Quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?

Atualmente, existem vários tipos de balão intragástrico no mercado e em estudo. Os tipos de balão incluem os preenchidos com ar, líquido, os duplos, ajustáveis e deglutíveis.

Tipos de balão intragástrico

Tipos de balão intragástrico. Imagens divulgação.

Porém, nesta revisão, iremos abordar apenas os preenchidos com líquido e implantados por endoscopia, que são os mais usados no nosso meio.

O primeiro balão intragástrico disponível no Brasil foi o balão de líquido, que podia permanecer no estômago por um período de 6 meses. Esse balão foi por bastante tempo a única opção para os nossos pacientes. Com o passar do tempo, o balão de líquido ajustável para tratamentos com um ano de duração chegou ao mercado e, mais recentemente, o balão de 1 ano não ajustável.

Com um maior número de opções, surgiu a dúvida: quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?

Balões intragástricos colocados por endoscopia e preenchidos com líquido

Balões intragástricos colocados por endoscopia e preenchidos com líquido. Imagens divulgação.

Para tentar responder a essa pergunta, realizei uma breve revisão de literatura comparando os balões em relação a vários fatores, incluindo custo, volume, resultados, tempo de permanência, ajuste e complicações.

Vamos lá!

Existe diferença no preço dos balões?

O valor pago pelo balão pode variar bastante dependendo da região, do número de balões comprados e da relação do médico com a empresa fornecedora. Porém o balão de seis meses tende a ter um preço mais baixo quando comparado com o balão de um ano ajustável e não ajustável.

O volume de preenchimento faz diferença?

Não existe diferença no volume de preenchimento entre os três tipos de balão intragástrico comparados. Os três sugerem em bula um preenchimento de, pelo menos, 400 ml e, no máximo, 700 ml. Sabemos que os balões toleram volumes maiores, mas seu uso é off label.

Em relação ao volume, vale a pena citar uma meta-análise publicada em 2017 que avaliou 5549 pacientes com balões preenchidos com volumes variando de 400 a 700 ml (1). Por incrível que pareça, não houve associação entre maiores volumes de preenchimento do balão com maiores perdas de peso. O que se observou foi que balões com menos de 600 ml apresentavam uma maior taxa de impactação antral e refluxo quando comparados com balões acima desse volume, sem diferença nas outras complicações. Com isso, o estudo sugeriu que o volume utilizado para o preenchimento do balão intragástrico deve ser entre 600 e 650 ml.

O tempo de permanência faz diferença na perda de peso?

Com o lançamento do balão para tratamento de um ano de duração, houve uma grande expectativa em relação aos seus resultados. Será que os pacientes continuariam perdendo peso após os 6 meses? Vários estudos foram realizados comparando a perda de peso entre os tratamento de seis meses e um ano de duração (2-8).

Os resultados variam um pouco, com alguns estudos mostrando perdas discretamente melhores para o tratamento de 6 meses e outros para o de um ano, mas, na média, não existe diferença significativa na perda de peso máxima entre os dois tratamentos. Os resultados são semelhantes e variam entre 13 e 20% de perda de peso total.

E no reganho de peso? Existe diferença em relação ao tempo de permanência do balão?

Um estudo muito interessante publicado por Russo et al (6) avaliou prospectivamente dois grupos de pacientes após removerem o balão intragástrico. Um grupo que utilizou o balão de 6 meses e um grupo que utilizou o balão de um ano. No momento da remoção, os dois grupos haviam apresentado a mesma média de perda de peso (20 kg + 3). Os grupos foram acompanhados por 9 meses, e o reganho de peso após a remoção foi semelhante entre os dois grupos, como pode ser observado na tabela abaixo.

Tabela l. Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Tabela l. Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Tabela l.  Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Apesar disso, o balão de 1 ano apresenta uma vantagem muito interessante em relação ao balão de seis meses. O reganho de peso começa 6 meses depois quando comparado com o balão semestral, dando um maior tempo para o paciente se adaptar aos hábitos mais saudáveis.

Ajuste para aumentar o balão faz diferença?

A possibilidade de ajustar o balão também foi uma novidade muito esperada, e acreditava-se que poderia fazer uma grande diferença quando o paciente atingisse o platô de perda de peso.

Fittipaldi-Fernandes et al publicaram um estudo prospectivo randomizado muito interessante avaliando esse tema. Eles estudaram 180 pacientes. Um grupo no qual o balão foi preenchido com 600 ml e mantido durante um ano e outro grupo no qual o balão foi preenchido com 600 ml e após 6 meses reajustado com mais 250 ml. O grupo que foi ajustado apresentou uma perda média de 4,35 kg a mais do que o grupo não ajustado, mas sem diferença estatística na porcentagem de perda de peso total, na perda de excesso de peso ou no IMC (9).

Isso ocorre porque os pacientes que não perdem peso inicialmente com o balão (em torno de 8% dos pacientes) não costumam responder com o aumento do volume do balão. Esses casos são mais bem manejados com medicações para perda de peso. Os pacientes que mantêm sensação de saciedade e perdendo bem peso também não se beneficiam muito com os ajustes. Talvez, o grupo que mais tenha resultado são os pacientes que apresentaram uma boa perda de peso e queixam de perda da saciedade (10).

Importante lembrar também que ajustes com volume muito baixo não são efetivos nem, muitas vezes, notados pelos pacientes. Se um ajuste para mais for realizado, ele deve ser de no mínimo 150 ml.

Aqui, sim, em minha opinião, é a maior vantagem do balão ajustável. De acordo com dados do Consenso Brasileiro de Balão Intragástrico, que avaliou mais de 40.000 casos, a incidência de intolerância ao balão é de 2,2%. Além disso, há mais 0,9% dos pacientes que apresentam a hiperinsuflação espontânea do balão (11).

Se essas complicações ocorrerem com um balão não ajustável, o único tratamento possível é a remoção do balão. Quem trabalha com balão sabe que a interrupção precoce do tratamento é sempre uma grande dor de cabeça com queixas e questionamentos dos pacientes.

Se isso ocorrer com um balão ajustável, é possível resolver a complicação sem necessitar remoção e interrupção do tratamento. No caso de intolerância, o balão deve ser esvaziado até perder o seu formato esférico. Isso ocorre com volumes próximos ou um pouco menores do que 400 ml. No caso da hiperinsuflação, o balão deve ser esvaziado completamente e reenchido com um novo líquido. Sempre importante orientar o paciente que a hiperinsuflação pode ocorrer novamente.

Imagem de radiografia de abdome demonstrando balão hiperinsuflado com nível líquido

Imagem de radiografia de abdome demonstrando balão hiperinsuflado com nível líquido.

Complicações! Existe diferença na taxa de complicações entre os balões?

O Consenso Brasileiro de Balão Intragástrico (11) avaliou as complicações entre os diferentes tipos de balão. Não existe diferença significativa na taxa de incidência de hiperinsuflação, esvaziamento espontâneo, migração e perfuração no implante e explante.

Em relação às úlceras gástricas, o balão ajustável tem uma taxa de incidência de 5,7%, enquanto os outros balões apresentam taxas de apenas 0,4%. Dentre esses pacientes com úlcera no balão ajustável, 0,6% necessita interromper o tratamento. A maior incidência de úlceras com o balão ajustável está relacionada à presença do cateter de ajuste.

Úlcera pós balão intragástrico

Úlcera pós-balão intragástrico.

Enfim, quando usar cada tipo de balão?

Importante ressaltar que não existe contraindicação de nenhum dos tipos de balão para algum tipo específico de paciente, desde que as indicações e contraindicações do método sejam respeitadas.

Mas algumas sugestões podem ser feitas, sem nenhum critério de obrigatoriedade.

  • Pacientes preocupados com o custo do tratamento podem utilizar o balão mais barato;
  • Pacientes que precisam perder pouco peso ou que têm uma data para terminar o tratamento (algumas vezes um evento ou uma cirurgia que exigia perder peso para realizar) podem se beneficiar do tratamento mais curto – 6 meses;
  • Pacientes mais pesados ou com obesidade mais crônica: um tratamento mais longo é interessante;
  • Pacientes que moram longe ou que têm maior dificuldade para retornar para reavaliações: um balão com menor taxa de incidência de úlceras pode ser indicado;
  • Para aqueles pacientes que têm um maior risco de intolerância, como, por exemplo, pacientes colocando o seu segundo balão, a possibilidade de ajuste para reduzir o balão é importante.

Esses são alguns exemplos de situações em que um balão pode ser mais vantajoso do que os outros. Claro que nada disso é lei, como já escrevi, são apenas sugestões. Espero que esta revisão tenha sido útil.

Você também pode contribuir nos comentários com a sua opinião e experiência! Quando usa cada tipo de balão? Concorda com as sugestões acima? Conte para nós!

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Como citar este artigo

Orso IRB. Quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/quando-e-para-quem-indicar-cada-tipo-de-balao-intragastrico/

Referências

  1. Nitin Kumar et al. The Influence of the Orbera Intragastric Balloon Filling Volumes on Weight Loss, Tolerability, and Adverse Events: a Systematic Review and Meta-Analysis. OBES SURG. DOI 10.1007/s11695-017-2636-3. 2017
  2. Eisa Lari , Waleed Burhamah, Ali Lari, Talal Alsaeed, Khalid Al-Yaqout, Salman Al-Sabah. Intragastric balloons – The past, present and future. Annals of Medicine and Surgery. 2021.
  3. Seong Ji Choi and Hyuk Soon Choi. Various Intragastric Balloons Under Clinical Investigation. Clin Endosc 2018.
  4. Alfredo Genco, Daniela Dellepiane, Giovanni Baglio et al. Adjustable Intragastric Balloon vs Non-Adjustable Intragastric Balloon: Case–Control Study on Complications, Tolerance, and Efficacy. OBES SURG. 2013.
  5. Maíra L SCHWAAB1, Eduardo N USUY JR2, Maurício M de ALBUQUERQUE1, Daniel Medeiros MOREIRA1,
    Victor O DEROSSI1 and Renata T USUY2Assessment of weight loss after non-adjustable and adjustable intragastric balloon use. Arq Gastroenterol 2020.
  6. Teresa Russo a, Giovanni Aprea a, Cesare Formisano a, Simona Ruggiero a, Gennaro Quarto a, Raffaele Serra b, Guido Massa a, Luigi Sivero. BioEnterics Intragastric Balloon (BIB) versus Spatz Adjustable BalloonSystem (ABS): Our experience in the elderly. International Journal of Surgery. 2016.
  7. Vitor O. Brunaldi, Manoel Galvao Neto. Endoscopic techniques for weight loss and treating metabolic syndrome. Current opinion Gastroenterology. 2019.
  8. Diogo Moura, Joel Oliveira, Eduardo G.H. De Moura, Wanderlei Bernardo, Manuel Galvão Neto, Josemberg Campos, Violeta B. Popov, Cristopher Thompson. Effectiveness of Intragastric Balloon for Obesity: A
    Systematic Review and Meta-Analysis Based on Randomized Control Trials. Surgery for Obesity and Related Diseases. 2015.
  9. Ricardo José Fittipaldi-Fernandez, Idiberto José Zotarelli-Filho, Cristina Fajardo Diestel, Márcia Regina Simas Torres Klein, Marcelo Falcão de Santana, João Henrique Felicio de Lima, Fernando Santos Silva Bastos, Newton Teixeira dos Santos. Randomized Prospective Clinical Study of Spatz3® Adjustable Intragastric Balloon Treatment with a Control Group: a Large-Scale Brazilian Experiment. Obesity Surgery. 2020.
  10. Books J. One-Year Adjustable Intragastric Balloons: Do They Offer More than Two Consecutive Nonadjustable
    6-Month Balloons? Obesity Surgery. 2013.
  11. ManoelGalvao Neto, Lyz Bezerra Silva, EduardoGrecco, LuizGustavodeQuadros, André Teixeira, Thiago Souza, JimiScarparo, ArturA.Parad a, RicardoDib, Josemberg Campos, RenaMoon. Brazilian Intragastric Balloon Consensus Statement (BIBC): practical guidelines based on experience of over 40,000 cases. SOARD. 2017.

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Uso de adesivos tissulares para fechamento de fístulas do trato digestivo

A fístula enterocutânea é definida como uma comunicação do trato gastrointestinal com a pele ou em ferida aberta (fístula enteroatmosférica). Em mais de 2/3 dos casos, elas decorrem de manipulação cirúrgica prévia (recentemente também associada a procedimentos endoscópicos terapêuticos), com mortalidade global de 15-25% [1]. É uma condição de alta morbidade, usualmente necessitando de internação prolongada. O tratamento das fístulas gastrointestinais requer um manejo multidisciplinar, indo desde o diagnóstico (clínico ou por imagem), controle de infecção, nutrição, avaliação para necessidade de drenagem de coleções até a escolha do melhor método de intervenção para o seu fechamento.

As fístulas enterocutâneas podem ser classificadas em superficiais (trajeto curto-menores que 2 cm de extensão ou labiadas) ou profundas (trajeto longo) e com alto (acima de 500 mL/24 horas) ou baixo débito (abaixo de 200 mL/24 horas). Fatores como obstrução distal, presença de coleções/cavitações com abscesso, desnutrição importante, neoplasia e irradiação prévia estão associados a menor chance de fechamento da fístula.

Sempre que possível, o tratamento minimamente invasivo é a primeira escolha, mas, em casos de fístulas com contaminação grosseira de cavidades, septicemia e/ou instabilidade hemodinâmica ou fístulas atmosféricas labiadas (intestino exposto com evisceração), a abordagem cirúrgica deve ser considerada. Para fístulas com orifício interno pequeno (abaixo de 5 mm) e baixo débito, o uso de selantes deve ser considerado como primeira alternativa.

O uso de selante injetado por meio endoscópico foi descrito pela primeira vez em 1990, quando Eleftheriadis et al reportaram o uso de cola de fibrina para tratamento de fístulas enterocutâneas [3].

Desde então, várias técnicas de tratamento de fístulas gastrointestinais foram desenvolvidas, com ótimos resultados no manejo dessas complicações. Em 2015, o mesmo grupo grego publicou série de 25 anos de experiência do uso de selantes (fibrina e cianoacrilato) em 63 pacientes, com sucesso clínico e técnico de 96,8%, a maior série institucional reportada até o momento [4].

O uso de selantes para o fechamento de fístulas gastrointestinais consiste na injeção de uma substância líquida biocompatível com capacidade de solidificação dentro do trajeto fistuloso. Essa técnica requer, portanto, o uso de um cateter fino dentro do trajeto fistuloso, este usualmente inserido com auxílio de fio-guia. A injeção pode ocorrer a partir do orifício interno (endoscópico) e externo (percutâneo). A injeção de selantes por cateter no trajeto fistuloso é uma técnica muito segura com risco muito baixo, usualmente relacionados à reação ao agente selante (ex. aprotinina bovina – cola de fibrina) ou ao risco anestésico do próprio ato endoscópico. Os raros relatos de embolia aérea estão relacionados ao uso concomitante de fistuloscopia (introdução do endoscópio por dentro do trajeto fistuloso e insuflação aérea). O uso de cianoacrilato em grande quantidade no trajeto fistuloso pode teoricamente originar infecção e reação de corpo estranho, como visto em uso para colagem de tela sintética para tratamento de hérnias inguinais.

Para a aplicação dos selantes, recomenda-se realizar escarificação do trajeto fistuloso com intuito de aumentar a resposta inflamatória e consequente retração cicatricial. Isso pode ser feito com uso de uma escova de citologia biliar e coagulação com plasma de argônio em baixa potência. O uso de selantes pode ser combinado com próteses digestivas ou sutura endoscópica [5], para garantir selamento ou mesmo telas biológicas servindo como matriz/ancoragem [6].

O cianoacrilato e a cola de fibrina se destacam entre os selantes tissulares comercialmente disponíveis no Brasil, com características biológicas distintas. Existem outros materiais utilizados como selantes cirúrgicos, como a mistura de albumina/gluraldeído, cujos resultados preliminares na utilização em fechamento de fístulas perianais foram associados à sepse perineal [7].

A cola de fibrina possui a vantagem de ser facilmente reabsorvível, porém, mediante contato de secreções digestivas, ela pode se dissolver precocemente antes que ocorra a cicatrização do trajeto. Os dois componentes principais da cola de fibrina são o fibrinogênio humano reconstituído com aprotinina bovina sintética e a trombina reconstituída com cloridrato cálcio, que, quando misturados, formam um coágulo de fibrina (em um processo semelhante à coagulação sanguínea). O mecanismo de ação da cola de fibrina é bloquear a passagem do conteúdo gastrointestinal e promover reparo cicatricial através de migração celular local e angiogênese com proliferação fibroblástica e de queratinócitos. A cola de fibrina possui também propriedades hemostáticas, sendo utilizada em tratamento de hemorragia digestiva por injeção direta [7].

Para aplicação de cola de fibrina no trajeto fistuloso, idealmente deve-se realizar infusão através de mecanismo de dupla seringa para evitar solidificação do mesmo no trajeto. Os kits comerciais disponíveis no Brasil possuem um conector em Y junto à saída da seringa e um cateter lúmen único curto com finalidade para injeção em campo cirúrgico ou percutâneo. O uso de fibrina por via endoscópica requer um cateter longo, sendo necessária a utilização de um cateter coaxial com lúmen bipartido ou duplo-lúmen em paralelo (este fabricado de forma caseira como alternativa) para que a mistura dos componentes ocorra em sua extremidade, evitando-se a solidificação da mesma no trajeto (FIGURA 1). O cateter com lúmen bipartido possui um calibre menor (existem modelos comerciais a partir de 1.9 mm, não disponíveis no Brasil) comparado ao alinhamento caseiro de 2 cateteres. Outra dificuldade na utilização de um cateter longo é a extrusão de todo o componente retido no cateter, visto que o volume utilizado é pequeno – lembramos que uma agulha de 23G (1.9Fr) com 180 cm de comprimento pode reter mais de 2 mL de líquido em seu interior. A diferença de viscosidade das duas soluções pode levar a velocidades de infusão diferentes; deve-se atentar ao tipo de seringa utilizado com intuito de se atingir a proporção de injeção de 1:1. O uso de gás carbônico facilita a extrusão do material.

 

cateter fibrina corte longitudinal e transversa

Figura 1 – cateter fibrina corte longitudinal e transversal

Figura 3 – Dispositivo para injeção de gás carbônico a ser utilizado para injeção de cola de fibrina (extraído de www.nordsonmedical.com) O uso de cola de fibrina humana autóloga com a centrifugação do soro do próprio paciente para obtenção de cola de fibrina foi utilizado em 2 casos de fístula esofágica, com sucesso [8]. Nesses casos, a injeção é realizada na submucosa ao redor da fístula com agulha. No Brasil, não dispomos de cateter duplo-lúmen coaxial endoscópico para uso comercial. Para fabricar de forma caseira um cateter duplo-lúmen, podem-se utilizar 2 cateteres de colangiografia finos (a partir de 4Fr) ou 2 bainhas de cateter de injeção endoscópica de 23G (retiradas as agulhas e remontado o cateter), alinhados paralelamente (FIGURA 2). Essa última opção tem sido nossa preferência devido ao custo (FIGURA 3). Deve-se atentar ao calibre obtido, pois o seu uso requer um canal de trabalho terapêutico (a partir de 3.8 mm). Na falta de um cateter duplo-lúmen, outra opção descrita é realizar a injeção sequencial através de um cateter com lúmen único. O uso de cateter de colangiografia duplo lúmen de troca rápida não deve ser utilizado pelo risco de vazamento lateral [9].

Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente

Figura 2 – Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente

Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente. Detalhe – fixador de cateter

Figura 3 – Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente. Detalhe – fixador de cateter

Para uso em endoscopia, o cianoacrilato apresenta-se em 2 fórmulas [10]: o N-butil 2-cianoacrilato, também conhecido como embucrilato e comercializado no Brasil como Histoacryl (B. Braun Medical, Bethlehem, PA). O ocrilato, por sua vez, possui 8 carbonos em sua fórmula (2-octyl cyanoacrylate) e é comercializado no Brasil como Dermabond (Johnson & Johnson, New Bruns- wick, NJ). O Glubran 2 (GEM, Viareggio, Italy) contém metacriloxi sulfalano, o qual aumenta o tempo de polimerização e reduz a produção de calor reacional. O lipiodol é recomendado para utilização de mistura com enbucrilato na proporção de 1:1 a 1:1.6, com a vantagem de reduzir o tempo de polimerização e permitir visualização radiológica. Após injeção, a lavagem do cateter deve ser feita com água destilada. Ambas as versões farmacológicas de ocrilato não requerem uso de lipiodol e podem ser lavadas com solução salina fisiológica. As técnicas de injeção são as mesmas recomendadas para tratamento de varizes gástricas, com a diferença de a injeção ser por meio de um cateter dentro do trajeto da fístula.

Descrevemos um caso em que foi usada terapia a vácuo e colagem de fibrina por via endoscópica com sucesso como modalidade terapêutica para fístula traqueoesofágica pós esofagectomia.

O desenvolvimento de fístula traqueoesofágica (TE) é uma rara complicação associada a uma alta mortalidade em pacientes submetidos à esofagectomia. Estudos mostram que, caso a fístula TE não tenha cicatrização dentro de um período de 4 a 6 semanas, o tratamento conservador deve ser abandonado. Opções de tratamento hoje dependem de condições, como vascularização do conduto gástrico, a gravidade da pneumonia aspirativa e o volume do vazamento de ar, e usualmente podem incluir tanto intervenção cirúrgica com uso de retalhos como endoscópica com colocação de prótese intraluminal. Em outubro 2019, um indivíduo do sexo masculino de 53 anos com quadro de disfagia, astenia e emagrecimento apresentou diagnóstico de carcinoma escamocelular em esôfago distal, moderadamente diferenciado, invasor (EC III). Entre novembro e dezembro de 2019, fez tratamento neoadjuvante com quimioterapia e radioterapia (cross trial). Após exames de re-estadiamento, foi optado por esofagectomia total em 3 campos com acesso torácico por videocirurgia e reconstrução utilizando tubo gástrico em janeiro de 2020.

O pós-operatório (PO) se deu em UTI, sem necessidade de ventilação mecânica e em boas condições hemodinâmicas, com uso de baixas doses de drogas vasoativas. No 4º dia PO, o dreno em região cervical demonstrou alto débito de aspecto bilioso, sendo indicada tomografia de tórax, que visualizou uma coleção pequena entre tubo gástrico e traqueia com pequena quantidade de ar, derrame pleural à esquerda com focos de consolidação e pequeno pneumotórax. No 12º PO, iniciou com instabilidade hemodinâmica associada a desconforto respiratório e saída de ar pela ferida cervical, com necessidade de intubação orotraqueal e estabilização em UTI. Uma fibrobroncoscopia diagnóstica revelou traqueobronquite aguda leve com secreção purulenta abundante à esquerda e presença de fístula traqueomediastinal em traqueia distal, sendo realizada reabordagem cirúrgica com enxerto bovino para fechamento da mesma, sem sucesso. Após tratamento conservador com jejum e nutrição parenteral por 18 dias, sem melhora significativa do quadro, foi optado por intervenção endoscópica com terapia a vácuo. Realizou tratamento endoscópico por terapia utilizando pressão negativa (vácuo) intraluminal esofágico por 3 semanas, com trocas e reavaliações periódicas (a cada 5 dias), até redução significativa do orifício fistuloso (FIGURA 4). Em abril de 2020, realizou exame contrastado deglutido, o qual evidenciou pequeno trajeto fistuloso. Foi submetido à nova abordagem endoscópica com injeção de cola de fibrina (FIGURA 5), recebendo alta 1 semana após. Em retorno em agosto de 2021, o paciente referiu melhora clínica, sem queixas de disfagia ou respiratórias, e exames contrastado e endoscópico revelaram fechamento completo da fístula (FIGURA 6).

Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica puntiforme, com comunicação traqueal

Figura 4 – Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica puntiforme, com comunicação traqueal

Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica após injeção de cola de fibrina

Figura 5 – Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica após injeção de cola de fibrina

Anastomose esôfago-gástrica pérvia e ampla, sem solução de continuidade

Figura 6 – Anastomose esôfago-gástrica prévia e ampla, sem solução de continuidade

Autores

Eduardo A. Bonin*

Larissa M. S. Gomide*

Bruno Verschoor*

Ricardo S. de Bem*

Leticia Rosevics*

Bruna S. Fossati*

* Serviço de Endoscopia Digestiva, Hospital de Clínicas (UFPR)

Ilustrações

Rodrigo R. Tonan

Como citar este artigo

Bonin EA, Gomide LMS, Verschoor B, Bem RS, Rosevics L, Fossati BS. Uso de adesivos tissulares para fechamento de fístulas do trato digestivo. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/uso-de-adesivos-tissulares-para-fechamento-de-fistulas-do-trato-digestivo/

Referências

  1. Management Approaches for Enterocutaneous Fistulas. Heimroth J, Chen E, Sutton E. Am Surg. 2018 Mar 1;84(3):326-333.
  2. Bhurwal A, Mutneja H, Tawadross A, Pioppo L, Brahmbhatt B. Gastrointestinal fistula endoscopic closure techniques. Ann Gastroenterol. 2020;33(6):554-562.
  3. Eleftheriadis E, Tzartinoglou E, Kotzampassi K, Aletras H. Early endoscopic fibrin sealing of high-output postoperative enterocutaneous fistulas. Acta Chir Scand. 1990 Sep;156(9):625-8.
  4. Kotzampassi K, Eleftheriadis E. Tissue sealants in endoscopic applications for anastomotic leakage during a 25-year period. Surgery. 2015 Jan;157(1):79-86.
  5. Bonin EA, Wong Kee Song LM, Gostout ZS, Bingener J, Gostout CJ. Closure of a persistent esophagopleural fistula assisted by a novel endoscopic suturing system. Endoscopy. 2012;44 Suppl 2 UCTN:E8-9.
  6. Abbas MA, Tejirian T. Bioglue for the treatment of anal fistula is associated with acute anal sepsis. Dis Colon Rectum. 2008 Jul;51(7):1155; author reply 1156.
  7. Böhm G, Mossdorf A, Klink C, Klinge U, Jansen M, Schumpelick V, Truong S. Treatment algorithm for postoperative upper gastrointestinal fistulas and leaks using combined vicryl plug and fibrin glue. Endoscopy. 2010 Jul;42(7):599-602. doi: 10.1055/s-0029-1244165.
  8. Iwase H, Kusugamf K, Tuzuki T, Suga S, Furuta R, Nakamura M, Funaki Y, Honjyo T, Kojima K, Maeda O. Endoscopic Fibrin Glue Injection with Coaxial Double Lumen Needle for Severe Upper Gastrointestinal Bleeding. Dig Endosc. 1998 Oct;10(4):335-342.
  9. Lucas M, Seeber P. Use of autologous fibringlue for endoscopic treatment of esophageal lesions. Endosc Int Open. 2015;3(5): E405-E408.
  10. Kumar N, Larsen MC, Thompson CC. Endoscopic Management of Gastrointestinal Fistulae. Gastroenterol Hepatol (N Y). 2014;10(8):495-452.
  11. Cameron R, Binmoeller KF. Cyanoacrylate applications in the GI tract. Gastrointest Endosc. 2013 Jun;77(6):846-57.

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Você conhece as características de alto risco do GIST gástrico?

Os tumores estromais gastrointestinais (GISTs) são as neoplasias mesenquimais mais frequentemente observadas no trato digestivo.

Elas são mais comumente diagnosticadas entre a quinta e a sétima décadas de vida, com igual distribuição entre ambos os sexos.

Mais da metade delas (50-70%) são de localização gástrica e facilmente visualizadas pelo exame de endoscopia digestiva alta (EDA), fazendo parte do grupo das lesões subepiteliais.

No estômago, a maioria é assintomática e de baixo potencial maligno, sendo descoberta de forma incidental durante uma EDA realizada por causa não relacionada. Nessas, a conduta expectante com acompanhamento periódico é aceita e frequentemente adotada.

No entanto, por exibirem comportamento biológico variável, o desafio até o momento está em diferenciar com precisão as lesões tipicamente benignas daquelas com fenótipo maligno, visto que há relatos de que não somente os GISTs grandes e com alto índice mitótico exibem um curso clínico desfavorável. Para isso, existem sinais de alerta que precisam ser conhecidos e que merecem ser levados em consideração visando adotar conduta mais invasiva, seja através da ressecção endoscópica ou cirúrgica, caso necessário.

A primeira coisa a ser considerada é a apresentação clínica do paciente, investigando a presença, ou não, de sintomas. Sangramento digestivo alto (traduzido por hematêmese, melena ou anemia), perda ponderal e sintomas obstrutivos por efeito de massa, como vômitos, dor e distensão abdominal, levantam a bandeira do alerta de que algo não está indo bem, e o próximo passo é a realização de uma EDA.

À endoscopia, os GISTs usualmente se apresentam como lesões arredondadas/ovaladas que se projetam para o lúmen, com consistência firme ao toque da pinça, recobertas por mucosa similar à adjacente e com sinal da tenda presente. Lesões com tamanho superior a 3 cm, com bordas irregulares, que apresentam crescimento acelerado nos exames de seguimento, e as ulceradas estão associadas a um maior risco de malignidade.

Ecoendoscopia

A ecoendoscopia é exame fundamental no diagnóstico e acompanhamento das lesões subepiteliais e vem, dia a dia, tornando-se mais acessível nos diversos centros do país, sendo cada vez mais solicitada para a avaliação dos GISTs. Nela, os GISTs tipicamente são lesões hipoecoicas e homogêneas, originadas da quarta (muscular própria) ou, mais raramente, da segunda camada (muscular da mucosa).

As características ecoendoscópicas reportadas como relacionadas a alto risco são:

  • tamanho superior a 2 cm (figura 1 );
  • presença de bordas irregulares;
  • áreas anecoicas internas (espaços císticos) (figura 3);
  • focos ecogênicos (figura 2);
  • padrão heterogêneo;
  • linfonodos regionais de características malignas.

figura 1 ecoendoscopia área cística

figura 1 ecoendoscopia área cística

figura 2 ecoendoscopia SAP e Lesão

figura 2 ecoendoscopia SAP e Lesão

figura 3 ecoendoscopia área anecóica

figura 3 ecoendoscopia área anecóica

Por fim, a avaliação do índice mitótico é de extrema importância para determinar o risco de metástases, mas infelizmente o volume de material obtido pela punção ecoguiada é usualmente insuficiente para essa avaliação.

Assim sendo, na busca de adotar a melhor conduta de forma parcimoniosa, sempre que constatados indícios de maior risco de malignidade, conforme descrito acima, a ressecção da lesão deve ser procedida usando a técnica mais apropriada e acessível a cada caso.

Como citar este artigo

Ribeiro MSI. Você conhece as características de alto risco do GIST gástrico?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/voce-conhece-as-caracteristicas-de-alto-risco-do-gist-gastrico/

Referências

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Você conhece a pancreatite paraduodenal (groove pancreatitis)?

Trata-se de uma forma incomum de pancreatite crônica que afeta a área localizada entre a parede duodenal medial, a cabeça do pâncreas e o colédoco (Figura 1). É uma causa pouco familiar para a maioria dos médicos e, portanto, geralmente subdiagnosticada [1]. Foi descrita pela primeira vez em 1970 por Potet e Duclert [2].

Muitos termos são considerados sinônimos de pancreatite paraduodenal (PP), como distrofia cística duodenal, cisto de parede paraduodenal, pancreatite de sulco (groove pancreatitis), mioadenomatose, distrofia cística do pâncreas heterotópico e também hamartoma duodenal pancreático [1,2,3,6].

Há duas formas de apresentação:

  • pura: quando as alterações fibroinflamatórias acometem exclusivamente o sulco paraduodenal, com preservação do parênquima pancreático;

segmentar: quando há o acometimento da porção dorsomedial da cabeça do pâncreas, com acometimento do ducto pancreático principal (DPP).

Figura 1: essa imagem mostra o sulco pancreáticoduodenal (círculos azuis), um “espaço teórico” entre a parede duodenal medial, cabeça do pâncreas e o colédoco.

Epidemiologia

Acomete majoritariamente homens caucasianos, com idade entre 40 e 50 anos, associado a histórico de alcoolismo pesado e, na maioria, concomitante a tabagismo de longa data [1,4]. A incidência não é bem estabelecida. Numa série de pacientes submetidos à pancreaticoduodenectomia por pancreatite crônica, a incidência variou de 2,7% a 24,5% [4].

Etiologia

É provavelmente heterogênea e multifatorial. Um mecanismo proposto sugere que o consumo de álcool e a exposição ao tabaco aumentam a viscosidade de secreções pancreáticas que levam à estase e à obstrução do ducto, ocasionando inflamação local crônica na papila menor e na área ao redor da cabeça do pâncreas, além de calcificações do ducto de Santorini. Fibrose e cicatriz resultam em estenose do colédoco e no aumento da rigidez da parede duodenal com posterior estenose [1,4].

Úlceras pépticas também são potenciais desencadeantes associadas à forma segmentar em 41% de casos na série de Solte et al. Outros fatores incluem hipersecreção gástrica, ressecções gástricas prévias, cistos verdadeiros da parede duodenal e da cabeça do pâncreas [3,6].

Apresentação clínica

Dor abdominal, perda de peso importante e mais raramente pródomos de obstrução digestiva alta. Quando há acometimento do DPP, pode ocorrer diarreia, diabetes mellitus e icterícia [1,2,3,4].

Laboratório

As enzimas pancreáticas e hepáticas podem estar ligeiramente elevadas. Os marcadores tumorais CEA e CA 19-9 geralmente são normais [3].

Apresentação microscópica

Os achados patológicos comuns consistem em lesões císticas tanto na submucosa duodenal quanto na muscular própria. Esses cistos podem conter fluidos claros, material granular espesso e, ocasionalmente, cálculos. As características histológicas mais comuns de PP incluem hiperplasia da glândula de Brunner, tecido pancreático heterotópico na submucosa ou na muscular própria da parede duodenal, proliferação miofibroblástica, células estromais fusiformes, macrófagos carregados de lipídios e detritos celulares granulares. Não há achado específico [3,4,10].

Exames de Imagens

Endoscopia digestiva alta

Compressão extrínseca duodenal com mucosa sobrejacente aparentemente normal.

Tomografia computadorizada

Na forma pura, mostra uma massa laminar, em crescente, hipodensa, entre a cabeça pancreática e duodeno, perto da papila menor. A captação tardia de contraste é observada em alguns pacientes, devido ao fluxo sanguíneo reduzido causado pela proliferação de tecido fibrótico. [3]

Ressonância magnética (RM)

Massa laminar no sulco hipointensa em T1 em comparação com o parênquima pancreático. Na sequência T2, pode ser hipo-iso (quadro tardio) ou ligeiramente hiperintenso (caso agudo pelo edema). Não é frequente infiltração para o retroperitônio nem o acometimento de vasos [1,3].

Colangio-RM

É, atualmente, o principal recurso para visualizar o DPP e o ducto biliar comum. Revela um padrão regular, liso e suave de estreitamento da porção intrapancreática do colédoco distal, diferentemente dos casos de neoplasia [3].

Ecoendoscopia ± biópsia (EUS)

Ferramenta imprescindível na abordagem das lesões pancreaticobiliares. EUS localiza a anatomia exata e avalia a superfície envolvida, com a limitação que não é capaz de diferenciar infiltração e inflamação. Os achados da ecopunção podem mimetizar neoplasias, pela presença de células fusiformes abundantes ou grande número de células gigantes. Da mesma forma, área com fibrose não exclui neoplasia. Mas, em geral, EUS consegue diferenciar adenocarcinoma pancreático de PP, pela análise cito-histológica, em quase 90% dos casos [1,3,7,8,9].

Na série de Arvanitakis et al, o diagnóstico de PP foi baseado principalmente em RM e EUS, quando três sinais eram presentes:

  • espessamento duodenal;
  • cistos na parede duodenal;
  • massa no sulco.

A presença desses três sinais demonstrou identificar corretamente a PP com uma especificidade de 88,2% [2].

Diagnóstico diferencial

Hamartona duodenal, tumores neuroendócrinos do sulco, principalmente, o gastrinoma, tumor estromal gastrointestinal, pancreatite autoimune, neoplasia mucinosa papilar intraductal, cisto de colédoco, colangiocarcinoma distal, carcinoma duodenal, divertículo periampular, metástase ampular e pancreatite aguda com necrose ou pseudocistos.

Imagem endoscópica mostra lesão com projeção endoluminal na segunda porção duodenal, proporcionando diminuição da luz do órgão. Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Imagem endoscópica mostra lesão com projeção endoluminal na segunda porção duodenal, proporcionando diminuição da luz do órgão. Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Imagem ecográfica demonstra espessamento da parede duodenal, medindo 1.31 cm de diâmetro, com áreas císticas de permeio (setas). Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Imagem ecográfica demonstra espessamento da parede duodenal com áreas císticas de permeio (setas). Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Imagem ecográfica demonstra espessamento da parede duodenal, com áreas císticas de permeio. Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Transição da mucosa duodenal normal para área espessada (seta azul). Notam-se áreas císticas de permeio (seta amarela). Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Tratamento

Arvanitakis et al. mostrou que uma abordagem gradual para o tratamento da PP é viável, eficaz e está associada a uma taxa aceitável de complicações.

O tratamento dos sintomas agudos iniciais com medidas conservadoras (analgésicos, repouso pancreático e abstinência) pode ser útil a curto prazo. O uso da somatostatina demonstrou melhorar os resultados da abordagem não cirúrgica, sobretudo, na ausência de tratamento endoscópico devido à papila inacessível por compressão. Entre as desvantagens, está o alto risco de recorrência de sintomas após a interrupção do tratamento.

Em relação ao tratamento endoscópico, incluem-se várias modalidades, como drenagem do ducto pancreático, dilatação da estenose duodenal e drenagem endoscópica dos cistos.

Drenagem endoscópica através da papila menor melhora a dor e parece ser viável apenas no estágio inicial da doença, antes do desenvolvimento de cicatrizes graves e estenose duodenal importante.

A cirurgia é considerada o tratamento de escolha se sintomas refratários, nas complicações ou quando há suspeita de malignidade. A técnica de escolha é a duodenopancreatectomia cefálica ou a Técnica de Whipple [2,3,5].

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Como citar este artigo

Araújo GAB. Você conhece a pancreatite paraduodenal (Groove pancreatitis)?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/voce-conhece-a-pancreatite-paraduodenal-groove-pancreatitis

Referências

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  2. Arvanitakis M, Rigaux J, Toussaint E, Eisendrath P, Bali MA, Matos C, Demetter P, Loi P, Closset J, Deviere J, Delhaye M. Endotherapy for paraduodenal pancreatitis: a large retrospective case series. Endoscopy. 2014 Jul;46(7):580-7. doi: 10.1055/s-0034-1365719. Epub 2014 May 16. PMID: 24839187.
  3. Pallisera-Lloveras A, Ramia-Ángel JM, Vicens-Arbona C, Cifuentes-Rodenas A. Groove pancreatitis. Rev Esp Enferm Dig. 2015 May;107(5):280-8. PMID: 25952803.
  4. Larjani S, Bruckschwaiger VR, Stephens LA, James PD, Martel G, Mimeault R, Balaa FK, Bertens KA. Paraduodenal pancreatitis as an uncommon cause of gastric outlet obstruction: A case report and review of the literature. Int J Surg Case Rep. 2017;39:14-18. doi: 10.1016/j.ijscr.2017.07.043. Epub 2017 Jul 25. PMID: 28783521; PMCID: PMC5545816
  5. Kager LM, Lekkerkerker SJ, Arvanitakis M, Delhaye M, Fockens P, Boermeester MA, van Hooft JE, Besselink MG. Outcomes After Conservative, Endoscopic, and Surgical Treatment of Groove Pancreatitis: A Systematic Review. J Clin Gastroenterol. 2017 Sep;51(8):749-754. doi: 10.1097/MCG.0000000000000746. PMID: 27875360.
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  9. Okasha H, Wahba M. EUS in the diagnosis of rare groove pancreatitis masquerading as malignancy. Gastrointest Endosc. 2020 Aug;92(2):427-428. doi: 10.1016/j.gie.2020.02.030. Epub 2020 Feb 27. PMID: 32112782.
  10. Jun JH, Lee SK, Kim SY, Cho DH, Song TJ, Park DH, Lee SS, Seo DW, Kim MH. Comparison between groove carcinoma and groove pancreatitis. Pancreatology. 2018 Oct;18(7):805-811. doi: 10.1016/j.pan.2018.08.013. Epub 2018 Aug 30. PMID: 30224296.

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Patologista em sala para punção ecoguiada, vale a pena?

Essa é uma pergunta bastante controversa e vem sendo debatida pelos experts há algum tempo, com resultados ainda conflitantes. Afinal, a avaliação citológica em sala ajuda ou apenas gera mais um ônus financeiro, visto que a maioria dos convênios atualmente não cobre essa prática no nosso país, sem trazer benefícios reais ao paciente?

O racional do emprego dessa modalidade seria fornecer uma avaliação em tempo real da adequabilidade do material obtido e, assim, aumentar a acurácia diagnóstica, diminuindo o número de punções realizadas e, consequentemente, os efeitos adversos do procedimento, além de reduzir o tempo de espera para o diagnóstico, permitindo início precoce do tratamento definitivo.

Até alguns anos atrás, os ecoendoscopistas eram unânimes em advogar o uso rotineiro do patologista em sala, sobretudo para lesões sólidas pancreáticas, e se baseavam nos poucos estudos publicados na época, que recomendavam veementemente essa prática. No entanto, trabalhos mais recentes estão demonstrando o oposto, colocando em cheque a permanência do patologista em sala. De fato, estudos multicêntricos randomizados controlados não demonstraram haver diferença significativa quanto a acurácia do diagnóstico, qualidade e adequabilidade da amostra, efeitos adversos e tempo de procedimento, apesar do número de punções ser menor se o patologista estiver presente.

Assim, os benefícios quanto a haver patologista em sala ainda permanecem com opiniões conflitantes, necessitando de mais investigação sobre o tema, e os obstáculos para expansão da prática incluem desde a escassez de citopatologistas treinados, passando por custo adicional elevado, até maior tempo de procedimento. Como a eficiência diagnóstica da punção ecoguiada é diretamente relacionada à experiência do médico executante e a técnica utilizada, as vantagens em haver o patologista em sala parecem ser maiores após exames com punções não diagnósticas, para os centros com baixa taxa de adequabilidade das amostras e para aqueles em que ecoendoscopistas se encontram em curva de aprendizado.

Como quase tudo em endoscopia evolui rapidamente, estão desenvolvendo novos meios para aumentar a acurácia diagnóstica das punções ecoguiadas. Alguns centros estão realizando treinamento dos ecoendoscopistas em citologia com o intuito não de diagnóstico imediato, mas, sim, de avaliar a adequabilidade do espécime. A telecitopatologia é outro método que vem ganhando destaque. Imagens em tempo real das lâminas preparadas pelo endoscopista são transmitidas remotamente para avaliação de um patologista treinado, reduzindo significativamente os custos desse profissional. Foram também introduzidos no mercado novos desenhos de agulhas de punção e pinças de biópsias, que preservam a arquitetura tecidual e fornecem material para análise histológica. Por fim, pesquisadores recentemente têm lançado mão da inteligência artificial para interpretar imagens de lâminas, com resultados encorajadores, mas ainda distantes da nossa realidade no país.

Como citar este artigo

Ribeiro MSI. Patologista em sala para punção ecoguiada, vale a pena?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/patologista-em-sala-para-puncao-ecoguiada-vale-a-pena

Referências

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  2. Kandel P, Wallace MB. Recent advancement in EUS-guided fine needle sampling. J Gastroenterol. 2019;54:377-387
  3. Rapid on-site evaluation (ROSE) with EUS-FNA: The Rose looks beautiful. Yang F et al. Endosc Ultrasound. 2019:283-287

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Endoscopia no colangiocarcinoma

A obstrução biliar maligna é uma condição desafiadora, exigindo uma abordagem multimodal para diagnóstico e tratamento. O diagnóstico precoce é difícil de se estabelecer, pois a obstrução biliar costuma aparecer apenas em estágios avançados, consequentemente, na maioria dos pacientes (70%), os tumores são irressecáveis no momento do diagnóstico.

A maioria dos casos é esporádica, mas diferentes fatores que causam inflamação crônica da árvore biliar, como colangite esclerosante primária (CEP) e infecções crônicas, estão frequentemente implicados. Outras condições subjacentes são doença hepática policística, doença de Caroli e cistos de colédoco e contaminação por fascíola hepática.

Deve-se suspeitar com base em achados clínicos, como dor abdominal no quadrante superior direito e além de sintomas de obstrução biliar (síndrome ictérica). A ressonância magnética é o exame de escolha para avaliar a extensão da doença. Imagens ponderadas em T2, as quais exibem fluido com alto sinal de intensidade (branco), podem definir o nível de estenose biliar e identificar características malignas, como estenoses com mais de 1 cm de comprimento, margens irregulares e acotovelamentos.

A sobrevida média após ressecções R0 varia entre 1 e 4 anos, sendo as recorrências nesses casos de 50 a 70%. Além disso, a sobrevida nos tumores irressecáveis varia de 5 a 9 meses [1].

Abaixo, a classificação de Bismuth-Corlette, que divide esses tumores de acordo com sua localização:

Classificação de Bismuth-Corlette

Figura 1: classificação de Bismuth-Corlette

A endoscopia no colangiocarcinoma poderá ter três papéis de acordo com o estádio da doença:

  • diagnóstico por imagem;
  • obtenção de amostra tecidual;
  • paliação.

Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE)

Principal exame do arsenal endoscópico com funções tanto diagnósticas como terapêuticas.

O escovado citológico apresenta sensibilidade de 26 a 72%, e a biópsia de 15 a 100%, sendo que a acurácia, quando utilizados em conjunto, chega a 75% [2].


CPRE em colangiocarcinoma hilar

Figura 2: CPRE em colangiocarcinoma hilar

escova citológica

Figura 3: escova citológica utilizada no caso anterior que confirmou diagnóstico

Ecoendoscopia (EUS)

Trabalhos recentes mostram que a EUS apresenta acurácia diagnóstica de 76%, semelhante à CPRE nas lesões biliares. Esta deve ser especialmente realizada nas lesões distais, principalmente nos casos de dúvida quanto a origem biliar ou pancreática e nas lesões acima de 4 cm. Quando associada à CPRE, apresenta acurácia de até 93% [2].

Outra importante função da EUS é o estadiamento linfonodal. Em um estudo realizado em pacientes com colangiocarcinoma e indicação de transplante hepático, a punção de linfonodos pela EUS evidenciou o acometimento em 17% desses pacientes, evitando assim uma cirurgia desnecessária, devendo dessa forma fazer parte do estadiamento pré-operatório [3].

Colangioscopia (SpyGlass®)

Endoscópio em “miniatura” utilizado através do canal de trabalho do duodenoscópio por um operador único, com acurácia diagnóstica de 94%, apresenta as seguintes funções [4]:

  • avaliação visual de estenoses indeterminadas;
  • amostra tecidual através da pinça de biópsia própria;
  • direcionamento de fio guia para paliação.

sistema de colangioscopia SpyGlass®

Figura 4: sistema de colangioscopia SpyGlass®

 

Endomicroscopia confocal (Cellvizio®)

Consiste em uma sonda passada através do canal de trabalho do duodenoscópio até o local de estenose, realizando uma biópsia virtual e ao vivo, apresenta uma resolução até 1000x maior se comparado ao microscópio óptico padrão.

Após a injeção intravenosa de fluoresceína, esta se difunde através dos capilares e cora matriz extracelular do epitélio superficial. Os núcleos não absorvem o contraste e aparecem escuros, a diferença de contraste permite a análise arquitetônica da mucosa superficial, ajudando a diferenciar o tecido normal do neoplásico. Estudos demonstraram uma sensibilidade de 81 a 100% e especificidade de 61 a 88% [5].

estenose biliar benigna e malignaFigura 5. A: imagem de estenose biliar benigna; B: estenose biliar maligna demonstrado pelo espessamento e aglomerados escuros.

Drenagem biliar

Pré-operatória

Controversa, sendo que alguns estudos demonstraram maiores taxas de complicações pós-operatórias. Deve ser realizada nos seguintes casos [6]:

  • cirurgia postergada > 2 semanas;
  • quimioterapia neoadjuvante;
  • colangite;
  • icterícia sintomática (prurido).

Paliativa

Tem como objetivo a drenagem de, pelo menos, 50% do parênquima. Em geral, o lobo direito corresponde a quase 60% do volume, enquanto o lobo esquerdo e o lobo caudado correspondem a 30% e 10%, respectivamente [7].

Em comparação com a drenagem endoscópica através da CPRE, outras clássicas opções são:

  • drenagem cirúrgica: igual sucesso e maior patência, porém maiores taxas de complicações e mortalidade;
  • drenagem percutânea: mais eventos adversos, repetição de procedimentos, hospitalização prolongada, maior custo e desconforto do cateter externo, porém apresenta os melhores resultados no Bismuth IV e eventualmente no Bismuth III.

Stent metálico x plástico

Os metálicos apresentam menor disfunção e necessidade de reintervenções, sendo optados em pacientes com expectativa de vida acima de 4 meses. Apesar da preferência de muitos profissionais pelo descoberto, especialmente devido às estenoses hilares que correspondem a 60% dos casos, não há consenso na literatura. Os stents descobertos apresentam maiores taxas de obstrução, e os cobertos apresentam maiores taxas de migração.

Ablação por radiofrequência

Cateter introduzido através da CPRE, que produz energia térmica causando necrose tecidual tumoral, levando maior patência do stent e sobrevida [8].
cateter de radiofrequência Habib®

Figura 6: cateter de radiofrequência Habib®

Drenagem biliar ecoguiada

Alternativa normalmente reservada para casos de falha de CPRE. Entretanto, recentemente, ensaios clínicos randomizados comparando a drenagem ecoguiada e a CPRE demonstraram taxas similares de sucesso técnico, clínico, duração e eventos adversos, inclusive com menor taxa de disfunção de stent no grupo ecoguiado.endoscópica tardia de drenagem coledocoduodenal

Figura 7: visão endoscópica tardia de drenagem coledocoduodenal

Número de stents

Tendo em vista o objetivo de drenagem de pelo menos 50% do parênquima, o número de stents é relativo, porém seguindo a regra abaixo deverá ser atingido esse objetivo:

  • Bismuth I: 1 stent;
  • Bismuth II, III e IV:≥ 2 stents.

Abaixo, um fluxograma da abordagem das obstruções biliares:

fluxograma da abordagem das obstruções biliares

Quer saber mais sobre drenagem biliar ecoguiada? Acesse:

https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/drenagem-biliar-ecoguiada-breve-revisao/

https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/coledocoduodenostomia-ecoguiada-um-procedimento-endoscopico-cirurgico/

Como citar este artigo

Fernandez J. Endoscopia no colangiocarcinoma. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/endoscopia-no-colangiocarcinoma

Referências

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  2. De Moura DTH, Moura EGH, Bernardo WM, et al. Endoscopic retrograde cholangiopancreatography versus endoscopic ultrasound for tissue diagnosis of malignant biliary stricture: Systematic review and meta-analysis. Endosc Ultrasound. 2018 Jan-Feb;7(1):10-19. doi: 10.4103/2303-9027.193597. PMID: 27824027; PMCID: PMC5838722.
  3. Jo JH, Cho CM, Jun JH, et al; Research Group for Endoscopic Ultrasonography in KSGE. Same-session endoscopic ultrasound-guided fine needle aspiration and endoscopic retrograde cholangiopancreatography-based tissue sampling in suspected malignant biliary obstruction: A multicenter experience. J Gastroenterol Hepatol. 2019 Apr;34(4):799-805. doi: 10.1111/jgh.14528. Epub 2018 Nov 21. PMID: 30378169.
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  5. Liu Y, Lu Y, Sun B, Zhang WM, Zhang ZZ, He YP, Yang XJ. Probe-based confocal laser endomicroscopy for the diagnosis of undetermined biliary stenoses: A meta-analysis. Clin Res Hepatol Gastroenterol. 2016 Dec;40(6):666-673. doi: 10.1016/j.clinre.2016.05.007. Epub 2016 Jun 24. PMID: 27350572.
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Varizes esofágicas descendentes ou downhill varices

Por analogia, entende-se o plexo venoso esofágico como uma importante rede de bacias hidrográficas, que conecta as circulações portal e sistêmica.

A drenagem venosa do esôfago ocorre predominantemente pelos sistemas ázigos e hemiázigos.

Uma obstrução na veia cava superior (VCS) força o fluxo retrógrado de sangue para o átrio direito por meio de canais colaterais para a veia cava inferior (VCI).

Se essa obstrução for acima do nível da veia ázigos, o fluxo sanguíneo de volta para o coração ficará confinado à parte superior do esôfago, levando à formação de varizes no terço superior/proximal do órgão (“downhill varices”).

Em contraste, se a obstrução estiver abaixo ou envolvendo a veia ázigos, varizes se formarão na parte inferior/distal do esôfago (“uphill varices”), podendo acometer todo o órgão, como é o caso da hipertensão portal que força o fluxo sanguíneo para o sistema da VCI.

A trombose da VCS é a etiologia mais comum de varizes esofágicas descendentes (“downhill”), porém a obstrução também pode ser causada por hipertensão pulmonar grave, tumores da tireoide, doença de Behçet, constrição anormal do músculo cricofaríngeo, complicações com cateteres de hemodiálise, fibrose mediastinal e ligadura cirúrgica da VCS. Isso contrasta com as varizes ascendentes (“uphill”), que mais comumente causam sangramento e são resultados da hipertensão portal.

Apesar da malignidade ser descrita como a etiologia subjacente mais comum da obstrução da VCS, respondendo por até 60% dos casos, ela é responsável por apenas 14% dos casos de sangramento por “downhill varices”. As causas mais comuns dessa entidade são as complicações relacionadas aos cateteres venosos, frequentemente vistas em pacientes com doença renal em estágio terminal. Esse achado pode ser atribuído à lesão endotelial, fluxo sanguíneo turbulento e tendência para trombose, observada em pacientes em hemodiálise de longa duração.

A hemorragia digestiva é uma manifestação muito rara em pacientes com varizes descendentes. Na verdade, as varizes descendentes representam de 0,4 a 10% das varizes esofágicas, porém menos de 0,1% do total de pacientes que apresentam hematêmese. Isso pode ser atribuído ao fato de que essas varizes estão localizadas na submucosa do esôfago proximal, sendo menos suscetíveis a sangramento do que as varizes ascendentes secundárias à hipertensão portal, que, por sua vez, são mais superficiais (subepiteliais). A diminuição da exposição ao ácido gástrico também pode contribuir para a menor frequência de sangramento das varizes esofágicas proximais.

O tratamento definitivo deve ser direcionado para a causa subjacente da obstrução vascular, porque essa é a única abordagem que irá curar a síndrome clínica e também prevenir sua recorrência. Em casos em que há alto risco de procedimento ou baixa probabilidade de corrigir o distúrbio médico subjacente, existem outras abordagens para controlar as varizes descendentes. As opções endoscópicas mais comuns incluem ligadura elástica e escleroterapia. Essas abordagens devem ser realizadas sempre na extremidade proximal da variz, de onde o fluxo sanguíneo é fornecido, diferentemente do que os endoscopistas estão habituados a fazer nas varizes ascendentes (hipertensão portal), quando o tratamento ocorre a partir da extremidade distal. A ligadura elástica parece ser mais segura do que a escleroterapia no manejo das varizes do terço proximal do esôfago (“downhill varices”).

Como citar este artigo

Brasil G. Varizes Esofágicas Descendentes ou “Downhill Varices”. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/downhill-varices

Referências Bibliográficas

  1. Downhill Esophageal Varices: A Prevalent Complication of Superior Vena Cava Obstruction From Benign and Malignant Causes. J Comput Assist Tomogr. Volume 39, Number 2, March/April 2015
  2. Downhill esophageal varices: a therapeutic dilemma. Ann Transl Med 2018;6(23):463.
  3. Therapeutic approach to ‘‘downhill’’ varices bleeding. GASTROINTESTINAL ENDOSCOPY Volume 68, No. 5 : 2008.
  4. Bleeding ‘downhill’ esophageal varices associated with benign superior vena cava obstruction: case report and literature review. Loudin et al. BMC Gastroenterology (2016) 16:134
  5. Variants of Varices: Is It All ‘‘Downhill’’ from Here? Digestive Diseases and Sciences volume 60, pages316–319(2015)

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Estoques do sedativo branco estão no vermelho? Alternativas para economizar e substituir o propofol

Sedação é um importante componente para os procedimentos endoscópicos. Melhora a satisfação do paciente e minimiza o risco de eventos adversos por evitar os movimentos involuntários que interferem nos procedimentos endoscópicos. 

Recentemente, em virtude da pandemia, os estoques de sedativos atingiram níveis críticos. Assim, o pouco que sobrou foi priorizado para a UTI e pronto-socorro. Muitos serviços de endoscopia ficaram sem ou com muito pouco propofol disponível. Portanto, foi natural a busca por alternativas para diminuir a dose ou mesmo substituir o propofol.

Na última edição da Gastrointestinal Endoscopy, Kamal et al publicaram uma revisão sistemática e metanálise sobre a eficácia e segurança da lidocaína endovenosa. A principal conclusão do trabalho foi que a lidocaína EV diminui a dose do propofol. E, apesar de não haver diferença estatística na incidência de efeitos adversos gerais, o “diamante” ficou na linha para ser favorável ao grupo suplementação com lidocaína. E, considerando apenas a incidência de movimentos involuntários, esse foi menor no grupo com lidocaína associada. Outros trabalhos também mostraram previamente que o uso de lidocaína diminui a dor da injeção do propofol. 

Entre as referências desta revisão, um artigo que vale a leitura é o de Foster e colaboradores, que demonstraram que a infusão de lidocaína reduz em 50% a dose de propofol durante a colonoscopia e também a diminuição da dor pós-procedimento. A explicação, para esse resultado, é que a lidocaína atua em receptores de nocicepção ativados durante a distensão do cólon. Outro efeito da lidocaína é que ela potencialmente melhora a resposta ventilatória ao CO2, mas esse benefício teórico não foi demonstrado na prática clínica (menor incidência de hipoxia). 

Outro ponto importante é que a lidocaína não é livre de efeitos colaterais, assim como toda medicação. Felizmente, a maioria desses efeitos são leves e incluem: gosto metálico, parestesia na língua e borramento da visão (quase todos os pacientes têm pelo menos um desses sintomas). Contudo, devemos ficar atentos a eventos mais graves, sobretudo arritmias. Por esse motivo, a lidocaína é contraindicada em paciente com bradicardia (FC < 50bpm) e deve não ser usada ou pelo menos com dose reduzida em pacientes que fazem uso de betabloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio e amiodarona. Especial atenção também para pacientes com insuficiência hepática e renal. 

O que você precisa mesmo é substituir, já que você não tem mais nenhum propofol. Uma droga promissora, que inclusive está no último Guideline Americano de Sedação, é a difenidramina. Não confunda com dimenidrinato (todo mundo faz isso). Dimenidrinato é o dramin®; e o nome comercial, mais comum, da difenidramina é o difenidrin®. A difenidramina é um anti-histamínico, bloqueador de receptores H1, de primeira geração, com atividade anticolinérgica, indicado para prevenção e tratamento de reações alérgicas. É contraindicado para pacientes com asma aguda, hipertrofia prostática sintomática e insuficiência hepática. O estudo de Raymond et al demonstrou que o uso de 50 mg de difenidramina, antes da sedação com midazolam e opioide, diminuiu as doses dessas medicações e aumentou a satisfação do paciente (menor dor, maior amnesia e maior desejo de repetir o exame) quando comparado ao placebo para a realização de colonoscopias. Tanto médicos quanto enfermeiras acharam que a sedação ficou melhor no grupo com difenidramina. Não houve diferença no tempo de recuperação nem na incidência de eventos adversos entre os grupos.

Mesmo com a melhora dos dados da Covid, os estoques podem demorar a serem repostos, e uma terceira onda também não é tão improvável assim. Por outro lado, mesmo depois que a rotina volte ao “normal”, depois da pandemia, alguns fundamentos deste post podem ainda ser úteis.

Receita de Bolo (nesta ordem)

  1. Difenidramina 50 mg: diluir em 10 ou 20 ml (fazer lento, se fizer rápido, dá hipotensão);
  2. Lidocaína 2% sem vasoconstrictor dá 20 mg por ml (não precisa diluir);
    • 1 ml para quem tem menos de 40 kg;
    • 2 ml para pacientes entre 40-60 kg;
    • 3 ml para pacientes com mais de 60 kg;
  3. Fentanil 50 mcg (dose individualizada);
  4. Midazolam 5 mg (dose individualizada);
  5. Esperar 3 minutos e ver se paciente responde.

Cuidados e conselhos

  • Apesar da dose dos trabalhos em endoscopia relatarem doses de 2 mg ou mesmo 4 mg/kg, não entre nessa. Na prática, a lidocaína, mesmo em doses bem menores (0,5 mg/kg), pode ser benéfica;
  • Outras drogas, como o droperidol e quetamina, podem até ser úteis, mas, pelo risco de efeitos adversos e minha falta de experiência, não recomendo; 
  • Não fazer difenidramina em asmáticos e pacientes com DPOC;
  • Não fazer lidocaína em pacientes tomando propranolol e pelo menos diminuir a dose se estiver tomando carvedilol, amlodipina e nifedipina;
  • Começar com pacientes ASA I e II;
  • Conversar com os anestesiologistas e contar seus planos; 
  • Ler as bulas das medicações; 
  • Paciência, o esquema é bom, mas leva um tempinho.

Como citar este artigo

Lenz L. Estoques do sedativo branco estão no vermelho? Alternativas para economizar e substituir o profofol.. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/estoques-do-sedativo-branco-estao-no-vermelho-alternativas-para-economizar-e-substituir-o-profofol

Leitura recomendada

  1. Kamal et al. Efficacy and safety of supplemental intravenous lidocaine for sedation in gastrointestinal endoscopic procedures: systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Gastrointestinal Endoscopy, 2021.
  2. Early at al. Guidelines for sedation and anesthesia in GI endoscopy. Gastrointestinal Endoscopy, 2018
  3. Forster et al. Intravenous infusion of lidocaine significantly reduces propofol dose for colonoscopy: a randomized placebo-controlled study. British Journal of Anaesthesia, 2018
  4. Raymond et al.  Diphenhydramine as an adjunct to sedation for colonoscopy: a double-blind randomized, placebo-controlled study. Gastrointestinal Endoscopy, 2006.
  5. https://consultaremedios.com.br/cloridrato-de-difenidramina/pa

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Aspectos endoscópicos da bolsa ileal

Introdução

A confecção de bolsa (pouch) ileal é realizada nas cirurgias de ressecção total do cólon e está indicada na retocolite ulcerativa refratária, câncer de intestino ou polipose adenomatosa familiar.

A bolsa ileal pode ter conformações em J, S ou W. A mais comum é a bolsa em J, por ser tecnicamente mais fácil e necessitar de segmento menor do íleo terminal.

O pouch é formado por cerca de 40 cm do íleo distal com anastomose manual ou por grampeamento para alinhar as bordas antimesentéricas das alças ileais.

O tamanho ideal do reservatório é de 15 a 20 cm. Alças muito longas estão associadas a esvaziamento incompleto e, quando curtas, cursam com frequência evacuatória bem aumentada.

A pouchoscopia consiste na avaliação de:

1. Canal anal

Realizar toque digital e avaliar presença de hipersensibilidade em canal anal e anastomose. A anastomose é palpável e sentida como irregularidade ou anel fibroso. A distância estimada é de 0,5 a 1 cm entre a anastomose e a linha denteada. É comum encontrarmos algum estreitamento, e deve ser considerado normal quando transponível com o dedo indicador.

2. Anastomose ileoanal

A anastomose pode ter sido confeccionada por sutura manual ou grampeador. Quando se opta pelo grampeamento, é necessário deixar de 1 a 2 cm de um “cuff” retal. Inflamações localizadas abaixo da anastomose e com mucosa da bolsa normal são sugestivas de cuffite.

Figura 1: Anatosmose ileoanal com visualização dos grampos metálicos (setas brancas) e do cuff retal (vermelho)

3. Reservatório ileal

A mucosa do pouch deve ser cuidadosamente avaliada quanto a presença de inflamação, úlceras ou pólipos. O grau de inflamação deve ser documentado. Inflamações restritas à linha da sutura são consequências de reação normal a corpo estranho e não devem ser encaradas como bolsite.

Quando a confecção é em W, é realizada com 4 alças de íleo, criando um reservatório maior. A pouchoscopia revela um único amplo reservatório. A alça aferente da bolsa, geralmente, está escondida e pode ser difícil de localizar com o paciente em decúbito lateral esquerdo. Caso não se consiga o acesso ao íleo pré-pouch, pode-se tentar posicionar o paciente em posição supina.

Quando a confecção é em J, precisamos avaliar a mucosa do reservatório e acessar a alça cega e a aferente. Uma bolsa em J de conformação normal lembra muito um olho da coruja, em que as duas bocas estão no mesmo plano e perpendiculares à linha de grampeamento.

 

 

Figura 2: Reservatório ileal com visualização da boca da alça aferente (à esquerda), da alça eferente (à direita) e da linha de grampeamento (linha branca).

4. Íleo pré-pouch

O íleo terminal deve ser entubado, e a profundidade deste deve ser descrita. Quando há disfunção do pouch, é necessário avaliar presenças de estenoses ou úlceras. A extensão do íleo acometido deve ser documentada.

Considerações finais

A proctocolectomia total com confecção de bolsa ileal é o tratamento cirúrgico de eleição para retocolite refratária, além de ser opção em casos de câncer colorretal com implantação muito baixa e de polipose adenomatosa familiar com reto acometido.

A colonoscopia para avaliação da bolsa ileal (pouchscopia) é importante para avaliar presença de lesões e complicações, além da própria vigilância do câncer colorretal.

Precisamos estar familiarizados com os marcos anatômicos para se ter uma boa avaliação endoscópica.

Como citar este artigo

Carlos AS. Aspectos endoscópicos da Bolsa Ileal. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/aspectos-endoscopicos-da-bolsa-ileal

Referências

  1. World J Gastroenterol 2007 June 28; 13(24): 3288-3300
  2. Inflamm Bowel Dis. 2009 Aug;15(8):1256-63
  3. Inflamm Bowel Dis. 2015 Jun;21(6):1459-71

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Estudo comparativo (RCT) entre realização de ESD para remoção de neoplasia gástrica precoce através de método convencional e ESD com auxílio de método de tração

Artigo original: Comparing a conventional and a spring-and-loop with clip traction method of endoscopic submucosal dissection for superficial gastric neoplasms: a randomized controlled trial (with videos). Nagata M, Fujikawa T, Munakata H. Gastrointest Endosc. 2021 May;93(5):1097-1109.

Técnicas de dissecção endoscópica da submucosa permitem o tratamento de lesões neoplásicas precoces, com vasto suporte na literatura sobre eficácia, segurança e menor taxa de recorrência que outros métodos endoscópicos, seguindo os critérios adequados para indicação do procedimento. Na prática, observamos que a dificuldade técnica inerente ao procedimento e tempo prolongado para sua realização acabam por limitar as indicações, sendo realizado apenas por alguns experts. A incapacidade de realizar contratração do tecido a ser removido é citada por vários como uma das principais dificuldades do procedimento.

Existem algumas publicações mostrando dispositivos diferentes com o objetivo de promover contratração utilizando fios, clips, elásticos ou, até mesmo, magnetos. No estudo em questão, foi utilizado um dispositivo que consiste em uma mola acoplada a um loop em uma extremidade e um clip na outra, sendo denominado apenas como “mola” no decorrer do texto. A tração é realizada ancorando o clip do próprio dispositivo na lesão e utilizando um clip convencional para apreender o loop, deslocá-lo ao local desejado e ancorar no tecido gástrico com o clip.

Figura 1 – Legenda : Dispositivo loop-mola-clip (SLC, Zeon Medical, Tokyo-Japão) com mola de 5 mm (extensível até 8 cm), loop de 4 mm e clip metálico.

Métodos

Estudo prospectivo, em único centro, randomizado, envolvendo o tratamento de neoplasia gástrica precoce através de dois braços – ESD convencional (ESD-C) e ESD com loop-mola-clip (ESD-M).

A randomização foi realizada com auxílio de software, porém os pacientes e pesquisadores tinham conhecimento sobre os grupos (não cego).

Foram avaliados, como objetivo primário, o tempo do procedimento em minutos e, como objetivos secundários, taxas de efeitos adversos, ressecção en bloc, avaliação histológica da amostra e dados referentes ao dispositivo de mola, os quais foram detalhados em:

  1. a) tempo de liberação do dispositivo – tempo entre visualização do clip no monitor e fixação na parede gástrica para promover tração. Havendo necessidade de reposicionamento, esse tempo também foi incluído;
  2. b) dano tecidual – presença de lacerações ou ruptura do tecido relacionada ao dispositivo de tração durante ESD;
  3. c) quebra do dispositivo – perda da elasticidade da mola.

Critérios de inclusão: ausência de cirurgia gástrica, confirmação histológica de adenoma ou adenocarcinoma precoce por biópsias prévias, de acordo com o esquema abaixo:

  1. a) carcinoma diferenciado de qualquer tamanho, sem ulceração/cicatriz;
  2. b) carcinoma diferenciado ≤ 30 mm, com ulceração/cicatriz;
  3. c) carcinoma indiferenciado ≤ 20 mm, sem ulceração/cicatriz.

Todos os procedimentos foram realizados por um único endoscopista, expert em dissecção endoscópica da submucosa com mais de 750 casos de ESD convencional e mais de 50 casos de ESD-M. Os procedimentos foram realizados com insuflação de CO2, utilizando overtube, gastroscópio convencional e cap.

A técnica de ESD convencional não utilizou qualquer dispositivo de tração, técnicas underwater ou pocket.

A técnica de ESD-M foi realizada da seguinte forma, resumidamente:

  1. Marcação da lesão de forma convencional.
  2. Avaliação da melhor forma de ressecção, através de visão frontal ou retroversão.
  3. Posicionamento da mola na lesão de acordo com o acesso para ESD:
  • visão frontal – mola na face proximal/oral da lesão;
  • retroversão – mola na face distal/anal da lesão.
  1. Após posicionamento de uma extremidade do dispositivo, um clipador convencional era utilizado para apreender o loop e fixá-lo na posição desejada.
  • Nos casos em que a dissecção foi realizada em retroversão, foi necessário avaliar o local de posicionamento do clip na parede gástrica para reduzir o risco de deslocamento ou tração exagerada do dispositivo com a mobilização do endoscópio.

 

Figura 2 – imagens demonstrando localização da lesão e posicionamento do dispositivo de mola para auxiliar na tração durante ESD-M. Vídeo disponível em www.giejournal.org (artigo completo disponível gratuitamente).

Resultados

Foram selecionados, inicialmente, 87 pacientes, sendo excluídos 7 (recusa em participar, não atendimento aos critérios de indicação, outras causas), totalizando 80 pacientes, 40 em cada braço do estudo – todos esses completaram o estudo e tiveram seus dados analisados.

O perfil dos pacientes foi muito semelhante entre o grupo de ESD-M e ESD-C em idade (75,3 x 74,6) e predominância de sexo masculino (75% vs. 72,5%), respectivamente. As outras características das lesões também foram bastante uniformes.

ESD-M (n=40) ESD-C (n=40)
Tamanho lesão (mm) Mean (Range) 15,9 (5-48) 15,7 (1,4-45)
Localização Proximal 7 (17,5%) 6 (15%)
Médio 19 (47,5%) 19 (47,5%)
Distal 14 (35%) 15 (37,5%)
Posição Grande curvatura 10 (25%) 7 (17,5%)
Pequena curvatura 19 (47,5%) 15 (37,5%)
Parede anterior 6 (15%) 7 (17,5%)
Parede posterior 5 (12,5%) 11 (27,5%)
Morfologia Deprimida (0-IIc; 0-III) 19 (47,5%) 24 (60%)
Plana (0-IIb) 1 (2,5%) 2 (5%)
Elevada (0-I; 0-IIa) 20 (50%) 14 (35%)
Histologia Adenoma 6 (15%) 7 (17,5%)
Adenocarcinoma diferenciado 34 (85%) 30 (75%)
Adenocarcinoma não diferenciado 0 (0%) 3 (7,5%)

 

Em relação ao uso do dispositivo de aplicação da mola, foi evidenciado tempo de liberação médio de 1,82 minutos (0,8 a 4,25). Não houve dano ao tecido a ser ressecado, e todas as âncoras foram removidas ao término do procedimento. Foi necessário usar um segundo dispositivo (média de 1,15) em 15% dos casos (n=6) por soltura do dispositivo (n=1), falha em fixar o dispositivo (n=2) e necessidade de tração adicional (n=3).

Foi observado menor tempo para realização de ESD-M e maior velocidade de dissecção neste grupo, ambos com diferenças estatisticamente significantes. Não houve diferença entre taxas de ressecção en bloc, perfuração e efeitos adversos. Os resultados estão dispostos na tabela abaixo.

    ESD-M (n=40) ESD-C (n=40) p-value
ESD procedure time Mean (Range) 42,9 (10,4-125,1) 61.7 (13,6-217,3) 0,019
Dissection speed, mm2/min Mean (Range) 28,1 (9-66,6) 1,5 (5,8-40,4) <0,001
Specimen size, mm Mean (Range) 36,1 (22-61) 37 (22-67) 0,705
Depth (size,mm / %) Mucosa 33 (82.5%) 34 (85%) 0,415
Submucosa <500 µm 1 (2,5%) 3 (7,5%)  
Submucosa ≥500 µm 6 (15%) 3 (7,5%)  
Presence of ulceration   7 (17,5%) 7 (17,5%)  
En bloc resection   40 (100%) 40 (100%)  
Complete resection   36 (90%) 39 (97,5%) 0,359
Adverse events Post-ESD bleeding 2 (5) 3 (7,5)  
Perforation 0 0  
Others 0 0  

 

Houve diferença no posicionamento do endoscópio para a realização da dissecção endoscópica, sendo observada preferência por abordagem frontal no grupo de ESD-M e uma equivalência entre abordagem frontal e retroversão no grupo de ESD-C.

Na análise de subgrupo, foi constatada vantagem para o grupo de ESD-M, com tempo menor para realização do procedimento para lesões nos terços superiores e lesões menores que 20 mm.

Comentários

Modificações na técnica e desenvolvimento de novos dispositivos, como o descrito no trabalho, têm potencial muito grande de trazer auxílio para a realização de ESD, facilitando sua reprodutibilidade e ampliando as indicações. 

Foi discutido no artigo que não houve diferença significativa no tempo de execução entre ESD convencional e tipo ESD-M para lesões em terço distal do estômago, no entanto, esta posição é mais favorável para a dissecção, potencialmente reduzindo as vantagens do uso do dispositivo tipo mola. Apesar dessa citação, é importante observar que o expert já realizou mais de 800 casos de ESD, possuindo técnica e habilidade suficiente para a realização dos procedimentos de maneira rápida e segura. Para médicos com menor experiência, é possível imaginar que os resultados entre ESD-M e ESD-C sejam ainda mais distintos.

Como citar este artigo

Ferreira F. Estudo comparativo (RCT) entre realização de ESD para remoção de neoplasia gástrica precoce através de método convencional vs ESD com auxílio de método de tração. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/estudo-comparativo-rct-entre-realizacao-de-esd-para-remocao-de-neoplasia-gastrica-precoce-atraves-de-metodo-convencional-e-esd-com-auxilio-de-metodo-de-tracao

Referências

  1. Nagata M, Fujikawa T, Munakata H. Comparing a conventional and a spring-and-loop with clip traction method of endoscopic submucosal dissection for superficial gastric neoplasms: a randomized controlled trial (with videos). Gastrointest Endosc. 2021 May;93(5):1097-1109. Epub 2020 Oct 12
  2. Okagawa Y, Abe S, Takamaru H, Sekiguchi M, Yamada M, Sakamoto T, Saito Y. A novel technique for adjusting traction direction during colorectal endoscopic submucosal dissection using S-O clip. Endoscopy. 2021 May;53(5):E177-E178. doi: 10.1055/a-1216-1167. Epub 2020 Aug 20. PMID: 32818993.

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