resultados encorajadores com a Colangioscopia de operador único digital, os critérios endoscópicos ainda não estão totalmente estabelecidos e não podem ser aplicados independentemente.
  • Atualmente, técnicas de otimização visual como Narrow Band Imaging (NBI) e Cromoendoscopia são objeto de estudo, mas não são rotineiramente utilizadas na prática clínica.
  • Há falta de consenso sobre terminologia e descrição dos resultados, por esta razão, a histologia continua sendo o padrão-ouro para o diagnóstico.
  • Uma série de revisões sistemáticas, meta-análises e estudos estão disponíveis, analisando a capacidade da Colangioscopia para o diagnóstico visual e histológico de estenoses biliares indeterminadas.
  • A maioria dos estudos é retrospectiva e os dados disponíveis são referentes à geração mais antiga SpyGlass ® e outras plataformas de  Colangioscopia.
  • A despeito destas limitações, A Colangioscopia digital de operador única está associada a alta sensibilidade e especificidade na interpretação visual de estenoses biliares e neoplasias indeterminadas, devendo ser considerada rotineiramente na investigação diagnóstica destas entidades.

 
Referências Bibliográficas

  1. Amrita Sethi et al. Digital Single-operator Cholangioscopy (DSOC) Improves Interobserver Agreement (IOA) and Accuracy for Evaluation of Indeterminate Biliary Strictures: The Monaco Classification. J Clin Gastroenterol. 2020 Feb 7. doi: 10.1097/MCG.0000000000001321. Online ahead of print.
  2. Carlos Robles-Medranda et al. Reliability and accuracy of a novel classification system using peroral cholangioscopy for the diagnosis of bile duct lesions. Endoscopy. 2018 Nov;50(11):1059-1070. doi: 10.1055/a-0607-2534.Epub 2018 Jun 28.
  3. Petko Karagyozov et al. Role of digital single-operator cholangioscopy in the diagnosis and treatment of biliary disorders. World J Gastrointest Endosc 2019 January 16; 11(1): 31-40. DOI: 10.4253/wjge.v11.i1.31.
  4. Pedro Victor Aniz Gomes de Oliveira et al. Efficacy of digital single‑operator cholangioscopy in the visual interpretation of indeterminate biliary strictures: a systematic review and meta‑analysis. Surgical Endoscopy 2020 Apr 27. doi: 10.1007/s00464-020-07583-8.
  5. Sunguk Jang et al. The efficacy of digital single-operator cholangioscopy and factors affecting its accuracy in the evaluation of indeterminate biliary stricture. Gastrointestinal Endoscopy (2019). doi: https://doi.org/10.1016/j.gie.2019.09.015.
  6. Udayakumar Navaneethan et al. Digital single-operator cholangiopancreatoscopy (soc) in the diagnosis and management of pancreatobiliary disorders: a multicenter clinical experience (with video). Gastrointestinal Endoscopy  (2016), doi: 10.1016/j.gie.2016.03.789.



Dicas em colonoscopia: intubação cecal.

 

A intubação cecal ou mesmo do íleo-terminal é um importante critério de qualidade em colonoscopia. Ela pode ser extremante frustrante no início da curva de aprendizado do residente, sendo que mesmo profissionais experientes podem encontrar casos desafiadores. O objetivo deste artigo é solidificar conhecimentos da prática diária para que possamos atingir esse objetivo inicial.

 

Anatomia da dor

O cólon é fixado pelo mesentério à parede abdominal posterior. É o alongamento do mesentério, e não a distensão, o principal responsável pelo desconforto abdominal durante a colonoscopia. Sempre que o instrumento é avançado, o mesentério retossigmoide é esticado o que leva ao quadro álgico sendo que nas pessoas mais jovens, especialmente nas mulheres onde o cólon tende a envolver o útero, a dor pode ser bastante intensa.

A única maneira de aliviar o desconforto é puxar o instrumento e relaxar a tensão. Em pacientes idosos ou obesos, o mesentério é mais complacente e se estende mais facilmente, geralmente sem dor.

 

Posição do paciente

Tradicionalmente o exame é iniciado com o paciente em decúbito lateral esquerdo. Uma mudança na posição do paciente pode, em alguns casos, ajudar o colonoscópio a avançar, particularmente eu uso esse recurso apenas após falha nas manobras de compressão abdominal. Entretanto muitos endoscopistas usam a mudança de posição de maneira sistemática para melhorar a configuração do cólon, especialmente o cólon sigmoide e descendente, onde a posição em decúbito dorsal ou lateral direita, frequentemente abre angulações agudas e ajuda no avanço do colonoscópio.

 

Gás X água

Sempre que possível, o dióxido de carbono deve ser usado para insuflar o intestino, e não o ar, o qual é eliminado mais lentamente podendo contribuir para o desconforto pós-procedimento. O cólon é como um balão cujo comprimento e diâmetro diminuem com a remoção do gás. Ao avançar o instrumento, assim que uma visão luminal for obtida, o gás deve ser aspirado para diminuir a tensão e tornar o eixo do instrumento mais estável. Por sua vez, isso minimiza o comprimento do cólon, reduzindo o potencial de formação de angulações a montante.

Outra opção é o preenchimento do cólon com água e não com gás. Não há regra sobre o volume de água, devendo ser pelo menos o suficiente para ver a direção luminal. Se o preparo estiver abaixo do ideal, faça a trocas de água conforme necessário. Quando forem encontradas bolsas de gás aspire-as. O enchimento de água mantém o cólon curto o que pode ajudar muito em alguns casos.

Figura 1. Esquema do impacto do enchimento de água e gás durante a inserção no cólon (a) Insuflação de gás na posição em decúbito lateral esquerdo. O gás (setas) distende e alonga o cólon, movendo o sigmoide medialmente abdome e o cólon transverso em direção à pelve. (b) O enchimento de água na posição em decúbito lateral esquerdo faz com que o sigmoide se deite no abdômen esquerdo, e o cólon permaneca mais curto e mais estreito em comparação com a insuflação de gás.

 

Compressão abdominal

Seu objetivo é diminuir a formação de alças direcionando o aparelho, sendo que raramente precisa ser aplicada por mais de 30 a 60 segundos. O conceito baseia-se que quando uma alça é sentida deve-se retificar o aparelho, pressionar nessa localização e após isso progredir o instrumento.

Tendo em vista que a maioria das alças são feitas no cólon sigmoide podemos iniciar realizando uma compressão sobre a área suprapúbica quando a ponta do colonoscópio retificada está entre 20 e 30 cm da borda anal ou uma compressão do quadrante inferior esquerdo, à medida que o instrumento está progredindo em direção à flexão esplênica ou cólon transverso.

Um erro comum é o técnico simplesmente empurrar o abdômen diretamente em uma direção posterior, mas pode-se obter um maior sucesso empurrando do flanco em direção à linha média ou empurrando o abdome inferior em uma direção superior. Outro ponto é que em pacientes obesos, quatro mãos podem ser úteis na compressão. Na figura 2 temos um esquema dos locais de compressão de acordo com a formação de alças.

 

Figura 2. Locais e direções padrões da compressão abdominal: A. para alça em sigmoide. B. para passar a flexão esplênica. C. para alça em transverso. D. para passar do ascendente ao ceco.

 

Casos específicos

 

Cólon redundante

 Devido ao fato desse paciente tradicionalmente apresentar o cólon dilatado, pode muitas vezes ter histórico de preparo inadequado ou mesmo constipação crônica. Devemos nos certificar se esse paciente não necessita de um preparo diferenciado;

– Evite usar colonoscópios pediátricos pois esses têm uma maior tendências a formação de alças;

– Utilização de água ou invés de ar;

– Manobras de compressão abdominal;

– Mudança de decúbito;

– Overtube pode ser utilizado em casos extremos.

 

Angulação em sigmoide

– Principal causa é a doença diverticular;

– Utilização de aparelhos de menor diâmetro (colonoscópios pediátricos, enteroscópios ou mesmo gastroscópios);

– Utilização de água para evitar aumento de angulações e barotrauma.

 

Hérnias

– A hérnia inguinal esquerda é resolvida reduzindo a hérnia manualmente antes do procedimento e mantendo-se a mão sobre a abertura. Depois que a ponta do instrumento passa pelo cólon sigmoide, o problema está resolvido;

– Nos casos de hérnias em topografia de cólon transverso o paciente deve ser colocado em decúbito dorsal sendo que a hérnia deve ser reduzida com pressão manual e preferencialmente realizar a distensão do cólon com água ao invés de gás. Se encontrada uma resistência fixa não progredir o aparelho devido ao risco de iatrogenia.

 

Conclusão

Devemos ter em mente que o paciente merece o melhor tratamento possível, assim dedicando nossa total atenção tendo consciência dos nossos limites. Não podemos deixar de ter humildade para encaminhar o paciente a um colega mais experiente quando necessário.

Outro ponto importante é descrever as manobras utilizadas nos laudos, a fim de se contribuir com futuros exames nos casos desafiadores.

 

Referências

Waye JD, Thomas-Gibson S. How I do colonoscopy. Gastrointest Endosc. 2018;87(3):621‐624. doi:10.1016/j.gie.2017.09.002

Rex DK. How I Approach Colonoscopy in Anatomically Difficult Colons. Am J Gastroenterol. 2020;115(2):151‐154. doi:10.14309/ajg.0000000000000481