Lesões Sésseis Serrilhadas

Introdução

No Brasil, o câncer colorretal (CCR) é o terceiro mais comum. Estimavam-se, para o ano de 2020, 17.760 novos casos em homens (7,9%) e 20.470 em mulheres (9,2%)(INCA, 2020). Considerando esses números, o CCR é o segundo tipo de câncer mais frequente nas mulheres e o terceiro na população masculina, excluindo-se os casos de tumores de pele não melanoma.

No passado, as lesões serrilhadas eram classificadas como pólipos hiperplásicos e sem potencial de malignização (Rex et al., 2012). Atualmente, estima-se que a via serrilhada de carcinogênese é responsável por cerca de 20 a 30% dos casos de CCR. Este dado nos mostra a importância de conhecermos melhor tais lesões, pois, em números absolutos, representa um impacto maior que outros tumores do aparelho digestivo, como as neoplasias de estômago e pâncreas (Rex et al., 2012; Crockett et al., 2015; Siegel et al., 2017).

Características das lesões sésseis serrilhada

As lesões sésseis serrilhadas (LSS) apresentam características clínicas, genéticas e histológicas distintas dos adenomas. Por tal motivo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alterou a nomenclatura da classificação dos pólipos e lesões serrilhadas. Atualmente, são aceitas as seguintes nomenclaturas: Pólipo hiperplásico (PH); Pólipo hiperplásico tipo microvesicular; Pólipo hiperplásico tipo rico em células caliciformes; Lesões sésseis serrilhadas (LSS); Lesões sésseis serrilhadas com displasia (LLSD); Adenoma serrilhado tradicional (AST) e Adenomas serrilhados não classificáveis, estes incluem os adenomas tubulovilosos serrilhados, recentemente descritos (WHO, 2019).

Epidemiologia

  • As LSSs representam cerca de 10% dos pólipos cólicos;
  • São mais comuns em idosos, mas a idade não parece ser um fator tão influenciador quanto nos adenomas convencionais;
  • São mais prevalentes em caucasianos e, discretamente, mais comuns em mulheres;
  • Tabaco, álcool e IMC alto foram relacionados com aumento do risco para LSSs;
  • Já o uso de anti-inflamatório não esteroidal, dieta rica em folato, cálcio e fibras foram relacionados como fatores de proteção (Crockett 2014; O’Connell e Crockett, 2017).

Características endoscópicas

Localizam-se mais comumente no cólon proximal (70-80%), apresentam morfologia plana, principalmente durante a insuflação do cólon, e coloração semelhante à da mucosa normal, dificultando o seu diagnóstico e tratamento endoscópico (Pohl et al., 2013; Crockett et al., 2015).

Lesões Sésseis Serrilhadas

Exame com luz branca.

Lesões Sésseis Serrilhadas

Exame com LCI.

Cromoscopia com índigo.

Lesões Sésseis Serrilhadas

Ressecção endoscópica por ESD.

Pós-ressecção por ESD.

Etiopatogenia

As LSSs estão relacionadas a uma via alternativa de carcinogênese, descrita há pouco mais de 15 anos.

A LSS pathway se caracteriza pela mutação do oncogene BRAF como evento inicial (70-80%) que pode ocorrer na mucosa normal ou em um pólipo hiperplásico tipo microvesicular.

Posteriormente, ocorre hipermetilação das ilhas CpG (regiões do genoma ricas em CpG ou Citosina – Phosfato – Guanina) nas regiões promotoras de genes supressores de tumor (CIMP). Consequentemente, ocorre o silenciamento desses genes (MGMT, MLH1, p16, MINT1, MINT2 ou MINT31) em 70-76% das lesões. CIMP pode ser alto (quando mais de dois genes são metilados), baixo ou ausente.

A progressão para displasia e câncer invasivo acontece por metilação dos genes de reparo do DNA (MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2), levando à instabilidade de microssatélites (MSI), normalmente numa velocidade mais rápida que a via adenoma-carcinoma. (WHO, 2019; Patai et al., 2013) (Figura 1).

Diferentemente das LSSs, os ASTs se apresentam predominantemente na forma polipóide e localizados no cólon distal e reto em 70% dos casos. A carcinogênese também difere, ocorrendo a mutação KRAS, primariamente, a partir da mucosa normal ou de pólipo hiperplásico rico em células caliciformes, seguida de supressão do p53 nas lesões que evoluem para displasia de alto grau e/ou carcinoma (WHO, 2019).

Figura 1. Carcinogênese das lesões serrilhadas. Fonte: WHO, 2019

Diagnóstico

A colonoscopia é considerada menos efetiva na prevenção do CCR no cólon proximal quando comparada ao cólon distal (Nishihara et al., 2013). Fato que pode ser constatado observando os tumores denominados de intervalo, diagnosticados após um exame de rastreamento negativo. Eles, na sua maioria, apresentam características moleculares semelhantes às LSSs (Le Clercq e Sanduleanu, 2014).

Com os avanços tecnológicos, a qualidade da imagem dos exames endoscópicos permite um maior número de lesões diagnosticadas e um melhor estudo da superfície das mesmas, principalmente quando é possível utilizar magnificação de imagem e cromoscopia eletrônica e/ou convencional. Foi estudando a superfície das lesões que surgiu a classificação de Kudo. Ela prevê cinco tipos de abertura de criptas, sendo um deles, o tipo II, característico dos pólipos hiperplásicos, mas este não os difere das LSSs.

Em 2012, Kimura et al. publicaram um novo padrão de cripta para identificar as lesões precursoras originárias de LSSs e o subclassificaram como tipo II-O (Figura 2). O estudo mostrou que o padrão tipo II-O é altamente preditivo para lesões sésseis serrilhadas com sensibilidade de 65.5% e especificidade de 97.3%. A identificação do tipo II-O também mostrou significante relação com a presença de mutação BRAF e CIMP positivo [OR (IC 95 %) 39.3 (9.9 – 155.7); 32.1 (9.1 – 113.1)], mostrando-se ser um importante achado de lesões com risco de malignização e que precisam ser tratadas (Kimura et al., 2012).

Figura 1. Carcinogênese das lesões serrilhadas. Fonte: WHO, 2019

A taxa de detecção de lesões neoplásicas é um índice de qualidade da colonoscopia, para as LSSs os números ainda são bem variáveis, mas a sociedade britânica de gastroenterologia recomenda que essa taxa seja de pelo menos 5% em paciente com indicação de realização do exame para rastreamento (East et al., 2017).

Os guidelines ocidentais recomendam que qualquer lesão serrilhada proximal ao ângulo esplênico deve ser ressecada, diferentemente de lesões com características hiperplásicas no sigmoide e reto. No Japão, a conduta nas lesões serrilhadas é variável de acordo com a instituição, mas a indicação de ressecção é baseada no exame minucioso da superfície com cromoscopia e magnificação (Tanaka et al., 2020).

Tratamento endoscópico

As LSSs menores que 10 mm devem ser tratadas sem eletrocautério, realizando-se ressecção a frio (RAF). A RAF é superior à ressecção com pinça para o tratamento de pequenos pólipos, pois é possível garantir margens, devendo-se incluir na apreensão 1 a 2 mm de mucosa normal (Ma et al., 2017).

As LSSs maiores que 10 mm devem ser tratadas como primeira opção por meio da mucosectomia (endoscopic mucosal resection – EMR) em fragmento único ou piecemeal, apesar de, nos últimos anos, alguns trabalhos mostrarem a mucosectomia a frio como uma boa opção (Ma et al., 2017; Kaltenbach et al., 2020).

Em lesões ≥ 20 mm, a EMR possui baixo risco de complicação (1%) e recorrência local (14%), como Hassan et al. evidenciaram em revisão sistemática (Hassan et al. 2016). A desvantagem da EMR piecemeal está na limitação da avaliação histológica, pois não é possível a avaliação de margens laterais, além de uma maior taxa de recidiva local em relação às ressecções em monobloco. (Okamoto et al., 2016).

Pohl et al. mostraram que a taxa de ressecção incompleta das LSSs foi quatro vezes maior que os adenomas (31.0% vs 7.2%; P ≤ 0.001), e lesões que mediam entre 10 e 20 mm foram tratadas de forma incompleta em 47,6%, possivelmente devido à localização, morfologia e dificuldade de avaliação de sua bordas (Pohl et al., 2013).

No entanto, os trabalhos mais recentes mostram uma baixa taxa recorrência de 3.6% (95% CI, 0.5%– 6.7%) para lesões ≥ 10 mm e de 7-8.7% para ≥ 20 mm com a utilização da técnica clássica de EMR (Kaltenbach et al., 2020).

Lesões neoplásicas com características de alto grau e/ou presença de fibrose são indicações de ressecção em monobloco por dissecção endoscópica da submucosa (endoscopic submucosal dissection – ESD) (Tanaka et al., 2020). Uma alternativa à ESD, nesses casos, pode ser a EMR underwater, visto que aumenta as chances de ressecção em fragmento único (Binmoeller et al., 2015). No entanto, tais técnicas apresentam um maior potencial de complicações, como perfuração e sangramento, quando comparados à EMR clássica e devem ser executadas em centros de referência (Saito et al., 2010; Tanaka et al., 2015b; Binmoeller et al., 2015).

Vigilância

O acompanhamento após ressecção de LSSs ainda possui divergências e pouca evidência científica, mas a orientação das sociedades americanas, US Society Task Force, publicada em 2020, está resumida na tabela abaixo (Tabela 1).

Tabela 1. Recomendação para seguimento com colonoscopia após polipectomia de PHs, LSSs e ASTs. Fonte: Gupta et al. 2020.

Como citar esse artigo:

Mello, BB. Lesões Sésseis Serrilhadas. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/lesoes-sesseis-serrilhadas

Referências

  1. INCA Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Estatísticas do câncer. 2020. Disponível: https://www.inca.gov.br/numeros-de-cancer
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  3. East JE, Atkin WS, Bateman AC, Clark SK, Dolwani S, Ket SN, Leedham SJ, Phull PS, Rutter MD, Shepherd NA, Tomlinson I, Rees CJ. British Society of Gastroenterology position statement on serrated polyps in the colon and rectum. Gut. 2017 Jul;66(7):1181-1196.
  4. Gupta S, Lieberman D, Anderson JC, Burke CA, Dominitz JA et al. Recommendations for Follow-Up After Colonoscopy and Polypectomy: A Consensus Update by the US Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer. Gastrointestinal Endoscopy 2020;91: 463-485.
  5. Hassan C, Repici A, Sharma P, et al. Efficacy and safety of endoscopic resection of large colorectal polyps: a systematic review and meta- analysis. Gut 2016;65:806-20.
  6. Kaltenbach T, Anderson JC, Burke CA, Dominitz JA, Gupta S, Lieberman D, Robertson DJ, Shaukat A, Syngal S, Rex DK. Endoscopic Removal of Colorectal Lesions Recommendations by the US Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer. American Society for Gastrointestinal Endoscopy, AGA Institute, and the American College of Gastroenterology. Gastrointestinal Endoscopy 2020;91: 486-519.
  7. Kimura T , Yamamoto E , Yamano HO et al. A novel pit pattern identifies the precursor of colorectal cancer derived from sessile serrated adenoma. Am J Gastroenterol 2012 ; 107 : 460 – 9.
  8. Le Clercq CMC, Sanduleanu S. Interval colorectal cancers: What and why. Curr Gastroenterol Rep. 2014;16(3):375.
  9. Ma MX, Bourke MJ. Sessile Serrated Adenomas: How to Detect, Characterize and Resect. Gut Liver. 2017 May 11. doi: 10.5009/gnl16523.
  10. Nishihara R, Wu K, Lochhead P, Morikawa T, Liao X, Qian ZR, et al. Long-term colorectal-cancer incidence and mortality after lower endoscopy. N Engl J Med. 2013;369(12):1095-105.
  11. O’Connell BM, Crockett SD. The clinical impact of serrated colorectal polyps. Clin Epidemiol. 2017, 22;9:113-125.
  12. Okamoto K, Kitamura S, Kimura T, Nakagawa T, Sogabe M, Miyamoto H, et al. Clinicopathological Characteristics of Serrated Polyps as Precursors to Colorectal Cancer: Current Status and Management. J Gastroenterol Hepatol 2016.
  13. Patai A V, Molnár B, Tulassay Z, Sipos F. Serrated pathway: alternative route to colorectal cancer. World J Gastroenterol 2013;19(5):607–15.
  14. Pohl H, Srivastava A, Bensen SP, Anderson P, Rothstein RI, Gordon SR, et al. Incomplete polyp resection during colonoscopy-results of the complete adenoma resection (CARE) study. Gastroenterology. 2013;144(1):74-80.
  15. Rex DK, Ahnen DJ, Baron JA, Batts KP, Burke CA, Burt RW, Goldblum JR, Guillem JG, Kahi CJ, Kalady MF, O’Brien MJ, Odze RD, Ogino S, Parry S, Snover DC, Torlakovic EE, Wise PE, Young J, Church J. Serrated lesions of the colorectum: review and recommendations from an expert panel. Am J Gastroenterol 2012; 107:1315-1329.
  16. Siegel RL, Miller KD, Jemal A. Cancer Statistics, 2017. CA Cancer J Clin. 2017; 67:7
  17. Tanaka S, Kashida H, Saito Y et al. Japan Gastroenterological Endoscopy Society guidelines for colorectal endoscopic submucosal dissection/endoscopic mucosal resection. Digestive Endoscopy 2020; 32: 219–239.
  18. WHO Classification of Tumors Editorial Board. Digestive system tumours. Lyon (France): Internacional Agency for Reseach on Cancer; 2019. (WHO classification of tumor series, 5th ed.; vol 1).

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As principais lesões musculoesqueléticas que acometem os médicos endoscopistas e a importância da correta ergonomia em seu ambiente de trabalho

ergonomia na endoscopia

 

As doenças ocupacionais estão ligadas às mais variadas profissões, tendo evoluído ao longo dos anos e ocorrendo silenciosamente nos ambientes de trabalho.

Esse termo se originou a partir do grego ergon, que significa “trabalho”, e nomos, que quer dizer “leis ou normas”.

A escolha pela realização de uma revisão da literatura se fez necessária para comprovar a necessidade de se conhecer melhor a realidade do ambiente de trabalho do médico endoscopista devido ao aumento constante do volume e tempo dos procedimentos endoscópicos nos últimos anos.

Devido à escassez de estudos recentes sobre esse tema, foram escolhidos artigos publicados entre os anos 1994 a 2018, sendo encontrados 17 artigos específicos sobre o tema.

No Brasil, a norma regulamentadora NR-17, publicada em 1978 pelo Ministério de Trabalho e Emprego, dispõe sobre os “parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente” (Brasil, 1978).

As atividades ocupacionais desenvolvidas nos setores médico-hospitalares, clínicas e ambulatórios merecem maior atenção devido à importante demanda ergonômica.

Estudos recentes mostram que os médicos endoscopistas gastam pelo menos 43% do seu tempo realizando procedimentos endoscópicos, sendo a necessidade da avaliação ergonômica, primordial, devido às altas taxas de sintomas musculoesqueléticos e lesões por esforço repetitivo nesses profissionais.

Os artigos concordam em informar que as lesões e dores nos polegares, nas mãos, pescoço, costas, polegares (principalmente o esquerdo), ombro e punho são as mais comumente relatadas e, não surpreendentemente, os riscos parecem estar relacionados principalmente a fatores como: tempo de profissão, constante aumento do volume de exames e aumento da dificuldade para execução de novos procedimentos, que antigamente eram exclusivo de cirurgiões, postura e tempo prolongado do exame em que o profissional precisa se manter em pé, manipulação do aparelho e execução de força e torque com a mão direita.

Os estudos mostraram a prevalência de cerca de 37% a 89% de queixas musculoesqueléticas entre os endoscopistas, sendo que cerca de 67% desses profissionais trabalham em locais com péssima ergonomia e/ou possuem hábitos ergonômicos ruins.

Estudos mais recentes estimam que, após 10 anos de exposição ao trabalho, aproximadamente 10% dos endoscopistas teriam uma doença musculoesquelética, portanto, princípios ergonômicos claros e básicos deveriam ser incorporados à prática da endoscopia.

A aplicação de princípios ergonômicos básicos, como manter posturas neutras do punho, pescoço e ombros durante a endoscopia, não exagerar na força com as mãos e otimizar o design do aparelho usado, pode reduzir as queixas de dores e risco de lesões, além de tornar os procedimentos mais confortáveis para o médico.

Para que os endoscopistas consigam se manter em posturas neutras, o local de trabalho deve ser planejado para se adequar à maioria da população de endoscopista, de ambos os sexos, pois nem todos endoscopistas estão cientes dos riscos físicos aos quais estão expostos a cada dia como resultado do esforço repetitivo que aumenta o risco de sofrer lesões musculoesqueléticas agudas, podendo resultar em lesões permanentes e incapacidade.

O ambiente em que se trabalha e a rotina adquirida pode influenciar diretamente na saúde desses profissionais, como as superfícies do piso, macas, assentos, alturas de monitores de vídeo, qualidade dos aparelhos, falta de pausas entre longos procedimentos, entre outros.

Os sintomas podem variar desde dores leves até lombalgias mais graves, dormência, formigamento, atrofia e fraqueza e, inevitavelmente, a carreira profissional pode ser seriamente afetada por essas lesões permanentes decorrentes dos seus hábitos de trabalho.

Portanto, percebe-se que a maior parte dos médicos endoscopistas não está ciente dos perigos físicos a que estão expostos durante o trabalho e como preveni-los.

Principais lesões que acometem os endoscopistas

Síndromes do pescoço e do ombro

Com a introdução da videoendoscopia no lugar da fibroendoscopia, seria de esperar que as lesões no pescoço e ombros ocorressem com menos frequência, porém, as queixas de dores em pescoço e ombro foram umas das mais frequentes entre os endoscopistas, sendo necessário que a altura dos monitores seja ajustável ao nível dos olhos dos profissionais, evitando a hiperextensão cervical.

Lesões ulnar e radial

Alguns endoscopistas apresentaram parestesias em seu braço dominante, que emana de seus cotovelos e pode ser secundário ao aprisionamento do nervo ulnar ou radial.

Com o esforço repetitivo ocorrido durante os exames, ocorreu inflamação aumentando a compressão, comprimindo o nervo e produzindo parestesias e inibindo toda a amplitude de movimento.

Lombalgia e doenças da coluna lombar e sacral

A maior parte dos endoscopistas queixava-se de moderada ou forte dor nas costas após um dia de realização de procedimentos, pelo resultado de trauma contínuo ou repetitivo na coluna lombo-sacral, especialmente pelo longo período em pé.

A maioria dos endoscopistas contorce seus corpos e costas de acordo com as exigências de se levantar e trabalhar em posições inadequadas, sendo que em alguns exames, como a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica, por exemplo, é obrigatório o uso de um pesado e desconfortável avental de chumbo.

Essas ações resultaram em algumas complicações, como a hérnia de disco em uma pequena porcentagem dos endoscopistas estudados.

Síndrome do polegar do endoscopista

A lesão conhecida como “polegar do endoscopista” – ou Síndrome de De Quervain (tenossinovite ou um espessamento inflamatório da bainha tendínea do extensor curto e abdutor longo do polegar) – foi relatada por muitos desses profissionais como uma das lesões mais comuns que os acometem, pois resulta do uso repetitivo do polegar esquerdo, que é essencial para girar as manoplas que controlam a angulação da ponta distal do endoscópio. É possível usar a técnica de duas mãos para evitar essa lesão, mas não é tão eficiente quanto a técnica de um polegar.

Ferimento do punho e mão

A lesão mais comum que afeta o punho ou a mão é a síndrome do túnel do carpo, a qual foi relatada por acometer médicos endoscopistas devido ao resultado de rotação repetitiva e torque do punho e da mão durante os procedimentos.

Lesões nos quadris, joelhos, pernas e pés

Devido ao longo tempo em pé gasto pelos endoscopistas durante os procedimentos, os mesmos relataram contorcer seus corpos, correndo o risco de ferir o sistema musculoesquelético de suporte.

Ao ferir as costas, os profissionais tentam mudar a posição para aliviar o desconforto e, ao fazê-lo, pode ocorrer inflamação, transferindo a lesão para quadris, joelhos, pernas e pés.

Dor nas pernas e nos pés

A maior parte das dores nas pernas apresentada pelos endoscopistas é transferida da dor nas costas ou quadris, sendo que a permanência por longos períodos em pé pode predispor à flebite e à fasceíte plantar.

O que fazer para evitar essas lesões?

Para otimizar a ergonomia na endoscopia, os artigos estudados recomendam:

  • Os principais determinantes das posturas da parte superior do corpo são a localização do paciente, colocação do equipamento que vai ser utilizado e localização do monitor;
  • Em todos exames endoscópicos, o posicionamento do monitor é um importante determinante da postura do tronco e cabeça. Os monitores devem ser colocados em frente ao endoscopista, para evitar rotação e flexão da coluna cervical e devem ser ajustáveis ao nível dos olhos. Com isto, percebeu que a colocação do monitor diretamente em frente ao endoscopista atinge uma postura neutra do pescoço e minimiza a rotação cervical;

O conjunto de endoscopia deve ser configurado com o monitor posicionado diretamente em frente ao endoscopista enquanto a endoscopia é realizada. A altura do monitor deve estar logo abaixo do nível dos olhos, com um ângulo de visão ideal de 15 a 25 graus abaixo do horizonte dos olhos, com uma distância de visualização de 52 cm a 182 cm, dependendo do tamanho do monitor e da preferência do endoscopista. Para acomodar o quinto percentil feminino à altura do 95º percentil do olho masculino, a altura do monitor deve ser ajustável de 93 cm a 162 cm.

Altura ideal do leito

A mesa de exame deve estar na altura do cotovelo ou abaixo dele (0-10 cm abaixo do cotovelo). Para acomodar o 5º percentil feminino ao percentil 95º da altura do cotovelo masculino, a altura da mesa de exame deve ser ajustável de 85 cm a 120 cm.

Os aparelhos utilizados pelos médicos endoscopistas devem ser feitos para facilitar o direcionamento e serem mais confortáveis para esses profissionais, devido a uma seção de controle mais leve, ao torque de angulação reduzido e ao melhor controle da ergonomia corporal. Devem integrar os avanços ergonômicos e tecnológicos de imagem para que os médicos tenham um melhor manuseio e operação por meio de um sistema completamente reprojetado, bem como uma tela de imagem para visualização de alta qualidade.

Sala ergonomicamente correta

Sala ergonomicamente correta. Fonte: Singa et al., 2018

 Medidas gerais

  • Fazer pequenas pausas e alongamentos simples após término de procedimentos prolongados;
  • Existem algumas técnicas para otimizar a ergonomia após e entre os exames endoscópicos, como: exercícios das mãos, punho, cotovelo, ombros, costas e pescoço com objetivo de prevenir lesões relacionadas a longos e/ou difíceis procedimentos;
  • Usar sapatos confortáveis;
  • Fazer exercícios físicos regularmente;
  • Ter alimentação saudável;
  • Se comportar como um “Endo atleta”, segundo o mais recente artigo sobre o tema (Singla M, Kwok RM, Deriban G, Young PE. Training the endo-athlete: an update in ergonomics in endoscopy. Clin Gastroenterol Hepatol. 2018;16(7):1003-6.).

Alongamento - ergonomia na endoscopia

A: alongamento de pulso. B: exercícios de fortalecimento para os músculos extensores dos dedos. C: alongamento do ombro. D: alongamento de costas.Fonte: Chang et al., 2017

Embora tenha havido avanços substanciais na tecnologia de imagem endoscópica, o processo de rotação do endoscópio e a deflexão da ponta pouco mudaram desde o desenvolvimento da endoscopia flexível.

Numerosas pesquisas estão em processo sobre novos dispositivos projetados para examinar e administrar novos tratamentos ao trato digestivo. Esses dispositivos podem diminuir o risco de lesão em um endoscopista por meio do uso de melhores princípios ergonômicos.

Uma solução proposta é o uso de um sistema com plataforma de controle do tipo joystick, usando assistência eletromecânica – em oposição à força mecânica pura – para transmitir energia ao eixo do instrumento. Tais tecnologias têm o potencial de diminuir as lesões pela diminuição da carga. Embora interessante e potencialmente útil, nenhum dos produtos está atualmente disponível para uso, nem mesmo nos Estados Unidos.

O artigo mais recente, de 2018, informa que devemos tratar nossos corpos como os atletas profissionais fazem: manter boa forma, incentivar os colegas a observar e fornecer feedback sobre nossas ações, otimizar nossas instalações de prática e alongar nossos músculos.

No futuro, as inovações tecnológicas prometem reduzir os estresses físicos inerentes ao trabalho do médico endoscopista, podendo preservar nossa própria saúde e continuar a melhorar a saúde dos nossos pacientes.

Resumo das medidas essenciais para melhoria do local de trabalho do médico endoscopista e prevenção das lesões:

  1. O monitor de vídeo deve estar posicionado preferencialmente em frente ao endoscopista durante a realização do exame;
  2. A altura do monitor deve estar logo abaixo do nível do olho, com um ângulo de visão ideal de 15 a 25 graus abaixo do horizonte dos olhos, com uma distância de visão de 52 cm a 182 cm. Para acomodar o percentil feminino à altura do percentil do olho masculino, a altura do monitor deve ser ajustável entre 93 cm a 162 cm. A mesa de exame deve estar abaixo da altura do cotovelo;
  3. Durante o CPRE, um avental mais adequado deve ser usado para reduzir as cargas na parte superior das costas e na coluna cervical;
  4. O tempo de recuperação do profissional entre os exames é muito importante;
  5. Uma pausa na endoscopia, preferencialmente com alongamento, é muito importante, pois permite que os grupos musculares descansem durante um ciclo de trabalho de endoscopia.

É necessária a realização de novos estudos que proporcionem um ambiente seguro, tanto no projeto da estação de trabalho como na melhoria dos aparelhos endoscópicos com objetivo de minimizar e evitar dores e lesões ocupacionais, o que pode ter um efeito prejudicial à saúde, à produtividade e à carreira desses profissionais.

Portanto, para um médico endoscopista que espera trabalhar por muitos anos, a compreensão sobre ergonomia e a prevenção de lesões são essenciais e devem ser integradas nessa profissão desde a residência e praticadas diariamente.

Como citar este artigo:

Dragojevic PR. As principais lesões musculoesqueléticas que acometem os médicos endoscopistas e a importância da correta ergonomia em seu ambiente de trabalho. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/as-principais-lesoes-musculoesqueleticas-que-acometem-os-medicos-endoscopistas-e-importancia-da-correta-ergonomia-em-seu-ambiente-de-trabalho/

Para saber mais:

  1. ASGE Technology Committee, Pedrosa MC, Farraye FA, Shergill AK, Banerjee S, Desilets D, Diehl DL, Kaul V, Kwon RS, Mamula P, Rodriguez SA, Varadarajulu S, Song LM, Tierney WM. Minimizing occupational hazards in endoscopy: personal protective equipment, radiation safety, and ergonomics. Gastrointest Endosc. 2010;72(2):227-35.

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*Post editado pelo Dr Gerson Brasil




Melanose cólica – Melanosis coli

Melanose cólica (Melanosis coli ou Lipofuscinose) consiste na presença de pigmento marrom em macrófagos na mucosa do intestino grosso [1],[2]. A condição, descrita pela primeira vez por Cruveilhier em 1829 [3] e chamada de Melanosis coli por Virchow em 1857 [4], foi inicialmente pensada como sendo devido à presença de melanina. No entanto, estudos mostraram a presença de grânulos de lipofuscina ao invés de melanina em macrófagos do cólon [2],[5]. Desse modo, muitos sugerem o uso dos termos “pseudomelanosis coli” ou “lipofuscinose” do cólon para descrição dessa alteração.

Existe uma forte associação entre Melanosis coli e o uso excessivo de laxantes, em particular derivados de antraquinona [6], embora também possa ser visto em pacientes com doença inflamatória intestinal [5], diarreia crônica [7] ou com o uso de anti-inflamatórios não esteroidais [8]. É causada pela apoptose de células epiteliais do cólon induzida pela antraquinona, seguida de fagocitose dos restos celulares por macrófagos [9].

A Melanosis coli é mais frequentemente detectada durante a investigação da constipação de longa data e associação com uso crônico de catárticos de antraquinona (incluindo cáscara sagrada, senna, aloe vera e ruibarbo). Essa pigmentação ocorre, em geral, de forma mais pronunciada em cólon direito e raramente acomete o íleo, no entanto sua localização e intensidade podem ser variáveis [6]. Vide figuras 1 e 2.

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Figura 1: Melanosis coli em ceco
melanosis coli em ceco

Figura 2: Melanosis coli em sigmoide
melanosis coli em sigmoide

A presença de Melanosis coli tem associação com um aumento significativo na detecção de adenomas, em especial ≤ 5 mm e isolados. Isso se deve à maior facilidade de visualização dos adenomas mais claros em um fundo pigmentado (vide figuras 3, 4 e 5) [10]. Os adenomas raramente são pigmentados, embora haja relatos de melanosis neles [11].

Figura 3: adenoma em paciente com Melanosis coli
 adenoma em paciente com melanosis coli

 

Figura 4: aspecto com cromoscopia óptica (NBI)

aspecto com cromoscopia óptica (NBI)

 

Figura 5: fotomicrografia de polipectomia. Área central (não pigmentada) correspondente a adenoma.

fotomicrografia de polipectomia

 

Como mostrado nas figuras 6 e 7, uma biópsia submetida à coloração de hematoxilina eosina mostra macrófagos em lâmina própria preenchidos com grânulos de pigmento de cor marrom.

Figura 6: fotomicrografia mostrando macrófagos com grânulos de pigmento na lâmina própria

fotomicrografia

Figura 7: fotomicrografia mostrando macrófagos com grânulos de pigmento (maior aumento)

fotomicrografia

A pigmentação pode ocorrer após o curto prazo de uso do laxativo, sendo encontrados relatos após 6 meses de uso. Além disso, esta é uma condição reversível, podendo regredir após 1 ano de interrupção [12].

Apesar da ausência de relação definida entre Melanosis coli e neoplasia [10], [11], esta pode não ser uma condição inofensiva, visto que demonstra um sinal de agressão crônica da mucosa, necessitando de mais estudos para uma conclusão definitiva.

Agradecimentos à patologista Dra. Rafaela Pinheiro pelo fornecimento das figuras das lâminas.

Como citar este artigo:

Oliveira JF. Melanose cólica – Melanosis coli. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/melanosis-coli/

Referências:

  1. Steer HW, Colin-Jones DG. Melanosis coli: studies of the toxic effects of irritant purgatives. J Pathol. 1975; 115(4):199±205. https://doi.org/10.1002/path.1711150403 PMID: 1159566.
  2. Ghadially FN, Parry EW. An electron-microscope and histochemical study of melanosis coli. J Pathol Bacteriol. 1966; 92(2):313±7. https://doi.org/10.1002/path.1700920207 PMID: 5964370.
  3. Cruveilhier J. Anatomie pathologique du corps humain, ou Descriptions, avec figures lithographie 301es et colorie301es, des diverses alte301rations morbides dont le corps humain est susceptible: Paris, 1829±1835; 1835.
  4. Virchow R. Die pathologischen Pigmente. Arch. Pathol. Ant, 1847; 1(2): 379±404. https://doi.org/10. 1007/BF01975874
  5. Byers RJ, Marsh P, Parkinson D, et al. Melanosis coli is associated with an increase in colonic epithelial apoptosis and not with laxative use. Histopathology. 1997;30:160–164.
  6. 6. Freeman HJ. “Melanosis” in the small and large intestine. World J Gastroenterol. 2008;14:4296–4299.
  7. 7. Marshall JB, Singh R, Diaz-Arias AA. Chronic, unexplained diarrhea: are biopsies necessary if colonoscopy is normal? Am J Gastroenterol. 1995; 90(3):372±6. PMID: 7872272.
  8. 8. Lee FD. Importance of apoptosis in the histopathology of drug related lesions in the large intestine. J Clin Pathol. 1993; 46(2):118±22. PMID: 8459031.
  9. 9. Walker NI, Smith MM, Smithers BM. Ultrastructure of human melanosis coli with reference to its pathogenesis. Pathology. 1993;25:120–123.
  10. 10. Blackett JW, Rosenberg R, Mahadev S, Green PHR, Lebwohl B. Adenoma Detection is Increased in the Setting of Melanosis Coli. J Clin Gastroenterol. 2018 Apr;52(4):313-318. doi: 10.1097/MCG.0000000000000756. PubMed PMID: 27820223.
  11. 11. Coyne JD. Melanosis coli in hyperplastic polyps and adenomas. Int J Surg Pathol. 2013;21:261–263.
  12. 12. Liu ZH, Foo DCC, Law WL, Chan FSY, Fan JKM, Peng JS. Melanosis coli: Harmless pigmentation? A case-control retrospective study of 657 cases. PLoS One. 2017 Oct 31;12(10):e0186668. doi: 10.1371/journal.pone.0186668. eCollection 2017. PubMed PMID: 29088250; PubMed Central PMCID: PMC5663380.

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Síndromes de polipose colorretal

CÂNCER COLORRETAL HEREDITÁRIO E  SÍNDROMES DE POLIPOSE COLORRETAL – DESVENDANDO O MISTÉRIO – O QUE É FOCINHO DE PORCO E O QUE É TOMADA?

A maior parte dos casos de câncer colorretal é esporádica. Estima-se, no entanto, que fatores hereditários estejam envolvidos em cerca de 35% dos casos diagnosticados e que em 5% dos pacientes há uma síndrome genética bem caracterizada.

Recentemente, diversos autores têm reportado uma elevação nas taxas de incidência e mortalidade entre adultos jovens, com idade inferior a 50 anos. Nesse grupo etário em especial, acredita-se que 20% dos diagnósticos podem ter associação com síndromes hereditárias.

A correta identificação dessas situações permite a implementação de seguimento agressivo, além da precisa indicação de cirurgias que podem reduzir o impacto do câncer colorretal.

Existem inúmeras síndromes descritas, o que é inicialmente confuso. O texto a seguir se propõe a resumir as principais síndromes hereditárias associadas ao câncer colorretal, destacando as diferenças entre elas, características clínicas específicas, alterações genéticas envolvidas e recomendações de seguimento para cada situação.

Didaticamente, as síndromes podem ser divididas em dois grandes grupos: síndromes associadas à polipose de cólon e síndromes não associadas à polipose de cólon.

SÍNDROMES DE CÂNCER COLORRETAL HEREDITÁRIO
ASSOCIADAS À POLIPOSE NÃO ASSOCIADAS À POLIPOSE
FAP – POLIPOSE ADENOMATOSA FAMILIAR

FAP ATENUADA

MAP – POLIPOSE RECESSIVA

SÍNDROME PEUTZ-JEGHERS

POLIPOSE JUVENIL

POLIPOSE SERRILHADA

POLIPOSE HAMARTOMATOSA

POLIPOSE MISTA

SÍNDROME DE LYNCH

SÍNDROME “X”

SÍNDROMES ASSOCIADAS À POLIPOSE

FAP – POLIPOSE ADENOMATOSA FAMILIAR

A FAP é a mais conhecida e estudada das síndromes. Causada por uma mutação autossômica dominante no gene APC, responde por 1% dos casos de câncer colorretal. O diagnóstico baseia-se no achado de mais de 100 adenomas distribuídos pelo cólon e, em muitos casos, as lesões são quantificadas aos milhares. Os adenomas surgem durante a adolescência e o risco de evolução de câncer colorretal é de 100% até a idade de 40-50 anos.

É interessante destacar que, em cerca de 20% dos indivíduos, a mutação do gene APC é “de novo”, ou seja, são os primeiros da família a apresentar o quadro de FAP.

Há, ainda, uma grande associação com outras neoplasias ou alterações extra-colônicas que incluem adenomas duodenais e gástricos (95% dos casos), pólipos gástricos de glândulas fúndicas (80-90% dos casos), osteomas (80%), hipertrofia congênita de epitélio pigmentar da retina (75%), cistos epidermoides (50%), anormalidades dentárias (17%), tumores desmoides (15-30%) adenomas de suprarrenal (5%), neoplasias biliares, carcinoma papilar de tireoide, hepatoblastoma e meduloblastoma.

O câncer de duodeno corresponde à segunda neoplasia mais comum em pacientes portadores de FAP. As lesões precursoras, os adenomas duodenais, surgem cerca de 15 anos após os adenomas de cólon. Há um escore, denominado Escore de Spigleman, que estadia e orienta o seguimento endoscópico desses pacientes.

Para os familiares de pacientes portadores de FAP, a investigação está indicada a partir da adolescência, 10-12 anos de idade, com sigmoidoscopia anual ou bianual.

Escore de Spigelman e recomendações para adenomas duodenais associados à FAP

VARIÁVEIS 1 PONTO 2 PONTOS 3 PONTOS
Número de pólipos 1-4 5-20 > 20
Tamanho dos pólipos (mm) 1-4 5-10 > 10
Histologia tubular tubulovilosa vilosa
Displasia leve moderada acentuada
 
SCORE DE SPIGELMAN   ESTADIAMENTO RECOMENDAÇÃO
0 0 EDA 5 ANOS
1-4 I EDA 3-5 ANOS
5-6 II EDA 3 ANOS
7-8 III EDA 1 ANO
9-12 IV CIRURGIA OU EDA EM 6 MESES

O tratamento cirúrgico envolve três opções a depender da extensão do acometimento da doença e manifestações extra-colônicas: colectomia total com anastomose ileocólica, proctocolectomia com bolsa ileal e proctocolectomia com ileostomia. Em situações específicas, há estudos controlados mostrando que é possível proceder a quimioprevenção de pólipos adenomatosos, com sulindac (um anti-inflamatório não esteroidal) ou celecoxib (inibidor da COX-2). O mecanismo envolve apoptose com redução no tamanho e número dos pólipos, mas sem impacto na redução do risco de câncer.

FAP ATENUADA

A FAP atenuada é definida pela presença de menos de 100 adenomas, que se desenvolvem em torno da quarta ou quinta década de vida. Está também associada à mutação do APC. Manifestações extra-colônicas podem estar associadas, exceto a hipertrofia do epitélio pigmentar da retina, que é uma manifestação exclusiva da FAP.

Em alguns casos, os adenomas podem se concentrar no cólon direito e, a depender da quantidade de pólipos, os pacientes podem ser tratados endoscopicamente com polipectomias seriadas.

A colonoscopia de seguimento está indicada a cada 2 anos, a partir de 18-20 anos de idade.

MAP – SÍNDROME DE POLIPOSE RECESSIVA

A MAP é uma síndrome rara, autossômica recessiva, associada a mutações no gene MYH, com alta penetrância. Acredita-se que cerca de 1-2% da população norte-americana e europeia seja de portadores heterozigóticos da mutação. A média de idade ao diagnóstico é em torno de 40-50 anos e o números de pólipos pode variar entre < 100 (maior parte dos casos) até milhares. Cerca de 30% dos pacientes desenvolvem o câncer sem associação com polipose.

Cerca de 5% dos pacientes podem apresentar manifestações extra-colônicas, como adenomas duodenais e há uma predileção de distribuição dos pólipos no cólon direito.

Para portadores bialélicos da mutação no gene MYH, o seguimento está indicado a cada 2 anos, a partir de 18-20 anos. Para portadores monoalélicos, o seguimento é semelhante ao do câncer colorretal esporádico.

O tratamento depende do número, tamanho e localização dos pólipos e é semelhante ao da FAP atenuada.

SÍNDROME DE PEUTZ-JEGHERS

Trata-se de uma rara síndrome autossômica dominante causada pela mutação no gene STK11, associada à polipose hamartomatosa. Os pólipos podem se apresentar em qualquer ponto do TGI.

A OMS estabelece como critério de diagnóstico a presença de pelo menos três pólipos hamartomatosos, ou qualquer número de pólipos hamartomatosos associados à típica pigmentação mucocutânea, para pacientes sem história familiar.

Os pólipos da síndrome de Peutz-Jeghers são mais comuns no intestino delgado (78%), cólon (42%), estômago (38%) e reto (28%). Os portadores dessa síndrome podem desenvolver uma grande variedade de neoplasias (mama, estômago, pâncreas, pulmão, ovário, colo uterino) inclusive câncer colorretal, que se desenvolve em 20% dos pacientes. As recomendações de seguimento incluem todas as neoplasias associadas à síndrome (EDA, TC TÓRAX, RNM ABDOME, MAMOGRAFIA E CA-125). A colonoscopia está indicada a partir de 25 anos de idade, a cada 2 a 5 anos.

O tratamento endoscópico dos pólipos hamartomatosos pode ser uma opção. O tratamento cirúrgico depende do tamanho e localização dos pólipos ou lesões associadas.

SÍNDROME DE POLIPOSE JUVENIL

Os pólipos juvenis são hamartomas e constituem os pólipos mais comuns em crianças, geralmente com apresentação solitária, sem potencial maligno.

Esses pólipos podem, no entanto, fazer parte da síndrome de polipose juvenil e, nesses casos, há potencial maligno. A síndrome de polipose juvenil é rara, autossômica dominante, que inclui mutações nos genes SMAD4 e BMPR1A.

Pacientes portadores da mutação SMAD4 têm maior risco de polipose gástrica e da síndrome de telangiectasia hemorrágica hereditária.

O diagnóstico é feito quando temos cinco ou mais pólipos juvenis no cólon, sem história familiar ou qualquer número de pólipos no estômago ou cólon, com história familiar. Os pólipos se desenvolvem na terceira década de vida e cerca de 10-20% dos pacientes apresentam anormalidades congênitas (macrocefalia, anomalias cardíacas, fissura palatina, anormalidades do TGU).

O seguimento está indicado para parentes de 1º grau a partir de 12 anos de idade com colonoscopia a cada 1-3 anos.

SÍNDROME DE POLIPOSE SERRILHADA

É também conhecida como síndrome de polipose hiperplásica. Acredita-se que o mecanismo de carcinogênese envolva a via do fenótipo metilador das ilhas CPG (CIMP) com provável inativação de genes supressores de tumor.

O diagnóstico da síndrome de polipose serrilhada é baseado nos seguintes critérios:

  • 20 ou mais pólipos serrilhados em qualquer localização no cólon;
  • 5 ou mais pólipos serrilhados proximais ao cólon sigmoide, com dois pólipos > 1 cm;
  • Pelo menos 1 pólipo serrilhado proximal ao cólon sigmoide e um parente de primeiro grau portador da síndrome de polipose serrilhada.

O diagnóstico é normalmente feito durante colonoscopia de rastreamento e, uma vez confirmado, estão recomendadas colonoscopias anuais de seguimento.

SÍNDROMES DE POLIPOSE HAMARTOMATOSA

Incluem síndromes autossômicas dominantes raras associadas à mutação do gene PTEN como a Síndrome de Cowden (SC) e a Síndrome Bannayan-Riley-Ruvacalba.

Na SC, o órgão mais comumente acometido é a pele (triquilemomas faciais, papilomas orais e queratose acral). Há associação com neoplasias extra-colônicas como mama, tireoide, rim e melanoma. O risco de câncer de mama nesses casos é semelhante ao de portadores de mutação do BRCA. A maioria dos pacientes portadores dessas síndromes apresentam pólipos colônicos, hiperplásicos e hamartomatosos. As recomendações de rastreamento incluem colonoscopia a cada 5 anos, a partir de 35-40 anos de idade.

SÍNDROME DE POLIPOSE MISTA

Trata-se de uma condição rara caracterizada por múltiplos pólipos de histologias variadas (adenomatosos, hiperplásicos, hamartomatosos) que surgem durante a adolescência, como resultado da mutação do gene GREM1. O seguimento colonoscópico está indicado a cada 1-3 anos para pacientes portadores dessa síndrome.

SÍNDROMES NÃO ASSOCIADAS À POLIPOSE

SÍNDROME DE LYNCH

A síndrome de Lynch envolve mutações autossômicas dominantes dos genes de reparo (genes MMR), o que promove um risco aumentado de câncer colorretal sem associação com quadro de polipose. É responsável por cerca de 1-3% dos casos de câncer colorretal e está associada com uma grande variedade de neoplasias.

Os genes envolvidos na síndrome de Lynch incluem MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2. Mutações em MLH1 e MSH2 estão presentes em 80% dos casos. As mutações em MLH1 estão associadas com desenvolvimento de câncer em pacientes mais jovens.

O diagnóstico da síndrome de Lynch se baseia nos critérios de Amsterdam II e Bethesda, associados à pesquisa das mutações associadas.

O risco de desenvolvimento de câncer colorretal ao longo da vida varia de 15 a 70%. As demais neoplasias associadas incluem endométrio, trato urinário, ovário, pâncreas, estômago, intestino delgado, trato biliar, cérebro e pele.

Em portadores da síndrome, as colonoscopias de rastreamento estão indicadas a cada 1-2 anos a partir de 20-25 anos de idade. Há estudos clínicos randomizados que mostram eficácia da quimioprofilaxia com uso de altas doses de AAS (600mg/dia por pelo menos 2 anos), mostrando redução de 60% na incidência do câncer colorretal nesses pacientes.

SÍNDROME “X”

Essa síndrome inclui 40% das famílias que preenchem os critérios de Amsterdam I, mas não possuem mutação nos genes de reparo identificada. Há uma elevação do risco de câncer colorretal em relação à média da população, mas não há elevação de incidência das demais neoplasias associadas à síndrome de Lynch. O seguimento colonoscópico está indicado a cada 3-5 anos, 10 anos antes da idade do membro mais jovem da família acometido.

CRITÉRIOS DE AMSTERDAM I
–      Pelo menos três familiares com câncer colorretal;

–      Um deve ser parente de primeiro grau dos outros dois;

–      Pelo menos duas gerações acometidas;

–      Pelo menos um dos familiares diagnosticado antes de 50 anos de idade;

–      FAP deve ser excluída.

CRITÉRIOS DE AMSTERDAM II
–      Três ou mais familiares com neoplasias associadas à síndrome de Lynch;

–      Um deve ser parente de primeiro grau dos outros;

–      Pelo menos duas gerações acometidas;

–      Pelo menos um dos familiares diagnosticado antes de 50 anos de idade;

–      FAP deve ser excluída.

CRITÉRIOS DE BETHESDA
–      Câncer colorretal diagnosticado antes de 50 anos de idade;

–      Câncer colorretal sincrônico, metacrônico ou outra neoplasia associada à síndrome de Lynch;

–      Câncer colorretal com histologia mostrando instabilidade de microssatélites em pacientes < 60 anos de idade;

–      Câncer colorretal em um ou mais parentes de primeiro grau com neoplasia associada à síndrome de Lynch, um deles com diagnóstico < 50 anos de idade;

–      Câncer colorretal diagnosticado em dois ou mais parentes de primeiro ou segundo grau com neoplasias associadas à síndrome de Lynch.

Como citar este artigo:

Cardoso DM. Síndromes de polipose colorretal. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindromes-de-polipose-colorretal/

Referências

  1. Byrne RM, Tsikitis VL. Colorectal polyposis and inherited colorectal syndromes. Ann Gastroenterol 2018; 31: 1-11.
  2. Mahon SM. Hereditary Polyposis Syndromes. Gentics and Genomics 2018; 22(2): 151-6.
  3. Patel SG, Ahnen DJ. Colorectal câncer in the Young. Curr Gastroenterol Rep 2018; 20:15.

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ATUALIZAÇÕES E RECOMENDAÇÕES SOBRE A COVID-19

Elaborado pela Sociedade Brasileira de Infectologia em 09/12/2020

Diagnóstico e evolução dos pacientes

Os sintomas mais frequentes da COVID-19 são: febre, tosse, dor de garganta, dor “tipo sinusite”, náuseas, perda de apetite, perda ou alteração do olfato e/ou do paladar, cansaço, dores musculares, dor torácica e falta de ar. Alguns pacientes apresentam sintomas gastrointestinais como náuseas, “dor de estômago” ou diarreia.

No atual momento da pandemia, todo paciente com sintomas de “resfriado ou gripe” pode ter COVID-19 e deve ficar imediatamente em isolamento respiratório, procurando atendimento médico por consulta presencial ou por teleconsulta. Pacientes sintomáticos com suspeita de COVID-19 devem ser submetidos, preferencialmente, ao exame de RT-PCR, com material coletado da nasofaringe por swab, idealmente na 1ª semana de sintomas. Esse exame tem de 60% a 80% de sensibilidade. Se o resultado for positivo para COVID-19, confirma o diagnóstico, já que resultados falso-positivos são raros (especificidade de 99% ou mais). Se o resultado for negativo, mas a suspeita clínica for forte, o paciente também deve completar 10 dias de isolamento respiratório, já que o RT-PCR pode ser falso-negativo. Considerar repetir o exame. (ler item 4 sobre ISOLAMENTO RESPIRATÓRIO). Outro exame diagnóstico possível de ser realizado na primeira semana de sintomas é o teste de antígeno. É mais barato, não necessita de um laboratório, tem menor tempo para o resultado, porém a sensibilidade é inferior à do RT-PCR, principalmente nos indivíduos assintomáticos e com carga viral baixa. Sendo assim, esse teste negativo não exclui o diagnóstico.

Os testes sorológicos para COVID-19 (exames de sangue), tanto os rápidos de farmácia quanto os de laboratório, não são recomendados para o diagnóstico precoce da doença. As classes de anticorpos IgA e IgM têm praticamente nenhuma utilidade clínica. A detecção de anticorpos totais ou IgG indica infecção prévia pelo vírus SARS-CoV-2 e são importantes em estudos epidemiológicos.

A maioria dos pacientes com COVID-19, especialmente os com menos de 50 anos e que não têm comorbidades (doenças crônicas pré-existentes), evoluem bem, sem complicações, sem necessidade de internamento hospitalar. Os principais fatores de risco para evoluir para COVID-19 grave são: pessoas com 60 anos ou mais, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doença cardiovascular (insuficiência cardíaca, insuficiência coronariana, cardiomiopatia), diabetes tipo 2, obesidade (IMC de 30 ou mais), doença renal crônica, imunocomprometidos (receptores de transplante de órgãos, pessoas que vivem com HIV e tem contagem de linfócitos T CD4+ baixa, indivíduos com câncer) e anemia falciforme. Estes pacientes devem ser acompanhados com avaliação dos sintomas, bem como verificação diária de temperatura para detectar febre e da oximetria digital para detectar hipóxia (diminuição de oxigênio no sangue e nos tecidos e órgãos). Para as gestantes e pacientes com algumas doenças crônicas, tais como: asma moderada e grave, doenças cerebrovasculares, fibrose cística, hipertensão arterial, tabagismo, diabetes tipo 1, demência, doenças hepáticas e outros estados de imunossupressão, os dados científicos atuais estão sendo avaliados para incluí-los ou não nos “grupos de risco para COVID-19 grave” (N Engl J Med. Oct 29, 2020).

 

Tratamento precoce nos primeiros dias de sintomas

A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) não recomenda tratamento farmacológico precoce para COVID-19 com qualquer medicamento (cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, nitazoxanida, corticoide, zinco, vitaminas, anticoagulante, ozônio por via retal, dióxido de cloro), porque os estudos clínicos randomizados com grupo controle existentes até o momento não mostraram benefício e, além disso, alguns destes medicamentos podem causar efeitos colaterais. Ou seja, não existe comprovação científica de que esses medicamentos sejam eficazes contra a COVD-19. Essa orientação da SBI está alinhada com as recomendações das seguintes sociedades médicas científicas e outros organismos sanitários nacionais e internacionais: Sociedade de Infectologia dos EUA (IDSA) e da Europa (ESCMID), Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH), Centros Norte-Americanos de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Agência Nacional de Vigilância do Ministério da Saúde do Brasil (ANVISA). Na fase inicial, medicamentos sintomáticos, como analgésicos e antitérmicos, como paracetamol e/ou dipirona, podem ser usados para pacientes que apresentam dor e/ou febre. Principais referências: N Engl J Med. Oct 29, 2020; www.idsociety.org/COVID-19guidelines (atualizado 02/12/2020); NIH COVID-19 Treatment Guidelines (atualizado 03/12/2020); https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/therapeutic-options.html (atualizado em 04/12/2020).

 

A enorme importância de detectar hipóxia, incluindo a hipóxia silenciosa

Os pacientes que evoluem com pneumonia grave, com falta de oxigênio no sangue e nos órgãos (hipóxia), necessitam de internamento hospitalar. A maioria desses pacientes são os que têm mais de 60 anos e/ou os que têm doenças crônicas como diabetes, insuficiência cardíaca, enfisema pulmonar, imunodeprimidos, insuficiência renal crônica e obesidade. Fundamental detectar o primeiro sinal de hipóxia (falta de oxigênio) através da oximetria digital, pois muitos pacientes têm hipóxia sem sentir falta de ar, que é a HIPÓXIA SILENCIOSA. Os pacientes de risco para COVID-19 grave devem verificar a oximetria digital (exame com o aparelho oxímetro no dedo) diariamente. É um exame não invasivo. A pneumonia com hipóxia (oximetria digital com saturação de oxigênio menor que 95%) geralmente ocorre ao redor do 7º dia de sintomas (entre o 5º e o 9º dia) na maioria dos pacientes. Ao se detectar esta pneumonia com hipóxia, o que ocorre, em geral, quando o comprometimento pulmonar é igual ou superior a 50%, o tratamento hospitalar com oxigenioterapia, dexametasona (corticoide) e heparina (anticoagulante) profilático fará com que a maioria dos pacientes evoluam bem e sem necessidade de ventilação mecânica (respirador) na UTI. Principal referência bibliográfica: Dexamethasone in Hospitalized patients with Covid-19 — Preliminary Report The RECOVERY Collaborative Group. N Engl J Med. July 17, 2020. DOI: NEJMoa2021436.

 

Isolamento respiratório

Todos os pacientes com suspeita clínica forte de COVID-19 e os com doença confirmada (exame de RT-PCR de nasofaringe positivo) devem ficar 10 dias em isolamento respiratório domiciliar, isto é, devem ficar preferencialmente sozinhos no quarto, afastados de seus familiares e amigos. Pacientes com COVID-19 grave, que são os que internam nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e/ou os imunodeprimidos, poderão ter a duração do isolamento respiratório prolongado para até 20 dias, analisando-se individualmente cada caso. Nenhum exame está indicado para alta do isolamento ou volta ao trabalho, nem RT-PCR de nasofaringe e nem sorologia. Deve-se contar 10 dias de isolamento respiratório, desde que sem febre nas últimas 24 horas, a partir do 1º dia de sintomas.

 

Contatantes próximos

As pessoas que tiveram contato de alto risco com paciente com COVID-19, também chamados de contatantes próximos, que são as pessoas que tiveram proximidade com pacientes com suspeita ou COVID-19 confirmada sem máscaras, por 15 minutos ou mais e a uma distância menor de 1,8 metro (CDC), também devem ficar em isolamento respiratório por 10 a 14 dias (período máximo de incubação). O médico deve avaliar o tipo de contato para avaliar a necessidade de testes diagnósticos e acompanhamento. O período de incubação da COVID-19, na maioria dos casos, é entre 2 e 5 dias, podendo chegar a 14 dias. Uma estratégia para os contatantes próximos que permanecem assintomáticos (isto é, sem sintomas) é realizar RT-PCR nasal colhido entre 6 e 8 dias depois do último contato. Se o resultado for positivo, o indivíduo deve ficar 10 dias em isolamento respiratório, contados a partir da data do exame. Se o RT-PCR for negativo, poderá sair do isolamento respiratório em 7 dias, contados a partir da data do último contato, mantendo as medidas preventivas. Se o contato do caso positivo apresentar qualquer sintoma suspeito de COVID-19 nas 2 semanas após o contato, deve colher RT-PCR nasal para SARS-CoV-2 e seguir o apresentado no item 4. Principal referência bibliográfica: www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/more/scientific-brief-options-to-reducequarantine.html (atualizado 02/12/2020).

 

Pode ocorrer reinfecção pelo SARS-CoV-2?

A reinfecção ou 2ª infecção parece ser incomum. A maioria das pessoas que tiveram infecção assintomática ou a doença COVID-19, provavelmente, estarão imunes por, pelo menos, 3 a 5 meses. Estudos em andamento e estudos futuros responderão por quanto tempo o paciente ficará imune com mais precisão. Mesmo as pessoas que tiveram COVID-19 devem continuar praticando as medidas de prevenção (item 7). Não há indicação de fazer sorologia (IgG ou anticorpos totais) em pacientes que tiveram COVID-19 confirmado (PCR nasal para SARS-CoV-2 detectado), a não ser em pesquisas epidemiológicas.

 

Medidas de prevenção

As seis “regras de ouro” da prevenção da COVID-19 devem ser praticadas todo dia, o dia todo, e diminuem MUITO o risco de alguém ser infectado. São elas: 

  1.  Uso de máscara; 
  2.  Distanciamento físico de 1,5 metro; 
  3.  Higienização frequente das mãos com água e sabão ou álcool gel a 70%; 
  4.  Não participar de aglomerações, como reuniões, festas de confraternização em bares e restaurantes; 
  5.  Manter ambientes ventilados / arejados;
  6.  Paciente com sintomas de “resfriado” ou “gripe” deve ficar imediatamente em isolamento respiratório, pois pode ser COVID-19.

Confira nosso artigo sobre máscara N95.

Vacinas contra a COVID-19

A mensagem sobre as vacinas é de OTIMISMO. Várias delas estão em fase 3 de pesquisa clínica (a última fase para serem aprovadas) e algumas já receberam, ou vão receber, a autorização de uso emergencial na Europa e nos EUA nos próximos dias ou semanas. Alguns países vão iniciar a vacinação, começando pelos profissionais de saúde e residentes em lares para idosos neste início de dezembro/2020. No Brasil, elas poderão ser utilizadas somente após a aprovação da Anvisa. A vacinação no Brasil também dependerá da logística, que inclui transporte das vacinas adequadamente refrigeradas, conforme cada uma delas exige, bem como a compra e distribuição pelo Ministério da Saúde. Enfim, é fundamental que tenhamos vacinas eficazes e seguras no Brasil nos próximos meses.

Como citar este artigo:

ATUALIZAÇÕES E RECOMENDAÇÕES SOBRE A COVID-19. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/atualizacoes-e-recomendacoes-sobre-covid-19-elaborado-em-09122020/

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Como você informa seu paciente sobre notícias difíceis?

Como médicos, muitas vezes, fazemos diagnósticos de doenças graves, tratamentos complexos, cirurgias, complicações, tumores, em suma: condições que trarão graus variáveis de desconforto ao paciente, seja por meio de sintomas, modificação de seus hábitos (alimentares, exercícios, lazer etc), limitações físicas/psicológicas, até de sua morte. É comum que tenhamos dificuldades e temores em passar essas notícias aos pacientes e familiares pela própria natureza das informações como por nosso receio de:

  • Não sabermos lidar bem as emoções e reações dos pacientes e familiares;
  • Trazermos consequências negativas ao paciente, removendo suas esperanças frente a condições graves e reduzindo a aderência ao tratamento;
  • Passarmos informações que sejam interpretadas erroneamente pelo paciente, transmitindo falsas esperanças e/ou omitirmos informações relevantes.

Embora situações como essas sejam frequentes no meio médico, é incomum recebermos treinamento adequado sobre como informar más notícias nas faculdades, universidades, cursos de residência médica ou especializações ao longo de nossa formação. Muitos acreditam que notícias difíceis são assim por sua própria natureza e, portanto, independem ou sofrem pouco impacto pela forma como são apresentadas. Na verdade, é um processo difícil, pois nunca sabemos ao certo como essas notícias afetam a vida dos pacientes, como eles irão processar e reagir a essas informações.

Algumas especialidades frequentemente precisam informar seus pacientes sobre diagnósticos difíceis, seja por sua gravidade, repercussões e decisões que devem ser tomadas para seu tratamento, notadamente a oncologia e cirurgia oncológica.

Foi publicado na revista The Oncologist um trabalho clássico sobre como passar informações difíceis a pacientes oncológicos por meio de um protocolo de seis passos, denominado SPIKES. Esse trabalho tornou-se referência, alimentando a discussão sobre o tema e originando outras publicações relevantes. Resumidamente, o protocolo SPIKES consiste em seis passos:

Passo 1 – Setting up (preparo)

Nesta etapa, deve-se criar um ambiente adequado, garantindo o máximo de privacidade ao paciente, reservando tempo e evitando interrupções. Recomenda-se convidar os envolvidos a sentarem em local calmo, com telefones desligados, mantendo contato visual durante o diálogo.

Passo 2 – Perception (percepção)

Nesta etapa, avalia-se o conhecimento que o paciente tem sobre sua doença ou complicação. Perguntas simples e objetivas podem ser feitas para avaliar o conhecimento prévio ou expectativas do paciente sobre a situação. Dessa forma é mais fácil corrigir informações incorretas e identificar mecanismos de defesa do paciente, como negação, por exemplo.

Passo 3 – Invitation (convite)

A maioria dos pacientes prefere ter o máximo de informações sobre suas doenças e possíveis tratamentos, porém, outros preferem saber apenas de informações mais importantes e transferem as decisões para o próprio médico. É importante avaliar e respeitar o padrão no qual o paciente se encaixa para definir como as informações serão passadas.

Passo 4 – Knowledge (conhecimento)

Etapa na qual as informações sobre a doença ou complicação são passadas ao paciente, de acordo com seu poder de compreensão. Sugere-se evitar ou reduzir a quantidade de termos técnicos, simplificando as informações, fazendo a comunicação de forma gradual, tanto para que o paciente possa absorver como reagir às informações recebidas. Evitar ser muito direto ou negativo sobre prognósticos mais reservados, lembrando que existem diversas opções tanto para tratamento curativo como paliativo.

Passo 5 – Emotions (emoções)

Ao receber notícias difíceis, o paciente pode apresentar reações muito diversas, como frustração, raiva, negação, tristeza, assim como alternar entre estas ou outras no decorrer do diálogo. Recomenda-se observar e tentar identificar as reações do paciente, dando tempo para que ele expresse seus sentimentos ou dúvidas. Deve-se manter uma postura receptiva, mostrando empatia, tentando compreender como o paciente se sente diante da notícia e/ou de suas repercussões.

Passo 6 – Strategy , Summary (estratégia e resumo)

Nesta etapa, são apresentadas as possíveis estratégias de tratamento e quais soluções serão apresentadas, caso o paciente esteja preparado para tal e deseje tomar essas decisões no momento. Estimula-se que as decisões sejam tomadas com participação ativa do paciente, dividindo as responsabilidades e respeitando suas opções.

 

Na endoscopia, a transmissão de notícias difíceis felizmente não é frequente, ocorrendo principalmente no diagnóstico de neoplasias, na presença de alguma complicação do próprio exame endoscópico ou de procedimentos cirúrgicos prévios. Torna-se mais difícil, particularmente, em casos de diagnóstico incidental de tumores em exames de rastreamento quando os sintomas são frustros ou negligenciados.

O protocolo SPIKES é bastante simples, no entanto, agrega muito valor para que a comunicação de uma notícia difícil consiga ser realizada de forma eficaz com o menor ruído possível, entregando ao paciente e familiares as informações técnicas para que seja possível realizar o tratamento de forma humanizada. São passos simples, porém frequentemente negligenciados ou realizados de forma incompleta ou desordenada, dificultando a recepção da notícia e possivelmente trazendo prejuízo à relação médico-paciente.

Na endoscopia, temos ainda dois fatores importantes a considerar:

Sedação: Quase todos exames endoscópicos são realizados sob sedação venosa, o que traz implicações sobre os atos que o paciente pode realizar e ser responsabilizado durante o período de recuperação pós-anestésica, uma vez que sua atenção e compreensão podem estar prejudicadas pelo uso das medicações, motivo pelo qual não é permitido ao paciente dirigir ou trabalhar nesse momento. As orientações e decisões tomadas no período pós-sedação devem ser realizadas com participação ou na presença do acompanhante do paciente, uma vez que este último está sob influência de fatores que limitam seu raciocínio e tomada de decisões, havendo determinação do próprio Ministério da Saúde, por meio da RDC no 6 de 2013, sobre a obrigatoriedade da presença de um acompanhante para liberação de paciente após realização de procedimento endoscópico sob sedação não tópica. No caso de complicações pós-exame, a definição do tratamento da complicação ou de orientações específicas fazem parte do exame e devem ser realizadas na presença do acompanhante.

Médico assistente: Geralmente, recebemos pacientes de outras especialidades, realizamos diagnósticos e terapêuticas específicas, orientamos sobre tratamento e seguimento realizando um papel específico focado principalmente no exame/procedimento enquanto o médico solicitante assume papel de médico assistente, realizando a condução do caso. A atuação desses dois médicos permite a criação de uma zona de interseção que deve ser tratada com cautela para minimizar choque de informações que possam deixar o paciente inseguro ou confuso. Não há regra clara para definir onde começa e termina o papel de cada um, quais informações e condutas são de responsabilidade de um e outro, cabendo ao bom senso definir esses passos.

No caso de notícias difíceis, essa atenção deve ser redobrada para passarmos as informações mais relevantes ao paciente e acompanhante. Tenho a opinião de que devemos ter bastante cautela como endoscopistas para não nortear condutas e não assumir o papel de médico assistente, pois não é nosso principal papel como médicos especialistas na realização dos exames e procedimentos endoscópicos. Obviamente, muitas vezes, o endoscopista atua nas duas funções, como endoscopista e médico assistente (gastroenterologista, cirurgião etc), não havendo, portanto, conflito de informações.

E você, como informa notícias difíceis ao seu paciente? Comente abaixo.

Como citar este artigo:

Ferreira F. Como você informa seu paciente sobre notícias difíceis?. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntos-gerais-como-voce-informa-seu-paciente-sobre-noticias-dificeis

Fonte: Baile et al. SPIKES – A Six‐Step Protocol for Delivering Bad News: Application to the Patient with Cancer. The Oncologist, 2000

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Nova Ortografia aplicada à Endoscopia

Pasquale

 

Como você escreveria?

  • Paciente com ressecção do cólon sigmóide. Anastomose colo-retal término-terminal ampla e sem lesões.
  • Paciente com ressecção do cólon sigmoide. Anastomose colorretal terminoterminal ampla e sem lesões.

Muita gente ainda se confunde com o Novo Acordo Ortográfico brasileiro.

Este “novo” acordo é um tratado internacional firmado em 1990 com o objetivo de tentar criar uma ortografia unificada para o português, a ser usada por todos os países de língua oficial portuguesa.

No Brasil, essas mudanças ortográficas se iniciaram em 2009 (vigência ainda não obrigatória). Entre 2010 e 2012 houve adaptação completa dos livros didáticos às novas regras, e a partir de 2013 a vigência deveria ser obrigatória em todo o território nacional, mas sua obrigatoriedade foi postergada para 01/01/2016.

De fato, gramática é um assunto indigesto para a maioria das pessoas. Mas em se tratando de textos oficiais, como, por exemplo, os laudos endoscópicos, é importante utilizarmos a grafia correta, mesmo porque espera-se que a classe médica tenha um certo nível de instrução.

Neste post, tentei resumir de maneira bem simples as principais mudanças da nova ortografia, citando exemplos com palavras do nosso “medicinês”.

 

ACENTUAÇÃO

  1. Não se usa mais o acento em ditongos abertos éi e ói das palavras paroxítonas

  • sigmoide
  • hemorroida
  • cerebroide
  • paranoico
  • ideia
  • coreia
  • plateia

Atenção:

Essa regra é válida somente para palavras paroxítonas. Assim, continuam a ser acentuadas as palavras oxítonas e os monossílabos tônicos terminados em éis e ói(s). Exemplos: papéis, herói, heróis, dói, sóis etc.

  1. Não se usa mais o acento das palavras terminadas em êem e ôo(s)

  • enjoo
  • abençoo
  • leem
  • creem

USO DO HÍFEN NOS PREFIXOS

  1. Não se usa o hífen se o prefixo terminar com letra diferente daquela com que se inicia a outra palavra

  • antibiótico
  • microcirculação
  • contralateral
  • pseudopólipo
  • justacárdica
  • pseudodeprimido
  • ultrassom
  • semicircunferencial
  • intratorácico
  • peridiverticular
  • hiperacidez
  • interobservador
  • subcárdico
  • submucosa
  • subtotal
  • pancolite
  • subepitelial
  1. Usa-se o hífen se o prefixo terminar com a mesma letra com que se inicia a outra palavra

  • intra-abdominal
  • anti-inflamatório
  • justa-anastomótica
  • inter-racial
  • super-resistente
  1. SEMPRE usar hífen diante de palavra iniciada por H

  • anti-higiênico
  • anti-histamínico
  • sobre-humano
  • super-homem

* Casos particulares

SEMPRE usar hífen com os prefixos ex, sem, além, aquém, recém, pós, pré, pró: Pré-pilórico, pró-biótico, pré-história, pós-operatório, pós-polipectomia, recém-operado, recém-nascido, ex-aluno.
Com o prefixo sub e sob, usa-se o hífen também diante de palavra iniciada por r: sub-região, sub-residente, sob-roda.

 

USO DO HÍFEN COM COMPOSTOS

Particularmente, eu acho que este é o cenário com as regras mais difíceis de entender. Palavras compostas que não apresentam elementos de ligação são grafadas com hífen. Exemplos: guarda-chuva, arco-íris, boa-fé, segunda-feira, mesa-redonda, vaga-lume, joão-ninguém, porta-malas, porta-bandeira, pão-duro, bate-boca. No entanto, não usamos hífen nas palavras que perderam a noção de composição, tais como: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, paraquedismo.

Na nossa prática, a maioria das palavras compostas perdeu o hífen:

  • colorretal
  • anteroposterior
  • anatomopatológico
  • terminoterminal
  • transição esofagogástrica
  • anastomose gastrojejunal

Existem várias outras regras, e o assunto é ainda mais complicado. As regras que colocamos aqui foram apenas as principais. Talvez, outra que valha a pena destacar é que não se usa hífen na composição de palavras com NÃO (diferentemente do inglês).

Exemplo: prótese não recoberta.

No site da Academia Brasileira de Letras, existe uma ferramenta de buscas: o VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa). Na dúvida de como escrever uma palavra, ou se ela existe ou não, basta digitá-la no campo de busca do site.

 

Respondendo à pergunta inicial, o correto seria:

  • Paciente com ressecção do cólon sigmoide. Anastomose colorretal terminoterminal ampla e sem lesões.

Como citar este artigo:

Martins B. Nova Ortografia aplicada à Endoscopia. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/nova-ortografia-aplicada-a-endoscopia/

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INTUBAÇÃO CECAL – AS APARÊNCIAS PODEM ENGANAR… SERIA O “MUITO BOM” INIMIGO DO “ÓTIMO”?

Observe essa imagem e responda…. Na sua opinião, essa é uma imagem de intubação cecal
adequada?
Intubação cecal
 
Agora vamos assistir a um vídeo e ver o que a imagem acima esconde:
 

 
Atingir o ceco de maneira consistente, segura e eficiente, com o mínimo desconforto para
o paciente, demanda conhecimento técnico, teórico e habilidades específicas dos endoscopistas. A realização de um
exame de colonoscopia completo envolve um grau de dificuldade considerável e é de grande importância, já que
qualquer área da mucosa do cólon pode abrigar lesões.
A colonoscopia só é considerada completa quando ocorre intubação do ceco. No ano de
2015, uma força-tarefa que incluía a Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal (ASGE) estabeleceu três
indicadores de qualidade considerados “prioritários” para realizar uma colonoscopia com alta qualidade. São eles: a
taxa de detecção de adenoma (TDA), taxa de intubação cecal (TIC) e o uso de intervalos apropriados para rastreamento
e vigilância.
De maneira geral, a habilidade do endoscopista é tida como determinante mais importante
da intubação cecal, e as recomendações atuais estipulam que a TIC deve ser 95% para colonoscopias de
rastreamento.
Será que existem estratégias para melhorar a performance e aumentar a TIC? Será que no
caso da intubação cecal o “muito bom” é inimigo do “ótimo”? Será que lesões avançadas podem estar sendo
subdiagnosticadas?
No post de hoje vamos conversar sobre o conceito de intubação cecal, dificuldades para
realizar a intubação cecal, relevância e a evidência científica existente.
 

VOCÊ CONHECE O CONCEITO DE INTUBAÇÃO DO CECO?

Há um consenso na literatura que a intubação cecal consiste no acesso ao ceco, com exame
e registro de toda sua concavidade e marcos anatômicos, ou seja, óstio apendicular, parede medial junto à válvula
ileocecal, e a própria válvula ileocecal.
Várias situações podem dificultar ou mesmo impedir a adequada intubação do ceco. Podemos
destacar: preparo inadequado, presença de ângulos fixos no cólon, segmentos redundantes, formação de alças, sedação
inadequada levando à dor e desconforto. Além disso, algumas doenças como diverticulose, doença intestinal
inflamatória, estenoses benignas ou malignas podem ser fatores associados.
 

EXISTE RELAÇÃO ENTRE A TIC E A TAXA DE DETECÇÃO DE ADENOMAS?

Sim, existe. Essa relação é demonstrada em vários estudos. O inverso também é
verdadeiro: baixas taxas de intubação cecal são associadas à maior taxa de câncer de intervalo, tanto em cólon
direito quanto em cólon esquerdo.
Bick e cols mostraram em um estudo retrospectivo que envolveu 520 pacientes encaminhados
a um serviço especializado em colonoscopias após uma colonoscopia incompleta. A taxa de detecção de adenomas nesse
grupo foi de 53,3%, sendo que, em 101 pacientes, foram encontrados adenomas avançados. Nove pacientes foram
diagnosticados com adenocarcinomas.
 

A INTUBAÇÃO DO ÍLEO MELHORA A PERFORMANCE DIAGNÓSTICA EM COMPARAÇÃO COM A INTUBAÇÃO DO CECO?

Buerger e cols, em um estudo do ano de 2019, testaram essa hipótese num estudo
envolvendo mais de 4000 pacientes, mostrando que a intubação do íleo não foi associada a uma maior detecção de
adenomas e de lesões serrilhadas em análise multivariada (OR 1.025, 95%-CI 0.639–1.646, p = 0.918, e OR 0.937,
95%-CI 0.671–1.309, p = 0.704, respectivamente).
 

O QUE SERIA DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA ADEQUADA DA INTUBAÇÃO DO CECO?

Não há uma definição clara do que seria necessário para proceder uma documentação
fotográfica confiável. Rex e cols, em uma publicação de 2020, relata que a documentação fotográfica confiável da
intubação cecal deve conter pelo menos uma imagem do óstio apendicular, da válvula ileocecal ou do íleo
terminal.
 

E NÓS? SERÁ QUE ESTAMOS FORNECENDO INFORMAÇÕES CONFIÁVEIS EM NOSSOS RELATÓRIOS ENDOSCÓPICOS?

A qualidade da TIC auto-relatada durante a colonoscopia foi abordada por Rupinska e cols
em um estudo polonês, que comparou a TIC relatada pelos endoscopistas com vídeos dos exames realizados. Os autores
demonstraram que a taxa de intubação cecal documentada por vídeo foi significativamente menor do que a taxa de
intubação cecal auto-relatada (84,4% vs. 96,6%, p = 0,001).
 

QUAL É A CURVA DE APRENDIZAGEM NECESSÁRIA PARA REALIZAR UMA ADEQUADA INTUBAÇÃO CECAL?

Esse assunto ainda é tema de intensos debates. Competência na intubação cecal requer
treinamento prático de alta qualidade.
Uma revisão sistemática publicada em 2014, de Shahidi e cols, envolvendo 18 estudos, com
247 trainees e 37700 exames, teve o objetivo de definir a curva de aprendizagem geradora de competência para a
realização de intubação cecal de forma independente. Competência foi definida por uma TIC superior a 90%. Os autores
mostraram que os estudos que tratam do assunto são bastante heterogêneos, e o número de colonoscopias para
competência varia bastante de acordo com o perfil do serviço. De maneira geral, os trainees adquirem competência
para proceder a intubação cecal em mais de 90% dos casos após realizar algo entre 141 e 305 colonoscopias.
 

A TIC PODE OSCILAR OU CAIR AO LONGO DO TEMPO?

Rex e cols, em um estudo interessante envolvendo 16 colonoscopistas com pelo menos 50
colonoscopias ao ano, por um período de 6 anos, demonstraram que endoscopistas experientes obtêm facilmente taxas de
intubação cecal superiores a 95%. Além disso, a TIC parece ser um parâmetro que uma vez alcançado, mantém-se estável
ao longo dos anos.
 

O QUE FAZER EM CASO DE FALHA NA INTUBAÇÃO CECAL?

Pode-se lançar mão de outras estratégias, como a realização de colonografia por
tomografia, uso de cápsula de cólon. Essas estratégias, no entanto, apresentam limitações, como a necessidade de
novo preparo de cólon, a impossibilidade de coleta de biópsias ou de tratamento de lesões com polipectomias e outras
ressecções, além de um maior custo agregado ao rastreamento. Por esse motivo, a repetição da colonoscopia também
pode ser considerada, usando recursos auxiliares como uso de água.
A colonoscopia auxiliada por água pode reduzir angulações por um efeito de gravidade da
água infundida no interior do cólon. Além disso, a água pode promover um efeito de alongamento de segmentos
redundantes e está associada a um menor desconforto por parte dos pacientes. Há evidências crescentes da eficácia da
colonoscopia auxiliada por água.
O uso de colonoscópios com rigidez variável na ponta, colonoscópios pediátricos, imagem
endoscópica magnética para exibir a configuração do colonoscópio dentro do cólon são outras ferramentas que
demonstraram potencial de aumentar a TIC. Colonoscópios com balão único ou duplo balão e enteroscópios também podem
facilitar a intubação cecal em casos difíceis.
Repetir o exame em um centro especializado também é uma estratégia interessante. A
tabela abaixo mostra as taxas de sucesso de intubação cecal e as
taxas de detecção de adenomas em casos de falha da intubação no primeiro exame.

A colonoscopia é uma ferramenta muito importante no manejo das doenças do cólon,
especialmente do câncer colorretal. Uma região ou um serviço que tenha endoscopistas capazes de realizá-la de forma
independente e eficaz é fundamental.
A aprendizagem da colonoscopia envolve abordagens individualizadas e demanda
habilidades, conhecimento técnico e teórico. Definir competência em colonoscopia ainda é tema de intenso debate e
controvérsias.
A intubação cecal é um dos três parâmetros de qualidade mais importantes e deve ser
realizada de forma sistemática e cuidadosa. Observar o ceco é diferente de intubar o ceco. Aa aparências podem
enganar e o “muito bom” pode ser inimigo do “ótimo”. A intubação cecal envolve a identificação dos marcos anatômicos
da concavidade do ceco e pode revelar lesões, que passariam despercebidas.
 

Como citar este artigo:

Cardoso D. INTUBAÇÃO CECAL – AS APARÊNCIAS PODEM ENGANAR… SERIA O “MUITO BOM”
INIMIGO DO “ÓTIMO”?. Endoscopia Terapêutica; 6(11) 2020. Disponível em:
https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/intubacao-cecal-as-aparencias-podem-enganar-seria-o-muito-bom-inimigo-do-otimo/

 

Referências

  1. Garborg K, Bretthauer M. Cecal intubation failure:
    Refer or change technique? Gastrointest Endosc 2016; 83(6): 1245-7.
  2. Vemulapalli KC, Wilder SW, Kahi CJ and Rex DK.
    Long-Term Assessment of the Cecal Intubation Rates in High-Performing Colonoscopists: Time for Review.
    Clinical and Translational Gastroenterology 2020;11:e00153.
  3. Buerger M, Kasper P, Allo G, Gillessen J and Schramm
    C. Ileal intubation is not associated with higher detection rate of right-sided conventional adenomas and
    serrated polyps compared to cecal intubation after adjustment for overall adenoma detection rate. BMC
    Gastroenterology 2019; 19:190.
  4. Bick BL, Vemulapalli KC, Rex DK. Regional center for
    complex colonoscopy: yield of neoplasia in patients with prior incomplete colonoscopy, Gastrointest Endosc
    2016;83(6):1239-44.
  5. Rupinska M, Wieszczy P, Franczyk R, et al. The effect
    of routine videorecording on colonoscopy quality indicators: a multicenter, cluster randomized controlled
    trial. Endoscopy. 2018;50(4):S52.
  6. Shahidi N, Ou G, Telford J and Enns R. Establishing
    the learning curve for achieving competency in performing colonoscopy: a systematic review. Gastrointest
    Endoc 2014; 80(3): 410-6.

 
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Teste de urease

 

O teste de urease ou teste rápido de urease (RUT) é um teste rápido, barato e simples, muito usado no exame de endoscopia para verificar a presença da bactéria Helicobacter pylori. Na verdade, o uteste detecta a presença da enzima urease na amostra da mucosa gástrica. Portanto, o teste da urease é um teste indireto da presença de H. pylori (HP).

Apesar de ser um teste simples, e o mais popular para fazer o diagnóstico da infecção pelo HP, não deixa de ser um teste invasivo, visto que requer exame de endoscopia para obtenção de um fragmento da mucosa gástrica.

 

Mas o que é e para que serve a enzima urease?

  • A urease é uma enzima encontrada no citoplasma de vários micro-organismos, como, por exemplo, o Helicobacter pylori.
  • Essa enzima é responsável pela degradação da ureia em amônia e CO2.

 

teste da urease

Figura 1: urease converte ureia em amonia

 

  • Como todos sabemos, o estômago é um ambiente bastante ácido e hostil para as bactérias.
  • Dentro do estômago também existe o composto ureia.
  • O HP produz urease, que hidroliza a ureia em amônia (alcalina), elevando o pH do meio.
  • Desta forma, o HP consegue sobreviver e penetrar na camada de ácido e muco do estômago, utilizando sua atividade flagelada, até abrigar-se no fundo das glândulas gástricas.

 

teste da urease

Figura 2: urease produzida pelo H pylori provoca hidrolise da ureia em amônia e CO2, alcalinizando a camada de ácido do estômago e permitindo que o HP sobreviva e atinja o epitélio da mucosa gástrica

 

Como funciona o teste?

O fragmento de mucosa gástrica é colocado em um tubo ou gel contendo ureia e um indicador de pH (vermelho de fenol). O pH desta solução é de 5,9.

Se a urease produzida pelo Helicobacter pylori estiver presente no fragmento, ocorrerá hidrólise da ureia formando amônia. A amônia alcaliniza o meio, promovendo a mudança de cor do amarelo para o rosa.

 

teste da urease

Figura 3: esquema sumarizando como funciona o teste de urease

 

teste da urease

Figura 4: teste de urease negativo (esquerda) e positivo (direita)

 

Obs.: outros testes usaram indicadores diferentes, cada um com uma vantagem potencial. Como exemplo, alguns testes iniciam a reação com um pH mais baixo (pH 5,4), visto que a atividade da urease do H. pylori é mais eficiente nesse pH mais baixo em comparação com outras bactérias, o que poderia diminuir o falso positivo (que, no entanto, é bem raro).

 

teste da urease

Figura 5: O teste hpfast inicia a reação em um pH mais baixo, diminuindo o falso positivo da urease produzia por outras bactérias como Proteus ou Pseudomonas.

 

Velocidade da reação

O tempo em que o teste fica positivo depende da concentração de bactérias e da temperatura.

  • Um estudo comparou biópsias de antro colocadas em um aquecedor a 38 ℃ ou mantidas à temperatura ambiente (~ 21 ℃).
  • A capacidade de fazer um diagnóstico em 30 minutos foi 20% maior usando o mais quente, mas, no geral, os resultados foram os mesmos (Yousfi MM, 1996).

 

A maioria dos testes ficará positivo dentro de 2-3 horas, mas recomenda-se guardar os testes negativos por 24 horas para a tomada de decisão.

Resultados positivos após 24 horas são, na maioria das vezes, falsos positivos e não deveriam ser usados para decisões de tratamento.

 

Eficácia do teste de urease

A sensibilidade do teste de urease varia entre 80% e 100% e especificidade entre 97% e 99%.

Estima-se que seja necessário aproximadamente 105 H. pylori na amostra de biópsia para alterar a cor do teste, o que geralmente não é um problema, pois a concentração de H. pylori normalmente excede esse mínimo.

 

Importante ressaltar que a biópsia deve ser coletada de um local onde os organismos estão presentes:

  • Em um paciente sem atrofia gástrica, geralmente uma biópsia do antro é suficiente (geralmente com sensibilidade > 85% e frequentemente entre 95-100%).
  • No entanto, se o paciente possui gastrite atrófica ou extensas áreas de metaplasia intestinal, o teste pode resultar em um falso negativo. Nesse caso, acrescentar um fragmento do corpo pode aumentar a sensibilidade.

 

Um estudo comparou os resultados de uma biópsia realizada na incisura angularis, uma na região pré-pilórica e uma no corpo, apresentando sensibilidade de 100%, 87% e 84,4%, respectivamente, e nenhum falso positivo, ou seja, especificidade de 100% (Woo, 1996).

 

No geral, para melhores resultados, recomenda-se a obtenção de dois fragmentos:

·      um do antro (evitando áreas de ulceração e metaplasia intestinal óbvia)

·      um do corpo

 

Fatores que podem diminuir a sensibilidade do teste de urease (falsos negativos):

Além da atrofia gástrica, a sensibilidade do teste também pode diminuir em:

  • pacientes com úlceras pépticas hemorrágicas (67% -85%) (Tu, 1999)
  • pacientes com gastrectomia parcial (sens = 79%)
  • Paciente em uso de IBP

 

Alguns autores advogam que a contaminação da pinça de biópsia por formalina poderia diminuir a sensibilidade do teste. No entanto, um estudo comparou os resultados de 253 pacientes submetidos a duas coletas de teste: uma antes e uma após a imersão da pinça em formalina. No total, houve discordância em apenas 8 casos (3%) e os autores concluem que a pré-imersão da pinça em formalina não interfere com a sensibilidade do teste (Castelotte J, 2001).

 

Falso positivo

Falsos positivos são raros e, quando presentes, podem ser devido à presença de outros organismos contendo urease, como Proteus mirabilis, Citrobactor freundii, Klebsiella pneumonia, Enterobactor cloacae e Staphylococcus aureus.

Contudo, a menos que o paciente tenha acloridria ou hipocloridria, a presença desses organismos em concentração suficiente para produzir um resultado positivo é pouco provável.

Após 24 horas, aumenta-se a chance de falso positivo pela presença de outros organismos contendo urease.

 

Obs: UREIA é uma paroxítona com ditongo aberto e, portanto, não é acentuada.Para saber mais sobre a nova ortografia aplicada aos termos endoscópicos, confiraclicando aqui !

 

Como citar este artigo:

Martins B. Teste de urease. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/teste-de-urease/

 

Referências

  1. Takahiro Uotani, David Y. Graham. Diagnosis of Helicobacter pylori using the rapid urease test Ann Transl Med 2015;3(1):9
  2. Woo JS, el-Zimaity HM, Genta RM, et al. The best gastric site for obtaining a positive rapid ureas test. Helicobacter 1996;1:256-9.
  3. Tu TC, Lee CL, Wu CH, et al. Comparison of invasive and noninvasive tests for detecting Helicobacter pylori infection in bleeding peptic ulcers. Gastrointest Endosc 1999;49:302-6.
  4. Yousfi MM, El-Zimaity HM, Cole RA, et al. Does using a warmer influence the results of rapid urease testing for Helicobacter pylori? Gastrointest Endosc 1996;43:260-1.
  5. Castellote J, Guardiola J, Porta F, Falcó A. Rapid urease test: effect of preimmersion of biopsy forceps in formalin. Gastrointest Endosc. 2001;53(7):744-746. doi:10.1067/mge.2001.114786

 

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Esofagite Eosinofílica: Critérios Diagnósticos

As primeiras diretrizes diagnósticas sobre Esofagite Eosinofílica (EEo) foram publicadas em 2007 e atualizadas em 2011. Ela foi definida como uma condição clínico-patológica imuno-mediada, caracterizada por:

  • sintomas de disfunção esofágica
  • presença de 15 ou mais eosinófilos por campo de grande aumento nas biópsias esofágicas.

Nessa época, EEo e DRGE eram consideradas mutuamente excludentes, e havia um consenso entre especialistas determinando que a melhor abordagem para descartar inflamação relacionada à doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) seria com uso de inibidor de bomba de prótons (IBP) em altas doses por 8 semanas ou através do monitoramento de pH (pHmetria).

Durante a década seguinte, experiências clínicas adicionais e pesquisas forneceram novos insights sobre a resposta aos IBP’s. Vários investigadores observaram que uma grande proporção de pacientes com sintomas e eosinofilia esofágica (≥15 eos/cga) respondeu ao tratamento com IBP em alta dose, mas não tinha apresentação clínica consistente com DRGE. Por causa disso, as diretrizes diagnósticas publicadas em 2011, 2013 e 2014 definiram uma nova condição denominada Eosinofilia Esofágica Responsiva ao IBP (PPI-REE). Pacientes com PPI-REE tinham sintomas de disfunção esofágica e ≥15 eos/cga na biópsia, mas obtiveram melhora ou resolução dos sintomas e da eosinofilia após um ciclo de IBP em altas doses. Nessas diretrizes, a PPI-REE não foi bem compreendida, mas EEo e DRGE ainda eram consideradas duas condições distintas.

No entanto, uma gama de pesquisas em andamento sugeriu que EEo e DRGE não eram necessariamente condições excludentes e, em vez disso, compartilhavam uma relação complexa (elas podem coexistir):

  • EEo pode levar a refluxo secundário devido à diminuição da complacência esofágica ou dismotilidade;
  • DRGE pode levar à diminuição da integridade da barreira epitelial , permitindo exposição a antígeno e subsequente eosinofilia).

Além disso, uma série de estudos examinou as características clínicas, endoscópicas e histológicas iniciais (antes do ciclo de IBP) da EEo e PPI-REE, não encontrando fatores conclusivos que pudessem distinguir as duas.

Condições atópicas concomitantes eram comuns em EEo e PPI-REE, fatores alérgicos e inflamatórios foram encontrados elevados em ambos, e os perfis de expressão de RNA foram muito semelhantes entre as duas condições (e distintas da DRGE), com normalização após tratamento com esteróides tópicos ou restrição dietética, embora existissem algumas diferenças. Finalmente, vários mecanismos não-ácido mediados potenciais foram descritos que poderiam explicar a resposta ao IBP na PPI-REE.

Assim, PPI-REE emergiu como um subtipo de EEo em alguns pacientes, e uma controvérsia se desenvolveu sobre se EEo e PPI-REE eram de fato a mesma condição; se PPI-REE era uma doença associada a alergia alimentar; se os IBP’s devem ser considerados tratamento na EEo; e se o ciclo de IBP deve ser removido da diretriz de diagnóstico. No entanto, tomados em conjunto, esses novos avanços de pesquisa forneceram uma forte justificativa para a consideração da remoção do ciclo de IBP do algoritmo de diagnóstico da EEo.

A favor da manutenção do ciclo de IBP nos critérios diagnósticos pesavam o potencial em reduzir o número de endoscopias necessárias, a ajuda em tratar a DRGE concomitante e fornecer uma abordagem em etapas para o diagnóstico de EEo. A favor da eliminação do ciclo de IBP pesavam permitir a capacidade de discutir uma gama de terapias (por exemplo, algumas usadas para EEo clássica) sem comprometer os pacientes com um IBP desde o início, ajudar a conseguir um recrutamento mais amplo em ensaios clínicos e permitir o tratamento da eosinofilia esofágica com IBP independentemente da causa subjacente, removendo a resposta à medicação como critério diagnóstico.

Uma nova diretriz europeia sobre EEo publicada em 2017 sugeriu que PPI-REE e EEo estavam no mesmo espectro, e que os IBP’s poderiam ser considerados um tratamento primário.

Critérios Diagnósticos de Esofagite Eosinofílica
Sintomas de disfunção esofágica

  • Condições atópicas concomitantes aumentam a suspeita de EoE
  • Achados endoscópicos de anéis, fissuras, exsudato, estenose e mucosa em “papel crepom” aumentam a suspeita de EoE
EoE

  • ≥ 15 eos/campo na bx esofágica
  • Infiltrado eosinofilico deve ser exclusivamente no esôfago
  • Avaliar outras condições que possam causar eosinofilia esofágica

Conclusão

  • Um enorme progresso foi feito na compreensão da EEo nas últimas duas décadas, abrangendo apresentação clínica, epidemiologia, genética, patogênese, tratamento e resultados.
  • Com uma evolução tão rápida do conhecimento, os critérios diagnósticos também tiveram que evoluir.
  • Embora EEo e DRGE fossem inicialmente consideradas distintas e separáveis ​​por um teste com IBP, havia um reconhecimento crescente de que a relação era muito mais complexa, que elas podiam coexistir e que cada uma podia influenciar a outra.
  • Com a identificação dos pacientes que responderam ao ciclo de IBP, inicialmente não era conhecido se a PPI-REE era um subtipo de EEo, uma manifestação atípica de DRGE ou uma entidade única.
  • Agora, a evidência sugere que em muitos casos a PPI-REE é indistinguível da EoE, e os IBP’s são melhor classificados como um tratamento para eosinofilia esofágica (que pode ser devido a EEo) do que como um critério diagnóstico. Esses critérios de consenso internacional atualizados (AGREE Conference) refletem esse conceito.
  • À medida que o campo continua a se desenvolver e as questões de pesquisa identificadas durante esse processo são respondidas, os critérios irão evoluir novamente no contexto de novos dados e avanços.

Como citar este artigo:

Brasil G. Esofagite Eosinofílica: Critérios Diagnósticos. Endoscopia Terapêutica; 2020. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/esofagite-eosinofilica-criterios-diagnosticos/

Referências Bibliográficas

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  2. Andrés Gómez-Aldana, Mario Jaramillo-Santos, Andrés Delgado, Carlos Jaramillo, Adán Lúquez-Mindiola. Eosinophilic esophagitis: Current concepts in diagnosis and treatment. World J Gastroenterol 2019 August 28; 25(32): 4598-4613.
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