Papilectomia endoscópica – revisão da literatura

Os tumores localizados na papila duodenal maior (ou ampola de Vater) são um grupo de neoplasias pouco comum no trato gastrointestinal, no entanto, um estudo mostra um aumento da incidência anual nos últimos 30 anos nos Estados Unidos, situando-se, atualmente, em torno de 3.000 casos/anoi. Dentre os tipos histológicos, o adenocarcinoma e o adenoma representam mais de 95% dos casos. Embora o adenocarcinoma da papila duodenal maior seja usualmente a lesão de maior prevalência1, o surgimento de casos de adenomas incidentais nessa topografia (por ocasião de um exame endoscópico gastroduodenal de rotina, por exemplo) tende a mudar essa estatísticaii. Em uma série brasileira recente de pacientes submetidos à papilectomia endoscópica (PE), houve um aumento do número de procedimentos nos últimos 5 anos, com predomínio de adenomas com displasia de alto grauiii.

Os tumores dessa complexa região anatômica, onde confluem os ductos biliar e pancreático, podem ser classificados como benignos, pré-neoplásicos (por exemplo, adenomas) e malignos. O adenoma de papila duodenal maior é considerado uma lesão pré-neoplásica, pois tende a seguir a sequência adenoma-adenocarcinoma de maneira semelhante ao câncer colorretal, com taxas de transformação para adenocarcinoma variando entre 25-85%iv. Os adenomas podem ser esporádicos ou no contexto de síndromes genéticas, como o câncer colorretal hereditário não polipóide e a polipose adenomatosa familiar (PAF), em que até 80% dos pacientes desenvolverão tal condição durante a vidav. Os sintomas, quando presentes, são geralmente inespecíficos, como dor abdominal, mal-estar, náusea, vômito e perda ponderalvi; a icterícia está mais frequentemente associada a lesões invasoras.

Por serem, muitas vezes, diagnosticados incidentalmente e não apresentarem sintomas, os adenomas da papila duodenal maior representam hoje um dilema diagnóstico e terapêutico. A abordagem terapêutica desses tumores é tradicionalmente cirúrgica e, embora permita a remoção completa da lesão, está associada a taxas consideráveis de morbidade e mortalidade (9-14% e 1-9%, respectivamente)vii. A excisão local por via endoscópica (PE) ou por ampulectomia cirúrgica pode ser empregada para lesões precoces, isto é, adenoma com acometimento neoplásico superficial (displasia de alto grau) sem sinais de invasão da muscular própria (estadiamento oncológico clínico pré-operatório: T0/T1aN0M0). A duodenopancreatectomia (procedimento de Whipple) tem sido reservada para tumores de papila com suspeita para invasão para a muscular própria, tendo como sinais macroscópicos ulceração, infiltração, friabilidade e endurecimento à endoscopia.

A PE, inicialmente proposta em 1993viii como uma alternativa de salvamento para pacientes sem condição de cirurgia, vem destacando-se mundialmente e na América Latina como uma opção terapêutica menos invasiva no tratamento de lesões precoces que acometem a papila duodenal maior3 ix. Embora não exista consenso sobre quais adenomas devem ser acompanhados ou ressecados por via cirúrgica ou endoscópica, recomenda-se a PE em adenomas tubulares, túbulo-vilosos ou vilosos na presença de displasia de alto grau (DAG) 7. Em duas revisões sistemáticas e meta-análise publicadas até o momento, avaliando-se o tratamento cirúrgico comparado ao endoscópico, a ressecção cirúrgica local está associada a maiores taxas de ressecção completa e menor recidivax xi. Quando incluído o procedimento de duodenopancreatectomia na avaliação, nota-se um maior número de complicações 11. Em ambos estudos, é notória ausência de estudos prospectivos randomizados e elevada heterogeneidade. Na meta-análise mais recente (2020)11, a taxa de ressecção endoscópica completa (ressecção oncológica R0) para PE foi 76.6% (IC 71.8–81.4%), a taxa de eventos adversos global 24.7% (IC 19.8–29.6%) e a taxa de recidiva 13.0% (IC 10.2–15.6%), esta para uma média de 44 meses de seguimento. As complicações que necessitam alguma intervenção associadas à PE, em ordem de frequência, são sangramento (intra ou pós-operatório), pancreatite e perfuração. Colangite e estenose de papila são outras complicações reportadas, de menor chance. A mortalidade é rara, sendo reportada como menos de 1%4. Na maior série comparativa (caso-controle) publicada até o momento, envolvendo 180 pacientes submetidos à técnica endoscópica (130 pacientes) versus cirurgia para excisão local de adenomas da papila de Vaterxii, os resultados clínicos foram semelhantes. A cirurgia apresentou maior número de eventos adversos (EA), e a PE maior chance de recidiva quando nesta houve necessidade de mais de uma sessão de tratamento endoscópico. As lesões desfavoráveis para tratamento endoscópico foram lesões maiores que 3.5 cm e com extensão para o ducto biliar. A PE, portanto, é recomendada como a principal opção de excisão local para adenomas menores que 4 cm, profundidade de invasão confinada à mucosa e submucosa e com extensão ductal menor que 1 cm 7.

A biópsia de papila duodenal maior permanece o padrão-ouro para decisão terapêutica, em que recomenda-se a obtenção de, ao menos, 6 espécimes e/ou coleta de fragmentos após 10 dias de uma esfincterotomia pós-drenagem biliar de tumor ampular obstrutivo7, bem como avaliação por patologista experiente em doenças biliopancreáticas. Entretanto, a biópsia, isoladamente, oferece baixa sensibilidade para diagnóstico de adenoma e de carcinoma, em que se pode subestimar a lesão em até 23% dos casosxiii, e que, na suspeita de neoplasia, recomenda-se a ressecção completa da lesão. Inversamente, as múltiplas variações morfológicas endoscópicas histopatológicas de uma papila duodenal maior normal podem ser erroneamente interpretadas como adenomas. Esses dilemas diagnósticos são evidenciados quando se estuda a população de pacientes submetidos à PE, em que, atualmente, apenas cerca de 13 a 36% deles apresentam correlação histopatológica com o espécime cirúrgico ressecadoxiv xv. Nesse contexto, pode haver tecido adenomatoso sem displasia (podendo ser interpretado como falso positivo para DAG ou eliminação do foco de displasia por ocasião da biópsia) e neoplasia invasora (falso negativo para adenocarcinoma) no espécime cirúrgico. Em uma série nacional recente, houve baixa correlação entre o diagnóstico pré e pós-PE para adenocarcinoma invasor e presença de DAG3. Com o aumento da experiência na abordagem dessas lesões, espera-se que essa correlação venha a ser equilibrada. Em complementação ao diagnóstico, houve um aprimoramento das técnicas endoscópicas de estadiamento, como o ultrassom endoscópico (USE), cromoscopia e magnificação endoscópica4. De fato, a utilização do USE parece ser um método útil no estadiamento de lesões precoces, com taxa de detecção de malignidade para lesões suspeitas de 82%xvi.

Com relação ao aspecto técnico, a PE propõe a ressecção da mucosa e submucosa duodenal na topografia dos anexos anatômicos da papila duodenal maior, incluindo o aparato esfincteriano e tecido ao redor do ducto biliar e os orifícios do ducto pancreático. A principal vantagem desse procedimento comparado à ampulectomia cirúrgica é evitar o acesso abdominal com duodenotomia e manipulação da região periampular, com ressecção de tecido pancreático e reinserção separada do ducto biliar comum e do ducto pancreático principal na parede duodenalxvii. Atualmente, tem sido descrito a ressecção endoscópica completa de tumores ampulares de até 4-5 cm de extensão lateral, desde que restritos à submucosa e com infiltração intraductal menor que 1 cm, mantendo taxas de sucesso elevadas e morbidade inferior às séries cirúrgicas.A técnica de PE tem como objetivo remover a lesão em bloco utilizando uma alça diatérmica, semelhante a um procedimento de mucosectomia endoscópica para adenomas colônicos. Com relação às técnicas utilizadas, as principais controvérsias são o uso de injeção submucosa antecedendo a ressecção com alça diatérmica e o uso de prótese pancreática profilática após a ressecção da lesão. Os argumentos para o uso de injeção submucosa são a redução no risco de sangramento quando associado à adrenalina e a criação de um coxim com separação das camadas superficial e profunda. Entretanto, essa etapa tem sido abolida por muitos centros por aumentar a dificuldade de apreensão da alça na lesão e o risco de pancreatitexviii. O benefício do uso de prótese pancreática como profilaxia para pancreatite, atualmente recomendado nesse contexto para pacientes de alto risco para pancreatite7 xix xx, vem sendo questionado em séries mais recentesxxixxii. O uso de próteses biliares não é incentivado de rotina7, podendo ser útil em caso de perfuração e sangramento com o intuito de compressão local e desvio da secreção biliar. Outras técnicas descritas, alternativamente, consistem na utilização de um fio guia transpapilarxxiii ou dissecção submucosa da margem lateralxxiv, empregados previamente à preensão e ressecção com alça diatérmica. Para casos de recidiva junto ao óstio, pode-se aplicar plasma de argônio e, quando biliar intraductal, pode-se recorrer à ablação endoscópica com radiofrequênciaxxv.

Conclusão

A papilectomia endoscópica é uma técnica endoscópica minimamente invasiva que permite a remoção tumoral completa de lesões ampulares precoces, na maioria dos casos, com taxas de eventos adversos aceitáveis.

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Como citar este artigo

Bonin E.A. Papilectomia Endoscópica – Revisão da literatura. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/papilectomia-endoscopica–revisao-da-literatura

Referências

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Autores

Eduardo Aimore Bonin

Nelson Silveira Cathcart Junior

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Pólipos colorretais menores que 20 mm: guia de sobrevivência para o endoscopista

Pólipos colorretais menores que 20 mm: guia de sobrevivência para o endoscopista

Recentemente foi publicado na seção Masters of Endoscopy da revista
Endoscopy o artigo intitulado Como nós ressecamos
pólipos colorretais menores que 20 mm
, dos autores
Douglas K. Rex, da Universidade de Indiana, e Evelien Dekker, da Universidade de Amsterdam. A seguir, faremos um
resumo dos principais pontos destacados.

Primeiramente, uma avaliação minuciosa das lesões é necessária para diferenciar o tipo
de lesão (adenoma x pólipo serrilhado) e avaliar o risco de câncer, que está fortemente associado com o tamanho da
lesão.
Os autores afirmam que a retirada de lesões com pinça a frio, às vezes, é apropriada se as lesões forem de 1 a 2 mm, já que podem ser totalmente
retiradas em uma “mordida”, porém eles usam alça a frio para quase
todas as lesões menores que 10 mm. Para adenomas convencionais de 10 a 19 mm, eles usam primariamente alça
diatérmica
. Mucosectomia,
preferencialmente em bloco, é apropriada para adenomas convencionais volumosos não granulares e adenomas não
granulares com depressão nessa faixa de tamanho. Para pólipos serrilhados sésseis de 10 a 19 mm, a abordagem deles
difere até certo ponto: um usa primariamente mucosectomia a frio, e o
outro usa primariamente mucosectomia convencional com alça
diatérmica.
Os pólipos
e as lesões planas menores que 20 mm constituem 95% de todas as neoplasias colorretais e, portanto, compreendem a
maioria esmagadora das ressecções realizadas pelos colonoscopistas.
Para detectores de alto nível, cerca de 80% das lesões são menores que 5 mm e 90% são
menores que 10 mm. O risco de câncer é insignificante para lesões menores que 5 mm, muito abaixo de 1% para lesões
de 6 a 9 mm e cerca de 1 a 2% para lesões entre 10 e 19 mm.
Essencialmente, todas as lesões colorretais benignas menores 20 mm, com exceção de
lesões que se estendem para o apêndice ou íleo terminal, são endoscopicamente ressecáveis, com riscos e custos
menores que o tratamento cirúrgico. Os autores afirmam que referenciar lesões benignas menores que 20 mm para
tratamento cirúrgico aumenta o custo e expõe o paciente a um risco desnecessário. Assim, o colonoscopista atualizado deve ser apto a
realizar ressecções efetivas e seguras desses tipos de lesões.

Definições

Lesões diminutas 1-5 mm
Lesões pequenas 6-9 mm
Lesões médias 10-19 mm
Lesões grandes > 20 mm
Lesões gigantes > 30 mm

Avaliação dos pólipos

  • Para uma tomada de decisão ótima na realização de uma
    polipectomia, a superfície de todas as lesões deve ser avaliada com o intuito de predizer a invasão profunda
    da submucosa antes da ressecção;
  • Além disso, a diferenciação endoscópica dos pólipos
    serrilhados com os adenomas convencionais pode mudar a abordagem na ressecção;
  • Enfim, a lesão deve ser delineada com precisão;
  • Por todos esses aspectos, para um diagnóstico ótimo,
    endoscópios de alta definição e cromoscopia (com corantes ou virtual) têm provado seu mérito.

Base das técnicas

Os autores discorrem sobre a “revolução a frio” nas técnicas de polipectomia, isso é particularmente verdade para pólipos menores que 10
mm bem como para algumas lesões maiores. A ressecção a frio, isto é, sem aplicação de eletrocautério, é tão segura quanto a ressecção quente (com
eletrocautério) e tem um risco menor de sangramento tardio e perfuração.

Lesões diminutas (menores que 5 mm)

    • A ferramenta primária para ressecção de
      pólipos diminutos é a alça a frio. Uma alça de tamanho
      pequeno (aproximadamente 10 mm de diâmetro) e que seja rígida e fina facilitará sua colocação e pega
      do tecido;
    • Incluir de 1 a vários milímetros de tecido
      normal ao redor da lesão é crucial para garantir a ressecção completa;
    • Os autores usam alça a frio como abordagem
      preferencial para todas as lesões de 1 a 5 mm, embora, segundo eles, a pinça a frio seja aceitável
      para pólipos de 1 a 2 mm, particularmente se forem planos, muito difíceis de pegar ou se a lesão não
      puder ser colocada na posição de 5 horas;
    • Como regra geral, nunca se usa pinça a frio
      para ressecção em piece meal, pois ela é menos efetiva e menos eficiente que a ressecção com
      alça;
    • Segundo os autores, a utilização de alça com
      eletrocautério não tem papel nos pólipos diminutos, pois submete o paciente a um risco desnecessário
      de sangramento e perfuração, e a hot biopsy,
      frequentemente, é ineficaz para ressecção
      completa;
    • Atualmente, a pinça de hot biopsy tem uma função nas ressecções de
      pólipos: para retirar tecido residual plano ou fibrótico pós-mucosectomia.

Ressecção de pólipos pequenos (6 a 9 mm)

  • Para esse grupo de lesões, nem pinça a frio nem
    hot biopsy têm papel
    algum;
  • A ferramenta primária novamente, segundo os autores, é
    a alça a frio. Pela necessidade de se pegar um grande pedaço
    de tecido, ocasionalmente, é necessário serrar o tecido através da submucosa com a alça a frio ou cortá-lo
    puxando contra a ponta do colonoscópio. Isso, às vezes, leva a um “cordão” de submucosa, que consiste de
    submucosa e, às vezes, de muscular da mucosa. Esse “cordão” não requer amostras de biópsias ou
    tratamento;
  • O uso do eletrocautério também é apropriado para pólipos pequenos selecionados como os
    sésseis volumosos ou pediculados, afirmam os autores. Entretanto, eles usam alça a frio para quase todo conjunto
    de pólipos de 6 a 9 mm.

Ressecção de pólipos serrilhados médios (10–19 mm)

  • A segurança da alça a frio pode ser percebida na
    ressecção de lesões serrilhadas sésseis maiores que 10 mm de tamanho. Uma endoscopia de alta definição é
    essencial para garantir a avaliação de todas as criptas serrilhadas e sua excisão com margem ampla. A
    injeção submucosa com contraste antes da ressecção (mucosectomia) melhora sobremaneira a visualização das
    criptas serrilhadas da lesão. Essa técnica, chamada “mucosectomia a frio” (cold
    EMR
    ) pode ser considerada para pólipos serrilhados de 10
    a 19 mm de tamanho;
  • Um dos autores (D.K.R) usa mucosectomia a frio para
    maioria dos pólipos serrilhados médios, enquanto o outro (E.D) prefere com eletrocautério. Essas diferenças
    na prática são consistentes com a atual evidência limitada a respeito da melhor prática;
  • Outros autores usam ressecção a frio em piece meal
    para pólipos serrilhados maiores que 10 mm sem injeção submucosa.
    Estudos adicionais são necessários para esse tipo de prática.

 Vídeo: exemplo de mucosectomia a frio

Ressecção de adenomas convencionais médios (10–19 mm)

  • As técnicas para ressecção de adenomas convencionais
    de 10 a 19 mm ainda estão evoluindo. Particularmente, as taxas de ressecção completa adequada para adenomas
    convencionais maiores que 10 mm usando ressecção em piece meal
    com alça a frio e mucosectomia a frio ainda não estão
    estabelecidas;
  • Os autores revelam que usam uma mistura de abordagem
    para adenomas dessa faixa de tamanho, dependendo do seu tamanho e morfologia;
  • Para lesões médias pediculadas, é preferível alça
    diatérmica. Essas lesões devem sempre ser ressecadas em bloco, preferencialmente, com a alça posicionada
    pelo menos abaixo da metade do pedículo, para aumentar a chance de ressecção com margens livres em caso de
    câncer inesperado. Muitas dessas lesões estão localizadas no cólon sigmoide, e o posicionamento da alça pode
    ser facilitado pela mudança de posição do paciente ou preenchendo a luz de água;
  • Para lesões pediculadas, eles preferem coagulação em
    baixa potência usando corrente controlada. A terapêutica profilática com loops, injeção de adrenalina ou
    clipes é recomendada;
  • Lesões não pediculadas devem ser avaliadas para
    achados endoscópicos de invasão profunda da submucosa, como ulceração, deformidade das criptas e do padrão
    vascular;
  • As lesões com esses achados têm indicação de
    tratamento cirúrgico. Na ausência desses achados, outros achados endoscópicos, como morfologia não granular
    (particularmente se houver depressão ou se a lesão for séssil e volumosa), estão associados com maior risco
    de invasão superficial da submucosa. Se ressecadas em bloco, os pacientes com essas lesões talvez possam ser
    capazes de evitar cirurgia;
  • Portanto, adenomas não granulares entre 10 e 19 mm,
    particularmente se eles são volumosos ou deprimidos, devem ser ressecados em bloco, usando eletrocautério
    sempre que possível. A injeção submucosa reduz o risco e, frequentemente, facilita a ressecção em
    bloco;
  • Para mucosectomia, os autores geralmente preferem
    corrente de corte predominante. Existem outras abordagens como a realização de dissecção endoscópica da
    submucosa (ESD).

Conclusão

  • A tendência, em geral, na ressecção de lesões
    colorretais menores que 20 mm é usar sempre que possível alça ao invés de pinça, e isto se aplica mesmo para
    lesões de 1 a 5 mm;
  • Para lesões menores que 10 mm, a ressecção a frio, sem
    eletrocautério, é tão ou muito próxima em termos de efetividade ao uso do eletrocautério e evitam-se os
    riscos;
  • Estudos iniciais com técnicas a frio indicam que seu
    resultado é efetivo na erradicação de pólipos serrilhados maiores que 10
    mm;
  • A abordagem dos autores nesse tipo de lesão varia, o
    que reflete a limitada evidência disponível. Estudos controlados de mucosectomia x mucosectomia a frio x
    ressecção em piece meal a frio sem injeção são necessários;
  • As técnicas a frio não são estabelecidas como efetivas
    para adenomas convencionais maiores que 10 mm. Na maioria dos adenomas convencionais de 10 a 19 mm, a
    ressecção com alça usando o eletrocautério permanece o padrão ouro;
  • Para lesões de crescimento lateral (LST) não
    granulares de 10 a 19 mm, a ressecção em bloco deve ser a meta, particularmente para lesões com achados
    associados a alto risco de invasão profunda;
  • Lesões pediculadas do cólon são em sua maioria
    adenomas. Quando maiores que 10 mm, elas devem ser removidas em bloco e utilizando alça com
    eletrocautério.

E vocês, na prática clínica diária, utilizam alça mesmo para lesões menores que 5
mm? Sentem segurança em realizar “mucosectomia a frio” sem uso de corrente?

Como citar este artigo:

Arraes L. Pólipos colorretais menores que 20 mm. Guia de Sobrevivência para o
endoscopista. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em:

Pólipos colorretais menores que 20 mm: guia de sobrevivência para o endoscopista

Referência:

Rex DouglasK et al. How we resect colorectal polyps < 20 mm in size. Endoscopy.
2018
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CPRE em pacientes com Y-de-Roux

 

A realização de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) em pacientes com anatomia em Y de Roux representa um grande desafio para os endoscopistas.

Na era da epidemia de obesidade, essa situação é encontrada com frequência crescente devido à popularidade da cirurgia de bypass gástrico em Y-de-Roux e à alta prevalência de cálculos biliares nesses pacientes.

Frequentemente, é impossível acessar a papila usando um duodenoscópio padrão devido ao comprimento da alça intestinal que deve ser percorrida. Para superar esses problemas, abordagens não padronizadas, técnicas inovadoras e acessórios especializados foram desenvolvidos para realizar CPRE nesses casos.

Considerações gerais

Antes de realizar a CPRE em pacientes submetidos à reconstrução em Y de Roux, o endoscopista deve obter detalhes sobre a ressecção anatômica, o tipo de reconstrução, o comprimento das alças, os tipos de anastomoses e a presença ou ausência de uma papilotomia prévia.

É importante ainda estar ciente do intervalo de tempo após a cirurgia. No período pós-operatório imediato, devem-se pesar os riscos em relação à ruptura da anastomose contra os benefícios potenciais da CPRE.

Escolhendo a melhor abordagem

Existem várias técnicas disponíveis para realizar CPRE em pacientes com anatomia em Y-de-Roux, cada uma com vantagens e desvantagens Nenhuma abordagem foi identificada como a melhor para todos os pacientes, portanto, o endoscopista deve selecionar a abordagem caso a caso, levando em consideração os seguintes fatores:

  • Comprimento da alça do Y (longa versus curta);
  • Se o paciente tem uma papila virgem ou uma anastomose biliodigestiva, por exemplo;
  • A indicação de CPRE, incluindo a probabilidade de repetir procedimentos e a necessidade de manobras terapêuticas;
  • A experiência do serviço (enteroscopia profunda, radiologia intervencionista, cirurgia);
  • O risco cirúrgico do paciente.

Técnicas

As abordagens transorais envolvem o uso de duodenoscópios, colonoscópios pediátricos ou enteroscópios.

CPRE usando duodenoscópio padrão: o duodenoscópio de visão lateral é o endoscópio ideal para realizar CPRE, particularmente para a canulação de uma papila virgem. Infelizmente, a abordagem apenas com duodenoscópio é frequentemente malsucedida. Portanto, reservamos a abordagem transoral usando um duodenoscópio padrão para pacientes com um alça curta do Y-de-Roux.

duodenoscópio padrão

 

CPRE usando um enteroscópio ou colonoscópio pediátrico: um enteroscópio ou colonoscópio pediátrico pode ser uma opção para realizar uma CPRE quando o uso de um duodenoscópio não for viável.

enteroscópio ou colonoscópio pediátrico

Uma desvantagem dessa abordagem é que a perspectiva de visão frontal e a falta do “elevador” no aparelho tornam a canulação seletiva mais difícil. Além disso, a capacidade de manobra do enteroscópio longo ou colonoscópio pode ser muito limitada devido à formação de alça. A falta de eixo devido à visão frontal desses aparelhos também pode dificultar ou impossibilitar a canulação.

CPRE usando técnicas de enteroscopia profunda: há uma experiência crescente com o desempenho de CPREs usando técnicas de enteroscopia profunda, incluindo enteroscopia de balão duplo (DBE), enteroscopia de balão único (SBE) e espiral enteroscopia.

Embora as técnicas de enteroscopia profunda representem um avanço significativo para a realização de CPRE em pacientes com anatomia alterada cirurgicamente, elas ainda não são amplamente realizadas fora de centros especializados. Além disso, elas têm as mesmas limitações supracitadas inerentes ao uso de enteroscópios para CPRE, incluindo capacidade de manobra restrita, orientação desfavorável da papila, falta de um elevador de instrumento e relativa escassez de acessórios compatíveis com enteroscópio.

CPRE assistida por enteroscópio de duplo balão: relatos de casos e algumas séries mostram que a papila pode ser alcançada em mais de 90% das vezes e a canulação seletiva em mais de 80% dos casos usando a técnica de CPRE assistida por enteroscópio de duplo balão.

Tal como acontece nos casos que usam endoscópios de visualização frontal, a canulação da papila pode ser difícil por essa técnica. Um problema adicional é que há um número limitado de acessórios que são compatíveis com um enteroscópio.

enteroscópio de duplo balão

CPRE assistida por enteroscópio de balão único: desempenho de CPREs assistidas por enteroscópio de balão único em pacientes com Y de Roux foi associada a taxas de sucesso de diagnóstico que variam de 60 a 80%.

enteroscópio de balão único

 

CPRE assistida por enteroscopia em espiral: a enteroscopia em espiral utiliza um overtube rotativo que permite o avanço profundo do aparelho. As vantagens potenciais da CPRE assistida por uma enteroscopia espiral sobre a duplo balão ou balão único incluem relativa facilidade de uso, melhor controle do endoscópio e, talvez, uma curva de aprendizado mais curta.

enteroscopia em espiral

 

Abordagens transorais menos comuns: foi desenvolvida uma técnica que usa a colocação guiada por ecoendoscopia de um stent metálico (LAMS) entre o “pouch” e o estômago excluso para facilitar uma CPRE anterógrada transoral usando um duodenoscópio. A experiência preliminar com essa abordagem em pacientes com anatomia de bypass gástrico em Y de Roux tem sido promissora, com sucesso técnico semelhante e taxas de eventos adversos em comparação com CPRE assistida por laparoscopia e CPRE assistida por enteroscopia.

Abordagens transorais menos comuns

Como citar este artigo

Ruiz R. CPRE em pacientes com Y-de-Roux. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/cpre-em-pacientes-com-y-de-roux

Referências bibliográficas

  1. Nguyen NT, Root J, Zainabadi K, et al. Accelerated growth of bariatric surgery with the introduction of minimally invasive surgery. Arch Surg 2005; 140:1198.
  2. Pories WJ. Bariatric surgery: risks and rewards. J Clin Endocrinol Metab 2008; 93:S89.
  3. Shiffman ML, Sugerman HJ, Kellum JH, et al. Gallstones in patients with morbid obesity. Relationship to body weight, weight loss and gallbladder bile cholesterol solubility. Int J Obes Relat Metab Disord 1993; 17:153.
  4. Lopes TL, Wilcox CM. Endoscopic retrograde cholangiopancreatography in patients with Roux-en-Y anatomy. Gastroenterol Clin North Am 2010; 39:99.
  5. Hintze RE, Adler A, Veltzke W, Abou-Rebyeh H. Endoscopic access to the papilla of Vater for endoscopic retrograde cholangiopancreatography in patients with billroth II or Roux-en-Y gastrojejunostomy. Endoscopy 1997; 29:69.
  6. Elton E, Hanson BL, Qaseem T, Howell DA. Diagnostic and therapeutic ERCP using an enteroscope and a pediatric colonoscope in long-limb surgical bypass patients. Gastrointest Endosc 1998; 47:62.
  7. Wright BE, Cass OW, Freeman ML. ERCP in patients with long-limb Roux-en-Y gastrojejunostomy and intact papilla. Gastrointest Endosc 2002; 56:225.
  8. Aabakken L, Bretthauer M, Line PD. Double-balloon enteroscopy for endoscopic retrograde cholangiography in patients with a Roux-en-Y anastomosis. Endoscopy 2007; 39:1068.
  9. Emmett DS, Mallat DB. Double-balloon ERCP in patients who have undergone Roux-en-Y surgery: a case series. Gastrointest Endosc 2007; 66:1038.
  10. Itoi T, Ishii K, Sofuni A, et al. Long- and short-type double-balloon enteroscopy-assisted therapeutic ERCP for intact papilla in patients with a Roux-en-Y anastomosis. Surg Endosc 2011; 25:713.
  11. Thomas J. WangChristopher C. ThompsonMarvin RyouGastric access temporary for endoscopy (GATE): a proposed algorithm for EUS-directed transgastric ERCP in gastric bypass patients Surg Endosc 2019

Confira também: CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II




Hemostasia com cateter bipolar

Paciente masculino, 78 anos, admitido por HDA. Após condutas para estabilização hemodinâmica, foi submetido à endoscopia digestiva alta. O exame demonstrou na pequena curvatura do corpo gástrico proximal uma grande úlcera com sinais de sangramento recente e coto vascular visível.

 

Nesta situação, quais métodos a serem usados para hemostasia?

A escleroterapia com adrenalina era uma escolha certa. Mas, tendo em vista os melhores resultados com terapia combinada, ficou a dúvida qual o segundo método a ser utilizado. Logo ficou claro que o clipe não seria a melhor opção pois a úlcera era muito grande, com bordas endurecidas e o clipe não iria conseguir aproximar as bordas. Se o clipe fosse usado diretamente no vaso, provavelmente, não ficaria bem aderido pois a base da úlcera estava muito friável e teria o risco de aumentar a ruptura do vaso.

A ideia foi usar algum método térmico, sendo as opções a coagulação com plasma de argônio ou a hemostasia com cateter bipolar. O argônio não funciona bem em superfície que tem líquido, forma muitos debris que aderem ao cateter. Além disso, a coagulação é superficial e seria insuficiente para a hemostasia mais profunda para um vaso como este.

O cateter bipolar (Injection Gold Probe – Boston Scientific) pareceu ser a melhor opção. Esse cateter combina a possibilidade de realizar a escleroteria e a hemostasia térmica com o mesmo acessório. Foi usado através de compressão no foco exato a ser hemostasiado e com potência de 30 W no modo coagulação. O efeito imediato foi muito bom, não precisando ser aplicado novamente.

O tratamento foi complementado com injeção de solução de adrenalina ao redor do vaso rompido. O aspecto foi satisfatório e, após a hemostasia, não houve ressangramento imediato nem tardio.

Eletrocoagulação bipolar

O cateter bipolar e o cateter multipolar geram energia térmica completando um circuito elétrico entre 2 eletrodos na ponta de uma sonda. Em contraste com o eletrocautério monopolar, o circuito é concluído localmente, por isso nenhuma base de aterramento é necessária. Como o tecido-alvo desidrata, há uma diminuição da condutividade elétrica, limitando a temperatura máxima (100 °C), profundidade e extensão da lesão do tecido. O pedal controla a entrega de energia, e a potência de saída é em watts (W). Configurações de potência máxima dependem do gerador usado, mas geralmente não excedem 50 W. A configuração padrão é 20 W.

A sonda bipolar consiste em bandas alternadas de eletrodos que produzem um campo elétrico que aquece a mucosa e o vaso. Os eletrodos são revestidos com ouro para reduzir a adesividade ao tecido. As sondas são rígidas a fim de permitir que uma pressão adequada seja aplicada para comprimir e selar as paredes do vaso sangrante (“coagulação coaptiva”) enquanto a energia do campo elétrico é transmitida. A sonda pode ser usada tangencialmente ou perpendicularmente na fonte de sangramento.

Como citar este artigo:

Salles FP. Hemostasia com cateter bipolar. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/hemostasia-com-cateter-bipolar

Referência bibliográfica

  1. BIANCO, Maria Antonia; ROTONDANO, Gianluca; MARMO, Riccardo; PISCOPO, Roberto; ORSINI, Luigi; CIPOLLETTA, Livio. Combined epinephrine and bipolar probe coagulation vs. bipolar probe coagulation alone for bleeding peptic ulcer: a randomized, controlled trial. Gastrointestinal Endoscopy, [S.L.], v. 60, n. 6, p. 910-915, dez. 2004. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/s0016-5107(04)02232-1.
  2. MORRIS, Marcia L; TUCKER, Robert D; BARON, Todd H; SONG, Louis M Wong Kee. Electrosurgery in Gastrointestinal Endoscopy: principles to practice. The American Journal Of Gastroenterology, [S.L.], v. 104, n. 6, p. 1563-1574, 21 abr. 2009. Ovid Technologies (Wolters Kluwer Health). http://dx.doi.org/10.1038/ajg.2009.1
  3. PARSI, Mansour A.; SCHULMAN, Allison R.; ASLANIAN, Harry R.; BHUTANI, Manoop S.; KRISHNAN, Kuman; LICHTENSTEIN, David R.; MELSON, Joshua; NAVANEETHAN, Udayakumar; PANNALA, Rahul; SETHI, Amrita. Devices for endoscopic hemostasis of nonvariceal GI bleeding (with videos). Videogie, [S.L.], v. 4, n. 7, p. 285-299, jul. 2019. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.vgie.2019.02.004.
  4. CONWAY, Jason D.; ADLER, Douglas G.; DIEHL, David L.; FARRAYE, Francis A.; KANTSEVOY, Sergey V.; KAUL, Vivek; KETHU, Sripathi R.; KWON, Richard S.; MAMULA, Petar; RODRIGUEZ, Sarah A.. Endoscopic hemostatic devices. Gastrointestinal Endoscopy, [S.L.], v. 69, n. 6, p. 987-996, maio 2009. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.gie.2008.12.251.

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Curiosidades sobre o Helicobacter pylori

Introdução

  • O Helicobacter pylori (HP) acomete aproximadamente metade da população mundial, sendo uma das principais infecções crônicas do ser humano.
  • Detentor de um vasto repertório genético, o HP é capaz de adaptar-se às mais diversas situações impostas pelo hostil ambiente gástrico.
  • Embora intimamente associado aos humanos há muitos séculos, foi descoberto apenas em 1982 por Warren e Marshall, rendendo a eles o prêmio Nobel. [2]
  • Identificado inicialmente como Campylobacter pyloridis, mais tarde fora reclassificado como Helicobacter pylori. [1]
  • A infecção é, geralmente, adquirida na primeira infância com forma de transmissão ainda não estabelecida, mas, provavelmente, fecal-oral e/ou oral-oral. [3]

Características

  • Definido como um bacilo microaerofílico, gram-negativo, de crescimento indolente, mede aproximadamente 3,5 x 0,5 μm.
  • Morfologicamente, apresentam-se sob duas formas, uma bacilar espiralada e outra cocóide. [2]
  • A microscopia eletrônica revela que o HP tem 2 a 7 flagelos munidos de bainha unipolar que aumentam a sua mobilidade por meio de soluções viscosas. Essa propriedade permite que se estabeleça nas porções mais profundas do gel mucoso que reveste a mucosa gástrica, onde as condições de pH são mais favoráveis. [2]
  • O HP coloniza exclusivamente o epitélio gástrico, com a capacidade de fixar-se ao epitélio, porém, em circunstâncias normais, parece não invadir essas células. [3]

Figura 1

Quando submetido a fatores estressores, como escassez de nutrientes, condições desfavoráveis de temperatura, pH e substâncias tóxicas, o HP muda sua conformação habitual bacilar para cocóide. Nesta forma de adaptação, o HP admite um estado viável, mas não cultivável. Essa transição de conformação é responsável, em parte, pela resistência aos antibióticos. [4]

Figura 2

 

  • A capacidade de produzir urease, uma enzima que catalisa a degradação da uréia em amônia e CO2, permite a alcalinização do pH circundante. (Para saber mais sobre o teste da urease confira este post.)
  • O repertório genético determina fatores patogênicos, capazes de facilitar a adesão ao epitélio gástrico, induzir lesão mucosa e evitar as defesas do hospedeiro. [5]

Relação entre HP e inibidor de bomba de próton (IBP)

  • O inibidor de bomba de prótons (IBP) tem potencial efeito bactericida, bacteriostático e reduz a atividade da urease do HP.
  • Os métodos dependentes da quantidade de bactérias (histológico, teste respiratório, antígeno fecal) e da atividade da urease (teste da urease) são negativamente influenciados após o uso do IBP.
  • Por isso, na prática clínica, recomendamos a suspensão dos IBP por 14 dias antes de qualquer teste diagnóstico, exceto sorologia.
  • Da mesma forma, orienta-se a suspensão dos antibióticos e sais de bismuto por 30 dias. [6]

Pesquisa do HP pelo método histológico

Em busca do melhor ambiente para desenvolver-se, o HP, normalmente, inicia seu ciclo de vida no antro, onde condições de pH e nutrientes são mais favoráveis, e, eventualmente, migra para o corpo. Essas formas de acometimento são, atualmente, atribuídas ao somatório de fatores ambientais, de virulência e do hospedeiro.

  1. Disposição predominante antral, hipergastrinemia, hipersecreção de ácido e predisposição a úlcera duodenal.
  2. Migração do antro para o corpo gástrico, redução da produção ácida, evolução com gastrite atrófica, metaplasia intestinal, úlcera gástrica e câncer.

A utilização do método histológico com apenas uma biópsia do antro é razoável para a maioria dos casos. Entretanto, nos pacientes com atrofia e metaplasia, devemos associar com biópsia do corpo gástrico. Por isso, de forma geral realizamos biópsias do corpo e do antro.

A realização de duas biópsias do corpo e duas do antro confere um aumento de positividade das biópsias entre 10–15%, entretanto, não há estudos comprovando se essa prática é custo-efetiva. [7]

Como citar este artigo:

Júnior EAA. Curiosidades sobre o Helicobacter pylori. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/curiosidades-sobre-o-helicobacter-pylori

Referências

  1. Warren JR. Helicobacter: the ease and difficulty of a new discovery (Nobel lecture). ChemMedChem. 2006;1(7):672-85.
  2. Goodwin CS, Worsley BW. Microbiology of Helicobacter pylori. Gastroenterology clinics of North America. 1993;22(1):5-19
  3. Cover TL, Blaser MJ. Helicobacter pylori in health and disease. Gastroenterology. 2009;136(6):1863-73.
  4. Kadkhodaei, Sara; Siavoshi, Farideh; Akbari Noghabi, Kambiz (2019). Mucoid and coccoid <i>Helicobacter pylori</i> with fast growth and antibiotic resistance. Helicobacter, (), –. doi:10.1111/hel.12678 
  5. Amieva MR, El-Omar EM. Host-bacterial interactions in Helicobacter pylori infection. Gastroenterology. 2008;134(1):306-23.
  6. Coelho LGV, Marinho JR, Genta R, Ribeiro LT, Passos MCF, Zaterka S, Assumpção PP, Barbosa AJA, Barbuti R, Braga LL, Breyer H, Carvalhaes A, Chinzon D, Cury M, Domingues G, Jorge JL, Maguilnik I,
  7. Marinho FP, Moraes Filho JP, Parente JML, Paula-e-Silva CM, Pedrazzoli Júnior J, Ramos AFP, Seidler H, Spinelli JN, Zir JV. IVth Brazilian Consensus Conference on Helicobacter pylori infection
  8. Calvet, Xavier (2015). Diagnosis of Helicobacter pylori Infection in the Proton Pump Inhibitor Era. Gastroenterology Clinics of North America, (), S0889855315000473–. doi:10.1016/j.gtc.2015.05.001
  9. Ierardi, Enzo; Losurdo, Giuseppe; Mileti, Alessia; Paolillo, Rosa; Giorgio, Floriana; Principi, Mariabeatrice; Di Leo, Alfredo (2020). The Puzzle of Coccoid Forms of Helicobacter pylori: Beyond Basic Science. Antibiotics, 9(6), 293–. doi:10.3390/antibiotics9060293

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CORPO ESTRANHO IMPACTADO NA GARGANTA: VOCÊ SABE AVALIAR?

“Doutor, estava comendo peixe e engoli uma espinha! Estou sentindo ela presa aqui na minha garganta!”

Todo endoscopista que faz plantão de sobreaviso já passou por essa situação.

Espinha de peixe e espículas de frango são os mais terríveis, pois têm grande chance de ficar impactados em algum local do trajeto (hipofaringe, esôfago, etc).

Quando pensei em escrever sobre esse assunto, o principal objetivo era familiarizar o endoscopista com o exame e a anatomia das estruturas supraglóticas, visto que, para nós, essa é uma região apenas “de passagem”. Mas também vamos recapitular o que os guidelines orientam sobre o melhor momento de realizar esse exame.

Em alguns serviços existe uma discussão a respeito de quem deveria atender a esses pacientes: endoscopistas ou os otorrinos? Já deixo aqui a minha opinião:

  • Exame físico dedicado com o otorrinolaringologista deveria ser a conduta padrão, pois é simples de realizar, pode resolver o problema rapidinho e não exige sedação;
  • Caso o otorrino não encontre a espinha impactada em nenhum lugar acessível, o exame endoscópico estaria indicado;

Mas nem sempre temos o melhor dos mundos a nosso favor e, tendo a suspeita de corpo estranho impactado “na garganta”, não podemos omitir socorro ao paciente, ok?

Então, vamos lá!

O que diz o guideline da ASGE sobre ingestão de objetos pontiagudos?

Objetos pontiagudos (agulhas, ossos, palitos de dente)

  • Laringoscopia direta é uma opção para remover objetos acima do cricofaríngeo;
  • Objeto pontiagudo impactado no esôfago é uma emergência médica e deve ser retirado imediatamente;
  • A maioria dos objetos pontiagudos passam pelo TGI sem incidentes. No entanto, a chance de complicação pode chegar até 35%. Portanto, objetos pontiagudos no estômago ou duodeno proximal devem ser retirados por endoscopia.

Clique aqui para ver o guideline.

O guideline não fala a respeito de jejum em cada situação, mas deixo aqui a minha opinião:

  • Suspeita de impactação acima do cricofaríngeo: melhor esperar jejum (ou fazer com anestesia tópica, mas nem sempre o paciente colabora);
  • Suspeita de impactação no esôfago: emergência médica! Exame imediato!
  • Sem suspeita de impactação no esôfago: exame assim que completar o jejum.

Anatomia da laringe

Figura 1: visão endoscópica da laringe. Epiglote parcialmente visualizada.

Exame endoscópico

Paciente jovem, feminina, refere ingestão de corpo estranho (osso de frango) há 2 dias. Refere dor na garganta e suspeita que o osso de frango está impactado em algum lugar. 

Para ser honesto, com essa história arrastada de 2 dias e poucos sintomas, meu palpite era que eu não iria achar nada no local. Mesmo assim, procedemos com o exame cuidadoso.

 

Figura 2: exame do esôfago e coto gástrico normal.

Figura 3: laringe, seio piriforme esquerdo e direito.

Figura 4: epiglote, pilar amigdaliano direito e tonsila direita.

 

Até agora, nada. Porém, cumpre lembrar que a endoscopia digestiva alta não é o exame adequado para estudar essa região. O relaxamento da musculatura, devido à sedação e ao posicionamento do paciente, dificulta o exame adequado. Por isso, sempre recomendamos realizar um exame com auxílio de um cap acoplado à extremidade do aparelho antes de concluir que está tudo bem.

 

Figura 5: exame com auxílio de cap. Visualização da epiglote e da valécula (região atrás da epiglote).

Figura 6: exame da tonsila esquerda como auxílio de cap e identificação de corpo estranho.

Figura 7: vista ampliada do “danado”.

Figura 7: vista ampliada do “danado”.

Figura 8: retirada do corpo estranho com pinça de biópsia.

Figura 8: retirada do corpo estranho com pinça de biópsia.

 

Como viram, devemos procurar com muita atenção um possível corpo estranho nessa região, realizando exame da orofaringe e hipofaringe com muito cuidado e lembrar sempre do uso do cap. Cuidado com conclusões precipitadas!

Como citar este artigo:

Martins BC. CORPO ESTRANHO IMPACTADO NA GARGANTA: VOCÊ SABE AVALIAR?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/corpo-estranho-impactado-na-garganta-voce-sabe-avaliar

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Barrett, endoscopia e as inúmeras possibilidades de abordagem/manejo

1. Introdução

O esôfago de Barrett é a única lesão pré-maligna identificável do adenocarcinoma esofágico. Dados epidemiológicos dos EUA revelaram uma incidência de 18.174 casos de câncer de esôfago em 2014, sendo 60% por adenocarcinoma, com uma sobrevida em 5 anos de apenas 15–20%. [1,2]

A terapêutica endoscópica mudou o manejo dos pacientes com Barrett, possibilitando tratamento eficaz e minimamente invasivo.

2. Indicações de tratamento endoscópico

De uma forma geral, está indicado no paciente com Barrett com displasia ou com adenocarcinoma intramucoso.

Abaixo, a tabela expõe as últimas recomendações das principais sociedades americanas e europeias sobre as estratégias de vigilância e manejo dos pacientes com Barrett:

Antes de indicar o tratamento endoscópico nos pacientes com Barrett com displasia, recomenda-se confirmação do diagnóstico histológico por pelo menos 1 patologista especialista ou por um grupo de patologistas. Uma vez observado que a revisão histológica por 1 especialista acarretou mudança no resultado do AP em 55% (maior parte das vezes em downgrading). [3]

Estratégias de tratamento

As estratégias se dividem em 2, a depender da presença ou não de lesão endoscopicamente visível:

  • Barrett com displasia sem lesão visível: terapia ablativa;
  • Barrett com displasia e com lesão visível: ressecção endoscópica da lesão visível, seguida da terapia ablativa do Barrett remanescente.

A ressecção das lesões visíveis fornece um correto estadiamento histológico e, consequentemente, direciona o correto intervalo de vigilância, com mudança no AP inicial em 39% (maior parte das vezes em upgrading na displasia/neoplasia). [3]

Ressecção endoscópica da lesão visível, seguida da terapia ablativa do Barrett remanescente

Técnicas de ressecção endoscópica

As principais técnicas são a mucosectomia com multibandas (multiband mucosectomy) e a mucosectomia com auxílio do Cap (Cap technique). Ambas apresentam eficácia e segurança semelhantes. Estudo com 2.513 mucosectomias em pacientes com Barrett demonstrou taxa de sangramento de 1,2%, estenose 1%, e nenhuma perfuração. [4]

A seguir link com vídeo da técnica de ressecção com multibandas: CLIQUE AQUI

Papel da dissecção endoscópica da submucosa (ESD)

Para os casos específicos de Barrett, o estadiamento histológico e de profundidade parecem ser os parâmetros mais importantes para guiar o manejo dos pacientes. Diferentemente de outras condições neoplásicas, não há necessidade absoluta de obtenção de margens laterais livres no Barrett. Alguns estudos demonstraram a eficácia da técnica de mucosectomia no Barrett comparado à ESD [5]:

  • ESD vs EMR;
  • > taxas de R0 (ressecção com margens laterais livres);
  • Tempo de procedimento mais prolongado;
  • Maior taxa de eventos adversos;
  • Mesma taxa de remissão de neoplasia.

A ESD tem sido reservada para os casos de lesões com componente luminal significativo, o que dificulta a apreensão pelo sistema de bandas e pelo Cap, e para as lesões com suspeita de invasão da submucosa, uma vez que se tem observado uma boa evolução dos pacientes com Barrett com adenocarcinoma com invasão da submucosa até 500 µm, tumor bem ou moderadamente diferenciado, após ESD com margens livres e ausência de invasão angiolinfática. [5]

Terapia endoscópica ablativa

A ablação por radiofrequência é o método de eleição, por sua alta segurança, eficácia e por já ter sido extensivamente validado na literatura e prática médica. Outras opções são: terapia fotodinâmica, crioterapia e ablação com plasma de argônio.

A ablação com radiofrequência (Sistema Barrx® RFA; Medtronic) promove destruição do tecido-alvo pelo calor por meio de cateteres endoscópicos com uso de gerador elétrico conectado a matrizes de eletrodos bipolares (faixa de RF: 450-500 kHz). A ablação acomete profundamente até a muscularis mucosae (500–1000 µm), a submucosa não é atingida (↓risco de hemorragia, fibrose e estenose).

Ablação com radiofrequência do esôfago de Barrett.

Ablação com radiofrequência do esôfago de Barrett.

O sucesso da terapia ablativa é definido pela erradicação completa da displasia, bem como da metaplasia intestinal, no esôfago tubular. Com estudos demonstrando taxas de sucesso de 98% após 1 ano do tratamento de pacientes com Barrett com displasia e/ou adenocarcinoma intramucoso. [6]

Eventos adversos foram observados na literatura em 8,8% dos casos, sendo o principal estenose 5,6%, seguido por sangramento 1% e perfuração 0,6%. [7]

A ablação por radiofrequência (ARF) permite a destruição do tecido-alvo desejado pelo calor. É um tratamento amplamente utilizado para a arritmia cardíaca, câncer, varizes e sangramento uterino. Quando disponível, a ARF tornou-se o tratamento padrão para o esôfago de Barrett displásico.

3. Vigilância

A vigilância deve ser empregada pois observa-se taxa de recorrência de cerca de 20% em 2 a 3 anos após sucesso. Na recorrência, observou-se que 25% apresentaram displasia e que em > 95% dos casos o tratamento endoscópico pode ainda ser estabelecido.

O intervalo de vigilância depende do grau de displasia observado antes do tratamento.

  • Displasia de alto grau/adenocarcinoma: endoscopia com biópsias (nos 4 quadrantes a cada 1 cm) de 3 em 3 meses no primeiro ano, de 6 em 6 meses no segundo ano e, depois, anualmente. [8]
  • Displasia de baixo grau: endoscopia com biópsias (nos 4 quadrantes a cada 1 cm) de 6 em 6 meses no primeiro ano e anualmente após [8]; ou endoscopia com biópsias (nos 4 quadrantes a cada 1 cm) 1 vez no ano por 2 anos e, depois, a cada 3 anos. [9]

Referências

  1. Rubenstein JH. Gastroenterology 2015.
  2. Hur C. Cancer. 2013
  3. Wani S. GIE 2018.
  4. Tomizawa Y. Am J Gastroenterol 2013.
  5. Weusten B. Endoscopy 2017.
  6. Gondrie JJ. Endoscopy 2008.
  7. Qmseya BJ. Clin Gastroenterol Hepatol 2016.
  8. Shaheen NJ. Am J Gastroenterol 2016.
  9. Wani S. Gastroenterol 2016.

Como citar este artigo:

Franco M. Barrett, Endoscopia e as inúmeras possibilidades de abordagem/manejo. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/barrett-endoscopia-inumeras-possibilidades-de-abordagem-manejo

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Diagnóstico moderno da DRGE: o Consenso de Lyon

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma doença complexa, de elevada prevalência mundial, que gera um alto custo na sua investigação diagnóstica e tratamento.

Com o objetivo de determinar a indicação dos testes esofágicos para avaliação da DRGE e rever seus critérios diagnósticos, especialistas em DRGE de vários países iniciaram, em 2014, um processo de discussão e revisão da literatura, cujas constatações foram adaptadas para a prática clínica do gastroenterologista, que culminaram na elaboração deste consenso recentemente publicado.

O Consenso de Lyon avaliou os testes diagnósticos da DRGE, categorizando seus resultados como conclusivos, contrários ou inconclusivos para confirmação de DRGE. Quando os testes diagnósticos são limítrofes ou inconclusivos, parâmetros adicionais de apoio são sugeridos para complementá-los.

Em seguida, serão apresentadas suas principais conclusões.

Nota: o Consenso de Lyon foi atualizado em 2023 e você pode conferir essa atualização neste post do Gastropedia: Atualizações no diagnóstico de DRGE: Consenso de Lyon 2.0. No entanto, encorajamos a continuar a leitura deste artigo, visto que fornece a base para entendimento da sua atualização. 

Diagnóstico da DRGE

História clínica:

Os sintomas típicos de refluxo não são sensíveis nem específicos, quando comparados à evidência objetiva de DRGE definida por pHmetria ou endoscopia (sensibilidade 70%; especificidade 67%), ainda que a história seja realizada por gastroenterologista ou por meio de questionários padronizados.

Teste com inibidor da bomba de prótons (IBP):

O teste empírico com IBP em pacientes com sintomas típicos tem sensibilidade de 71% e especificidade de 44%, em comparação com a combinação de endoscopia e pHmetria para o diagnóstico de DRGE. Com sintomas atípicos, as taxas de resposta do IBP são muito mais baixas do que com sintomas típicos, diminuindo assim a utilidade dessa abordagem para o diagnóstico.

Na prática clínica, apesar da baixa especificidade e alta resposta placebo, a abordagem diagnóstica da DRGE baseada na avaliação dos sintomas e no tratamento empírico com IBP é menos dispendiosa do que testes diagnósticos e é endossada por diretrizes das sociedades de gastroenterologia.

Testes diagnósticos:

As indicações para os testes incluem falha do tratamento, incerteza diagnóstica e tratamento ou prevenção de complicações da DRGE, e sua principal função é distinguir os pacientes com carga patológica de refluxo, de hipersensibilidade mediada por refluxo e síndromes funcionais.

Endoscopia e biópsia:

Os achados da endoscopia podem ser clinicamente importantes e específicos para a DRGE, mas a endoscopia tem baixa sensibilidade diagnóstica (apenas 30% dos pacientes com pirose não tratados têm esofagite erosiva).

Critérios endoscópicos conclusivos para DRGE:

  • Esofagite de grau C ou D;
  • Esôfago de Barrett comprovado por biópsia;
  • Estenose péptica.

O grau A de LA é considerado inespecífico sendo encontrado entre 5% a 7,5% dos controles assintomáticos. Esofagite grau B LA fornece evidência adequada para o início do tratamento da DRGE, entretanto, os problemas com a variabilidade interobservadora tornam necessária a evidência adicional com pHmetria antes da indicação de cirurgia antirrefluxo.

As biópsias podem ter valor na diferenciação de DRGE não erosiva (com pHmetria positiva), da hipersensibilidade ao refluxo e pirose funcional quando avaliadas usando um protocolo histopatológico adequado. Entretanto, a ampla adoção do exame histopatológico para lesão da DRGE é dificultada pelo protocolo trabalhoso e necessidade de um patologista experiente, tendo sua aplicabilidade clínica limitada.

Monitorização ambulatorial do refluxo:

A monitorização ambulatorial do refluxo pode fornecer evidências confirmatórias de DRGE em pacientes com endoscopia normal, sintomas atípicos e/ou quando se considera cirurgia antirrefluxo.

  • A monitorização da impedâncio-pH é o padrão ouro para detecção e caracterização dos episódios de refluxo, mas é dispendiosa, não está amplamente disponível e sua interpretação é demorada.
  • Recomenda-se a monitorização do refluxo sem IBP em casos de DRGE “não comprovada” e com IBP em casos de “DRGE comprovada” (esofagite anterior de grau C ou D, Esôfago de Barrett comprovado por biópsia, estenose péptica ou Tempo de exposição ácida –TEA > 6%).
  • Quando a monitoração de refluxo é indicada em uso de IBP, a impedâncio-pH deve ser realizada, pois a maioria dos refluxos nessa situação são não ácidos.
  • Quando a monitoração de refluxo é indicada sem uso IBP, a escolha entre o monitoramento de pH baseado em cateter, o monitoramento de pH sem fio e o monitoramento por impedâncio-pH depende do custo e da disponibilidade.
  • Um TEA <4% é normal e um TEA> 6% é anormal (independentemente do tipo de monitorização do refluxo e se o estudo foi realizado com ou sem IBP).
  • Os episódios de refluxo >80/24 horas são anormais e <40 são fisiológicos na impedâncio-pHmetria realizada com ou sem IBP. O número de episódios de refluxo é uma métrica adjunta a ser usada quando o TEA é limítrofe ou inconclusivo.
  • Associação do sintoma: a combinação de um IS positivo e uma PAS (probabilidade de associação de sintoma) positiva fornece a melhor evidência de associação clinicamente relevante entre episódios de refluxo e sintomas, e pode predizer uma melhor resposta ao tratamento quando presente.
  • A medição da impedância basal da mucosa, que reflete a permeabilidade da mucosa, (usando um dispositivo por endoscopia ou durante a monitoração ambulatorial da impedâncio-pH) é uma medida adjunta para o diagnóstico de DRGE.
  • O índice de PSPW (onda peristáltica induzida pela deglutição pós-refluxo) reflete a integridade do peristaltismo primário do esôfago e, assim como a impedância basal, é uma métrica que pode aumentar o valor diagnóstico da impedâncio-pHmetria, especialmente discriminando os pacientes com DRGE daqueles com pirose funcional.

Manometria esofágica de alta resolução:

A manometria de alta resolução (MAR) é comumente indicada para o adequado posicionamento dos cateteres de pH ou impedâncio-pHmetria. Também é usada para avaliar o peristaltismo e detectar distúrbios motores que contraindiquem a cirurgia antirrefluxo.

A MAR não é útil para o diagnóstico da DRGE, mas pode fornecer informações adicionais:

  • Avaliação da função de barreira da JEG incluindo sua morfologia (tipo I a III) e de seu vigor contrátil (CI –JEG: padronização a ser estabelecida) (Figura 1);
Figura 1. Morfologia da junção esofagogástrica como descrita na MAR. Com a morfologia do tipo 1, o componente do diafragma crural (CD) é completamente sobreposto ao componente do esfíncter esofágico inferior (LES). Com a morfologia tipo 2, há separação parcial dos constituintes do EEI e CD.

  • Avaliação da função motora do corpo esofágico (contratilidade normal, ineficaz, fragmentada ou ausente) que se correlaciona com a carga de refluxo esofágico;
  • Testes adjuntos devem ser incluídos no protocolo de MAR: para avaliar a resposta contrátil (múltiplas deglutições rápidas) em pacientes com motilidade esofagiana ineficaz; para avaliar a obstrução da JEG (teste ingestão rápida de água) (Figura 2).
Figura 2. Métricas de manometria de alta resolução utilizadas na classificação motora da DRGE após uma série de deglutições repetidas (múltiplas deglutições rápidas – MRS), o DCI (contração distal integrada) aumenta em relação ao DCI médio das deglutições isoladas quando há reserva de contração.

O Consenso de Lyon sugere que todo estudo de MAR seja acompanhado por, pelo menos, um desses testes provocativos e que a classificação descrita seja destinada a ser usada em conjunto com a Classificação de Chicago.

Em resumo, uma vez que história clínica e a resposta à terapia antissecretora são insuficientes para estabelecer um diagnóstico conclusivo da DRGE isoladamente, o Consenso de Lyon propôs um modelo de análise dos testes esofágicos que serve como guia para o manejo da doença (Figura 3).

Figura 3. Interpretação dos resultados dos testes esofágicos no contexto da DRGE. Figura 3. Interpretação dos resultados dos testes esofágicos no contexto da DRGE. *EIC – espaço intercelular; MNBI – impedância basal noturna média.

Otimizando os testes de DRGE:

O Consenso de Lyon opina que o teste inicial ótimo para não respondedores ao IBP sem demonstração de DRGE por endoscopia ou pHmetria prévia é a monitorização do pH ou da impedâncio-pH realizada sem terapia antissecretora. O objetivo dessa estratégia é descartar a DRGE e redirecionar o tratamento para o desmame dos IBPs, usando neuromoduladores e/ou terapia comportamental cognitiva, conforme apropriado.

Por outro lado, o teste ideal em pacientes pouco responsivos com diagnóstico prévio da DRGE é a combinação de EDA, MAR e monitoramento de impedâncio-pH em uso de terapia com IBP duas vezes ao dia. Essa combinação de testes serve tanto para redirecionar a terapia para diagnósticos alternativos quanto para identificar os pacientes com baixa depuração esofágica, episódios excessivos de refluxo e hipersensibilidade, cada um dos quais podendo desencadear opções específicas de tratamento.

Considerações finais:

Por fim, o Consenso de Lyon constata que a DRGE tem um perfil de sintomas heterogêneo, com base patogênica multifacetada que desafia um simples algoritmo diagnóstico. E, apesar de reconhecer as limitações dos testes esofágicos atuais, propõe o modelo apresentado acima. Sugere ainda que o objetivo da avaliação na DRGE deva buscar a definição de fenótipos da doença para facilitar um tratamento individualizado.

Como citar este artigo:

Fernandes LDD. Diagnóstico moderno da DRGE: o Consenso de Lyon – o que o endoscopista precisa saber. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/diagnostico-moderno-da-drge-o-consenso-de-lyon-o-que-o-endoscopista-precisa-saber/

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Síndrome pós-polipectomia

 

A realização de polipectomias faz parte do dia a dia do colonoscopista, como parte de procedimentos de rotina, exames diagnósticos etc. As principais complicações evidenciadas incluem ressecção incompleta da lesão, sangramento e perfuração. A síndrome pós-polipectomia é uma complicação pouco frequente e menos conhecida que as demais, no entanto, de extrema relevância. Sobre ela comentamos:

Confira mais sobre a síndrome pós-polipectomia

A síndrome de coagulação pós-polipectomia (post-polypectomy coagulation syndrome – PPCS) foi descrita por J. Waye ao observar pacientes que apresentaram quadro de dor abdominal de forte intensidade, sinais de peritonismo, taquicardia e febre após polipectomia com uso de corrente elétrica, porém, que não apresentavam evidência de perfuração colônica nos exames de imagem.

O diagnóstico dessa síndrome é de exclusão, sendo imprescindível avaliar e descartar a presença de pneumoperitôneo.

O principal sintoma é dor abdominal após colonoscopia, o que pode ocorrer nas primeiras 12h após o procedimento, porém são descritos casos tardios, após até 5–7 dias.

Considera-se que a síndrome decorre de lesão transmural secundária à corrente diatérmica, com preservação da serosa, não havendo, portanto, pneumoperitôneo.

A incidência é baixa, sendo estimada entre 0,5 e 1,2%, porém de grande relevância, pois faz diagnóstico diferencial com perfuração colônica pós-polipectomia.

Exames de imagem (tomografia computadorizada com contraste) evidenciam: ausência de pneumoperitôneo, espessamento da parede colônica com infiltrado inflamatório adjacente e presença de líquido na camada muscular do cólon.

O tratamento é conservador, baseado em internamento hospitalar, jejum, antibioticoterapia e vigilância. Não há necessidade de intervenção cirúrgica.

É importante ressaltar que a etiologia da lesão está associada à queimadura de camadas profundas do cólon. A evolução destes casos, via de regra, é satisfatória. Havendo intercorrências ou evolução insatisfatória, a possibilidade de perfuração tardia ou diagnóstico inicial equivocado (falha nos exames de imagem) deve ser suspeitado, sendo crucial a reavaliação do caso com o cirurgião.

Alguns autores usam o termo transmural burn syndrome ou simplesmente coagulation syndrome (CS) para incluir pacientes submetidos a ressecções endoscópicas por mucosectomia (EMR) ou dissecção endoscópica da submucosa (ESD), que apresentam quadro clínico semelhante a PPCS.

Embora não haja relato de perfuração tardia em PPCS, há descrição de perfuração tardia após CS (caso de ESD), indicando a importância de manter o paciente em internamento hospitalar e vigilância.

Bacteremia transitória pode ocorrer após procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, correspondendo à translocação de bactérias da flora do próprio paciente para a corrente sanguínea. De acordo com a ASGE, a incidência após colonoscopia com ou sem polipectomia é de aproximadamente 4%, porém raramente associadas a casos de infecção propriamente dita, como endocardite ou peritonite.

Referências:

  1. CT findings of post-polypectomy coagulation syndrome and colonic perforation in patients who underwent colonoscopy polypectomy. Shin et al. Clinical Radiology 2016;e1-e7
  2. Features of electrocoagulation syndrome after endoscopic submucosal dissection for colorectal neoplasm. Yamashina et al Gastroenterology and Hepatology 2016; 31:615–620
  3. Coagulation syndrome: Delayed perforation after colorectal endoscopic treatments. Hirasawa et al. World J Gastrointest Endosc  2015: 7(12): 1055-1061
  4. What Is Different  between Postpolypectomy Fever and  Postpolypectomy Coagulation Syndrome? Hyung Wook Kim.  Clin Endosc  2014;47:205-206

Como citar este artigo:

Ferreira F. Síndrome pós-polipectomia. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/sindrome-pos-polipectomia/

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Duplicação cística de esôfago

INTRODUÇÃO

Em exames de endoscopia digestiva alta de rotina, o achado de lesão subepitelial em esôfago é ocasional, porém presente com certa frequência.

Geralmente, o paciente se apresenta assintomático quanto à lesão encontrada, e o exame endoscópico foi indicado por outras causas, tais como dispepsia, suspeita de refluxo gastroesofágico, empachamento, etc (Figura 1).

Lesão subepitelial em esôfago distal

Figura 1: lesão subepitelial em esôfago distal.

Apesar da sintomatologia não estar relacionada à lesão subepitelial encontrada, seu esclarecimento diagnóstico nos direciona à investigação mais específica por meio de outros métodos de imagem, como a tomografia computadorizada, a ressonância magnética nuclear e a ecoendoscopia.

Nas lesões subepiteliais, as biópsias da mucosa não esclarecem o seu diagnóstico, justamente por estarem recobertas por mucosa íntegra e não serem representativas da lesão subepitelial.

Porém, quando encontramos uma solução de continuidade da lesão subepitelial com a mucosa (por exemplo, em lesões com ulcerações ou erosões na mucosa que a recobre), as amostras teciduais nas áreas ulceradas ou erodidas, por meio de biópsias endoluminais (pinças tipo fórceps), merecem ser investidas para o diagnóstico histológico.

São várias as hipóteses diagnósticas das lesões subepiteliais em esôfago:

  • Cisto de retenção;
  • Lipoma submucoso;
  • Schwannoma;
  • Hemangioma;
  • Leiomioma;
  • GIST;
  • Duplicação cística.

Dentre as possibilidades diagnósticas, a duplicação cística de esôfago deve ser considerada.

DUPLICAÇÃO CÍSTICA ESOFÁGICA

A duplicação cística é decorrente de alterações da formação do tubo digestório. Na fase embrionária, a endoderme se divide em 3 segmentos distintos:

  • intestino primitivo cefálico (foregut);
  • intestino primitivo médio (midgut);
  • intestino primitivo caudal (hindgut).

Para a formação do segmento proximal do tubo digestivo (3ª a 8ª semana de gestação) [1], o intestino primitivo cefálico (foregut), que se constitui como um único tubo, divide-se em 2 tubos paralelos e origina 2 segmentos tubulares:

  • Segmento anterior: que forma a traqueia e seus ramos segmentares;
  • Segmento posterior: que origina o todo o esôfago.

Uma grande falha na junção da endoderme possibilita uma fusão anômala e, consequentemente, formam as atresias de esôfago e de traqueia (total ou parcial) associadas ou não à fistula esofagotraqueal.

Esporadicamente, pode haver uma junção irregular dos bordos de fusão, de maneira a resultar em um recesso intramural no esôfago, ou mesmo um recesso para-esofágico (extramural), o qual origina a duplicação cística do esôfago (Figura 2).

Figura 1a: intestino primitivo cefálico com formação de traqueia e esôfago.

Figura 1b: intestino primitivo cefálico com falha e formação de duplicação cística.

Figura 2: a) Intestino primitivo cefálico com formação de traqueia e esôfago. b) Intestino primitivo cefálico com falha e formação de duplicação cística.

Histologicamente, o interior da duplicação cística de esôfago é revestido por epitélio escamoso ou entérico, os quais secretam secreção seromucosa. Externamente, é formada por dupla camada de musculatura lisa e, raramente, pode apresentar uma comunicação nítida com a luz esofágica.

Quanto à localização esofágica, a maior parte das duplicações císticas situam-se na região posterolateral direita do mediastino inferior e com maior predominância no terço distal (2/3) comparado ao terço proximal e médio (1/3) [2].

Por ser uma malformação congênita, o diagnóstico é mais frequente em crianças (80%) [3], as quais apresentam sintomas. No adulto, a sintomatologia geralmente é ausente, e, quando se apresenta algum sintoma (< 7%), está relacionado ao efeito compressivo da lesão em órgãos adjacentes [2]. Assim, a sintomatologia pode variar em função da localização da duplicação cística no esôfago (tabela 1).

Localização em esôfago Sintoma relacionado
1/3 proximal estridor, tosse
1/3 médio dor torácica, disfagia
1/3 distal disfagia, epigastralgia, vômitos, arritmia cardíaca [4]

 

INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA

Tomografia Computadorizada (CT): identifica-se uma imagem de massa homogênea, com íntimo contato com o esôfago, arredondada ou ovalada, bem delimitada, de contornos regulares, associada à densidade de fluido no seu interior e que não se altera à injeção de contraste.

Ressonância Magnética Nuclear (RMN): demonstra formação cística, localizada junto à parede esofágica, com hipossinal em T1, hipersinal em T2 e sem aspecto sólido em T1 com contraste.

Ecoendoscopia:

É indicada [5]:

  • Quando CT ou RMN não definem diagnóstico;
  • Em lesões suspeitas de malignidade;
  • Em formações atípicas.

A imagem ecográfica típica de duplicação cística de esôfago tem ecotextura anecoica ou hipoecoica, homogênea, alongada ou ovalada, de contornos regulares, limites precisos, com reforço hiperecoico no seu limite posterior. Situa-se inserida em camada submucosa, muscular própria ou até mesmo subserosa, com 3 a 5 camadas na parede [3] (Figura 3). Por vezes, podem ser múltiplas formações císticas intramurais com lobulações, e até mesmo, com septações em sua parede [6] (Figura 4). O conteúdo intracístico também pode ser heterogêneo, com imagens de debris ou pontos puntiformes de permeio (Figura 5).

Figura 3: ecoendoscopia setorial com imagem hipoecoica inserida em camada submucosa e muscular própria de esôfago distal.

Duplicação cística de esôfago

Figura 4: ecoendoscopia radial com imagem anecoica inserida em camada submucosa e muscular própria de esôfago com septos finos.

Duplicação cística de esôfago

Figura 5: ecoendoscopia setorial com imagem hipoecoica inserida em camada submucosa e muscular própria de esôfago distal com pontos hiperecoicos de permeio.

 

A princípio, a diferenciação quanto à natureza sólida ou cística da imagem pode ser definida pela ecoendoscopia. Porém mesmo ecoendoscopistas experientes podem ter dúvidas, uma vez que a secreção espessa da duplicação cística (muco) pode mimetizar uma imagem sólida ecográfica.

Nessas situações, a punção ecoguiada se faz necessária para possibilitar o diagnóstico diferencial entre duplicação cística de esôfago, leiomioma, GIST ou mesmo um conglomerado linfonodal paraesofágico. A amostra da punção ecoguiada pode revelar material mucoide com células epiteliais, semelhantes ao epitélio esofágico ou entérico. A grande preocupação em relação à punção ecoguiada é a infecção. Com taxas de 14% [4] [8], a infecção intracística pós-punção ecoguiada se demonstrou com morbidade e mortalidade temerárias pela potencial evolução para mediastinite, mesmo com uso de antibióticos em doses terapêuticas. Assim, há uma tendência dos ecoendoscopistas em reservar a punção ecoguiada somente em casos extremamente necessários [9].

O tratamento da duplicação cística de esôfago é indicado em pacientes sintomáticos. A remoção ou a enucleação cirúrgica estão sendo os tratamentos de eleição.

Nos pacientes assintomáticos, o tratamento conservador é predominante frente aos riscos inerentes da cirurgia esofágica (fístula, refluxo gastroesofágico) e mortalidade cirúrgica de 1% [10]. Outros advogam que a baixa taxa anual de crescimento da duplicação cística de esôfago não justifica a morbimortalidade da cirurgia [11]. Há relatos de indicações cirúrgicas em pacientes assintomáticos, justificadas pelo risco de ulceração ou perfuração da duplicação cística de esôfago, com sucesso no seguimento [12].

Saiba mais:

Guideline comentado da ASGE sobre lesões subepiteliais TGI

Tumor de células granulares no esôfago

QUIZ! – Lesão subepitelial de esôfago

Como citar este artigo:

Matuguma, SE. Duplicação cística de esôfago. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/duplicacao-cistica-de-esofago

Referências

  1. Nobuhara KK, Gorski YC, La Quaglia MP, Shamberger RC. Bronchogenic cysts and esophageal duplications: common origins and treatment. J Pediatr Surg [Internet]. 1997 Oct;32(10):1408–13. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9349757
  2. Pisello F, Geraci G, Arnone E, Sciutto A, Modica G, Sciumè C. Acute onset of esophageal duplication cyst in adult. Case report. G Chir [Internet]. 30(1–2):17–20. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19272226
  3. Whitaker JA, Deffenbaugh LD, Cooke AR. Esophageal duplication cyst. Case report. Am J Gastroenterol [Internet]. 1980 Apr;73(4):329–32. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/7416128
  4. Bowton DL, Katz PO. Esophageal cyst as a cause of chronic cough. Chest [Internet]. 1984 Jul;86(1):150–2. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/6734280
  5. Adler D, Liu R. Duplication cysts: Diagnosis, management, and the role of endoscopic ultrasound. Endosc Ultrasound [Internet]. 2014;3(3):152. Available from: http://www.eusjournal.com/text.asp?2014/3/3/152/138783
  6. Bhatia V, Tajika M, Rastogi A. Upper gastrointestinal submucosal lesions–clinical and endosonographic evaluation and management. Trop Gastroenterol [Internet]. 31(1):5–29. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20860221
  7. Wildi SM, Hoda RS, Fickling W, Schmulewitz N, Varadarajulu S, Roberts SS, et al. Diagnosis of benign cysts of the mediastinum: the role and risks of EUS and FNA. Gastrointest Endosc [Internet]. 2003 Sep;58(3):362–8. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14528209
  8. Cevasco M, Menard MT, Bafford R, McNamee CJ. Acute Infectious Pseudoaneurysm of the Descending Thoracic Aorta and Review of Infectious Aortitis. Vasc Endovascular Surg [Internet]. 2010 Nov 30;44(8):697–700. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1538574410376449
  9. Béchade D, Desramé J, Algayres JP. Gastritis cystica profunda in a patient with no history of gastric surgery. Endoscopy [Internet]. 2007 Dec;39(S 1):E80–1. Available from: http://www.thieme-connect.de/DOI/DOI?10.1055/s-2006-945070
  10. Salo JA, Ala-Kulju K V. Congenital esophageal cysts in adults. Ann Thorac Surg [Internet]. 1987 Aug;44(2):135–8. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3619537
  11. Versleijen MW, Drenth JP, Nagengast FM. A Case of Esophageal Duplication Cyst with a 13-year Follow-up Period. Endoscopy [Internet]. 2005 Sep;37(9):870–2. Available from: http://www.thieme-connect.de/DOI/DOI?10.1055/s-2005-870219
  12. Noguchi T, Hashimoto T, Takeno S, Wada S, Tohara K, Uchida Y. Laparoscopic resection of esophageal duplication cyst in an adult. Dis esophagus Off J Int Soc Dis Esophagus [Internet]. 2003;16(2):148–50. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12823217

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