Tumor de Krukenberg

O tumor de Krukenberg (TK) caracteriza-se por uma lesão metastática ovariana proveniente do adenocarcinoma de células em anel de sinete rico em mucina. É uma patologia incomum responsável por 1% a 2% das neoplasias ovarianas.

Foi descrito pela primeira vez em 1896 pelo ginecologista e patologista alemão Friedrich Ernst Krukenberg (1871-1946), que suspeitava ser essa lesão um novo tipo de neoplasia primária do ovário. A descoberta dessa como lesão metastática ovariana, de um tumor primário epitelial, só foi realizada em 1902.

Os sítios primários podem ser provenientes de diversos locais:

  • Estômago: sítio mais frequente, correspondendo a cerca de 70% dos casos, principalmente no piloro, representado pelo adenocarcinoma de células em anel de sinete ou difuso;
  • Cólon e reto (adenocarcinoma);
  • Mama (carcinoma lobular invasivo);
  • Outros (ex: vesícula biliar, apêndice e intestino delgado).

Somando-se as incidências de metástases oriundas do estômago e da topografia colorretal, elas totalizam aproximadamente 90% dos sítios primários do TK. Portanto, em regiões que apresentem alto índice de câncer gástrico, como em países asiáticos, a incidência do TK também é elevada, podendo representar até 20% das neoplasias do ovário.

O perfil epidemiológico é representado por mulheres jovens, na fase pré-menopausa, com idade média de 40 a 45 anos, fato que difere o TK dos tumores primários de ovário, que apresentam maior incidência na sexta década de vida.

Sintomas

Os principais sintomas acarretados pelo TK surgem pelo efeito de massa ou devido ao desequilíbrio da produção hormonal.

  • Grandes massas ovarianas: dor ou distensão abdominal, ascite, perda ponderal, dor pélvica e dispareunia;
  • Produção hormonal exacerbada: hirsutismo, irregularidade no ciclo menstrual ou sangramento naquelas pós-menopausa.

Entretanto, o TK pode permanecer assintomático até em estágios avançados ou gerar sintomas inespecíficos.

Diagnóstico

Em 1973, Serov e Scully definiram critérios para auxiliar no diagnóstico do TK que posteriormente foram adotados pela OMS. São estes:

  • Presença de neoplasia ovariana infiltrativa com células em anel de sinete preenchidas por mucina;
  • Presença do envolvimento estromal ou apenas a proliferação sarcomatoide do estroma ovariano.

A imuno-histoquímica tem um papel fundamental no diagnóstico, sendo o CK7 e CK20 os antígenos mais utilizados. Se CK7 e CK20 positivos ou apenas o CK20 positivo, a lesão é sugestiva de uma metástase de TK, mas, se imunorreatividade positivo para CK7 e negativo para CK20, a lesão favorece um carcinoma de ovário primário.

Outro parâmetro útil é o antígeno carcinoembrionário (CEA). Se positivo juntamente à imunorreatividade negativa para CA 125, a lesão favorece origem metastática.

Tabela 1. Relação dos marcadores imuno-histoquímicos dos tumores ovarianos.

TIPOS DE TUMORES CK7 CK20 CEA CA-125
TK gástrico e colorretal + +
Neoplasia ovariana 1ª + +

Com o diagnóstico de TK, é importante a investigação pormenorizada em busca dos focos primários, seja por meio de métodos endoscópicos ou radiológicos.

Como o local da neoplasia primária frequentemente é o TGI, é de extrema importância a realização de endoscopia digestiva alta e colonoscopia. Devemos nos atentar aos pontos cegos do estômago, como a região da cárdia, entre as pregas da grande curvatura do corpo, e até mesmo valorizar os sinais discretos, como o espessamento das pregas ou diminuição da expansibilidade gástrica.

Nos métodos de imagem radiológicos (como a ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética), o TK apresenta-se como massas ovarianas assimétricas, complexas, sólidas (em menor frequência císticas), com proporções variáveis e bilaterais.

O fato da bilateralidade em 80% dos casos, ocasionado por sua natureza metastática, é de grande valia na realização do diagnóstico diferencial de outros tumores, como os carcinomas mucinosos ovarianos primários, tumores carcinoides mucinosos e tumores de células de Sertoli e Sertoli-Leydig.

Vias de disseminação

A via de disseminação mais aceita, se o sítio primário for no estômago, é a via linfática retrógrada:

  • As células neoplásicas metastizam-se para os linfonodos perigástricos, formando êmbolos que bloqueiam o sistema linfático, e, pelo refluxo, alcançam a linfa paraórtica e pélvica;
  • Sendo os ovários tão bem vascularizados, eles têm preferência pelo depósito de tais células.

Outras vias de disseminação são a direta (transperitoneal) e a hematogênica.

Acompanhamento

O marcador CA-125 pode ser um parâmetro útil tanto para o rastreio de metástases ovarianas (em pacientes com adenocarcinoma primário do TGI) como para monitorização de doença ativa, marcador para análise da ressecabilidade cirúrgica e avaliação do prognóstico.

 Prognóstico

Mesmo com os avanços da medicina, o prognóstico do TK ainda permanece desfavorável, devido a seu caráter metastático e a sua evolução silenciosa (acaba sendo diagnosticado em estágios avançados).

  • A taxa de sobrevida média após o diagnóstico é menor que 2 anos;
  • Atualmente, nenhum tratamento curativo está disponível;
  • Tratamento cirúrgico é indicado para pacientes jovens e hígidas com doença limitada;
  • Para pacientes sintomáticas, o tratamento paliativo cirúrgico pode ser considerado após discussão multidisciplinar.

Como citar este artigo

Gregório JM. Tumor de Krukenberg. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/uncategorized/tumor-de-krukenberg/

Referências

  1. Aziz M, Kasi A. Krukenberg Tumor. 2021 Jul 25. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan–. PMID: 29489206.
  2. Kubeček O, Laco J, Špaček J, Petera J, Kopecký J, Kubečková A, Filip S. The pathogenesis, diagnosis, and management of metastatic tumors to the ovary: a comprehensive review. Clin Exp Metastasis. 2017 Jun;34(5):295-307. doi: 10.1007/s10585-017-9856-8. Epub 2017 Jul 20. PMID: 28730323; PMCID: PMC5561159.
  3. Al-Agha OM, Nicastri AD. An in-depth look at Krukenberg tumor: an overview. Arch Pathol Lab Med. 2006 Nov;130(11):1725-30. doi: 10.5858/2006-130-1725-AILAKT. PMID: 17076540.
  4. Lyngdoh BS, Dey B, Mishra J, Marbaniang E. Krukenberg tumor. Autops Case Rep. 2020 Apr 2;10(2):e2020163. doi: 10.4322/acr.2020.163. PMID: 33344281; PMCID: PMC7703453.
  5. Agnes A, Biondi A, Ricci R, Gallotta V, D’Ugo D, Persiani R. Krukenberg tumors: Seed, route and soil. Surg Oncol. 2017 Dec;26(4):438-445. doi: 10.1016/j.suronc.2017.09.001. Epub 2017 Sep 12. PMID: 29113663.
  6. Zulfiqar M, Koen J, Nougaret S, Bolan C, VanBuren W, McGettigan M, Menias C. Krukenberg Tumors: Update on Imaging and Clinical Features. AJR Am J Roentgenol. 2020 Oct;215(4):1020-1029. doi: 10.2214/AJR.19.22184. Epub 2020 Jul 13. PMID: 32755184.

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Fundoplicatura gástrica: como avaliar?

Frequentemente, recebemos pacientes submetidos à fundoplicatura (FPL) para avaliação pós-operatória.

Apesar de parecer um exame relativamente simples, muitas vezes temos dificuldade em avaliar corretamente todas as características das fundoplicaturas, especialmente quando encontramos anormalidades ou complicações cirúrgicas.

Primeiramente, é preciso entender alguns princípios básicos da cirurgia:

  • A válvula é confeccionada com o fundo gástrico que passa posteriormente ao estômago;
  • A FPL deve envolver cerca de 2 a 3 cm do esôfago distal;
  • O ponto que segura a válvula deve “beliscar” a parede anterior do esôfago, para evitar que ela deslize para baixo;
  • Aproximação dos pilares diafragmáticos (hiatoplastia).

Aspecto endoscópico da fundoplicatura Nissen (360°)

Visão Frontal

  • TEG deve estar sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura (admite-se como normal até 1 cm acima);
  • Transposição do endoscópio pela FPL ocorre com leve resistência, sem desvio do eixo e sem “degrau”.

À retrovisão (fundoplicatura Nissen – 360°)

  • Prega gástrica transversal envolvendo circunferencialmente a cárdia, justa ao aparelho e sem torções;
  • Sem torções significa: estar paralela às linhas brancas demarcatórias do endoscópio;
  • Fundoplicatura intra-abdominal;
  • Ausência de hérnia paraesofágica (hiatoplastia íntegra).

À retrovisão (fundoplicatura Toupet-Lind – 270°)

  • Prega gástrica transversal envolvendo parcialmente a cárdia;
  • Prega posterior menos robusta que a Nissen;
  • Com os movimentos respiratórios, podem ocorrer breves períodos de abertura da válvula, expondo a linha Z.
À retrovisão (fundoplicatura Toupet-Lind – 270°)
Na visão frontal, a TEG deve estar sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura.
Na retrovisão, a FPL deve envolver a cárdia
Na retrovisão, a FPL deve envolver a cárdia, abraçando o aparelho em quase 360°. Avaliar se a válvula está paralela à demarcação do aparelho ou se não está torcida.
Fundoplicatura
FPL parcial envolve o aparelho em menos de 360 graus, porém em mais de 180 graus (ou estaria desgarrada). O formato da FPL é da letra grega ômega. Com base nesses conhecimentos, fica mais fácil entender as anormalidades da cirurgia.

Com base nesses conhecimentos, fica mais fácil entender as anormalidades da cirurgia

Fundoplicatura desgarrada

A prega gástrica transversal não envolve o aparelho. A prega faz uma linha reta e um ângulo de 180º na cárdia. É comum a recidiva dos sintomas do refluxo nessa situação.

Fundoplicatura Desgarrada
Fundoplicatura desgarrada. Não envolve o aparelho.

Fundoplicatura torcida

Prega gástrica (FPL) não está paralela às linhas de demarcação do endoscópio. Geralmente, isso se deve a um erro técnico no qual não houve liberação adequada do fundo gástrico. Podem ocorrer sintomas, como disfagia ou refluxo.

Fundoplicatura torcida
FPL torcida. A prega gástrica deveria estar paralela às linhas brancas de demarcação do endoscópio. Nesse caso, está correndo em um sentido crânio-caudal, ou seja, torcida.

Fundoplicatura migrada

A FPL encontra-se íntegra, porém a hiatoplastia se abriu, permitindo a migração cranial da fundoplicatura e da TEG em direção ao tórax. Muitas vezes, apesar dessa complicação, os pacientes permanecem assintomáticos.

Fundoplicatura migrada
FPL migrada. Na visão endoscópica, observa-se também uma hérnia para-hiatal.

Fundoplicatura deslizada (FPL gastrogástrica ou estômago bicompartimentado)

Essa situação é relativamente comum, mas as pessoas têm dificuldade em diagnosticar – talvez por desconhecerem o termo.

A FPL deve envolver o esôfago distal e a linha Z. Mas ela pode deslizar (descer) e ficar abraçando o próprio estômago. Na visão endoscópica frontal, observa-se a TEG 2 cm ou mais acima da zona de constrição (como uma hérnia hiatal). Na retrovisão, observa-se a fundoplicatura intra-abdominal, ou seja, ela não está migrada nem desgarrada.

Fundoplicatura deslizada
Fundoplicatura deslizada. A TEG está acima da zona de constrição.
Fundoplicatura deslizada
Fundoplicatura deslizada. A TEG está acima da zona de constrição. Nota-se câmara gástrica herniada, e à retrovisão o aspecto da fundoplicatura é normal.

Presença, ou não, de hérnia paraesofágica

A FPL pode estar íntegra, em posição intra-abdominal, não desgarrada, mas a hiatoplastia pode ter se alargado, permitindo a herniação de parte do fundo gástrico para o tórax. Notam-se pregas gástricas correndo em direção à hiatoplastia e “caindo” na cavidade torácica.

Fundoplicatura com presença de hérnia paraesofágica
Fundoplicatura intra-abdominal e não desgarrada, porém com hérnia paraesofágica.

Resumo da avaliação endoscópica

TEG x fundoplicatura

  • TEG está sob zona de pressão, ou seja, envolta pela fundoplicatura;
  • TEG está fora da zona de pressão, ou seja, acima da fundoplicatura. Se > 2 cm acima, concluímos como FPL deslizada.

Posição da fundoplicatura

  • Fundoplicatura intra-abdominal;
  • Fundoplicatura parcialmente migrada;
  • Fundoplicatura totalmente migrada.

Descrição da fundoplicatura

  • Fundoplicatura envolve completamente a cárdia;
  • Fundoplicatura envolve parcialmente a cárdia;
  • Fundoplicatura completamente desgarrada;
  • Fundoplicatura torcida.

Presença de hérnia paraesofágica

  • Presente;
  • Ausente.

Veja também

Quiz! Você conhece essas anormalidades das fundoplicaturas?

Como citar este artigo

Martins B. Fundoplicatura gástrica: como avaliar? Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/fundoplicatura-gastrica-como-avaliar/

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Você sabe o que é fiducial?

O câncer de pâncreas é a quarta principal neoplasia causadora de mortes nos Estados Unidos. Dos pacientes diagnosticados com essa condição, apenas 10% são candidatos à cirurgia, sendo que 30 a 40% são limítrofes entre ressecável e localmente avançado, e os outros 50 a 60% já apresentam doença metastática.

Dentre as opções terapêuticas para os pacientes não candidatos cirúrgicos, a radioterapia tem um papel importante, sendo a modalidade estereotáxica a preferida pois consegue entregar uma alta dose de radiação em uma área bem-definida, aumentando sua efetividade e diminuindo os efeitos colaterais.

Um dos maiores desafios da radioterapia nos tumores de pâncreas é que, durante o ciclo respiratório, estima-se uma movimentação do alvo entre 2 e 3 cm, dessa forma a implantação de um marcador radiológico, fiducial, forneceria um ponto de referência fixo.

A implantação do fiducial pode ser realizada por meio da ecoendoscopia, cirurgia ou mesmo percutânea. Entretanto, o acesso pancreático percutâneo pode ser desafiador pelo risco de injúria vascular e/ou a órgãos adjacentes, além da maior possibilidade de implantação neoplásica peritoneal, sendo o acesso cirúrgico mais invasivo. Assim, a implantação por meio da ecoendoscopia tem surgido como primeira opção nesses casos.

Tipos

Os fiducials mais comuns são os sólidos feitos de ouro ou platina, sendo que ainda há modelos menos comuns de polímeros de carbono e ensaios clínicos iniciais utilizando líquidos. A utilização de líquidos (hydrogel) teria o benefício de não produzir artefatos, baixo risco de migração e seu desaparecimento local após o período de tratamento. Com relação ao formato, eles podem ser retos (cilíndricos) ou em forma de bobina (coil), que, em teoria, apresentaram um risco menor de migração, apesar de um recente estudo feito por Kashab não ter demonstrado diferença.

Em uma pesquisa feita entre médicos, os modelos mais utilizados são os cilíndricos ou coil, feitos de ouro (maior disponibilidade de modelos), com diâmetros entre 0,35 e 0,43 mm e comprimento de 5 a 10 mm, apresentando uma melhor relação entre contraste e artefatos. Entretanto, os estudos comparando os diversos modelos são conflitantes, não havendo definição sobre o melhor material ou formato.

Fiducials tipo coil e reto de platina

Figura 1: Fiducials tipo coil e reto de platina (LumiCoil®)

Técnica

Sua implantação é realizada por meio de agulhas de FNA, sendo que os fiducials com diâmetro ≥ 0.75 mm necessitam de uma agulha de 19G. Entretanto, devido à facilidade técnica, sempre que possível o ideal é a utilização de agulhas 22G.

Existem duas diferentes técnicas de carregamento do fiducial: pela ponta e pelo luer da agulha. Pelo luer, a agulha FNA é locada à lesão, na sequência o estilete é removido, seguido da introdução do fiducial no lúmen da agulha, o qual é empurrado com o estilete. Essa técnica pode ser desafiadora nos casos em que a agulha está angulada, além da possibilidade de entrarem bolhas de ar na agulha após a retirada do estilete, prejudicando a visualização adequada do procedimento. Na técnica pela ponta, a agulha é carregada com o estilete previamente à sua introdução. Inicialmente, o estilete é retraído 10 mm, seguido da colocação do fiducial em sua ponta. Existem ainda agulhas já pré-carregadas com fiducials, que não demonstraram superioridade em estudos clínicos.

No Brasil, atualmente, está disponível o modelo da LumiCoil® da Boston Scientific, feito de platina, nos tamanhos 5 mm no formato reto e 10 mm no formato coil, ambos compatíveis com agulha FNA 22G, sendo possível o carregamento pela ponta e pelo luer na reta e apenas pela ponta na coil.

Resultados

Com relação ao sucesso técnico do procedimento, as revisões demonstraram resultados entre 96 e 98%. A dificuldade técnica ocorre principalmente nos casos de lesões em cabeça pancreática ou processo uncinado, utilizando agulhas de 19G e carregamento pelo luer.

O risco de migração fica em entre 3 e 4% e pode ocorrer de forma imediata devido a dificuldades técnicas ou mesmo tardio por regressão do tumor após terapia neoadjuvante. Inflamação e sangramento consequentes ao trauma na introdução do fiducial também podem levar à migração.

Os eventos adversos costumam ser leves, em torno de 4%, sendo os mais comuns pequenos sangramentos, pancreatites e infecções leves. Com o intuito de evitar infecções mais importantes, a profilaxia antibiótica deve ser sempre realizada.

Conclusão

A técnica de introdução de fiducials por meio da ecoendoscopia tem papel importante na radioterapia estereotáxica, auxiliando na utilização da técnica, porém ainda são necessários estudos prospectivos e randomizados para definição de melhor técnica e material. Dessa forma, a discussão prévia entre ecoendoscopistas, oncologistas, cirurgiões e radioterapeutas deve ser sempre realizada.

Veja abaixo o vídeo sobre esse fiducial:

Resumo

  • Fiducial: marcador radiopaco para radioterapia estereotáxica;
  • Material: sólidos (ouro, platina e carbono) e líquidos (em testes clínicos);
  • Formato: reto e coil;
  • Agulhas FNA para implantação: 22G e 19G.

Como citar este artigo

Oliveira JF. Você sabe o que é fiducial?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/voce-sabe-o-que-e-fiducial/

Quer saber mais sobre fiducials?

Acesse os links abaixo:

  1. https://www.bostonscientific.com/en-US/products/fiducial-markers/lumicoil-platinum-fiducial-markers.html
  2. Kerdsirichairat T, Shin EJ. Role of endoscopic ultrasonography guided fiducial marker placement in gastrointestinal cancer. Curr Opin Gastroenterol. 2020 Sep;36(5):402-408. doi: 10.1097/MOG.0000000000000662. PMID: 32740001.
  3. Yoo J, Kistler CA, Yan L, Dargan A, Siddiqui AA. Endoscopic ultrasound in pancreatic cancer: innovative applications beyond the basics. J Gastrointest Oncol. 2016 Dec;7(6):1019-1029. doi: 10.21037/jgo.2016.08.07. PMID: 28078128; PMCID: PMC5177581.
  4. Kim SH, Shin EJ. Endoscopic Ultrasound-Guided Fiducial Placement for Stereotactic Body Radiation Therapy in Pancreatic Malignancy. Clin Endosc. 2021 May;54(3):314-323. doi: 10.5946/ce.2021.102. Epub 2021 May 28. PMID: 34082487; PMCID: PMC8182253.

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?

Atualmente, existem vários tipos de balão intragástrico no mercado e em estudo. Os tipos de balão incluem os preenchidos com ar, líquido, os duplos, ajustáveis e deglutíveis.

Tipos de balão intragástrico

Tipos de balão intragástrico. Imagens divulgação.

Porém, nesta revisão, iremos abordar apenas os preenchidos com líquido e implantados por endoscopia, que são os mais usados no nosso meio.

O primeiro balão intragástrico disponível no Brasil foi o balão de líquido, que podia permanecer no estômago por um período de 6 meses. Esse balão foi por bastante tempo a única opção para os nossos pacientes. Com o passar do tempo, o balão de líquido ajustável para tratamentos com um ano de duração chegou ao mercado e, mais recentemente, o balão de 1 ano não ajustável.

Com um maior número de opções, surgiu a dúvida: quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?

Balões intragástricos colocados por endoscopia e preenchidos com líquido

Balões intragástricos colocados por endoscopia e preenchidos com líquido. Imagens divulgação.

Para tentar responder a essa pergunta, realizei uma breve revisão de literatura comparando os balões em relação a vários fatores, incluindo custo, volume, resultados, tempo de permanência, ajuste e complicações.

Vamos lá!

Existe diferença no preço dos balões?

O valor pago pelo balão pode variar bastante dependendo da região, do número de balões comprados e da relação do médico com a empresa fornecedora. Porém o balão de seis meses tende a ter um preço mais baixo quando comparado com o balão de um ano ajustável e não ajustável.

O volume de preenchimento faz diferença?

Não existe diferença no volume de preenchimento entre os três tipos de balão intragástrico comparados. Os três sugerem em bula um preenchimento de, pelo menos, 400 ml e, no máximo, 700 ml. Sabemos que os balões toleram volumes maiores, mas seu uso é off label.

Em relação ao volume, vale a pena citar uma meta-análise publicada em 2017 que avaliou 5549 pacientes com balões preenchidos com volumes variando de 400 a 700 ml (1). Por incrível que pareça, não houve associação entre maiores volumes de preenchimento do balão com maiores perdas de peso. O que se observou foi que balões com menos de 600 ml apresentavam uma maior taxa de impactação antral e refluxo quando comparados com balões acima desse volume, sem diferença nas outras complicações. Com isso, o estudo sugeriu que o volume utilizado para o preenchimento do balão intragástrico deve ser entre 600 e 650 ml.

O tempo de permanência faz diferença na perda de peso?

Com o lançamento do balão para tratamento de um ano de duração, houve uma grande expectativa em relação aos seus resultados. Será que os pacientes continuariam perdendo peso após os 6 meses? Vários estudos foram realizados comparando a perda de peso entre os tratamento de seis meses e um ano de duração (2-8).

Os resultados variam um pouco, com alguns estudos mostrando perdas discretamente melhores para o tratamento de 6 meses e outros para o de um ano, mas, na média, não existe diferença significativa na perda de peso máxima entre os dois tratamentos. Os resultados são semelhantes e variam entre 13 e 20% de perda de peso total.

E no reganho de peso? Existe diferença em relação ao tempo de permanência do balão?

Um estudo muito interessante publicado por Russo et al (6) avaliou prospectivamente dois grupos de pacientes após removerem o balão intragástrico. Um grupo que utilizou o balão de 6 meses e um grupo que utilizou o balão de um ano. No momento da remoção, os dois grupos haviam apresentado a mesma média de perda de peso (20 kg + 3). Os grupos foram acompanhados por 9 meses, e o reganho de peso após a remoção foi semelhante entre os dois grupos, como pode ser observado na tabela abaixo.

Tabela l. Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Tabela l. Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Tabela l.  Os dois grupos perderam 20+ 3 Kg ao final do tratamento. As células seguintes mostram o reganho médio de peso em cada uma das visitas de acompanhamento.

Apesar disso, o balão de 1 ano apresenta uma vantagem muito interessante em relação ao balão de seis meses. O reganho de peso começa 6 meses depois quando comparado com o balão semestral, dando um maior tempo para o paciente se adaptar aos hábitos mais saudáveis.

Ajuste para aumentar o balão faz diferença?

A possibilidade de ajustar o balão também foi uma novidade muito esperada, e acreditava-se que poderia fazer uma grande diferença quando o paciente atingisse o platô de perda de peso.

Fittipaldi-Fernandes et al publicaram um estudo prospectivo randomizado muito interessante avaliando esse tema. Eles estudaram 180 pacientes. Um grupo no qual o balão foi preenchido com 600 ml e mantido durante um ano e outro grupo no qual o balão foi preenchido com 600 ml e após 6 meses reajustado com mais 250 ml. O grupo que foi ajustado apresentou uma perda média de 4,35 kg a mais do que o grupo não ajustado, mas sem diferença estatística na porcentagem de perda de peso total, na perda de excesso de peso ou no IMC (9).

Isso ocorre porque os pacientes que não perdem peso inicialmente com o balão (em torno de 8% dos pacientes) não costumam responder com o aumento do volume do balão. Esses casos são mais bem manejados com medicações para perda de peso. Os pacientes que mantêm sensação de saciedade e perdendo bem peso também não se beneficiam muito com os ajustes. Talvez, o grupo que mais tenha resultado são os pacientes que apresentaram uma boa perda de peso e queixam de perda da saciedade (10).

Importante lembrar também que ajustes com volume muito baixo não são efetivos nem, muitas vezes, notados pelos pacientes. Se um ajuste para mais for realizado, ele deve ser de no mínimo 150 ml.

Aqui, sim, em minha opinião, é a maior vantagem do balão ajustável. De acordo com dados do Consenso Brasileiro de Balão Intragástrico, que avaliou mais de 40.000 casos, a incidência de intolerância ao balão é de 2,2%. Além disso, há mais 0,9% dos pacientes que apresentam a hiperinsuflação espontânea do balão (11).

Se essas complicações ocorrerem com um balão não ajustável, o único tratamento possível é a remoção do balão. Quem trabalha com balão sabe que a interrupção precoce do tratamento é sempre uma grande dor de cabeça com queixas e questionamentos dos pacientes.

Se isso ocorrer com um balão ajustável, é possível resolver a complicação sem necessitar remoção e interrupção do tratamento. No caso de intolerância, o balão deve ser esvaziado até perder o seu formato esférico. Isso ocorre com volumes próximos ou um pouco menores do que 400 ml. No caso da hiperinsuflação, o balão deve ser esvaziado completamente e reenchido com um novo líquido. Sempre importante orientar o paciente que a hiperinsuflação pode ocorrer novamente.

Imagem de radiografia de abdome demonstrando balão hiperinsuflado com nível líquido

Imagem de radiografia de abdome demonstrando balão hiperinsuflado com nível líquido.

Complicações! Existe diferença na taxa de complicações entre os balões?

O Consenso Brasileiro de Balão Intragástrico (11) avaliou as complicações entre os diferentes tipos de balão. Não existe diferença significativa na taxa de incidência de hiperinsuflação, esvaziamento espontâneo, migração e perfuração no implante e explante.

Em relação às úlceras gástricas, o balão ajustável tem uma taxa de incidência de 5,7%, enquanto os outros balões apresentam taxas de apenas 0,4%. Dentre esses pacientes com úlcera no balão ajustável, 0,6% necessita interromper o tratamento. A maior incidência de úlceras com o balão ajustável está relacionada à presença do cateter de ajuste.

Úlcera pós balão intragástrico

Úlcera pós-balão intragástrico.

Enfim, quando usar cada tipo de balão?

Importante ressaltar que não existe contraindicação de nenhum dos tipos de balão para algum tipo específico de paciente, desde que as indicações e contraindicações do método sejam respeitadas.

Mas algumas sugestões podem ser feitas, sem nenhum critério de obrigatoriedade.

  • Pacientes preocupados com o custo do tratamento podem utilizar o balão mais barato;
  • Pacientes que precisam perder pouco peso ou que têm uma data para terminar o tratamento (algumas vezes um evento ou uma cirurgia que exigia perder peso para realizar) podem se beneficiar do tratamento mais curto – 6 meses;
  • Pacientes mais pesados ou com obesidade mais crônica: um tratamento mais longo é interessante;
  • Pacientes que moram longe ou que têm maior dificuldade para retornar para reavaliações: um balão com menor taxa de incidência de úlceras pode ser indicado;
  • Para aqueles pacientes que têm um maior risco de intolerância, como, por exemplo, pacientes colocando o seu segundo balão, a possibilidade de ajuste para reduzir o balão é importante.

Esses são alguns exemplos de situações em que um balão pode ser mais vantajoso do que os outros. Claro que nada disso é lei, como já escrevi, são apenas sugestões. Espero que esta revisão tenha sido útil.

Você também pode contribuir nos comentários com a sua opinião e experiência! Quando usa cada tipo de balão? Concorda com as sugestões acima? Conte para nós!

Para saber mais sobre este tema e outros relacionados, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Como citar este artigo

Orso IRB. Quando e para quem indicar cada tipo de balão intragástrico?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/quando-e-para-quem-indicar-cada-tipo-de-balao-intragastrico/

Referências

  1. Nitin Kumar et al. The Influence of the Orbera Intragastric Balloon Filling Volumes on Weight Loss, Tolerability, and Adverse Events: a Systematic Review and Meta-Analysis. OBES SURG. DOI 10.1007/s11695-017-2636-3. 2017
  2. Eisa Lari , Waleed Burhamah, Ali Lari, Talal Alsaeed, Khalid Al-Yaqout, Salman Al-Sabah. Intragastric balloons – The past, present and future. Annals of Medicine and Surgery. 2021.
  3. Seong Ji Choi and Hyuk Soon Choi. Various Intragastric Balloons Under Clinical Investigation. Clin Endosc 2018.
  4. Alfredo Genco, Daniela Dellepiane, Giovanni Baglio et al. Adjustable Intragastric Balloon vs Non-Adjustable Intragastric Balloon: Case–Control Study on Complications, Tolerance, and Efficacy. OBES SURG. 2013.
  5. Maíra L SCHWAAB1, Eduardo N USUY JR2, Maurício M de ALBUQUERQUE1, Daniel Medeiros MOREIRA1,
    Victor O DEROSSI1 and Renata T USUY2Assessment of weight loss after non-adjustable and adjustable intragastric balloon use. Arq Gastroenterol 2020.
  6. Teresa Russo a, Giovanni Aprea a, Cesare Formisano a, Simona Ruggiero a, Gennaro Quarto a, Raffaele Serra b, Guido Massa a, Luigi Sivero. BioEnterics Intragastric Balloon (BIB) versus Spatz Adjustable BalloonSystem (ABS): Our experience in the elderly. International Journal of Surgery. 2016.
  7. Vitor O. Brunaldi, Manoel Galvao Neto. Endoscopic techniques for weight loss and treating metabolic syndrome. Current opinion Gastroenterology. 2019.
  8. Diogo Moura, Joel Oliveira, Eduardo G.H. De Moura, Wanderlei Bernardo, Manuel Galvão Neto, Josemberg Campos, Violeta B. Popov, Cristopher Thompson. Effectiveness of Intragastric Balloon for Obesity: A
    Systematic Review and Meta-Analysis Based on Randomized Control Trials. Surgery for Obesity and Related Diseases. 2015.
  9. Ricardo José Fittipaldi-Fernandez, Idiberto José Zotarelli-Filho, Cristina Fajardo Diestel, Márcia Regina Simas Torres Klein, Marcelo Falcão de Santana, João Henrique Felicio de Lima, Fernando Santos Silva Bastos, Newton Teixeira dos Santos. Randomized Prospective Clinical Study of Spatz3® Adjustable Intragastric Balloon Treatment with a Control Group: a Large-Scale Brazilian Experiment. Obesity Surgery. 2020.
  10. Books J. One-Year Adjustable Intragastric Balloons: Do They Offer More than Two Consecutive Nonadjustable
    6-Month Balloons? Obesity Surgery. 2013.
  11. ManoelGalvao Neto, Lyz Bezerra Silva, EduardoGrecco, LuizGustavodeQuadros, André Teixeira, Thiago Souza, JimiScarparo, ArturA.Parad a, RicardoDib, Josemberg Campos, RenaMoon. Brazilian Intragastric Balloon Consensus Statement (BIBC): practical guidelines based on experience of over 40,000 cases. SOARD. 2017.

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Uso de adesivos tissulares para fechamento de fístulas do trato digestivo

A fístula enterocutânea é definida como uma comunicação do trato gastrointestinal com a pele ou em ferida aberta (fístula enteroatmosférica). Em mais de 2/3 dos casos, elas decorrem de manipulação cirúrgica prévia (recentemente também associada a procedimentos endoscópicos terapêuticos), com mortalidade global de 15-25% [1]. É uma condição de alta morbidade, usualmente necessitando de internação prolongada. O tratamento das fístulas gastrointestinais requer um manejo multidisciplinar, indo desde o diagnóstico (clínico ou por imagem), controle de infecção, nutrição, avaliação para necessidade de drenagem de coleções até a escolha do melhor método de intervenção para o seu fechamento.

As fístulas enterocutâneas podem ser classificadas em superficiais (trajeto curto-menores que 2 cm de extensão ou labiadas) ou profundas (trajeto longo) e com alto (acima de 500 mL/24 horas) ou baixo débito (abaixo de 200 mL/24 horas). Fatores como obstrução distal, presença de coleções/cavitações com abscesso, desnutrição importante, neoplasia e irradiação prévia estão associados a menor chance de fechamento da fístula.

Sempre que possível, o tratamento minimamente invasivo é a primeira escolha, mas, em casos de fístulas com contaminação grosseira de cavidades, septicemia e/ou instabilidade hemodinâmica ou fístulas atmosféricas labiadas (intestino exposto com evisceração), a abordagem cirúrgica deve ser considerada. Para fístulas com orifício interno pequeno (abaixo de 5 mm) e baixo débito, o uso de selantes deve ser considerado como primeira alternativa.

O uso de selante injetado por meio endoscópico foi descrito pela primeira vez em 1990, quando Eleftheriadis et al reportaram o uso de cola de fibrina para tratamento de fístulas enterocutâneas [3].

Desde então, várias técnicas de tratamento de fístulas gastrointestinais foram desenvolvidas, com ótimos resultados no manejo dessas complicações. Em 2015, o mesmo grupo grego publicou série de 25 anos de experiência do uso de selantes (fibrina e cianoacrilato) em 63 pacientes, com sucesso clínico e técnico de 96,8%, a maior série institucional reportada até o momento [4].

O uso de selantes para o fechamento de fístulas gastrointestinais consiste na injeção de uma substância líquida biocompatível com capacidade de solidificação dentro do trajeto fistuloso. Essa técnica requer, portanto, o uso de um cateter fino dentro do trajeto fistuloso, este usualmente inserido com auxílio de fio-guia. A injeção pode ocorrer a partir do orifício interno (endoscópico) e externo (percutâneo). A injeção de selantes por cateter no trajeto fistuloso é uma técnica muito segura com risco muito baixo, usualmente relacionados à reação ao agente selante (ex. aprotinina bovina – cola de fibrina) ou ao risco anestésico do próprio ato endoscópico. Os raros relatos de embolia aérea estão relacionados ao uso concomitante de fistuloscopia (introdução do endoscópio por dentro do trajeto fistuloso e insuflação aérea). O uso de cianoacrilato em grande quantidade no trajeto fistuloso pode teoricamente originar infecção e reação de corpo estranho, como visto em uso para colagem de tela sintética para tratamento de hérnias inguinais.

Para a aplicação dos selantes, recomenda-se realizar escarificação do trajeto fistuloso com intuito de aumentar a resposta inflamatória e consequente retração cicatricial. Isso pode ser feito com uso de uma escova de citologia biliar e coagulação com plasma de argônio em baixa potência. O uso de selantes pode ser combinado com próteses digestivas ou sutura endoscópica [5], para garantir selamento ou mesmo telas biológicas servindo como matriz/ancoragem [6].

O cianoacrilato e a cola de fibrina se destacam entre os selantes tissulares comercialmente disponíveis no Brasil, com características biológicas distintas. Existem outros materiais utilizados como selantes cirúrgicos, como a mistura de albumina/gluraldeído, cujos resultados preliminares na utilização em fechamento de fístulas perianais foram associados à sepse perineal [7].

A cola de fibrina possui a vantagem de ser facilmente reabsorvível, porém, mediante contato de secreções digestivas, ela pode se dissolver precocemente antes que ocorra a cicatrização do trajeto. Os dois componentes principais da cola de fibrina são o fibrinogênio humano reconstituído com aprotinina bovina sintética e a trombina reconstituída com cloridrato cálcio, que, quando misturados, formam um coágulo de fibrina (em um processo semelhante à coagulação sanguínea). O mecanismo de ação da cola de fibrina é bloquear a passagem do conteúdo gastrointestinal e promover reparo cicatricial através de migração celular local e angiogênese com proliferação fibroblástica e de queratinócitos. A cola de fibrina possui também propriedades hemostáticas, sendo utilizada em tratamento de hemorragia digestiva por injeção direta [7].

Para aplicação de cola de fibrina no trajeto fistuloso, idealmente deve-se realizar infusão através de mecanismo de dupla seringa para evitar solidificação do mesmo no trajeto. Os kits comerciais disponíveis no Brasil possuem um conector em Y junto à saída da seringa e um cateter lúmen único curto com finalidade para injeção em campo cirúrgico ou percutâneo. O uso de fibrina por via endoscópica requer um cateter longo, sendo necessária a utilização de um cateter coaxial com lúmen bipartido ou duplo-lúmen em paralelo (este fabricado de forma caseira como alternativa) para que a mistura dos componentes ocorra em sua extremidade, evitando-se a solidificação da mesma no trajeto (FIGURA 1). O cateter com lúmen bipartido possui um calibre menor (existem modelos comerciais a partir de 1.9 mm, não disponíveis no Brasil) comparado ao alinhamento caseiro de 2 cateteres. Outra dificuldade na utilização de um cateter longo é a extrusão de todo o componente retido no cateter, visto que o volume utilizado é pequeno – lembramos que uma agulha de 23G (1.9Fr) com 180 cm de comprimento pode reter mais de 2 mL de líquido em seu interior. A diferença de viscosidade das duas soluções pode levar a velocidades de infusão diferentes; deve-se atentar ao tipo de seringa utilizado com intuito de se atingir a proporção de injeção de 1:1. O uso de gás carbônico facilita a extrusão do material.

 

cateter fibrina corte longitudinal e transversa

Figura 1 – cateter fibrina corte longitudinal e transversal

Figura 3 – Dispositivo para injeção de gás carbônico a ser utilizado para injeção de cola de fibrina (extraído de www.nordsonmedical.com) O uso de cola de fibrina humana autóloga com a centrifugação do soro do próprio paciente para obtenção de cola de fibrina foi utilizado em 2 casos de fístula esofágica, com sucesso [8]. Nesses casos, a injeção é realizada na submucosa ao redor da fístula com agulha. No Brasil, não dispomos de cateter duplo-lúmen coaxial endoscópico para uso comercial. Para fabricar de forma caseira um cateter duplo-lúmen, podem-se utilizar 2 cateteres de colangiografia finos (a partir de 4Fr) ou 2 bainhas de cateter de injeção endoscópica de 23G (retiradas as agulhas e remontado o cateter), alinhados paralelamente (FIGURA 2). Essa última opção tem sido nossa preferência devido ao custo (FIGURA 3). Deve-se atentar ao calibre obtido, pois o seu uso requer um canal de trabalho terapêutico (a partir de 3.8 mm). Na falta de um cateter duplo-lúmen, outra opção descrita é realizar a injeção sequencial através de um cateter com lúmen único. O uso de cateter de colangiografia duplo lúmen de troca rápida não deve ser utilizado pelo risco de vazamento lateral [9].

Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente

Figura 2 – Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente

Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente. Detalhe – fixador de cateter

Figura 3 – Cateter injetor para cola de fibrina fabricado a partir de bainha de agulha injetora para endoscopia, dispostos paralelamente. Detalhe – fixador de cateter

Para uso em endoscopia, o cianoacrilato apresenta-se em 2 fórmulas [10]: o N-butil 2-cianoacrilato, também conhecido como embucrilato e comercializado no Brasil como Histoacryl (B. Braun Medical, Bethlehem, PA). O ocrilato, por sua vez, possui 8 carbonos em sua fórmula (2-octyl cyanoacrylate) e é comercializado no Brasil como Dermabond (Johnson & Johnson, New Bruns- wick, NJ). O Glubran 2 (GEM, Viareggio, Italy) contém metacriloxi sulfalano, o qual aumenta o tempo de polimerização e reduz a produção de calor reacional. O lipiodol é recomendado para utilização de mistura com enbucrilato na proporção de 1:1 a 1:1.6, com a vantagem de reduzir o tempo de polimerização e permitir visualização radiológica. Após injeção, a lavagem do cateter deve ser feita com água destilada. Ambas as versões farmacológicas de ocrilato não requerem uso de lipiodol e podem ser lavadas com solução salina fisiológica. As técnicas de injeção são as mesmas recomendadas para tratamento de varizes gástricas, com a diferença de a injeção ser por meio de um cateter dentro do trajeto da fístula.

Descrevemos um caso em que foi usada terapia a vácuo e colagem de fibrina por via endoscópica com sucesso como modalidade terapêutica para fístula traqueoesofágica pós esofagectomia.

O desenvolvimento de fístula traqueoesofágica (TE) é uma rara complicação associada a uma alta mortalidade em pacientes submetidos à esofagectomia. Estudos mostram que, caso a fístula TE não tenha cicatrização dentro de um período de 4 a 6 semanas, o tratamento conservador deve ser abandonado. Opções de tratamento hoje dependem de condições, como vascularização do conduto gástrico, a gravidade da pneumonia aspirativa e o volume do vazamento de ar, e usualmente podem incluir tanto intervenção cirúrgica com uso de retalhos como endoscópica com colocação de prótese intraluminal. Em outubro 2019, um indivíduo do sexo masculino de 53 anos com quadro de disfagia, astenia e emagrecimento apresentou diagnóstico de carcinoma escamocelular em esôfago distal, moderadamente diferenciado, invasor (EC III). Entre novembro e dezembro de 2019, fez tratamento neoadjuvante com quimioterapia e radioterapia (cross trial). Após exames de re-estadiamento, foi optado por esofagectomia total em 3 campos com acesso torácico por videocirurgia e reconstrução utilizando tubo gástrico em janeiro de 2020.

O pós-operatório (PO) se deu em UTI, sem necessidade de ventilação mecânica e em boas condições hemodinâmicas, com uso de baixas doses de drogas vasoativas. No 4º dia PO, o dreno em região cervical demonstrou alto débito de aspecto bilioso, sendo indicada tomografia de tórax, que visualizou uma coleção pequena entre tubo gástrico e traqueia com pequena quantidade de ar, derrame pleural à esquerda com focos de consolidação e pequeno pneumotórax. No 12º PO, iniciou com instabilidade hemodinâmica associada a desconforto respiratório e saída de ar pela ferida cervical, com necessidade de intubação orotraqueal e estabilização em UTI. Uma fibrobroncoscopia diagnóstica revelou traqueobronquite aguda leve com secreção purulenta abundante à esquerda e presença de fístula traqueomediastinal em traqueia distal, sendo realizada reabordagem cirúrgica com enxerto bovino para fechamento da mesma, sem sucesso. Após tratamento conservador com jejum e nutrição parenteral por 18 dias, sem melhora significativa do quadro, foi optado por intervenção endoscópica com terapia a vácuo. Realizou tratamento endoscópico por terapia utilizando pressão negativa (vácuo) intraluminal esofágico por 3 semanas, com trocas e reavaliações periódicas (a cada 5 dias), até redução significativa do orifício fistuloso (FIGURA 4). Em abril de 2020, realizou exame contrastado deglutido, o qual evidenciou pequeno trajeto fistuloso. Foi submetido à nova abordagem endoscópica com injeção de cola de fibrina (FIGURA 5), recebendo alta 1 semana após. Em retorno em agosto de 2021, o paciente referiu melhora clínica, sem queixas de disfagia ou respiratórias, e exames contrastado e endoscópico revelaram fechamento completo da fístula (FIGURA 6).

Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica puntiforme, com comunicação traqueal

Figura 4 – Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica puntiforme, com comunicação traqueal

Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica após injeção de cola de fibrina

Figura 5 – Orifício fistuloso em anastomose esôfago-gástrica após injeção de cola de fibrina

Anastomose esôfago-gástrica pérvia e ampla, sem solução de continuidade

Figura 6 – Anastomose esôfago-gástrica prévia e ampla, sem solução de continuidade

Autores

Eduardo A. Bonin*

Larissa M. S. Gomide*

Bruno Verschoor*

Ricardo S. de Bem*

Leticia Rosevics*

Bruna S. Fossati*

* Serviço de Endoscopia Digestiva, Hospital de Clínicas (UFPR)

Ilustrações

Rodrigo R. Tonan

Como citar este artigo

Bonin EA, Gomide LMS, Verschoor B, Bem RS, Rosevics L, Fossati BS. Uso de adesivos tissulares para fechamento de fístulas do trato digestivo. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/uso-de-adesivos-tissulares-para-fechamento-de-fistulas-do-trato-digestivo/

Referências

  1. Management Approaches for Enterocutaneous Fistulas. Heimroth J, Chen E, Sutton E. Am Surg. 2018 Mar 1;84(3):326-333.
  2. Bhurwal A, Mutneja H, Tawadross A, Pioppo L, Brahmbhatt B. Gastrointestinal fistula endoscopic closure techniques. Ann Gastroenterol. 2020;33(6):554-562.
  3. Eleftheriadis E, Tzartinoglou E, Kotzampassi K, Aletras H. Early endoscopic fibrin sealing of high-output postoperative enterocutaneous fistulas. Acta Chir Scand. 1990 Sep;156(9):625-8.
  4. Kotzampassi K, Eleftheriadis E. Tissue sealants in endoscopic applications for anastomotic leakage during a 25-year period. Surgery. 2015 Jan;157(1):79-86.
  5. Bonin EA, Wong Kee Song LM, Gostout ZS, Bingener J, Gostout CJ. Closure of a persistent esophagopleural fistula assisted by a novel endoscopic suturing system. Endoscopy. 2012;44 Suppl 2 UCTN:E8-9.
  6. Abbas MA, Tejirian T. Bioglue for the treatment of anal fistula is associated with acute anal sepsis. Dis Colon Rectum. 2008 Jul;51(7):1155; author reply 1156.
  7. Böhm G, Mossdorf A, Klink C, Klinge U, Jansen M, Schumpelick V, Truong S. Treatment algorithm for postoperative upper gastrointestinal fistulas and leaks using combined vicryl plug and fibrin glue. Endoscopy. 2010 Jul;42(7):599-602. doi: 10.1055/s-0029-1244165.
  8. Iwase H, Kusugamf K, Tuzuki T, Suga S, Furuta R, Nakamura M, Funaki Y, Honjyo T, Kojima K, Maeda O. Endoscopic Fibrin Glue Injection with Coaxial Double Lumen Needle for Severe Upper Gastrointestinal Bleeding. Dig Endosc. 1998 Oct;10(4):335-342.
  9. Lucas M, Seeber P. Use of autologous fibringlue for endoscopic treatment of esophageal lesions. Endosc Int Open. 2015;3(5): E405-E408.
  10. Kumar N, Larsen MC, Thompson CC. Endoscopic Management of Gastrointestinal Fistulae. Gastroenterol Hepatol (N Y). 2014;10(8):495-452.
  11. Cameron R, Binmoeller KF. Cyanoacrylate applications in the GI tract. Gastrointest Endosc. 2013 Jun;77(6):846-57.

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Você conhece as características de alto risco do GIST gástrico?

Os tumores estromais gastrointestinais (GISTs) são as neoplasias mesenquimais mais frequentemente observadas no trato digestivo.

Elas são mais comumente diagnosticadas entre a quinta e a sétima décadas de vida, com igual distribuição entre ambos os sexos.

Mais da metade delas (50-70%) são de localização gástrica e facilmente visualizadas pelo exame de endoscopia digestiva alta (EDA), fazendo parte do grupo das lesões subepiteliais.

No estômago, a maioria é assintomática e de baixo potencial maligno, sendo descoberta de forma incidental durante uma EDA realizada por causa não relacionada. Nessas, a conduta expectante com acompanhamento periódico é aceita e frequentemente adotada.

No entanto, por exibirem comportamento biológico variável, o desafio até o momento está em diferenciar com precisão as lesões tipicamente benignas daquelas com fenótipo maligno, visto que há relatos de que não somente os GISTs grandes e com alto índice mitótico exibem um curso clínico desfavorável. Para isso, existem sinais de alerta que precisam ser conhecidos e que merecem ser levados em consideração visando adotar conduta mais invasiva, seja através da ressecção endoscópica ou cirúrgica, caso necessário.

A primeira coisa a ser considerada é a apresentação clínica do paciente, investigando a presença, ou não, de sintomas. Sangramento digestivo alto (traduzido por hematêmese, melena ou anemia), perda ponderal e sintomas obstrutivos por efeito de massa, como vômitos, dor e distensão abdominal, levantam a bandeira do alerta de que algo não está indo bem, e o próximo passo é a realização de uma EDA.

À endoscopia, os GISTs usualmente se apresentam como lesões arredondadas/ovaladas que se projetam para o lúmen, com consistência firme ao toque da pinça, recobertas por mucosa similar à adjacente e com sinal da tenda presente. Lesões com tamanho superior a 3 cm, com bordas irregulares, que apresentam crescimento acelerado nos exames de seguimento, e as ulceradas estão associadas a um maior risco de malignidade.

Ecoendoscopia

A ecoendoscopia é exame fundamental no diagnóstico e acompanhamento das lesões subepiteliais e vem, dia a dia, tornando-se mais acessível nos diversos centros do país, sendo cada vez mais solicitada para a avaliação dos GISTs. Nela, os GISTs tipicamente são lesões hipoecoicas e homogêneas, originadas da quarta (muscular própria) ou, mais raramente, da segunda camada (muscular da mucosa).

As características ecoendoscópicas reportadas como relacionadas a alto risco são:

  • tamanho superior a 2 cm (figura 1 );
  • presença de bordas irregulares;
  • áreas anecoicas internas (espaços císticos) (figura 3);
  • focos ecogênicos (figura 2);
  • padrão heterogêneo;
  • linfonodos regionais de características malignas.

figura 1 ecoendoscopia área cística

figura 1 ecoendoscopia área cística

figura 2 ecoendoscopia SAP e Lesão

figura 2 ecoendoscopia SAP e Lesão

figura 3 ecoendoscopia área anecóica

figura 3 ecoendoscopia área anecóica

Por fim, a avaliação do índice mitótico é de extrema importância para determinar o risco de metástases, mas infelizmente o volume de material obtido pela punção ecoguiada é usualmente insuficiente para essa avaliação.

Assim sendo, na busca de adotar a melhor conduta de forma parcimoniosa, sempre que constatados indícios de maior risco de malignidade, conforme descrito acima, a ressecção da lesão deve ser procedida usando a técnica mais apropriada e acessível a cada caso.

Como citar este artigo

Ribeiro MSI. Você conhece as características de alto risco do GIST gástrico?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/voce-conhece-as-caracteristicas-de-alto-risco-do-gist-gastrico/

Referências

  1. Kazuya Akahoshi, Masafumi Oya, Tadashi Koga, and Yuki Shiratsuchi. Current clinical management of gastrointestinal stromal tumor. World J Gastroenterol.2018 Jul 14; 24(26): 2806–2817.
  2. Yang et al. A multivariate prediction model for high malignancy potential gastric GI stromal tumors before endoscopic resection. Gastrointestinal Endoscopy 91 Issue 4
  3. Hen T.H., Hsu C.M., Chu Y.Y. et al. Association of endoscopic ultrasonographic parameters and gastrointestinal stromal tumors (GISTs): Can endoscopic ultrasonography be used to screen gastric GISTs for potential malignancy? Scand J Gastroenterol. 2016; 51: 374-377

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Você conhece a pancreatite paraduodenal (groove pancreatitis)?

Trata-se de uma forma incomum de pancreatite crônica que afeta a área localizada entre a parede duodenal medial, a cabeça do pâncreas e o colédoco (Figura 1). É uma causa pouco familiar para a maioria dos médicos e, portanto, geralmente subdiagnosticada [1]. Foi descrita pela primeira vez em 1970 por Potet e Duclert [2].

Muitos termos são considerados sinônimos de pancreatite paraduodenal (PP), como distrofia cística duodenal, cisto de parede paraduodenal, pancreatite de sulco (groove pancreatitis), mioadenomatose, distrofia cística do pâncreas heterotópico e também hamartoma duodenal pancreático [1,2,3,6].

Há duas formas de apresentação:

  • pura: quando as alterações fibroinflamatórias acometem exclusivamente o sulco paraduodenal, com preservação do parênquima pancreático;

segmentar: quando há o acometimento da porção dorsomedial da cabeça do pâncreas, com acometimento do ducto pancreático principal (DPP).

Figura 1: essa imagem mostra o sulco pancreáticoduodenal (círculos azuis), um “espaço teórico” entre a parede duodenal medial, cabeça do pâncreas e o colédoco.

Epidemiologia

Acomete majoritariamente homens caucasianos, com idade entre 40 e 50 anos, associado a histórico de alcoolismo pesado e, na maioria, concomitante a tabagismo de longa data [1,4]. A incidência não é bem estabelecida. Numa série de pacientes submetidos à pancreaticoduodenectomia por pancreatite crônica, a incidência variou de 2,7% a 24,5% [4].

Etiologia

É provavelmente heterogênea e multifatorial. Um mecanismo proposto sugere que o consumo de álcool e a exposição ao tabaco aumentam a viscosidade de secreções pancreáticas que levam à estase e à obstrução do ducto, ocasionando inflamação local crônica na papila menor e na área ao redor da cabeça do pâncreas, além de calcificações do ducto de Santorini. Fibrose e cicatriz resultam em estenose do colédoco e no aumento da rigidez da parede duodenal com posterior estenose [1,4].

Úlceras pépticas também são potenciais desencadeantes associadas à forma segmentar em 41% de casos na série de Solte et al. Outros fatores incluem hipersecreção gástrica, ressecções gástricas prévias, cistos verdadeiros da parede duodenal e da cabeça do pâncreas [3,6].

Apresentação clínica

Dor abdominal, perda de peso importante e mais raramente pródomos de obstrução digestiva alta. Quando há acometimento do DPP, pode ocorrer diarreia, diabetes mellitus e icterícia [1,2,3,4].

Laboratório

As enzimas pancreáticas e hepáticas podem estar ligeiramente elevadas. Os marcadores tumorais CEA e CA 19-9 geralmente são normais [3].

Apresentação microscópica

Os achados patológicos comuns consistem em lesões císticas tanto na submucosa duodenal quanto na muscular própria. Esses cistos podem conter fluidos claros, material granular espesso e, ocasionalmente, cálculos. As características histológicas mais comuns de PP incluem hiperplasia da glândula de Brunner, tecido pancreático heterotópico na submucosa ou na muscular própria da parede duodenal, proliferação miofibroblástica, células estromais fusiformes, macrófagos carregados de lipídios e detritos celulares granulares. Não há achado específico [3,4,10].

Exames de Imagens

Endoscopia digestiva alta

Compressão extrínseca duodenal com mucosa sobrejacente aparentemente normal.

Tomografia computadorizada

Na forma pura, mostra uma massa laminar, em crescente, hipodensa, entre a cabeça pancreática e duodeno, perto da papila menor. A captação tardia de contraste é observada em alguns pacientes, devido ao fluxo sanguíneo reduzido causado pela proliferação de tecido fibrótico. [3]

Ressonância magnética (RM)

Massa laminar no sulco hipointensa em T1 em comparação com o parênquima pancreático. Na sequência T2, pode ser hipo-iso (quadro tardio) ou ligeiramente hiperintenso (caso agudo pelo edema). Não é frequente infiltração para o retroperitônio nem o acometimento de vasos [1,3].

Colangio-RM

É, atualmente, o principal recurso para visualizar o DPP e o ducto biliar comum. Revela um padrão regular, liso e suave de estreitamento da porção intrapancreática do colédoco distal, diferentemente dos casos de neoplasia [3].

Ecoendoscopia ± biópsia (EUS)

Ferramenta imprescindível na abordagem das lesões pancreaticobiliares. EUS localiza a anatomia exata e avalia a superfície envolvida, com a limitação que não é capaz de diferenciar infiltração e inflamação. Os achados da ecopunção podem mimetizar neoplasias, pela presença de células fusiformes abundantes ou grande número de células gigantes. Da mesma forma, área com fibrose não exclui neoplasia. Mas, em geral, EUS consegue diferenciar adenocarcinoma pancreático de PP, pela análise cito-histológica, em quase 90% dos casos [1,3,7,8,9].

Na série de Arvanitakis et al, o diagnóstico de PP foi baseado principalmente em RM e EUS, quando três sinais eram presentes:

  • espessamento duodenal;
  • cistos na parede duodenal;
  • massa no sulco.

A presença desses três sinais demonstrou identificar corretamente a PP com uma especificidade de 88,2% [2].

Diagnóstico diferencial

Hamartona duodenal, tumores neuroendócrinos do sulco, principalmente, o gastrinoma, tumor estromal gastrointestinal, pancreatite autoimune, neoplasia mucinosa papilar intraductal, cisto de colédoco, colangiocarcinoma distal, carcinoma duodenal, divertículo periampular, metástase ampular e pancreatite aguda com necrose ou pseudocistos.

Imagem endoscópica mostra lesão com projeção endoluminal na segunda porção duodenal, proporcionando diminuição da luz do órgão. Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Imagem endoscópica mostra lesão com projeção endoluminal na segunda porção duodenal, proporcionando diminuição da luz do órgão. Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Imagem ecográfica demonstra espessamento da parede duodenal, medindo 1.31 cm de diâmetro, com áreas císticas de permeio (setas). Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Imagem ecográfica demonstra espessamento da parede duodenal com áreas císticas de permeio (setas). Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Imagem ecográfica demonstra espessamento da parede duodenal, com áreas císticas de permeio. Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Transição da mucosa duodenal normal para área espessada (seta azul). Notam-se áreas císticas de permeio (seta amarela). Imagens cedidas pelo Dr. Felipe A. Retes.

Tratamento

Arvanitakis et al. mostrou que uma abordagem gradual para o tratamento da PP é viável, eficaz e está associada a uma taxa aceitável de complicações.

O tratamento dos sintomas agudos iniciais com medidas conservadoras (analgésicos, repouso pancreático e abstinência) pode ser útil a curto prazo. O uso da somatostatina demonstrou melhorar os resultados da abordagem não cirúrgica, sobretudo, na ausência de tratamento endoscópico devido à papila inacessível por compressão. Entre as desvantagens, está o alto risco de recorrência de sintomas após a interrupção do tratamento.

Em relação ao tratamento endoscópico, incluem-se várias modalidades, como drenagem do ducto pancreático, dilatação da estenose duodenal e drenagem endoscópica dos cistos.

Drenagem endoscópica através da papila menor melhora a dor e parece ser viável apenas no estágio inicial da doença, antes do desenvolvimento de cicatrizes graves e estenose duodenal importante.

A cirurgia é considerada o tratamento de escolha se sintomas refratários, nas complicações ou quando há suspeita de malignidade. A técnica de escolha é a duodenopancreatectomia cefálica ou a Técnica de Whipple [2,3,5].

Para saber mais sobre este tema e outros relacionados, acesse o site Gastropedia clicando aqui!

Como citar este artigo

Araújo GAB. Você conhece a pancreatite paraduodenal (Groove pancreatitis)?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/voce-conhece-a-pancreatite-paraduodenal-groove-pancreatitis

Referências

  1. Addeo G, Beccani D, Cozzi D, Ferrari R, Lanzetta MM, Paolantonio P, Pradella S, Miele V. Groove pancreatitis: a challenging imaging diagnosis. Gland Surg. 2019 Sep;8(Suppl 3):S178-S187. doi: 10.21037/gs.2019.04.06. PMID: 31559185; PMCID: PMC6755950.
  2. Arvanitakis M, Rigaux J, Toussaint E, Eisendrath P, Bali MA, Matos C, Demetter P, Loi P, Closset J, Deviere J, Delhaye M. Endotherapy for paraduodenal pancreatitis: a large retrospective case series. Endoscopy. 2014 Jul;46(7):580-7. doi: 10.1055/s-0034-1365719. Epub 2014 May 16. PMID: 24839187.
  3. Pallisera-Lloveras A, Ramia-Ángel JM, Vicens-Arbona C, Cifuentes-Rodenas A. Groove pancreatitis. Rev Esp Enferm Dig. 2015 May;107(5):280-8. PMID: 25952803.
  4. Larjani S, Bruckschwaiger VR, Stephens LA, James PD, Martel G, Mimeault R, Balaa FK, Bertens KA. Paraduodenal pancreatitis as an uncommon cause of gastric outlet obstruction: A case report and review of the literature. Int J Surg Case Rep. 2017;39:14-18. doi: 10.1016/j.ijscr.2017.07.043. Epub 2017 Jul 25. PMID: 28783521; PMCID: PMC5545816
  5. Kager LM, Lekkerkerker SJ, Arvanitakis M, Delhaye M, Fockens P, Boermeester MA, van Hooft JE, Besselink MG. Outcomes After Conservative, Endoscopic, and Surgical Treatment of Groove Pancreatitis: A Systematic Review. J Clin Gastroenterol. 2017 Sep;51(8):749-754. doi: 10.1097/MCG.0000000000000746. PMID: 27875360.
  6. Patel BN, Brooke Jeffrey R, Olcott EW, Zaheer A. Groove pancreatitis: a clinical and imaging overview. Abdom Radiol (NY). 2020 May;45(5):1439-1446. doi: 10.1007/s00261-019-02239-1. PMID: 31559471.
  7. Laugier R, Grandval P. Does paraduodenal pancreatitis systematically need surgery? Endoscopy. 2014 Jul;46(7):588-90. doi: 10.1055/s-0034-1377268. Epub 2014 Jun 30. PMID: 24979693.
  8. Ligresti D, Tacelli M, Amata M, Barresi L, Caruso S, Tarantino I, Traina M. Pure cystic groove pancreatitis: endosonographic appearance. Endoscopy. 2019 Aug;51(8):E235-E236. doi: 10.1055/a-0889-7569. Epub 2019 May 2. Erratum in: Endoscopy. 2019 Aug;51(8):C7. PMID: 31049896.
  9. Okasha H, Wahba M. EUS in the diagnosis of rare groove pancreatitis masquerading as malignancy. Gastrointest Endosc. 2020 Aug;92(2):427-428. doi: 10.1016/j.gie.2020.02.030. Epub 2020 Feb 27. PMID: 32112782.
  10. Jun JH, Lee SK, Kim SY, Cho DH, Song TJ, Park DH, Lee SS, Seo DW, Kim MH. Comparison between groove carcinoma and groove pancreatitis. Pancreatology. 2018 Oct;18(7):805-811. doi: 10.1016/j.pan.2018.08.013. Epub 2018 Aug 30. PMID: 30224296.

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Patologista em sala para punção ecoguiada, vale a pena?

Essa é uma pergunta bastante controversa e vem sendo debatida pelos experts há algum tempo, com resultados ainda conflitantes. Afinal, a avaliação citológica em sala ajuda ou apenas gera mais um ônus financeiro, visto que a maioria dos convênios atualmente não cobre essa prática no nosso país, sem trazer benefícios reais ao paciente?

O racional do emprego dessa modalidade seria fornecer uma avaliação em tempo real da adequabilidade do material obtido e, assim, aumentar a acurácia diagnóstica, diminuindo o número de punções realizadas e, consequentemente, os efeitos adversos do procedimento, além de reduzir o tempo de espera para o diagnóstico, permitindo início precoce do tratamento definitivo.

Até alguns anos atrás, os ecoendoscopistas eram unânimes em advogar o uso rotineiro do patologista em sala, sobretudo para lesões sólidas pancreáticas, e se baseavam nos poucos estudos publicados na época, que recomendavam veementemente essa prática. No entanto, trabalhos mais recentes estão demonstrando o oposto, colocando em cheque a permanência do patologista em sala. De fato, estudos multicêntricos randomizados controlados não demonstraram haver diferença significativa quanto a acurácia do diagnóstico, qualidade e adequabilidade da amostra, efeitos adversos e tempo de procedimento, apesar do número de punções ser menor se o patologista estiver presente.

Assim, os benefícios quanto a haver patologista em sala ainda permanecem com opiniões conflitantes, necessitando de mais investigação sobre o tema, e os obstáculos para expansão da prática incluem desde a escassez de citopatologistas treinados, passando por custo adicional elevado, até maior tempo de procedimento. Como a eficiência diagnóstica da punção ecoguiada é diretamente relacionada à experiência do médico executante e a técnica utilizada, as vantagens em haver o patologista em sala parecem ser maiores após exames com punções não diagnósticas, para os centros com baixa taxa de adequabilidade das amostras e para aqueles em que ecoendoscopistas se encontram em curva de aprendizado.

Como quase tudo em endoscopia evolui rapidamente, estão desenvolvendo novos meios para aumentar a acurácia diagnóstica das punções ecoguiadas. Alguns centros estão realizando treinamento dos ecoendoscopistas em citologia com o intuito não de diagnóstico imediato, mas, sim, de avaliar a adequabilidade do espécime. A telecitopatologia é outro método que vem ganhando destaque. Imagens em tempo real das lâminas preparadas pelo endoscopista são transmitidas remotamente para avaliação de um patologista treinado, reduzindo significativamente os custos desse profissional. Foram também introduzidos no mercado novos desenhos de agulhas de punção e pinças de biópsias, que preservam a arquitetura tecidual e fornecem material para análise histológica. Por fim, pesquisadores recentemente têm lançado mão da inteligência artificial para interpretar imagens de lâminas, com resultados encorajadores, mas ainda distantes da nossa realidade no país.

Como citar este artigo

Ribeiro MSI. Patologista em sala para punção ecoguiada, vale a pena?. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/patologista-em-sala-para-puncao-ecoguiada-vale-a-pena

Referências

  1. Keswani RN, Krishnan K,Wani S, et al. Addition of endoscopic ultrasound (EUS)-guided fine needle aspiration and on-site cytology to EUS-guided fine needle biopsy increases procedure time but not diagnostic accuracy. Clin Endosc.2014; 47:242-247
  2. Kandel P, Wallace MB. Recent advancement in EUS-guided fine needle sampling. J Gastroenterol. 2019;54:377-387
  3. Rapid on-site evaluation (ROSE) with EUS-FNA: The Rose looks beautiful. Yang F et al. Endosc Ultrasound. 2019:283-287

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Endoscopia no colangiocarcinoma

A obstrução biliar maligna é uma condição desafiadora, exigindo uma abordagem multimodal para diagnóstico e tratamento. O diagnóstico precoce é difícil de se estabelecer, pois a obstrução biliar costuma aparecer apenas em estágios avançados, consequentemente, na maioria dos pacientes (70%), os tumores são irressecáveis no momento do diagnóstico.

A maioria dos casos é esporádica, mas diferentes fatores que causam inflamação crônica da árvore biliar, como colangite esclerosante primária (CEP) e infecções crônicas, estão frequentemente implicados. Outras condições subjacentes são doença hepática policística, doença de Caroli e cistos de colédoco e contaminação por fascíola hepática.

Deve-se suspeitar com base em achados clínicos, como dor abdominal no quadrante superior direito e além de sintomas de obstrução biliar (síndrome ictérica). A ressonância magnética é o exame de escolha para avaliar a extensão da doença. Imagens ponderadas em T2, as quais exibem fluido com alto sinal de intensidade (branco), podem definir o nível de estenose biliar e identificar características malignas, como estenoses com mais de 1 cm de comprimento, margens irregulares e acotovelamentos.

A sobrevida média após ressecções R0 varia entre 1 e 4 anos, sendo as recorrências nesses casos de 50 a 70%. Além disso, a sobrevida nos tumores irressecáveis varia de 5 a 9 meses [1].

Abaixo, a classificação de Bismuth-Corlette, que divide esses tumores de acordo com sua localização:

Classificação de Bismuth-Corlette

Figura 1: classificação de Bismuth-Corlette

A endoscopia no colangiocarcinoma poderá ter três papéis de acordo com o estádio da doença:

  • diagnóstico por imagem;
  • obtenção de amostra tecidual;
  • paliação.

Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE)

Principal exame do arsenal endoscópico com funções tanto diagnósticas como terapêuticas.

O escovado citológico apresenta sensibilidade de 26 a 72%, e a biópsia de 15 a 100%, sendo que a acurácia, quando utilizados em conjunto, chega a 75% [2].


CPRE em colangiocarcinoma hilar

Figura 2: CPRE em colangiocarcinoma hilar

escova citológica

Figura 3: escova citológica utilizada no caso anterior que confirmou diagnóstico

Ecoendoscopia (EUS)

Trabalhos recentes mostram que a EUS apresenta acurácia diagnóstica de 76%, semelhante à CPRE nas lesões biliares. Esta deve ser especialmente realizada nas lesões distais, principalmente nos casos de dúvida quanto a origem biliar ou pancreática e nas lesões acima de 4 cm. Quando associada à CPRE, apresenta acurácia de até 93% [2].

Outra importante função da EUS é o estadiamento linfonodal. Em um estudo realizado em pacientes com colangiocarcinoma e indicação de transplante hepático, a punção de linfonodos pela EUS evidenciou o acometimento em 17% desses pacientes, evitando assim uma cirurgia desnecessária, devendo dessa forma fazer parte do estadiamento pré-operatório [3].

Colangioscopia (SpyGlass®)

Endoscópio em “miniatura” utilizado através do canal de trabalho do duodenoscópio por um operador único, com acurácia diagnóstica de 94%, apresenta as seguintes funções [4]:

  • avaliação visual de estenoses indeterminadas;
  • amostra tecidual através da pinça de biópsia própria;
  • direcionamento de fio guia para paliação.

sistema de colangioscopia SpyGlass®

Figura 4: sistema de colangioscopia SpyGlass®

 

Endomicroscopia confocal (Cellvizio®)

Consiste em uma sonda passada através do canal de trabalho do duodenoscópio até o local de estenose, realizando uma biópsia virtual e ao vivo, apresenta uma resolução até 1000x maior se comparado ao microscópio óptico padrão.

Após a injeção intravenosa de fluoresceína, esta se difunde através dos capilares e cora matriz extracelular do epitélio superficial. Os núcleos não absorvem o contraste e aparecem escuros, a diferença de contraste permite a análise arquitetônica da mucosa superficial, ajudando a diferenciar o tecido normal do neoplásico. Estudos demonstraram uma sensibilidade de 81 a 100% e especificidade de 61 a 88% [5].

estenose biliar benigna e malignaFigura 5. A: imagem de estenose biliar benigna; B: estenose biliar maligna demonstrado pelo espessamento e aglomerados escuros.

Drenagem biliar

Pré-operatória

Controversa, sendo que alguns estudos demonstraram maiores taxas de complicações pós-operatórias. Deve ser realizada nos seguintes casos [6]:

  • cirurgia postergada > 2 semanas;
  • quimioterapia neoadjuvante;
  • colangite;
  • icterícia sintomática (prurido).

Paliativa

Tem como objetivo a drenagem de, pelo menos, 50% do parênquima. Em geral, o lobo direito corresponde a quase 60% do volume, enquanto o lobo esquerdo e o lobo caudado correspondem a 30% e 10%, respectivamente [7].

Em comparação com a drenagem endoscópica através da CPRE, outras clássicas opções são:

  • drenagem cirúrgica: igual sucesso e maior patência, porém maiores taxas de complicações e mortalidade;
  • drenagem percutânea: mais eventos adversos, repetição de procedimentos, hospitalização prolongada, maior custo e desconforto do cateter externo, porém apresenta os melhores resultados no Bismuth IV e eventualmente no Bismuth III.

Stent metálico x plástico

Os metálicos apresentam menor disfunção e necessidade de reintervenções, sendo optados em pacientes com expectativa de vida acima de 4 meses. Apesar da preferência de muitos profissionais pelo descoberto, especialmente devido às estenoses hilares que correspondem a 60% dos casos, não há consenso na literatura. Os stents descobertos apresentam maiores taxas de obstrução, e os cobertos apresentam maiores taxas de migração.

Ablação por radiofrequência

Cateter introduzido através da CPRE, que produz energia térmica causando necrose tecidual tumoral, levando maior patência do stent e sobrevida [8].
cateter de radiofrequência Habib®

Figura 6: cateter de radiofrequência Habib®

Drenagem biliar ecoguiada

Alternativa normalmente reservada para casos de falha de CPRE. Entretanto, recentemente, ensaios clínicos randomizados comparando a drenagem ecoguiada e a CPRE demonstraram taxas similares de sucesso técnico, clínico, duração e eventos adversos, inclusive com menor taxa de disfunção de stent no grupo ecoguiado.endoscópica tardia de drenagem coledocoduodenal

Figura 7: visão endoscópica tardia de drenagem coledocoduodenal

Número de stents

Tendo em vista o objetivo de drenagem de pelo menos 50% do parênquima, o número de stents é relativo, porém seguindo a regra abaixo deverá ser atingido esse objetivo:

  • Bismuth I: 1 stent;
  • Bismuth II, III e IV:≥ 2 stents.

Abaixo, um fluxograma da abordagem das obstruções biliares:

fluxograma da abordagem das obstruções biliares

Quer saber mais sobre drenagem biliar ecoguiada? Acesse:

https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/drenagem-biliar-ecoguiada-breve-revisao/

https://endoscopiaterapeutica.net/pt/casosclinicos/coledocoduodenostomia-ecoguiada-um-procedimento-endoscopico-cirurgico/

Como citar este artigo

Fernandez J. Endoscopia no colangiocarcinoma. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/endoscopia-no-colangiocarcinoma

Referências

  1. Rerknimitr R, Angsuwatcharakon P, Ratanachu-ek T, et al. Asia-Pacific consensus recommendations for endoscopic and interventional management of hilar cholangiocarcinoma. J Gastroenterol Hepatol. 2013 Apr;28(4):593-607. doi: 10.1111/jgh.12128. PMID: 23350673.
  2. De Moura DTH, Moura EGH, Bernardo WM, et al. Endoscopic retrograde cholangiopancreatography versus endoscopic ultrasound for tissue diagnosis of malignant biliary stricture: Systematic review and meta-analysis. Endosc Ultrasound. 2018 Jan-Feb;7(1):10-19. doi: 10.4103/2303-9027.193597. PMID: 27824027; PMCID: PMC5838722.
  3. Jo JH, Cho CM, Jun JH, et al; Research Group for Endoscopic Ultrasonography in KSGE. Same-session endoscopic ultrasound-guided fine needle aspiration and endoscopic retrograde cholangiopancreatography-based tissue sampling in suspected malignant biliary obstruction: A multicenter experience. J Gastroenterol Hepatol. 2019 Apr;34(4):799-805. doi: 10.1111/jgh.14528. Epub 2018 Nov 21. PMID: 30378169.
  4. de Oliveira PVAG, de Moura DTH, Ribeiro IB, Bazarbashi AN, Franzini TAP, Dos Santos MEL, Bernardo WM, de Moura EGH. Efficacy of digital single-operator cholangioscopy in the visual interpretation of indeterminate biliary strictures: a systematic review and meta-analysis. Surg Endosc. 2020 Aug;34(8):3321-3329. doi: 10.1007/s00464-020-07583-8. Epub 2020 Apr 27. PMID: 32342216.
  5. Liu Y, Lu Y, Sun B, Zhang WM, Zhang ZZ, He YP, Yang XJ. Probe-based confocal laser endomicroscopy for the diagnosis of undetermined biliary stenoses: A meta-analysis. Clin Res Hepatol Gastroenterol. 2016 Dec;40(6):666-673. doi: 10.1016/j.clinre.2016.05.007. Epub 2016 Jun 24. PMID: 27350572.
  6. Dumonceau JM, Tringali A, Papanikolaou IS, et al. Endoscopic biliary stenting: indications, choice of stents, and results: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Clinical Guideline – Updated October 2017. Endoscopy. 2018 Sep;50(9):910-930. doi: 10.1055/a-0659-9864. Epub 2018 Aug 7. PMID: 30086596.
  7. Fernandez Y Viesca M, Arvanitakis M. Early Diagnosis And Management Of Malignant Distal Biliary Obstruction: A Review On Current Recommendations And Guidelines. Clin Exp Gastroenterol. 2019 Nov 5;12:415-432. doi: 10.2147/CEG.S195714. PMID: 31807048; PMCID: PMC6842280.
  8. Sofi AA, Khan MA, Das A, et al. Radiofrequency ablation combined with biliary stent placement versus stent placement alone for malignant biliary strictures: a systematic review and meta-analysis. Gastrointest Endosc. 2018 Apr;87(4):944-951.e1. doi: 10.1016/j.gie.2017.10.029. Epub 2017 Nov 3. PMID: 29108980
  9. Logiudice FP, Bernardo WM, Galetti F, et al. Endoscopic ultrasound-guided vs endoscopic retrograde cholangiopancreatography biliary drainage for obstructed distal malignant biliary strictures: A systematic review and meta-analysis. World J Gastrointest Endosc. 2019 Apr 16;11(4):281-291. doi: 10.4253/wjge.v11.i4.281. PMID: 31040889; PMCID: PMC6475700.

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!




Varizes esofágicas descendentes ou downhill varices

Por analogia, entende-se o plexo venoso esofágico como uma importante rede de bacias hidrográficas, que conecta as circulações portal e sistêmica.

A drenagem venosa do esôfago ocorre predominantemente pelos sistemas ázigos e hemiázigos.

Uma obstrução na veia cava superior (VCS) força o fluxo retrógrado de sangue para o átrio direito por meio de canais colaterais para a veia cava inferior (VCI).

Se essa obstrução for acima do nível da veia ázigos, o fluxo sanguíneo de volta para o coração ficará confinado à parte superior do esôfago, levando à formação de varizes no terço superior/proximal do órgão (“downhill varices”).

Em contraste, se a obstrução estiver abaixo ou envolvendo a veia ázigos, varizes se formarão na parte inferior/distal do esôfago (“uphill varices”), podendo acometer todo o órgão, como é o caso da hipertensão portal que força o fluxo sanguíneo para o sistema da VCI.

A trombose da VCS é a etiologia mais comum de varizes esofágicas descendentes (“downhill”), porém a obstrução também pode ser causada por hipertensão pulmonar grave, tumores da tireoide, doença de Behçet, constrição anormal do músculo cricofaríngeo, complicações com cateteres de hemodiálise, fibrose mediastinal e ligadura cirúrgica da VCS. Isso contrasta com as varizes ascendentes (“uphill”), que mais comumente causam sangramento e são resultados da hipertensão portal.

Apesar da malignidade ser descrita como a etiologia subjacente mais comum da obstrução da VCS, respondendo por até 60% dos casos, ela é responsável por apenas 14% dos casos de sangramento por “downhill varices”. As causas mais comuns dessa entidade são as complicações relacionadas aos cateteres venosos, frequentemente vistas em pacientes com doença renal em estágio terminal. Esse achado pode ser atribuído à lesão endotelial, fluxo sanguíneo turbulento e tendência para trombose, observada em pacientes em hemodiálise de longa duração.

A hemorragia digestiva é uma manifestação muito rara em pacientes com varizes descendentes. Na verdade, as varizes descendentes representam de 0,4 a 10% das varizes esofágicas, porém menos de 0,1% do total de pacientes que apresentam hematêmese. Isso pode ser atribuído ao fato de que essas varizes estão localizadas na submucosa do esôfago proximal, sendo menos suscetíveis a sangramento do que as varizes ascendentes secundárias à hipertensão portal, que, por sua vez, são mais superficiais (subepiteliais). A diminuição da exposição ao ácido gástrico também pode contribuir para a menor frequência de sangramento das varizes esofágicas proximais.

O tratamento definitivo deve ser direcionado para a causa subjacente da obstrução vascular, porque essa é a única abordagem que irá curar a síndrome clínica e também prevenir sua recorrência. Em casos em que há alto risco de procedimento ou baixa probabilidade de corrigir o distúrbio médico subjacente, existem outras abordagens para controlar as varizes descendentes. As opções endoscópicas mais comuns incluem ligadura elástica e escleroterapia. Essas abordagens devem ser realizadas sempre na extremidade proximal da variz, de onde o fluxo sanguíneo é fornecido, diferentemente do que os endoscopistas estão habituados a fazer nas varizes ascendentes (hipertensão portal), quando o tratamento ocorre a partir da extremidade distal. A ligadura elástica parece ser mais segura do que a escleroterapia no manejo das varizes do terço proximal do esôfago (“downhill varices”).

Como citar este artigo

Brasil G. Varizes Esofágicas Descendentes ou “Downhill Varices”. Endoscopia Terapêutica; 2021. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.net/pt/assuntosgerais/downhill-varices

Referências Bibliográficas

  1. Downhill Esophageal Varices: A Prevalent Complication of Superior Vena Cava Obstruction From Benign and Malignant Causes. J Comput Assist Tomogr. Volume 39, Number 2, March/April 2015
  2. Downhill esophageal varices: a therapeutic dilemma. Ann Transl Med 2018;6(23):463.
  3. Therapeutic approach to ‘‘downhill’’ varices bleeding. GASTROINTESTINAL ENDOSCOPY Volume 68, No. 5 : 2008.
  4. Bleeding ‘downhill’ esophageal varices associated with benign superior vena cava obstruction: case report and literature review. Loudin et al. BMC Gastroenterology (2016) 16:134
  5. Variants of Varices: Is It All ‘‘Downhill’’ from Here? Digestive Diseases and Sciences volume 60, pages316–319(2015)

Acesse o Endoscopia Terapêutica para tomar contato com mais artigos comentados, assuntos gerais, casos clínicos, quizzes, classificações e mais!